sábado, 8 de março de 2014

Marie curie

Marie curie
  • Marya Salomee Sklodowska (1867-1934) nasceu na Polônia, mas passou boa parte de sua vida na França onde se tornou uma renomada cientista e educadora. Mulher de grande fibra era patriota, idealista e determinada, foi criada em um meio onde, juntamente com seus irmãos, era incentivada por seu pai Monsieur Wladyslaw Sklodowski a ter uma educação de qualidade, mesmo diante das dificuldades financeiras e sociais. Vale lembrar que neste momento a Polônia estava sob domínio russo, os quais vigiavam rigorosamente toda e qualquer informação transmitida pelas escolas.
Desde quando aprendia ciências com o seu pai a jovem Manya, como era carinhosamente chamada pela família, lamentava a falta de um laboratório para seus estudos. Com cerca de 18 anos, ela teve que se deslocar para o campo para trabalhar como preceptora na cidade de Szczuki, em uma Polônia sob domínio russo e além de ensinar aos filhos da família que a contratou a jovem Sklodowska arriscava a ser presa ou deportada por ensinar a língua e a cultura de seu país aos filhos de camponeses da região, que eram na maioria analfabetos, pois as escolas só tinham permissão para ensinar a língua e a cultura russa, e os camponeses, logicamente, resistiam em aprender a língua de um povo que estava lhes fazendo passar por tanto sofrimento. (QUINN, 1997, p. 72).
Em uma carta à sua prima Henriette, demonstra a satisfação do número de seus alunos terem aumentado de dez para dezoito e a dedicação dos mesmos:
O número dos meus alunos camponeses já sobe a dezoito. Naturalmente que não comparecem todos diariamente, mas mesmo assim absorvem-me duas horas por dia. Quartas e sábados retenho-os mais tempo – até cinco horas seguidas. Isto me é possível porque meu quarto fica no primeiro andar e há uma entrada autônoma para a escadaria do pátio – e assim, como esse trabalho não atrapalha as minhas obrigações, tudo se arruma. Grandes alegrias e consolações recebo destes meninos. (Marie Curie. apud CURIE, 1938)
Nesta época, Marya tinha que continuar sozinha os seus estudos preparatórios para a Universidade de Sorbonne e em uma carta ao seu irmão Joseph ela lamenta: Estou aprendendo química em um livro. Você pode imaginar quão pouco tiro disso, mas que posso fazer se não tenho lugar para fazer experiências nem trabalho pratico? (QUINN, 1997, p. 78).
  • Sendo assim, o presente trabalho tem como objetivo trazer uma visão da vida da cientista e, através da analise das anotações de uma de suas alunas, Isabelle Chavannes buscaremos desvendar como a percepção sobre ciência da pesquisadora contribuiu para a sua metodologia de ensino, bem como, para a sua preocupação em transmitir aos seus alunos a conscientização do papel da ciência e do cientista na sociedade.
Para tanto, buscamos abordar de forma breve, a vida de Marie Curie ambicionando tecer um enredo que nos permitisse, através de sua fascinante jornada e sua atuação no meio científico, colocar em primeiro plano o perfil dessa educadora, principalmente através de depoimentos de suas alunas da Escola Normal de Sèvres e, das análises das anotações de Isabelle Chavannes, ex-aluna de Madame Curie em um projeto educacional criado pela pesquisadora e alguns colegas da Sorbonne visando fornecer uma educação científica de qualidade para seus próprios filhos. O projeto determinava que cada um desses proeminentes estudiosos dedicasse a ministrar aulas experimentais para esse seleto grupo de estudiosos, com idade variando entre sete a 13 anos, nos laboratórios em que atuavam. À cientista que sempre se dedicou ao ensino e ao conhecimento científico, coube a educação em física. Acreditamos que a sua visão de ciência fez dela uma educadora diferenciada.

O Difícil Caminho para a Universidade:
  • A física polonesa Maria Skodowska Curie (1867-1934) é uma famosa personagem da história da ciência. Foi a primeira mulher a ganhar um prêmio Nobel, conseguindo se destacar como pesquisadora em uma época em que as universidades eram um domínio masculino. Mas qual, afinal, foi sua contribuição importante à ciência? Podemos dizer que, com a colaboração de seu marido Pierre Curie, ela “inventou” a radioatividade e descobriu novos elementos radioativos – o tório, o polônio e o rádio. Foi apenas a partir do seu trabalho que surgiu um enorme interesse pelos fenômenos radioativos e que essa área começou a se desenvolver de fato.
