quarta-feira, 12 de março de 2014

A Gravidez na adolescência

Uma das causas da gravidez na adolescência mais alardeada é a desestrutura 
familiar.  Um lar que enfrenta conflitos constantes costuma abandonar os seus 
jovens, que se sentem muitas vezes perdidos e desamparados e buscam 
conforto de outras maneiras.

A minha mãe disse que me teve quando ela tinha 16 anos. Naquela época não era muito cedo não. Tava bom! Fazer o que? Mas hoje eu não quero isso pra mim. O tempo mudou. Tem que estudar mais, um filho ia acabar com a minha vida! Eu nem conto pra todo mundo que já fiquei grávida. (Paula, 17 anos, estudante, uma gestação interrompida aos 16 anos).
A adolescência corresponde ao período da vida entre os 10 e 19 anos, no qual ocorrem profundas mudanças, caracterizadas principalmente por crescimento rápido, surgimento das características sexuais secundárias, conscientização da sexualidade, estruturação da personalidade, adaptação ambiental e integração social.
  • Com a introdução dos cuidados de puericultura, melhores condições nutricionais, programas de vacinação, entre outros, tem havido diminuição da mortalidade infantil, o que resulta no aumento da população de adolescentes. No Brasil, corresponde a 20,8% da população geral, sendo 10% na faixa de 10 a 14 anos e 10,8% de 15 a 19 anos, estimando-se que a população feminina seja de 17.491.139 pessoas.
A análise do perfil de morbidade desta faixa da população tem revelado a presença de doenças crônicas, transtornos psico-sociais, fármaco-dependência, doenças sexualmente transmissíveis e problemas relacionados à gravidez, parto e puerpério.
  • A gravidez neste grupo populacional vem sendo considerada, em alguns países, problema de saúde pública, uma vez que pode acarretar complicações obstétricas, com repercussões para a mãe e o recém-nascido, bem como problemas psico-sociais e econômicos.
Quanto à evolução da gestação, existem referências a maior incidência de anemia materna, doença hipertensiva específica da gravidez, desproporção céfalo-pélvica, infecção urinária, prematuridade, placenta prévia, baixo peso ao nascer, sofrimento fetal agudo intra-parto, complicações no parto (lesões no canal de parto e hemorragias) e puerpério (endometrite, infecções, deiscência de incisões, dificuldade para amamentar, entre outros).
  • No entanto, alguns autores sustentam a ideia de que, a gravidez pode ser bem tolerada pelas adolescentes, desde que elas recebam assistência pré-natal adequada, ou seja, precocemente e de forma regular, durante todo o período gestacional, o que nem sempre acontece, devido a vários fatores, que vão desde a dificuldade de reconhecimento e aceitação da gestação pela jovem até a dificuldade para o agendamento da consulta inicial do pré-natal.
Têm sido citados também efeitos negativos na qualidade de vida das jovens que engravidam, com prejuízo no seu crescimento pessoal e profissional. Segundo Blum, 53% das adolescentes que engravidam completam o segundo grau, enquanto que, entre as adolescentes que não engravidam, essa cifra corresponde a 95%. Há, portanto, necessidade de avaliação quantitativa e qualitativa da questão, principalmente nos países em desenvolvimento, para verificação da necessidade da adoção de medidas pertinentes a sua prevenção e direcioná-las aos grupos mais vulneráveis.
  • Os países desenvolvidos estão, há algum tempo, interessados nesta questão. Nos Estados Unidos, Spitz et al. (1996)10, ocorreu um aumento de 8,8% em 1980 para 9,6% em 1990, na população de 15 a 19 anos e, de 7,4% em 1980 para 8,4% em 1990, na população com menos de 15 anos. No Brasil tem sido referido aumento da incidência da gravidez nesta faixa etária, com cifras que vão de 14 a 22%8,12-14. Alguns estudos têm sido realizados, sugerindo a necessidade de estratégias para a prevenção devido às repercussões negativas sobre a saúde do binômio mãe-filho e principalmente, sobre as perspectivas de vida futura de ambos.
