segunda-feira, 31 de março de 2014

Chlamydia trachomatis

A Organização Mundial de Saúde identifica as relações sexuais sem proteção como um importante fator de risco para doenças e morte , tanto em países 
em desenvolvimento como  em países desenvolvidos.

  • As doenças sexualmente transmissíveis (DST) apresentam um tremendo impacto na saúde da população mundial, com um ônus desproporcional para a população jovem de diversos países. A determinação dessa magnitude é dificultada pela inconsistência em se obterem notificações condizentes com a realidade. Calcula-se que, nos Estados Unidos, a taxa real de DST seja duas vezes maior do que aquela reportada (PASSOS & ALMEIDA, 2002).
Estudos comparativos dos níveis e tendências das principais DST bacterianas, representadas por sífilis, gonorréia e clamidioses, realizados durante a última década em 16 países desenvolvidos, revelaram que a incidência declarada destas três doenças é geralmente mais alta entre as mulheres adolescentes do que entre os homens da mesma faixa etária. Isso se aplica principalmente à infecção por Chlamydia spp, que é extremamente alta (LEAL et al., 2006).
  • Chlamydia trachomatis, pertencente à família Chlamydiaceae, foi considerada vírus por muitos anos. Sabe-se hoje, entretanto, que possuem características bacterianas: ribossomo, DNA (Ácido Desoxirribonucléico), RNA (Ácido Ribonucléico), parede celular bacteriana semelhante às Gram negativas, um único cromossomo 1.043.000 pb (pares de bases), 59% A-T (Adenina-Timina) 41% G-C (Guanina-Citosina), plasmídeo 7.493 pb e funções metabólicas (MURRAY et al., 2004).
As bactérias da família Chlamydiaceae são intracelulares obrigatórias, cujos defeitos extremos de biossíntese no metabolismo intermediário e na geração de energia tornam-nas absolutamente dependentes de uma célula hospedeira para seu crescimento e replicação. A família Chlamydiaceae é dividida em dois gêneros: Chlamydia e Chlamydophila, e infectam além do homem, várias espécies de animais domésticos e selvagens, ocasionando quadros clínicos bastante variados, que vão desde formas assintomáticas e brandas até infecções disseminadas (EVERETT et al., 1999). No ser humano, as espécies Chlamydiatrachomatis, Chlamydophila pneumoniae e Chlamydia psittaci são as principais causadoras de infecções (EVERETT et al., 1999).
  • Chlamydia trachomatis é considerada a bactéria sexualmente transmissível mais frequente em países desenvolvidos e de grande impacto no sistema reprodutivo das mulheres, sendo o agente causador de quadros como cervicites e uretrites e complicações como doença inflamatória pélvica (DIP), podendo evoluir para gravidez ectópica e infertilidade, além de linfogranuloma venéreo (LGV), tracoma, conjuntivite de inclusão e pneumonia no recém nascido (EJZENBERG et al.1991). Já nos homens, é responsável por cerca de 50% dos casos de uretrite não-gonocócica, podendo causar também proctite em homossexuais (LINDA et al., 2007).
Atualmente, os testes diagnósticos existentes para a detecção das infecções por C. trachomatis são o cultivo celular, a detecção de anticorpos por diferentes métodos, tais como ELISA (Enzyme Linked Immunosorbent Assay), a Imunofluorência Direta e as reações baseadas na amplificação ou detecção de ácidos nucleicos da bactéria. Até pouco tempo, o cultivo celular era considerado o padrão ouro entre os testes para a detecção de C. trachomatis, no entanto, com o advento da biologia molecular, testes baseados na amplificação ou detecção dos ácidos nucleicos passaram a ser os melhores, sendo cada vez mais utilizados (SEADI et al., 2002).
  • O Centers for Disease Control and Prevention (CDC) recomenda tratar as infecções por C. trachomatis com doxiciclina por uma semana ou com uma única dose de azitromicia. Os parceiros também devem ser tratados. As mulheres grávidas são advertidas para não tomar tetraciclina por causa dos efeitos adversos potenciais sobre o feto. Conforme o CDC a triagem anual para a infecção por clamídia é recomendada para todas as mulheres sexualmente ativas com 20 a 25 anos de idade e mulheres com mais idade com novos parceiros sexuais ou múltiplos parceiros (SMELTZER & BARE, 2006).