Costuma-se dizer que a radioatividade foi descoberta pelo físico francês Henri Becquerel (1852-1908) em 1896. No entanto, somente dois anos depois, em 1898 (um século atrás) o fenômeno da radioatividade foi percebido como algo totalmente novo, graças às pesquisas de Maria Curie e seu marido, o físico francês Pierre Curie (1859-1906). Vamos contar essa história.

As Pesquisas com Radioatividade:
  • A escolha do método elétrico foi um golpe de sorte. O uso de chapas fotográficas para estudar as radiações era uma técnica inadequada, porque elas são influenciadas por inúmeros fatores: calor, pressão, umidade, efeitos químicos, etc. Enquanto apenas se utilizava chapas fotográficas, era impossível perceber que as radiações do urânio eram uma coisa diferente das outras supostas radiações invisíveis. No entanto, quando foram estudados os efeitos elétricos, foi possível perceber que o giz, o papel, o açúcar e as outras substâncias que pareciam emitir raios invisíveis não tornavam o ar condutor de eletricidade. 
Maria Curie testou diversos compostos e minerais contendo urânio. Todos eles tornavam o ar condutor. O efeito observado dependia da proporção de urânio nos compostos, mas não dependia dos outros elementos presentes. Isso indicava que a emissão de radiação não estava associada à estrutura molecular ou cristalina das substâncias em questão, dependendo apenas da quantidade de átomos de urânio no material. 
  • Maria Curie examinou um grande número de substâncias comuns, depois começou a testar sistematicamente todos os compostos químicos e minerais que existiam no laboratório da Escola Industrial de Química e Física, onde trabalhava. Inicialmente, nenhum deles parecia produzir efeitos semelhantes ao urânio. Após muitos resultados negativos, no entanto, Maria Curie encontrou a primeira novidade: os compostos de tório também produziam efeitos iguais aos do urânio. 
Perceber que as radiações estudadas por Becquerel não eram uma propriedade exclusiva do urânio foi um passo importante, mas na verdade essa descoberta de Madame Curie já tinha sido antecipada: dois meses antes, o físico alemão Gerhard Schmidt (1865-1949) já tinha descoberto que o tório também emitia radiações do mesmo tipo. 
  • Além do urânio, do tório e seus compostos, ela notou que o cério, o nióbio e o tântalo também pareciam fracamente ativos. Já se sabia que o fósforo branco também era capaz de ionizar o ar, mas Maria Curie notou que outras formas do fósforo (fósforo vermelho, ou fosfatos) não produziam o mesmo efeito e que, portanto, provavelmente se tratava de um fenômeno de natureza diferente. 
Examinando diversos minerais naturais, Marie Curie notou que, como era de se esperar, todos os que continham urânio e tório emitiam as radiações ionizantes. Porém, para sua surpresa, observou que alguns minerais produziam radiações mais intensas do que o urânio ou o tório puros. A calcolita natural, por exemplo, era duas vezes mais ativa do que o urânio metálico. Isso contrastava com os resultados anteriores que indicavam que a intensidade de radiação era proporcional à quantidade de tório ou de urânio dos compostos. Para verificar se esse resultado era devido à natureza química dos materiais, Curie sintetizou um dos minerais, a calcolita (fosfato cristalisado de cobre e de urânio) a partir de substâncias químicas puras, e notou que essa calcolita artificial era tão ativa quanto outros sais de urânio, e menos ativa do que o urânio puro. Marie Curie conjeturou que esses minerais deviam conter algum outro elemento desconhecido, mais ativo do que o urânio.

Um Novo Elemento Químico? 
  • Esses primeiros resultados pareciam muito importantes. Pierre Curie, que até esse momento apenas acompanhava o trabalho de Maria, resolveu abandonar suas outras pesquisas e dedicar-se totalmente, com sua esposa, a esse novo tema. 