As tentativas de prevenção devem levar em consideração o conhecimento dos chamados fatores predisponentes ou situações precursoras da gravidez na adolescência, tais como: baixa auto-estima, dificuldade escolar, abuso de álcool e drogas, comunicação familiar escassa, conflitos familiares, pai ausente e ou rejeitador, violência física, psicológica e sexual, rejeição familiar pela atividade sexual e gravidez fora do casamento. Tem sido ainda referidos: separação dos pais, amigas grávidas na adolescência, problemas de saúde e mães que engravidaram na adolescência15. Por outro lado, alguns estudos sugerem que, entre as adolescentes que não engravidam, os pais têm melhor nível de educação, maior religiosidade e ambos trabalham fora de casa.
  • É importante lembrar também, que deve ser incluída nas estratégias de prevenção, a averiguação de atitudes frente a adolescente que engravidou. Existem evidências do abandono escolar, por pressão da família, pelo fato da adolescente sentir vergonha devido à gravidez, e ainda, por achar que "agora não é necessário estudar". Pode haver também rejeição da própria escola, por pressão dos colegas ou seus familiares e até de alguns professores. Em 1990, Upchurch e McCarthy relataram em seu estudo que, 39% de adolescentes grávidas abandonaram a escola, enquanto que entre as não grávidas o abandono foi de 19%. Quanto ao retorno à escola e graduação, 30% de adolescentes que tinham engravidado voltaram e concluíram os estudos; quando não houve gravidez essa cifra correspondeu a 85%.
É importante, na abordagem de medidas preventivas, considerar quais adolescentes estão mais expostas ao risco de engravidar. Entre 7.134 partos de adolescentes ocorridos no município de Ribeirão Preto, São Paulo, observa-se entre gestantes adolescentes, cifras significantemente maiores entre aquelas atendidas pelo Sistema Único de Saúde (SUS), quando comparadas com jovens atendidas pelo sistema pré-pago (Convênio ou Particular), ou seja: 2,1% corresponderam a categoria particular, 17,9% a categoria convênio e 80,0% a categoria SUS. Segundo Rocha et al. (1997)19 a categoria de internação pode representar a categoria social ao qual o indivíduo pertence, considerando o grupo atendido pelo SUS, como população de baixa renda.
  • Esses dados são preocupantes devido às possíveis repercussões psico-sociais acarretadas pela gestação precoce. Considerando-se que, a gravidez na adolescência pode resultar no abandono escolar e que, o retorno aos estudos se dá em menores proporções, torna-se difícil a profissionalização e o ingresso no grupo de população economicamente ativa, com agravamento das condições de vida de pessoas já em situação econômica desfavorável.
Consideramos de grande importância conhecer a problemática no Brasil, em suas diferentes regiões, bem como identificar a população mais vulnerável aos efeitos negativos, que a gravidez possa acarretar, tanto para a mãe como para a criança. Assim devem ser estimulados os projetos e programas que visam a abordagem do tema, principalmente no que diz respeito a sua prevenção e também viabilizar publicações a esse respeito.
  • Neste sentido encontramos publicado no presente número deste valioso periódico, trabalho cujo capítulo é Gestação na Adolescência Precoce e Tardia – há diferença nos riscos obstétricos. Trata-se de estudo transversal, com avaliação analítica de um número considerável de adolescentes grávidas, atendidas em centro de atendimento terciário, considerando-se variáveis relacionadas a evolução da gestação e condições do recém-nascido, retratando de maneira adequada alguns aspectos da gestação na adolescência.

Enquanto suas amigas se preparam para a festa de formatura, você 
tem que trocar a fralda do bebê, amamentar e colocá-lo para dormir.
A gravidez precoce pode deixar marcas na vida de qualquer adolescente.