Ciclo de desenvolvimento de Chlamydiaceae:
  • Bactérias da família Chlamydiaceae possuem um ciclo de vida único, porém dimórfico. O ciclo de replicação (Figura 2)ocorre no citoplasma da célula hospedeira infectada e se inicia pela adesão do corpo elementar (CE) à membrana da célula, seguido por internalização dando origem a um vacúolo endossomal (VANROMPAY et al., 1995). Um mecanismo, ainda desconhecido, impede a fusão de lisossomos primários permitindo a sobrevivência do CE no interior do endossomo. Os CE se diferenciam em corpo reticular (CR), que primeiramente se dividem por fissão binária e, em seguida, se diferenciam em corpo elementar. O CE é infeccioso e metabolicamente inativo, e o CR é não-infeccioso e metabolicamente ativo (AL-YOUNES et al., 1999).
O CE é pequeno, denso, medindo entre 200 e 300 nm (nanômetro), com estruturas metabolicamente inativas, que são relativamente estáveis no meio extracelular. Possui um cerne de DNA que é circundado por duas membranas trilaminares, uma interna e outra externa e, devido a pontes dissulfeto entre as proteínas da membrana externa, o CE é rígido e resistente ao rompimento (SCHACHTER, 1988).
  • O CR é maior (500-1000 nm) e mais adaptado à vida intracelular (SODERLUND et al., 1982; EVERETT, 2000; MORISSON & CALDWELL, 2002). Entretanto, esta forma é osmoticamente frágil em virtude da falta de ligação cruzada entre as proteínas de sua membrana (BAVOIL et al., 1984; SCHACHTER, 1988; CEVENINI et al., 2002).
Aproximadamente de 48 a 72 horas após a infecção in vitro, uma inclusão clamidial pode conter centenas de estruturas em vários estágios de desenvolvimento, incluindo CE, CR e formas intermediárias (VANROMPAY et al., 1995; EVERETT, 2000). A liberação dos CE pode ocorrer por lise da célula hospedeira (QUINN et al., 1994; EVERETT, 2000) ou por liberação de inclusões clamidiais pela membrana celular (NIETFELD, 2001).

Características Gerais de Chlamydiaceae: 
  • As bactérias da família Chlamydiaceae são consideradas Gram-negativas (BARNES, 1989; WATSON et al., 2002) e sua parede é constituída por uma membrana externa e uma membrana citoplasmática interna. Não há peptideoglicano separando a camada interna da externa, como ocorre nas outras bactérias Gram-negativas, embora os genes para a síntese de peptidioglicano estejam presentes no genoma da bactéria (BAVOIL & FRASER, 2003; NANO et al., 1985; GHUYSEN & GOFFIN, 1999; CEVENINI et al., 2002). A membrana externa é extremamente rica em proteínas (BRUNHAM, 1998) que possuem papel direto no processo de adaptação ao meio externo e na interação da bactéria com a célula hospedeira (STOTHARD et al., 1998).
As mais bem estudadas e caracterizadas são a principal proteína de membrana externa (MOMP do inglês Major Outer Membrane Protein) de 40 kDa e as proteínas de membrana externa do complexo A (OmcA) e do complexo B (OmcB) (MILLMAN et al., 2001). Estas proteínas, muito ricas em cisteína e pontes dissulfeto inter e intra-moleculares, formam um complexo supramolecular que confere uma estrutura rígida à célula bacteriana, possuindo, assim, um papel análogo ao da camada de peptideoglicano nas outras bactérias (BRUNHAM, 1998).
  • As bactérias da família Chlamydiaceae causam infecções em várias espécies de animais domésticos e selvagens, além do homem, com manifestações clínicas bastante variadas (SCHACHTER & CALDWELL, 1980; CORSARO, 2003). Dependendo da espécie animal envolvida, a infecção pode ocasionar aborto, pneumonia, rinite, conjuntivite, artrite e enterite, entretanto é comum a ocorrência da infecção em animais clinicamente sadios (SHEWEN, 1980; EVERETT, 2000).
Clamídias são imóveis e não possuem pili, contudo, existem relatos da presença de projeções hemisféricas na superfície dos corpos elementares e projeções do tipo espículas em formas intermediárias em C. psittaci e na superfície de C. trachomatis. Estas projeções podem estar envolvidas em mecanismos de adesão ou transporte de nutrientes, mas sua função não é bem conhecida (NICHOLS et al., 1985; CEVENINI et al., 2002).
