terça-feira, 12 de novembro de 2013

Tecnologia Social e Educação Ambiental

Horta agroecológica

  • Este documento consiste em uma reflexão sobre Tecnologia Social (TS) e Educação Ambiental (EA). Somos educadores ambientais e, nessa condição, temos interesse em enriquecer os nossos processos socioeducativos com perspectivas diferentes e complementares que podem torná-los mais completos. 
Portanto, a motivação inicial para a realização dessa pesquisa é a percepção de que as reflexões em torno da Tecnologia Social podem contribuir para a prática educativa dessa EA na qual estamos inseridos. 
  • Por outro lado, à medida em que aumentou nosso entendimento sobre TS, tornou-se evidente que as reflexões sobre EA também podem contribuir com processos de TS. Dessa forma, nos preocupamos em contribuir tanto para atores envolvidos em processos de EA quanto para aqueles envolvidos com a TS. 
Tanto nos campos teóricos da EA quanto da TS, são recorrentes reflexões sobre problemas sociais e ambientais e suas causas, já que ambas as áreas se propõem a contribuir para a resolução desses problemas. Sendo assim, é pertinente nos questionarmos: que problemas são esses? Quais suas causas? Existem soluções? 
  • A questão socioambiental é fruto da interpretação e intervenção do ser humano no contexto em que vive. Em tal contexto existem outros animais, os elementos naturais e sobretudo outros seres humanos. Assim, conflitos socioambientais são consequências das intervenções do ser humano em alguma realidade. 
Entretanto, nem todos os seres humanos têm a mesma possibilidade de intervir em alguma realidade, bem como os impactos sofridos pelas populações são de magnitudes e qualidade tão diferentes quanto as desigualdades sociais presentes. A seguir apresentamos alguns exemplos que confirmam essa afirmação.
  • Só reconhecemos que uma enchente é um problema ambiental se pessoas ou posses são prejudicados pela água, caso contrário interpretamos o preenchimento da calha do rio como um processo natural. É frequente recebermos notícias de pessoas que “invadiram” e construíram suas casas em regiões inapropriadas e que posteriormente foram atingidas por enchentes ou desmoronamentos. 
Fala-se muito que essas “invasões” (que nem sempre são invasões, mas sim loteamentos regulares) só ocorrem, pois há uma ocupação desordenada do território, ou ainda por negligência do poder público que não fiscaliza essas áreas.
  • Entretanto, se esse fosse o caso seria possível afirmar que o problema ocorre devido à falta de informação das pessoas e a negligência dos setores públicos, a solução, então, seria realizar amplas campanhas informativas e instrumentalizar os estados e municípios para a fiscalização de tais áreas. Infelizmente podemos verificar, ano a ano, que informações sobre o assunto são frequentes na imprensa e em campanhas e da mesma forma há ação do poder público para remover pessoas dessas áreas de risco e impedir novas ocupações, contudo o problema continua, seja com as pessoas indo para novas áreas ou reocupando as anteriores, dando a entender que não se trata de um problema de falta de conhecimento nem de gestão. 
O que pouco se fala é que essa ocupação ocorre em um processo histórico que, por exemplo, concentra as possibilidades de emprego e renda nos grandes centros urbanos, forçando as pessoas a se mudarem para essas regiões. Como os espaços seguros e/ou regulares já estão ocupados ou custam muito, essas pessoas que precisam morar nos centros urbanos ocupam as áreas que lhes restam, as várzeas dos rios e as encostas de morro. 
  • Assim, esse problema Socioambiental é causado por uma forma de organização da sociedade que concentra as possibilidades de sobrevivência das pessoas em centros urbanos e não dá as devidas condições para que elas tenham moradias adequadas. 
Ainda como exemplo, temos várias situações em que a modificação ambiental só é um problema se extrapola certos limites. 
  • O corte de árvores só é percebido como um problema ambiental (o desmatamento) quando feito de forma predatória alterando a dinâmica do ecossistema local (causando empobrecimento e desestabilização do solo, alterando o microclima, prejudicando o processo de escoamento de água e sua absorção pelo solo, reduzindo a disponibilidade de alimentos para fauna, dentre outros), caso contrário seria uma alteração no ambiente sem maiores problemas para o ecossistema. 
O resíduo produzido para a sobrevivência de qualquer ser vivo é basicamente matéria orgânica que, se descartada na natureza, demora poucas semanas para se decompor. 
  • O lixo só passa a ser um problema ambiental quando os seres humanos passam a se aglomerar em grandes centros urbanos, produzindo resíduos mais rapidamente do que eles se decompõem e produzindo materiais que demoram séculos para se decompor, tornando-se necessário reservar áreas enormes (cada vez mais escassas nas proximidades dos centros urbanos) somente para depositar esses resíduos. 