A Gravidez na adolescência:
  • Dados sobre a gravidez na adolescência vêm mostrando um aumento na taxa de fecundidade para esta população quando comparada a mulheres adultas, especialmente nos países mais pobres, como é o caso da América Latina. Segundo o Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei n.º 8069/90, adolescente é todo indivíduo com idade entre 12 e 18 anos e para a Organização Mundial de Saúde (OMS) esse período envolve indivíduos com idades entre 10 a 19 anos. 
Além das mudanças físicas impostas pela faixa etária, a adolescência envolve um período de profundas mudanças biopsicossociais, especialmente relacionadas à maturação sexual, a busca da identidade adulta e a autonomização frente aos pais. A gravidez nesse momento de vida oferece implicações desenvolvimentais tanto para o adolescente quanto para aqueles envolvidos nessa situação. A literatura tem tratado a gravidez na adolescência como um problema de saúde pública, especialmente pelo fato de propiciar riscos ao desenvolvimento da criança gerada e da própria adolescente gestante (Gontijo & Medeiros, 2004). No entanto, nem sempre a repercussão da gravidez pode ser identificada como um fator de risco. Cowan, Cowan e Shulz (1996) salientaram que os fatores de risco relacionam-se com eventos negativos de vida que, quando presentes, aumentam a probabilidade da pessoa apresentar problemas, mas reiteram que o risco deve ser visto como um processo e não uma única variável. Tal fato permite uma problematização do fenômeno da gravidez como risco e/ou proteção. Ao contextualizar a gravidez para aqueles adolescentes que vivem em situação de pobreza, o presente estudo buscou identificar os fatores de risco e os fatores de proteção associados a este acontecimento.
  • No Brasil, estima-se que aproximadamente 20-25% do total de mulheres gestantes são adolescentes, apontando que uma em cada cinco gestantes são adolescentes entre 14 e 20 anos de idade (Santos Júnior, 1999). Além disso, verifica-se que no Brasil, se assiste a um aumento do número de adolescentes que engravidam. Ao contrário do que acontece nos restantes países ocidentais, nos quais tende a ocorrer uma diminuição na ocorrência deste evento (Pesquisa GRAVAD, 2006).
Em levantamento realizado em 2004, Szwarcwald, Júnior, Pascom e Júnior (2004) constataram que os adolescentes brasileiros têm iniciado a vida sexual mais cedo e mantêm um maior número de parceiros. Segundo o Ministério da Saúde (2006), 36% dos jovens entre 15-24 anos relataram ter tido a primeira relação sexual antes dos 15 anos de idade, enquanto apenas 21% dos jovens entre 25-29 anos tiveram a primeira relação na mesma época. Destes, 20% afirmaram ter tido mais de dez parceiros nas suas vidas e 7% tiveram mais de cinco parceiros no último ano.
  • O aumento nas taxas de gravidez na adolescência pode ser explicado por diferentes causas, podendo variar de país para país. Dentre a complexidade de fatores de risco para analisar esta questão, destacam-se os aspectos socioeconômicos. Apesar do fenômeno atingir e estar crescente em todas as classes sociais, ainda há uma forte relação entre pobreza, baixa escolaridade e a baixa idade para gravidez. Além disso, fatores como a diminuição global para a idade média para menarca e da primeira relação sexual compõem um cenário de risco que colabora para o aumento dessas taxas. O estudo de Moura (1991), mostrou que no estado de São Paulo, a idade média para a menarca diminuiu significativamente de 13 para 11 anos de idade em uma década. De forma semelhante, o estudo de Cerqueira-Santos (2007), realizado em quatro capitais brasileiras, apontou que a idade média de iniciação sexual dos jovens de nível socioeconômico baixo está por volta dos 13 anos. Estudos anteriores, da década de 90, revisados por Santos Júnior (1999), revelavam médias entre 15 e 17 anos para a primeira relação sexual desta população.