  • Essas bactérias contêm DNA e RNA, possuem ribossomos procariotas e sintetizam suas próprias proteínas, ácidos nucleicos e lipídeos (SCHACHTER, 1988; VANROMPAY et al., 1995; ROCKEY et al., 2000). Entretanto, as bactérias da família Chlamydiaceaedependem da célula hospedeira para a obtenção de nutrientes (BRUNHAM, 1998; HARPER et al., 2000), tendo sido demonstrado que as clamídias são auxotróficas para ATP, GTP e UTP, mas não para CTP (CEVENINI et al., 2002). Desde 1998, o genoma de componentes da família Chlamydiaceae tem sido investigado, o que resultou no sequenciamento, até o momento, do material genético de algumas espécies, como C. trachomatis (sorotipos B, D, e L2) (STEPHENS et al., 1998), C. muridarium, Chlamydophilapneumoniae, C. abortus e C. caviae (READ et al., 2000). Esses trabalhos mostram que o tamanho do genoma das bactérias dessa família é pequeno, variando de 1.0 a 1.24 Mpb, com um conteúdo de citosina e guanina de aproximadamente 40% e informação suficiente para codificar aproximadamente 894 proteínas (BYRNE, 2003).
Diferentes trabalhos tem mostrado, também, que as subunidades 16S e 23S do RNA de todas as espécies da família são muito conservadas, apresentando uma homologia maior que 90%. Alguns membros da família Chlamydiaceae possuem um plasmídio com aproximadamente 7.500 pb que exibe 60% a 80% de região conservada entre as espécies (EVERETT et al., 1999b).

Chlamydia trachomatis e gestação:
  • A clamídia é uma bactéria intracelular obrigatória, parasitando células eucarióticas. Existem três espécies patogênicas aos humanos: Chlamydia trachomatis, Chlamydia psittace, Chlamydia pneumoniae.1 Abordando especificamente a Chlamydia trachomatis (C. trachomatis), essa infecção configura-se atualmente como uma das mais prevalentes doenças de transmissão sexual, incluindo tanto países desenvolvidos quanto em desenvolvimento. Nos Estados Unidos, por exemplo, estimou-se que, do contingente global de 50-70 milhões de pessoas infectadas a cada ano, três milhões destas sejam americanas.
Infelizmente, cerca de 50-90% das infecções pela Chlamydia em mulheres são assintomáticas. A seqüência do sub-diagnóstico e, portanto, da ausência de tratamento pode levar a inúmeras complicações e sequelas para as mulheres, incluindo a doença inflamatória pélvica (DIP), gestação ectópica, infertilidade por causa tubária e dor pélvica crônica. A C. trachomatis, como doença sexualmente transmissível (DST), ao ser transmitida para o parceiro sexual resulta em uretrite e epididimite e, nos neonatos, ocasiona casos de conjuntivite e pneumonia neonatal.
  • Diante do fato de as complicações e sequelas serem causas indiscutíveis de alto investimento em termos de saúde pública, especialmente em função da perda da qualidade de vida dos portadores dessa infecção, a triagem e o tratamento das pacientes infectadas têm sido medidas recomendadas e implementadas em muitos programas de controle das DSTs, repercutindo em importante redução de complicações nos países que endossam essa orientação.
Dois tipos de estratégias têm sido utilizadas para avaliar o estado de portador da infecção pela C. trachomatis: a triagem universal e a triagem seletiva. Outra estratégia que vem sendo usada deriva do tratamento profilático com antibióticos apropriados. Significativo número de estudos já vem avaliando o custo-benefício da realização da triagem para a infecção por C. trachomatis em populações com diversas taxas de prevalência. Em vista do importante impacto desfavorável da infecção por clamídia na saúde e dos desfechos adversos durante a gestação ou parto, avaliam-se medidas de rastreamento e formas mais adequadas de tratamento que possibilite a redução de sequelas dessa infecção.
  • Essa atualização focalizará a epidemiologia, fisiopatologia, características clínicas e sequelas reprodutivas da infecção por esse agente, abordando também os métodos de triagem e o manejo atualmente preconizado.
Sinais e sintomas:
  • A maioria das mulheres acometidas pela C. trachomatis são assintomáticas (50-90%). Devido a essa sub-notificação dos casos, grande parte das infectadas permanece sem tratamento, podendo progredir para doença inflamatória pélvica e suas sequelas. Entre as sequelas destacam-se dor pélvica crônica, gravidez ectópica e infertilidade. Além disso, a ausência de tratamento durante a gestação pode ocasionar desfechos desfavoráveis e ser transmitida verticalmente, sendo importante causa de conjuntivite e pneumonia em lactentes.