A coleta de água e o despejo de resíduos em corpos hídricos só passam a ser vistos como problemas ambientais quando é excedida a capacidade do corpo hídrico de decompor o material despejado causando diversos problemas, dentre eles aumento nos custos de coleta e tratamento dessa água, o que reduz a possibilidade de acesso a este bem.
  • Esses problemas citados acima são amplamente tratados em campanhas na imprensa e nas ruas, há muita informação sobre como cada indivíduo tem sua parcela de culpa e pode fazer “sua parte” para diminuir os problemas. 
O que pouco se fala é que cada um desses problemas ambientais se constituiu ao longo de um processo histórico, que tais problemas são causados por uma forma de organização da sociedade e, sendo assim, pouca eficiência terá se cada indivíduo tentar fazer sua parte, pois a parte possível para cada um nesse sistema é insuficiente para resolver tais problemas ambientais.
  • Ou seja, se todos cidadãos de Campinas economizassem água, reduzissem o lixo que produzem e parassem de comprar itens produzidos com madeira desmatada ilegalmente com certeza haveria melhoras na qualidade ambiental da cidade, tais como o prolongamento do tempo de vida do aterro sanitário, uma pequena redução dos custos com investimentos de novas estações de tratamento de água e esgoto e a redução do comércio ilegal de madeira, entretanto, o desmatamento na amazônia e no serrado continuaria para aumentar a área disponível para plantação de soja e cana-de-açúcar para exportação, o Rio Atibaia (na região de Campias) continuaria com problemas de poluição e disponibilidade de água devido à demanda crescente de água pelas indústrias e agricultura da região e continuaria sendo necessário que se utilizasse novas áreas para dispor os resíduos sólidos produzidos por mais de um milhão de habitantes e pela indústria local. 
Além disso, propor as mesmas “tarefas” para indivíduos em condições sociais extremamente desiguais é um tanto injusto, já que a parcela mais rica da população tem uma contribuição muito maior com a degradação ambiental do que a parcela mais pobre que, por sua vez, sofre muito mais com os conflitos socioambientais já que em muitos casos reside nas áreas ambientalmente mais vulneráveis, com pouca infraestrutura e com menos atenção política em momentos de decidir para onde vão os investimentos (onde acabam tendo prioridade a infraestrutura das áreas centrais e dos centros industriais). 
  • Como um último exemplo (mas longe de esgotar a infinidade de exemplos que poderiam ser apresentados) trazemos o Aquecimento Global. 
A emissão de gás carbônico e outros gases com capacidade de reter calor só passa a ser percebida como um problema ambiental quando se constata que eles potencializam o Efeito Estufa (nome dado ao fenômeno natural ocorrido pela presença de certos gases – gás carbônico e metano dentre outros – na atmosfera que retém o calor do Sol e possibilitam a estabilização da temperatura terrestre), levando a um aumento da temperatura média da Terra. 
  • Caso contrário, o Efeito Estufa seria considerado apenas um fenômeno natural. Identifica-se que o Aquecimento Global é acelerado pela queima de combustíveis fósseis que têm sido a principal fonte de energia da humanidade desde o processo de industrialização que se inicia no século XIX.
O aumento da temperatura média na Terra possivelmente causará uma diversidade de alterações no clima que prejudicarão milhões de pessoas (RATTNER, 2011). 
  • Este é um exemplo que ilustra perfeitamente a complexidade da crise socioambiental e como ela tem sido tratada como uma questão mais técnica e menos política. É nítida a relação entre esse problema ambiental e a sociedade, possivelmente seja esse o motivo do Aquecimento Global ser um dos temas ambientais mais discutidos e com mais propostas e tentativas de solução. 
Entretanto, as principais propostas são no sentido de fazer com que o próprio mercado, ou as próprias indústrias que emitem os poluentes reduzam suas emissões pela substituição de tecnologias recebendo incentivos fiscais e se inserindo em um mercado de permissões para emitir gases do Efeito Estufa. 
  • O discurso comum em debates sobre Aquecimento Global é o da substituição de tecnologias em uso por novas tecnologias que emitam menos gás carbônico. 
Embora já seja um começo, esse debate não é suficiente para responder à complexidade da problemática ambiental, pois continua a contar com um sistema que tem o lucro das empresas como seu ponto central; essas soluções, se funcionarem, estarão apenas mudando o conflito de lugar, já que para deixar de utilizar combustíveis fósseis é necessário plantar continentes de cana-de-açúcar, soja ou milho para produção de biocombustíveis e construir cada vez mais usinas hidroelétricas e nucleares, onde cada alternativa torna-se uma potencial fonte de novos conflitos socioambientais. 