Aquino et. al. (2003), em estudo multicêntrico no Brasil, encontraram que a prevalência de gravidez antes dos 18 anos de idade (maioridade legal brasileira) foi relatada por 8,9% dos homens e 16,6% das mulheres. O mesmo estudo relatou que a maior parte dos episódios de gravidez para esta população aconteceu no contexto de um relacionamento afetivo, sendo maior o relato masculino sobre a gravidez de uma parceira eventual do que um relato feminino sobre esta situação. Destacou-se, ainda, neste estudo o fato de que a ocorrência de uma gravidez antes dos vinte anos variou inversamente com a renda e a escolaridade.
  • Dados do Ministério da Saúde (2002) também indicaram que, nessa faixa etária (adolescência), a proporção de gravidez é de 23,5%. Nas meninas com idade inferior a 15 anos, este valor é de 0,9% e para aquelas entre os 15 e os 19 anos, 22,6%. Estes percentuais apresentam variações nos diferentes estados brasileiros, observando-se que São Paulo é aquele que apresenta uma incidência mais reduzida (19,5%), enquanto no Maranhão e Tocantins estes valores tomam uma maior dominância (32,3%) (Ministério da Saúde, 2006; Aquino et al., 2003).
Em 2006, num relatório do Ministério da Saúde, observou-se que a taxa específica de fecundidade (número de filhos, por faixa etária e região/população total dessa faixa etária nessa região) para adolescentes, com idades compreendidas entre os 15-19 anos era de 0,0714 no Brasil. Sendo que a maior incidência deste fenômeno ocorre no Norte (0,1034) do país, seguida do Nordeste (0,0860), Centro-Oeste (0,0818), Sul (0,0579) e Sudeste (0,0561).Observa-se que a gravidez na adolescência tem diferentes causas e envolve diferentes fatores de risco como, por exemplo, o crescimento da população de jovens e as modificações na forma como é atualmente vivida a sexualidade (Lima et al., 2004). 
  • Neste contexto, discute-se o conhecimento e o uso de métodos contraceptivos de diferentes maneiras. Algumas pesquisas apontam como risco para a gravidez na adolescência o início da vida sexual, aliada à falta de informação sobre meios contraceptivos e à deficiência de programas de apoio ao adolescente (Sabroza, et al., 2004). 
Tradicionalmente, a gravidez na adolescência era descrita como um problema social, associada à pobreza, encarada como comprometedora de um desenvolvimento saudável, tanto para a mãe, como para o seu filho. Contudo, estudos mais recentes descrevem o fenômeno de forma distinta, como resultante de múltiplas características e variáveis influenciadoras do desenvolvimento (Canavarro & Pereira, 2001). A maternidade adolescente é descrita como um produto de vários fatores de risco, nomeadamente, a história desenvolvimental dos pais, nível socioeconômico, redes de apoio, recursos psicológicos, idade dos progenitores a características de temperamento e desenvolvimentais do bebê (Jacard, Dodge, & Dittus, 2003).
  • Nesta perspectiva, é considerado redutor descrever a gravidez adolescente como um grupo homogêneo de risco, já que este é um fenômeno que ocorre numa variedade de transações possíveis e a vulnerabilidade de um dos elementos (por exemplo, mãe/bebê) poderá ser minimizado pela potencialidade de outros que, poderão funcionar como fatores protetores. De acordo com Rutter (1985, 1987) os fatores de proteção são compreendidos como aqueles que modificam, melhoram ou alteram as respostas pessoais a determinados riscos de desadaptação. Os atributos disposicionais das pessoas, a rede de apoio social e a coesão familiar são fatores protetivos que quando presentes contribuem para o enfrentamento do risco (Masten & Garmezy, 1985). Na vivência da gravidez na adolescência quanto maior o número de recursos internos e externos, maior a possibilidade de sucesso da unidade familiar, o risco poderá ser maximizado ou minimizado perante outras variáveis (Figueiredo, 2000).
Como lembram Heilborn et al. (2002), sob o termo “gravidez na adolescência” encontra-se uma faixa etária para a qual, por muito tempo, foi a época da vida ideal para ter um filho. Para Heilborn et al. (2002) o fenômeno da gravidez na adolescência “também ganha importância no cenário de mudanças operadas na concepção social das idades e do sexo que redefinem as expectativas sociais depositadas nos jovens nos dias atuais, sobretudo nas adolescentes do sexo feminino” (p.18). 