Epidemiologia:
  • A prevalência da infecção por C. trachomatis é extremamente variável, oscila de menos de 1 a 40%, a depender da população avaliada, ocorrendo em maiores proporções em indivíduos em idade jovem. Considerando-se esse aspecto, na Inglaterra a triagem-piloto revelou que em menores de 16 anos aproximadamente 14% dos adolescentes estavam infectados, reduzindo-se essa frequência à medida que a idade aumentava. Dessa forma, entre 16 e 19 anos, 10,5% dos jovens encontravam-se infectados, ao passo que essa proporção se reduzia para 7,2% na faixa etária entre 20 e 24 anos. 
Na Grécia, 7 a 10,6% das mulheres na faixa dos 18 aos 35 anos estavam infectadas pela clamídia.5 Outros fatores de risco observados decorrem do número e troca freqüente de parceiros, parceria sexual múltipla e relacionamento com parceiro sexual sabidamente infectado. Considera-se também importante fator de risco na confirmação dessa infecção o histórico do paciente em relação a DSTs prévias ou coexistentes. Outros fatores aventados incluem a utilização de métodos contraceptivos de barreira ineficientes e mulheres com anormalidades ao exame clínico como leucorréia, cervicite, friabilidade cervical e ectopia cervical. A raça é um fator de risco independente. Mesmo em populações sem os demais fatores de risco, podem ocorrer taxas de prevalência superiores a 5% em populações não caucasianas.
  • A Organização Mundial da Saúde estima que ocorreram 89 milhões de novos casos de infecção genital por clamídia em 1995, distribuídos pelo mundo todo, e 92 milhões em 1998. Nos EUA, estimam-se quatro milhões de novas infecções a cada ano, tornando 50.000 mulheres anualmente inférteis como consequência dessa infecção.
Em relação às gestantes, estudos documentam taxas de prevalência entre 2 e 31%.4 De acordo com a Organização Mundial da Saúde, em 1990 a prevalência da infecção por clamídia em grávidas foi de 2,7% na Itália; 3,9% na França; 4,9% nos Países Baixos; 5,4% na Hungria; 6,2% no Reino Unido e 6,7% na Dinamarca.

Fatores de risco para infecção:
  • A idade jovem, múltiplos parceiros sexuais e etnias não caucasianas são fatores associados à alta prevalência dessa infecção, enquanto outros fatores, como o uso de preservativo e tipo de atendimento médico, possuem menos importância.Poucos estudos descrevem os fatores de risco de infecção por clamídia em mulheres grávidas, mas, em geral, eles são semelhantes aos das não-grávidas. A única associação adicional observada baseia-se em pré-natal de início tardio. Nas linhas que se seguem serão abordados objetivamente os principais fatores de risco de aquisição dessa infecção.
Idade:
  • A faixa etária de 16 a 19 anos nas mulheres e 20 a 24 anos em homens foi identificada como um fator de risco tanto de infecção como de re-infecção por C. trachomatis. Essa associação pode ser explicada, em parte, pelo comportamento sexual vinculado a essa faixa etária e à maturidade da imunidade em epitélio cervical e mucosa que atua como efeito protetor em mulheres com faixa etária mais alta.Além disso, as mulheres mais jovens podem ser mais susceptíveis à infecção em decorrência do aumento do epitélio cervical colunar nesse grupo etário.
Número de parceiros sexuais:
  • As taxas de início de infecção com C. trachomatis são significativamente mais altas em mulheres com dois ou mais parceiros no último ano (risco três vezes mais alto, comparado a mulheres com um único parceiro no último ano) ou parceiro recente, considerando-se 90 dias como ponto de corte (risco 40% mais alto) em comparação a mulheres que tinham um ou nenhum parceiro durante o mesmo período. A presença de múltiplos parceiros sexuais é um fator de risco plausível e presumivelmente relacionado ao aumento da probabilidade de se ter intercurso sexual com parceiro infectado.
Outros fatores:
Outros fatores que têm sido associados a aumento na prevalência da infecção por C. trachomatis são a raça negra, o não-uso de preservativos e diagnóstico estabelecido em clínicas de tratamento específico do trato geniturinário em comparação ao atendimento de enfoque familiar, embora ainda sem grau de evidência consistente.

Gestações não planejadas e doenças sexualmente transmissíveis (DSTs) são as principais consequências negativas do sexo sem proteção.

Transmissão:
  • Chlamydia trachomatis é transmitida por meio de secreções e membranas mucosas de uretra, cervice, reto, conjuntiva e orofaringe. Por isso, mães portadoras da C. trachomatis podem infectar o lactente durante o parto.