A partir desse instante (abril de 1898), a pesquisa de Maria e Pierre Curie foi guiada pela hipótese de que a emissão das radiações que estava estudando era uma propriedade atômica, peculiar a certos elementos químicos. Certos elementos emitem, espontaneamente, essas radiações (são radioativos), e essa propriedade não é afetada pelo seu estado físico ou químico. Não se trata de um fenômeno parecido com a fosforescência, porque não é modificado quando se ilumina o objeto ou quando ele é mantido no escuro. Era rejeitada, assim, a hipótese da hiperfosforescência, que Becquerel adotava. Outros elementos não são radioativos e não podem adquirir a capacidade de emitir radiações. Esse era o conceito básico de radioatividade, proposto por Maria e Pierre Curie em meados de 1898. Posteriormente, essa hipótese teve que ser modificada (existe a radioatividade artificial, induzida), mas isso só ocorreu muitos anos depois.
  • Os minerais mais radioativos de urânio estudados por Maria Curie foram algumas amostras de pechblenda (mineral de óxido de urânio), que chegavam a ser quatro vezes mais ativas do que o urânio metálico. Baseando-se em sua hipótese, Maria e Pierre Curie suspeitaram que esses minerais poderiam conter uma pequena quantidade de outra substância fortemente ativa, e resolveram tentar isolar essa substância dos minerais, por processos químicos. Tratava-se, evidentemente, apenas de uma hipótese, que poderia se mostrar falsa. No entanto, eles resolveram investir todo seu esforço, durante os meses seguintes, nessa pesquisa.
Note-se que o elemento procurado não era nenhum dos conhecidos até então pela ciência, pois Maria já havia testado todos eles. Tratava-se, portanto, de uma tentativa extremamente ambiciosa: descobrir um novo elemento, desconhecido pelos químicos, mas existente em minerais conhecidos, e fazer isso através do estudo da radioatividade. Se a hipótese fosse confirmada, seria um resultado muito importante. Mas havia também o risco de um fracasso completo, porque afinal de contas não se sabia quase nada sobre a radioatividade.
  • Maria Curie se dedicou à separação dos elementos da pechblenda, utilizando os procedimentos químicos conhecidos e testando a radioatividade de cada substância isolada do mineral. Depois de muitos processos de separação, obteve um material que se comportava como o bismuto, sob o ponto de vista químico, mas que era fortemente radioativo – enquanto o bismuto comum não emitia radiações. Seria preciso aceitar que havia um novo elemento, desconhecido, misturado com o bismuto, ou então que uma mesma substância podia ser radioativa ou inativa, em situações diferentes. Guiados pela hipótese de que a radioatividade é uma propriedade atômica de certos elementos, os Curie estavam convencidos de que havia algo novo misturado ao bismuto. Mas como separá-lo? Como provar que existia ali um novo elemento?
A Descoberta:
  • Seguiu-se um período de muitas tentativas fracassadas. Maria e Pierre trabalharam juntos, e suas letras se alternam nos cadernos de laboratório onde eram anotadas suas idéias e experimentos. A separação completa do novo elemento não foi conseguida. No entanto, através de sucessivos processos de purificação, foi possível obter um material que ainda se parecia com o bismuto, mas que era 400 vezes mais ativo do que o urânio. Os Curie mantiveram a hipótese de que havia um novo elemento na substância que havia sido separada, e deram-lhe o nome de “polônio”, em homenagem à terra natal de Maria. 
Continuando a investigar a pechblenda, com a ajuda de Georges Bémont, o casal Curie descobriu que era possível encontrar mais uma substância fortemente radioativa. Novamente, essa substância parecia difícil de ser isolada. Após uma série de reações químicas, como no caso do polônio, foi possível obter um material fortemente radioativo, mas suas propriedades químicas eram dessa vez iguais às do bário. Como no caso anterior, foi possível aumentar a concentração do material radioativo, através de processos de dissolução e precipitação, obtendo um material 900 vezes mais ativo do que o urânio puro, sem no entanto conseguir uma separação total do bário. Eles supuseram que havia um novo elemento desconhecido misturado ao bário, e deram-lhe o nome de “rádio”.
  • Para tentar demonstrar a existência dos novos elementos, os Curie imaginaram um teste decisivo: analisar o espectro dos materiais radioativos que haviam obtido. Cada elemento químico, quando vaporizado e percorrido por uma descarga elétrica, emite uma luz cujo espectro luminoso é constituído por certas linhas luminosas coloridas. A expectativa dos Curie era de que o espectro do bismuto radioativo (que supostamente continha polônio) e o do bário radioativo (que supostamente continha rádio) mostrassem linhas espectrais novas, diferentes das dos elementos conhecidos, o que seria uma importante confirmação de suas hipóteses.