  • Os autores continuam argumentando que diante desta possibilidade atual de vivência da sexualidade desvinculada da reprodução, a gravidez se coloca como uma perda de oportunidades de vivências na juventude. Por esse motivo, a gravidez adolescente tende a ser indicada como um fator de risco no desenvolvimento, tanto dos pais como da criança, uma vez que se constitui um desafio para aqueles nela envolvidos (Canavarro & Pereira, 2001; Levandowski & Piccinini, 2004; Soares, Marques, Martins, Figueiredo, Jongenelen, & Matos, 2002).
A perspectiva de que a gravidez deverá surgir num contexto de planejamento, estabilidade econômica e afetiva (Leal, 2000) é uma visão que não inclui a diversidade de adolescências que podem ser vividas nem as possibilidades que os diversos contextos fornecem para o seu desenvolvimento. A possibilidade da adolescência poder ser vivida como fase de transição para a vida adulta é exclusiva da classe média, já que os adolescentes de classes populares não terão esta oportunidade. Pelo contrário, para eles, a adolescência pode ser uma fase em que terão que assumir a responsabilidade da sua vida, nomeadamente, na necessidade de arranjar trabalho e definir o seu relacionamento afetivo. Esta posição é partilhada por Heilborn et al. (2002). Segundo as pesquisadoras analisar o impacto da gravidez nas trajetórias escolar e profissional dos adolescentes, requer um exercício de relativização destas instâncias nas vidas destes jovens das diferentes classes sociais.
  • O fenômeno do prolongamento da juventude não parece ter grande impacto para o grupo de baixo nível socioeconômico, no qual há uma preocupação dominante com a sobrevivência, o que influencia a sua relação com a escola. Nestes grupos, a escola é encarada como uma necessidade provisória até permitir o acesso a um trabalho que assegure a subsistência e permita contribuir para o orçamento familiar. Por esse motivo, a análise dos casos de gravidez adolescente deve contemplar o histórico e o retrato da situação referente à relação destes jovens com a escola, o trabalho e a família e as múltiplas variáveis associadas a um percurso individual de vida.
Dados da pesquisa GRAVAD (2006) reforçam esta perspectiva. Os valores apresentados revelam que 42,1% das jovens com menos de 20 anos que tiveram filhos, já não frequentavam a escola à data da gravidez. E 62,6 % das adolescentes, no nascimento do primeiro filho, encontravam-se já fora do mercado de trabalho e assim se mantiveram. Nesses casos os fatores de risco já estavam presentes, uma vez que o abandono escolar e a ausência de profissionalização, impossibilitam o acesso ao mercado de trabalho, prejudicando o auto-sustento (WHO, 2004). Salienta-se que, em relação ao abandono escolar, é precipitado afirmar que a gravidez estaria na sua origem já que, segundo um estudo de Figueró (2002), parte das gestantes e mães adolescentes já haviam abandonado a escola previamente à gravidez. Pelo contrário, jovens com bons níveis de desempenho escolar e aspirações acadêmicas têm maior probabilidade de adiar a sua iniciação sexual e buscar meios contraceptivos, assim como, em recorrer ao aborto, no caso de engravidarem (Levandowski & Piccinini, 2004; Manlove, 1998).
  • Quanto a características da gravidez na adolescência, Gama, Szwarcwal e Leal (2002) mostraram, em um estudo comparativo entre três grupos de gestantes, sendo um deles de adolescentes, que há diferenças na forma como estas percebem e conduzem a sua gestação. Especificamente, indicaram que o desejo daquela gravidez e o número de consultas pré-natais foi menor no grupo de gestantes adolescentes comparativamente às restantes. Por sua vez, a incidência de partos prematuros e de bebês com baixo peso ao nascer neste grupo foi superior em relação aos outros.