Entre as doenças sexualmente transmissíveis, a C. trachomatis é a bactéria mais comumente envolvida. A concordância da taxa de infecção, ou seja, a probabilidade de ambos os parceiros serem positivos para C. trachomatis, quando pelo menos um é portador de C. trachomatis, situa-se entre 40 e 60%. Portanto, homens e mulheres assintomáticos constituem um importante reservatório de novas infecções. Em relação à transmissão vertical, a transmissão da mãe para o filho, o risco computado situa-se em torno de 50%..

Variantes antigênicos:
  • A seqüência completa dos 1.000 kb da clamídia já está conhecida. De acordo com suas diferenças antigênicas, a C. trachomatis consiste de 19 sorotipos diferentes, com numerosas variantes. Sorotipos A, B, Ba e C infectam principalmente a conjuntiva e estão associados a tracoma endêmico; D, Da, E, F, G, Ga, H, I, Ia, J e K são predominantemente isolados do trato urogenital e estão associados às DSTs, conjuntivites e pneumonites neonatal de recém-nascidos de mães infectadas. Os tipos L1, L2, L2a e L3 podem ser encontrados em nódulos linfáticos inguinais e estão associados ao linfogranuloma venéreo.
História natural da infecção por C. Trachomatis:
Resolução ou persistência:
  • A resolução espontânea da C. trachomatis é possível na ausência de tratamento. Esse fato ocorreu em 28% em 45 dias em um estudo no Alabama e em 22% em 10 dias em outro.
Infecção ascendente/doença inflamatória pélvica (DIP):
  • A maior sequela da infecção por C. trachomatis é a ascendente, acarretando DIP. Em um estudo no Reino Unido, a C. trachomatis foi isolada da cervice de 48% das mulheres com DIP, enquanto em outra pesquisa foi identificada em 61% dos casos de DIP. Nos Estados Unidos, a infecção por clamídia é responsável por 25 a 50% dos 2,5 milhões de casos de DIP documentados anualmente.
C. trachomatis também constitui importante fator etiológico para DIP crônica. Na Suécia, onde se observa declínio da prevalência de infecção por C. trachomatis (devido a rastreamento e tratamento efetivos), constata-se também redução nas taxas de DIP.
  • Indiscutivelmente, o tratamento da infecção assintomática por C. trachomatis reduz o risco de desenvolvimento de DIP sintomática. As sequelas da DIP incluem dor pélvica crônica, gravidez ectópica e infertilidade tubária., Anticorpos anti clamídia têm sido documentados em 81,5% das mulheres inférteis com dano às tubas de Falópio e em 43,5% das mulheres inférteis com tubas normais.
Endometrites:
  • C. trachomatis também está associada à endometrite, independentemente da ocorrência de salpingite, sendo a prevalência de C. trachomatis em mulheres com endometrite em torno de 23%.
Peri-hepatites:
  • Denominada também de síndrome de Fitz-Hugh-Curtis, caracteriza-se por dor abdominal em quadrante superior direito, fragilidade hepática e quadro clínico de DIP, estando a infecção por C. trachomatis identificada na maioria dos casos.Outras estruturas abdominais podem se apresentar inflamadas durante a infecção por C. trachomatis, como no caso observado em 6% das mulheres em séries de laparoscopia (7/112) que confirmaram salpingite e também exibiam periapendicite, sendo que todas tinham C. trachomatis no trato genital.
Câncer cervical:
  • Vários estudos têm sugerido a infecção por C. trachomatis como um fator de risco independente para o desenvolvimento de câncer cervical. O sorotipo G tem sido mais fortemente associado a esse risco, aproximadamente 6,6 vezes maior, assim como os tipos I e D e a ocorrência de múltiplos sorotipos. A infecção por C. trachomatis pode induzir inflamação crônica, danos ao epitélio, alterações citológicas na cervice como atipias e metaplasias que podem determinar aumento do risco de câncer cervical.
Linfogranuloma venéreo (LV):
  • O LV é uma infecção sexualmente transmitida causada por sorotipos específicos da C. trachomatis endêmicos na África, regiões da Ásia e América do Sul.
Infecção por C. trachomatis na gestação:
  • Há aumento de evidências de que a infecção por C. trachomatis pode acarretar desfechos adversos na gestação, como abortamento, infecção intra-uterina, natimorto, prematuridade, ruptura prematura de membranas e endometrite pós-parto. A seguir, serão abordadas especificamente as alterações associadas aos desfechos adversos durante a gestação.
Abortamento espontâneo:
  • Em um estudo de 77 mulheres da Índia que tiveram abortamento espontâneo entre a sexta e a 24ª semana de gestação, em 25 delas foram detectados altos títulos de anticorpos para clamídia em amostras de curetagem endometrial. Outros trabalhos também sugerem a associação da clamídia com o abortamento tardio. Apesar desses relatos, a correlação entre infecção por clamídia e abortamento espontâneo permanece controversa.