  • Não há soluções prontas para este problema, contudo, arriscamos afirmar que soluções que não questionem o atual modelo de produção e sua forma de tomar decisões apenas serão paliativas, pois não terão mexido na verdadeira causa do problema um modelo de sociedade causador de desigualdade e exclusão que se pauta pelo lucro das grandes corporações. 
Nesse sentido, Foladori (2001) diferencia duas formas de interpretar a Crise Ambiental. Uma que considera que a relação entre humanidade e ambiente pode ser ilustrada pela relação entre três conjuntos homogêneos (humanidade, outras espécies e meio abiótico) na qual a crise consiste na relação desequilibrada entre o grupo (homogêneo) humanidade com os outros grupos. 
  • E outra forma que considera que o grupo humanidade não é homogêneo e está condicionado às relações entre grupos sociais desiguais, nesse caso a crise surge nas relações entre os próprios seres humanos. 
O autor enfatiza que não há dúvida de que existem limites físicos que estão sobre forte pressão da ação humana, contudo a crise ambiental não está aí, mas sim nas relações sociais de produção que condicionam uma ação generalizada e alienada frente ao OUTRO, seja um outro ser humano, seja os elementos que compõem o ambiente no qual nos inserimos. 
  • Desta forma, é possível reconhecer a pobreza, a fome e as desigualdades sociais em geral como elementos que compõem um problema socioambiental, pois elas são causadas pelo acesso desigual aos bens naturais, bem como pela organização da sociedade que permite que bilhões de pessoas passem fome enquanto poucos que têm o poder de decisão escolhem perpetuar esse modelo.
Autores ligados à EA Crítica (dentre eles: BRUGGER, 2004; GUIMARÃES, 2000a; LEFF, ̈ 2002; LOUREIRO, 2004) entendem que a Crise Socioambiental não se trata de questão relacionada com crescimento populacional e à escassez de recursos naturais. Tampouco se trata da falta de conhecimento sobre questões ambientais por uma parcela da população; trata-se de uma questão política e ideológica. 
  • Segundo esses autores, a Crise Ambiental é a crise de um modelo societário, é a crise de um certo modo de conceber o mundo, essa relação com ele e as relações entre as pessoas que o habitam. 
A noção hegemônica de desenvolvimento considera que crescimento econômico através da reprodução dos modelos de produção dos países ditos desenvolvidos é o único caminho possível. Tal noção legitima as desigualdades sociais e acalma as tensões sob falsas esperanças de que os benefícios desse desenvolvimento um dia serão estendidos a todos os excluídos. 
  • Para esses autores citados anteriormente, a crise reside na forma de enxergar o mundo que se generalizou em nossa sociedade; em outras palavras, as formas que têm sido utilizadas para construir a visão hegemônica de mundo (e todo conhecimento ligado a essa visão) estão nos levando a uma compreensão distorcida desse mundo. 
Tal compreensão tem sido fundamento de decisões que empurram a sociedade rumo à insustentabilidade. 
  • Sobre o atual modelo de sociedade, Santos (2007) identifica que a sociedade capitalista tem vários sistemas, e que eles podem ser resumidos em duas formas de domínio hierarquizado: o Sistema de Desigualdade e o Sistema de Exclusão. 
O Sistema de Desigualdade tem a forma mais comum na relação Capital/Trabalho, onde alguns possuem os meios de produção enquanto os outros precisam submeter-se ao trabalho assalariado e às decisões tomadas por aqueles que pagam seus salários, o trabalho escravo constitui-se na forma extrema do sistema de desigualdade. 
  • O Sistema de Desigualdade caracteriza-se pela assimetria no acesso aos benefícios produzidos pelo trabalho: enquanto os proprietários dos meios de produção se apropriam de todo excedente produzido, o trabalhador fica apenas com o salário estipulado pelo seu patrão. 
O Sistema de Exclusão tem sua principal manifestação nas diversas formas de preconceito: o sexismo, a homofobia, o nazismo, dentre diversas outras e ocorre quando um grupo social é considerado desmerecedor de algum direito que outros grupos possuem. 
  • Convivemos com formas brandas do Sistema de Exclusão, ele está presente sempre que uma pessoa com deficiência física não encontra uma rampa, ou quando alguém é privado de um serviço por não ter acesso à internet; suas formas extremas estão nas situações de extermínio étnico como ocorreram no Holocausto e ocorrem ainda hoje no Sudão. 
Esses sistemas são independentes, mas facilmente são identificados funcionando em conjunto, por exemplo, quando o trabalho de algum grupo social é desvalorizado, como ocorre na Europa com imigrantes que já estão dentro do Sistema de Exclusão e passam a trabalhar para o Sistema de Desigualdade.