Para além disto, Cabral (2003) revelou que um outro fator de risco da parentalidade na adolescência é a imaturidade psíquica dos jovens pais, os quais se revelam pouco contingentes às necessidades desenvolvimentais do bebê, bem como, para educar e criar uma criança. Tal imaturidade pode deixar a criança mais propensa a contrair doenças infectocontagiosas ou, até mesmo, a sofrer acidentes. A interação que a mãe adolescente estabelece com o seu bebê tem características específicas: dificuldade em apreender o bebê como uma entidade distinta de si, com comportamentos e necessidades próprias, o que leva ao estabelecimento de uma relação mais dirigida ao plano da fantasia que da realidade. Em comparação às mães adultas, assiste-se, por parte das mães adolescentes, a um menor número de ações contingentes às necessidades do bebê, oferecendo-lhes menos atividades de estimulação, pouca comunicação e um maior número de comportamentos de indiferença relativamente aos seus pedidos. Não obstante, verifica-se que as mães adolescentes oferecem mais contato físico aos seus bebês que as mães adultas (Figueiredo, 2001). No contexto da proteção, o estudo de Figueiró (2002) identificou uma menor prevalência de gravidez e de maternidade entre as adolescentes cujo pai e mãe residiam no domicílio e entre as que estavam trabalhando. Verificou também que o envolvimento familiar em grupos religiosos é uma variável que favorece o adiamento do início da vida sexual/reprodutiva na adolescência. Uma gravidez não planejada revela invariavelmente a exposição a, pelo menos, uma situação de risco, o sexo sem preservativo/proteção.
  • Essa atitude, poderá refletir, por parte dos adolescentes, a gravidez como algo gratificante, do ponto de vista pessoal e afetivo. É um momento no qual as adolescentes imaginam e projetam o papel de mãe, frequentemente, com pouca maturidade, de forma positiva, irrealista e idealizada, identificando a tarefa de cuidar de um bebê como fácil e divertida (Jaccard, Dodge & Dittus, 2003; Figueiredo, 2001).
Para além da gravidez propriamente dita, a discussão em questão coloca em foco uma alteração no ciclo de desenvolvimento destes adolescentes pais e mães, a partir do nascimento da criança. Nesse sentido, busca-se uma reflexão a longo prazo do fenômeno da gravidez na adolescência.
  • O surgimento desta gravidez compromete também a capacidade de autonomização, por parte da adolescente, relativamente às figuras parentais (tarefa que caracteriza o período da adolescência) introduzindo uma certa ambivalência na relação, já que ao ser mãe há uma precipitação desta autonomia, embora na maioria dos casos, persista a dependência relativamente aos seus pais, nomeadamente a nível econômico (Figueiredo, 2001). Contudo, também se verifica que quando a jovem possui capacidade maturativa, a gravidez permite a aquisição de ganhos significativos, nomeadamente relativamente à construção da identidade sexual e de uma autonomização relativamente aos seus próprios pais (Figueiredo, 2001). Neste sentido, a gravidez poderá ser considerada como um fator protetor do ponto de vista desenvolvimental da adolescente.
Ao avaliar adolescentes em situação de risco, Pantoja (2003) aponta a maternidade como uma forma de ascensão social e uma passagem para a vida adulta, especialmente, para garantir a estima de outras pessoas e um futuro melhor para e através do filho. Gontijo e Medeiros (2004) discutiram uma série de estudos que tratam das percepções da gravidez para adolescentes em situação de risco pessoal e social e identificaram que a maternidade pode ser vista de forma positiva para essas adolescentes, pois a maternidade adquire um papel central, oferecendo novas possibilidades de reconhecimento e atuação social.
  • Discutir a gravidez na adolescência daqueles que vivenciam situações de pobreza ultrapassa a simples identificação dos riscos, exatamente pelo fato de que já existem riscos envolvidos como a baixa condição socioeconômica. É necessário prescindir de uma teoria que possa avaliar a complexidade da gravidez desse adolescente que vivencia o risco constantemente.