Endometrite e salpingite pós-aborto:
  • Vários autores indicam a associação entre a infecção por clamídia e doença inflamatória pélvica pós-abortamento. Em uma investigação com 943 mulheres submetidas a abortamento eletivo, casos de DIP pós-abortamento estiveram significativamente associados à presença de C. trachomatis antes da intervenção. Em outro, a C. trachomatis foi isolada da cervice de 70 de 507 mulheres (14%) admitidas por abortamento, sendo esta considerada uma importante associação. Em vista dessa evidência de risco de desenvolvimento de DIP pós-abortamento em mulheres infectadas por clamídia, preconiza-se a realização de testes para detecção da bactéria antes da realização do abortamento eletivo, bem como em mulheres com história prévia recente de abortamento espontâneo.
Infecção intra-uterina e natimorto:
  • A detecção de níveis elevados de anticorpos séricos IgM anti clamídia por fluorescência e imunoensaio em recém-nascidos têm indicado a possibilidade da infecção intra-útero. Testes de amplificação de DNA para C. trachomatis foram positivos Em casos de natimortos, o antígeno para clamídia foi demonstrado em tecido pulmonar e hepático desses fetos por PCR, o que sugere a possibilidade de disseminação da infecção intra-uterina. Outra importante observação advém da constatação de que a morte perinatal esteve significativamente correlacionada com cultura positiva de C. trachomatis em um estudo com mais de 6.000 mulheres húngaras.
Ruptura prematura de membranas e parto pré-termo:
Pesquisas têm postulado a associação de infecção por clamídia e ruptura prematura de membranas.
  • Em um estudo de caso-controle, demonstrou-se que a infecção por C. trachomatis em mulheres associou-se a parto pré-termo em idade gestacional inferior a 37 semanas, com risco 4,4 vezes superior para essa ocorrência. Outros, entretanto, não confirmam essa assertiva, o que pode ser justificado por triagem tardia para clamídia na gestação e ausência de associação com outros fatores relacionados à prematuridade.
Infecção pós-parto:
  • A infecção por clamídia contraída durante a gestação pode desenvolver-se após o parto, originando endometrite e ainda estender-se à tuba uterina, sendo, portanto, relacionado à salpingite, situação associada à infertilidade. Além dessa associação, a infecção pode estender-se à cavidade abdominal, causando perihepatite, peri-esplenite, peri-sigmoidite e peritonite. Dor abdominal crônica pode ocorrer como sequela de DIP desenvolvida após o parto e freqüentemente associada a sinéquias.
Gravidez ectópica:
  • Anticorpos anti clamídia são mais comuns em mulheres com gravidez ectópica em comparação a controles. Essa associação é verificada em uma publicação na qual 75% de 112 mulheres com gravidez ectópica possuíam anticorpos IgG para clamídia, em contraste com 21% de controles com gravidez intra-uterina. Outra evidência dessa associação é verificada na Suécia, em comunidades em que a taxa de gravidez ectópica tem reduzido e se demonstra simultâneo decréscimo de prevalência dessa infecção.
As taxas de hospitalização por gravidez ectópica aumentam com freqüência na aquisição dessa infecção. Dessa forma, mulheres que tiveram duas ou mais infecções por clamídia apresentaram risco elevado de gravidez ectópica quando comparadas àquelas que tiveram uma única infecção. O risco é duas e quatro vezes superior nos casos com dois e três episódios dessa infecção, respectivamente.

Screeening para clamídia em gestantes:
  • Dados acerca do rastreamento dessa bactéria em grávidas carecem de estudos até o momento, permanecendo em questionamento o período gestacional ideal para essa triagem, bem como a necessidade de repetições do rastreamento. Há controvérsias a respeito da necessidade de triagem para C. trachomatis durante a gestação. No Reino Unido, duas entidades de boa credibilidade se posicionam em situações contrárias: a política atual do Comitê de Triagem Nacional orienta que o rastreamento não deve ser oferecido para gestantes devido à escassez de evidências da efetividade dessa medida, enquanto o Programa de Triagem Nacional de Clamídia se posiciona favorável e recomenda a triagem durante o pré-natal.
Rastreamento reduz os efeitos adversos da gestação?