  • Na ânsia de encontrar alternativas ao modelo atual, Santos (2002) identifica que atualmente as Ciências Sociais não são capazes de reconhecer experiências que possuem o potencial de realizar emancipação social e transformar este sistema. 
Nesse sentido ele identifica que há uma racionalidade ocidental dominante, a Razão Indolente, que não permite o reconhecimento de experiências sociais com potencial transformador. Dessa forma, para evitar o desperdício da experiência uma nova razão é necessária, a Razão Cosmopolita, que permitiria enxergar as experiências. 
  • Nesse sentido o autor argumenta que a Razão Indolente comprime o tempo presente reduzindo suas possibilidades e expande o tempo futuro onde estão todas as radiosas possibilidades da humanidade, por isso dificilmente as experiencias do presente são reconhecidas como válidas quando são comparadas às maravilhosas possibilidades do futuro. 
Assim, a Razão Cosmopolita deve expandir o presente e contrair o futuro, tornando possível reconhecer a experiência social em curso no mundo de hoje.

A educação ambiental vem incorporando o aspecto social às suas práticas. Reflexo disso é a maior atenção dada a comunidades em situação de vulnerabilidade ambiental.

  • A ação dessa EA consiste em criar espaços propícios para a descoberta de novas formas de perceber o mundo e os seus conflitos. 
Essa EA se preocupa com o despertar de um pensamento crítico por meio de processos de aprendizagem que vão além dos limites da “transmissão de conhecimento”, almejando a construção do conhecimento a partir do diálogo, da participação, da interação, do respeito à alteridade, do reconhecimento dos saberes populares e da ação, criando estruturas transformadoras constituídas por pessoas que se apropriam do seu potencial de discutir e compreender seus conflitos e intervir em suas realidades. 
  • As reflexões em torno da Tecnologia Social estão inseridas em um contexto de processos de produção autogestionários e solidários. 
Tais processos se constituem a partir da percepção de que o modelo de produção capitalista é gerador de exclusões e nunca deixará de sê-lo, tornado-se necessário pensar em outras formas de produção que deem conta de suprir as necessidades básicas de todas as pessoas. Por necessidades básicas entende-se a satisfação em todas as dimensões da vida humana, tais como moradia, alimentação, cultura, participação política e saúde ambiental. 
  • Assim, pessoas tem se organizado buscando desenvolver novas formas de produzir, repensando todos os valores e paradigmas que envolvem o trabalho, construindo processos de produção que não discriminem as pessoas e tampouco gerem diferenças sociais. 
Atualmente, esse movimento, que tem sido reconhecido como movimento da Economia Solidária, tem se constituído, para além de uma alternativa de produção, em uma forma de corrigir as distorções do sistema de produção capitalista, ao dar condições de sobrevivência para a uma parcela de seus excluídos. 
  • Dessa forma, a Tecnologia Social se constitui como uma alternativa tecnológica adequada aos processos de inclusão social (DAGNINO, 2010c). 
Entende-se que a Tecnologia Capitalista (TC) é desenvolvida de acordo com os valores presentes nos processos de produção capitalista (tais como o individualismo e a competitividade), por isso ela incorpora esses valores nos sistemas produtivos. A utilização de TC em processos solidários de produção incorpora em tais processos os valores não desejados da produção capitalista. 
  • Dessa forma, é necessário que se desenvolvam tecnologias que incorporem valores solidários nos sistemas produtivos e ainda viabilizem os empreendimentos solidários para que eles tenham alguma condição de se manter inseridos em um mercado capitalista (DAGNINO, 2010c). 
Entende-se que a questão principal em relação à TS é o envolvimento dos produtores no processo de desenvolvimento tecnológico. 
  • Tal processo, denominado Adequação Sociotécnica, ao envolver os usuários, propicia que eles se reconheçam como atores capacitados para entender suas próprias demandas e propor soluções, permitindo que compreendam integralmente a tecnologia que estarão utilizando, bem como entendam a importância do uso de tecnologias que permitam, por exemplo, um modo autogestionário de organização do processo produtivo (DAGNINO, 2010c). 
Educação Ambiental e Tecnologia Social se constroem a partir do questionamento das estruturas de poder estabelecidas e propõem formas de transformar estas realidades. Assim, EA e TS se apresentam como dimensões diferentes de um movimento contra-hegemônico que vem se constituindo. 
  • Em nossa discussão, percebemos que, enquanto a TS responde a alguns questionamentos da EA, tais como qual seria a forma apropriada de organização do trabalho em uma sociedade mais justa, a EA parece apresentar reflexões que dariam conta de processos de adequação sociotécnica já que apresenta um arcabouço metodológico propício para a construção coletiva de conhecimentos, respeitando as particularidades e demandas de cada participante. 

Tecnologia Social e Educação Ambiental