Bronfenbrenner formulou uma teoria que contempla o desenvolvimento humano, a partir dos processos de interação que estabelece com outras pessoas, objetos e símbolos em diferentes contextos ecológicos através do tempo. Esse modelo teórico-metodológico compreende o desenvolvimento humano através das mudanças e da estabilidade produzida nas características biopsicológicas da pessoa ao longo de sua vida. Essa concepção possibilita analisar a pessoa como um ser ativo e dinâmico, que interage com o contexto que vivencia, modificando e sendo modificada por ele.
  • A partir dessa ótica, a gravidez na fase da adolescência vivenciada pelos adolescentes e jovens precisa ser compreendida através da interação de quatro núcleos inter-relacionados: o processo, a pessoa, o contexto e o tempo. O processo é responsável pelo desenvolvimento e envolve os processos proximais, caracterizados pela interação recíproca progressivamente mais complexa de um ser humano ativo, biopsicologicamente em evolução, com as pessoas, objetos e símbolos presentes no seu ambiente imediato (Bronfenbrenner & Morris, 1998).
A pessoa é analisada através de suas características determinadas biopsicologicamente e aquelas construídas na sua interação com o ambiente (Bronfenbrenner & Morris, 1998).
  • Para avaliar o ambiente ecológico, Bronfenbrenner e Morris (1998) sugerem a análise de quatro níveis ambientais, denominados como microssistema, mesossistema, exossistema e macrossistema. O microssistema é caracterizado como um contexto no qual são estabelecidas relações e atividades face-a-face e onde operam os processos proximais que produzem, sustentam o desenvolvimento e no qual se assume um papel social.
Neste caso, seria constituído pela grávida adolescente e a sua rede direta de apoio, como pais, namorado, amigos, escola. Ao longo do ciclo de vida da pessoa, as suas relações se tornam mais complexas e outros microssistemas podem fazer parte do ambiente ecológico como a escola e a rede de apoio social e afetivo. Esse conjunto de microssistemas forma o mesossistema. 
  • O exossistema envolve os ambientes que a pessoa não frequenta como um participante ativo, mas que desempenham uma influência indireta sobre o seu desenvolvimento (Bronfenbrenner, 1979/1996). No contexto da gravidez adolescente poderiam ser identificadas, por exemplo, as estruturas de ensino e saúde. O macrossistema é composto pelo padrão global de ideologias, crenças, valores, religiões, formas de governo, culturas e subculturas presentes no cotidiano das pessoas que influenciam seu desenvolvimento (Bronfenbrenner, 1979/1996). Como a percepção social e cultural sobre este fenômeno que influenciarão, embora indiretamente, a forma como a jovem, a sua família e a sociedade lidam com este acontecimento.
Por fim, o modelo bioecológico privilegia o tempo, examina a influência para o desenvolvimento humano de mudanças e continuidades que ocorrem ao longo do ciclo de vida (Bronfenbrenner, 1986). Nesse contexto pode ser identificado o desenvolvimento destas jovens mães e dos seus filhos, e também a qualidade interacional que estabelecem com aqueles com quem se relacionam. A análise do tempo focaliza a pessoa em relação aos acontecimentos presentes em sua vida, os mais próximos até os mais distantes, como grandes acontecimentos históricos, por exemplo. Bronfenbrenner e Morris (1998) ressaltam que as mudanças que ocorrem através do tempo, nas quatro propriedades do modelo bioecológico, não são apenas produtos, mas também produtores da mudança histórica.
  • Tendo em vista esse modelo teórico metodológico, este artigo tem como objetivo analisar o fenômeno da gravidez para adolescentes que vivem em situação de pobreza e identificar os fatores de risco e os fatores de proteção associados a este acontecimento. Tal escolha se justifica devido à necessidade de compreender a pessoa em foco, no caso a adolescente, a sua própria interpretação da realidade e as interações estabelecidas com seu ambiente ecológico.

A Gravidez na adolescência