  • Em um estudo de série de casos, pacientes não tratadas tiveram taxa significativamente mais alta de ruptura prematura de membranas, filhos com baixo peso ao nascer e natimortos, em comparação àquelas tratadas ou com culturas negativas.  Em investigação de caso-controle, as frequências de ruptura prematura de membranas, trabalho de parto pré-termo e lactentes pequenos para idade gestacional foram significativamente menores entre as pacientes tratadas quando comparadas àquelas clamídia-positivo mas resistentes ao tratamento.4 Portanto, baseado no delineamento dos estudos, a qualidade da evidência que endossa essa conduta na gestação é fraca.
Qual o período ideal para rastreamento?
  • Na situação de um único teste para rastreamento, pode ser seguida a orientação de sua realização no final do segundo trimestre, por ser efetivo na redução dos efeitos adversos para gestação e permitir a detecção da infecção nos casos de novo contágio ou naqueles em que a contaminação ocorreu em momento mais tardio. Entretanto, a escolha do período para rastreamento deve considerar as características sociais, étnicas e culturais da população-alvo.
As recomendações da força tarefa americana para a triagem de gestantes baseiam-se em duas avaliações que demonstraram melhora no prognóstico gestacional após o tratamento de infecção por Chlamydia. Em um estudo transversal, as pacientes não tratadas evoluíram com freqüência maior de ruptura prematura de membranas e baixo peso do neonato ao nascimento bem como taxas de mortalidade infantil mais altas, comparadas ao grupo de pacientes que foram tratadas ou ao grupo em que foram observadas triagens negativas para a Chlamydia. 
  • Em um caso-controle, as frequências de ruptura prematura de membranas, trabalho de parto pré-termo e neonatos pequenos para a idade gestacional foram significativamente inferiores entre as gestantes tratadas e entre aquelas cuja cultura para a infecção resultou negativa, quando comparadas a mulheres-controle que não aderiram ao tratamento.
Quais os testes a serem realizados?
  • Os testes de amplificação de ácido nucleico são automatizados, tendo alta sensibilidade e especificidade, podendo ser aplicados para medidas de rastreamento.
Estudo comparando testes de detecção da Chlamydia por meio de cultura e reação de polimerase em cadeia – PCR (todos obtidos por amostras de swabs endocervicais) documentou o PCR como método sensível e prático, em uma população com baixa prevalência (4,3%). Outro trabalho reportou 100% de especificidade e 97,2% de sensibilidade usando PCR em swab de amostras de introito vaginal, resultados similares aos obtidos de espécies endocervicais.
  • A urina de gestantes parece conter componentes que interferem nos testes de reação de cadeia ligase (LCR), enquanto amostras de introito podem evitar essa interferência. Portanto, a utilização de amostra obtida de urina é considerada inapropriada para avaliação do estado de contaminação de mulheres pela C. trachomatis.
Em linhas gerais, a escolha dos testes a serem considerados para essa triagem possui uma qualidade de evidência fraca, por derivarem de poucos estudos, sem randomização e nenhum deles em população com casuística numerosa.

Há prejuízos com o rastreamento?
  • Nenhum autor identificou efeitos adversos do rastreamento para infecção por clamídia, incluindo considerações acerca da inconveniência do teste, estigma do diagnóstico de uma doença sexualmente transmissível (DST) e desentendimento conjugal. Os efeitos adversos do tratamento com antibióticos foram considerados de leve a moderado e incluíram sintomas gastrintestinais como náuseas, diarréia e dor abdominal.
Quem deve realizar o rastreamento?
  • As práticas de triagem atuais diferem nos vários países da Europa e das Américas. Na Suécia, por exemplo, há uma política ativa de atenção às mulheres na faixa etária inferior a 25 anos, enquanto no Reino Unido não há um programa formal de triagem para a C. trachomatis, modelo similar ao que é observado hoje no Brasil. A maioria das evidências que revelam que a triagem para esse agente seja uma forma efetiva de prevenção da DIP advém de dados epidemiológicos. O único estudo clínico controlado e randomizado para a triagem de C. trachomatis foi conduzido nos
Estados Unidos da América (EUA) e demonstrou que a triagem seletiva reduziu a incidência de DIP em torno de 56% durante o primeiro ano de seguimento, tendo sido observado que um caso de DIP seria prevenido para cada 83 mulheres triadas.
  • Em mulheres não-grávidas, mostrou-se que o rastreamento seletivo é mais custo-efetivo do que o rastreamento universal, devendo o último ser considerado em populações com alta prevalência de infecções por clamídia ou em presença de critérios de baixa sensibilidade que possibilite identificar com certeza uma população de alto risco para o rastreamento seletivo. A orientação de países como EUA, Suécia e Inglaterra é realizar o rastreamento em mulheres com idade inferior a 25 anos.
O CDC (Centers for Disease Control and Prevention), a fim de prevenir sequelas como infertilidade, orienta rastreamento em todas as mulheres com cervicite mucopurulenta e em todas aquelas com idade inferior a 20 anos. Segundo o CDC, o rastreamento também deve ser considerado em mulheres entre 20 e 23 anos.
  • Nas mulheres com faixa etária superior a 24 anos, o rastreamento é aconselhado nas seguintes situações: relatos de não utilização de métodos de barreira, presença de parceria sexual múltipla ou parceiro recente, considerando-se recente um período inferior a 90 dias e pacientes admitidas em clínicas de abortamento.
Estudo conduzido na China comparou os dados da triagem universal com os resultados advindos da utilização de tratamento profilático em grupo de mulheres pós-abortamento.  Em uma pesquisa realizada em 2007, a utilização do tratamento profilático foi considerada a estratégia mais efetiva, prevenindo 96% mais casos de DIP do que nos casos-controle, sem intervenção. Nessa casuística, os autores observaram que a triagem universal pode prevenir 84% mais casos de DIP do que no grupo-controle. Baseado nesses resultados, na simplicidade e alta eficácia da dose única oral de 1 g de azitromicina em contraste com a necessidade de técnicos treinados e o alto custo laboratorial, os autores advogam a utilização de tratamento profilático como a medida de maior custo-benefício no combate à C. trachomatis.
  • Em análise feita em Baltimore, comparou-se o rastreamento universal com o seletivo (segundo critérios do CDC), sugerindo-se que o rastreamento universal deva ser considerado em populações com prevalência em torno de 6,6 a 10,2% para infecção por clamídia. No outro extremo, nenhum tipo de rastreamento é aconselhado quando as taxas de prevalência observadas forem inferiores a 1,1%. Em todos os demais casos, o rastreamento baseado na idade mostrou-se mais custo-efetivo. Apesar dessas ressalvas, considerando-se especificamente se os fatores de risco são úteis para a triagem seletiva, até este momento o grau de evidência é pobre, advindo de poucos estudos descritivos, baseados em populações pequenas.
Tratamento para clamídia em grávidas:
  • A terapia em grávidas permite redução no risco de transmissão para os lactentes, assim como decréscimo na possibilidade de desenvolvimento de endometrite e DIP após o parto. A droga de escolha para gestantes é o estearato de eritromicina.
Apesar da sua utilização histórica para administração em quatro tomadas diárias, a orientação é de sua utilização com posologia de 500 mg em duas tomadas diárias durante 10 dias. A eritromicinabase na forma de 500 mg de seis em seis horas, por sete dias, é outra opção de tratamento. A baixa adesão ao tratamento associa-se aos efeitos adversos sobre o trato gastrintestinal causados pela droga, justificando submeter os pacientes a um teste diagnóstico em três semanas após o tratamento. Amoxacilina (500 mg, três vezes ao dia durante sete dias) é outra alternativa para tratamento da clamídia durante a gestação. Como no uso da eritromicina, o tratamento deve ser confirmado com teste de cura três semanas após a terapia. Azitromicina na dose de 1g parece ser suficiente para tratamento de infecção uretral, cervical ou retal não complicadas.
  • Outras medicações utilizadas para tratamento da C. trachomatis, embora contra-indicadas no período gestacional: doxiciclina (100 mg, duas vezes ao dia por sete dias); ofloxacin (400 mg, duas tomadas ao dia por sete dias).
Outras considerações:
  • A infecção por C. trachomatis tem sido associada a uma série de condições e sequelas para os recém-nascidos de mães infectadas como prematuridade, conjuntivite e pneumonia neonatal, otite média, morte súbita, apneia, asma e doença pulmonar obstrutiva crônica. Além disso, essa infecção também oportuniza desfechos adversos na gestação, como o aborto precoce e tardio, doença inflamatória pélvica pós-aborto, ruptura prematura de membranas, infecção intra-uterina, endometrite, salpingite pós-parto e gravidez ectópica. 
Visando à redução dessas conseqüências, torna-se relevante considerar a realização da triagem para C. trachomatis em mulheres grávidas, até o momento indicado, no segundo trimestre gestacional, avaliando-se, conseqüentemente, a prevalência e a aferição da relação custo-benefício dos efeitos diretos e indiretos advindos dessa infecção como medida balizadora de sua manutenção em uma comunidade específica.

Um estudo realizado por pesquisadores russos revelou que é possível identificar homens que tenham doenças sexualmente transmissíveis pelo seu cheiro.