No caso do bismuto radioativo, o teste foi um fracasso. Eugène Demarçay, um químico que trabalhava com Curie na Escola, especialista em espectroscopia, fez o teste para eles. Apesar de todos os seus esforços, não conseguiu notar nenhuma raia espectral nova. No entanto, alguns meses depois, fazendo o mesmo teste com o bário radioativo, a expectativa foi confirmada: Demarçay encontrou uma raia luminosa diferente de todas as conhecidas, e que era mais visível no material mais radioativo. Essa era uma forte evidência a favor da existência do rádio, um novo elemento químico. O trabalho em que esses resultados eram apresentados foi lido na Academia de Ciências de Paris um dia depois do Natal: 26 de dezembro de 1898.
  • Com os resultados inesperados e extremamente importantes obtidos em 1898, estava aberto o caminho para os estudos que o casal Curie realizou nos anos seguintes. A linha fundamental de trabalho passou a ser a de tentar isolar o polônio e o rádio da pechblenda, procurando obter esses elementos em forma pura, para determinar suas propriedades (especialmente o peso atômico). Durante quatro anos, de 1899 a 1902, o trabalho a que eles se dedicaram – realizado em sua maior parte por Maria – foi tratar quimicamente uma tonelada de pechblenda, purificando gradualmente seus materiais radioativos. O polônio, infelizmente, conseguiu resistir a todas as tentativas que fizeram, e não foi isolado por eles. Obtiveram, no entanto, cerca de um décimo de grama de cloreto de rádio quase puro, e conseguiram determinar o peso atômico desse elemento: aproximadamente 225.
Durante esses quatro anos, a teimosia de Maria Curie não lhe permitiu desistir do trabalho, mesmo quando ele parecia não avançar. O esforço físico exigido pelo trabalho era enorme, pois ao invés de utilizar pequenos tubos de ensaio era preciso manipular baldes e caldeirões com cerca de 20 kg de material de cada vez, transportando os recipientes de um lado para o outro, fervendo os líquidos, misturando com outros, borbulhando enormes quantidades do ácido sulfídrico fedorento, etc.
  • A jovem Skolodowska alimentava o sonho de estudar ciência em uma universidade, mas durante a sua adolescência quando o seu irmão ingressou no curso de medicina, a Universidade de Varsóvia ainda não aceitava mulheres e assim ela teve que esperar por longos e duros anos até o momento em que poderia tornar-se estudante universitária na França. Enquanto isso, uma crise financeira se instalou na residência dos Skolodowski, e Marya teve de começar a ministrar aulas. Aos dezesseis anos esperava ansiosamente pelo momento de servir ao seu país, quando, sonhava ela, “Varsóvia seria a metrópole intelectual da Polônia, [e ela ajudaria a] desenvolver a educação de um povo que as autoridades se esforçam por manter imerso no obscurantismo” (CURIE, 1938, p. 42). Por esse ideal sujeitou-se a ganhar tão pouco e fazer tanto sacrifício, afinal, em algum momento, tudo teria valido a pena e ela finalmente poderia fazer o que desejava.
Marya se vê responsável pelo futuro de sua irmã Bronia, que depois da morte da mãe, em maio de 1878, aos dezoito anos, tornou-se dona de casa, mas possuía o sonho de estudar medicina na França, o que custaria caro para uma família que já estava passando necessidade. Buscando um meio de auxiliar a irmã, ela assume o seu primeiro emprego, como governanta em Varsóvia, mas, principalmente pela remuneração, logo transfere-se para a cidade de Szczuki, no interior da Polônia, onde trabalha como preceptora. Enquanto vivia na casa de seus patrões, o Sr. Sklodowski, que era conhecedor de sua enorme capacidade e visando manter viva a chama do
  • incomum interesse da filha em ciências exatas, enviava-lhe problemas de matemática avançada por correspondência, com receio, talvez, de que a filha por estar muito ocupada, não tivesse tempo para estudar.
Passado esse período, e com Bronia já formada em medicina Marya parte para Paris em 1891. A partir deste momento o seu nome passa a ser Marie, como convinha em solo francês e, finalmente, a bela polaca pode tomar parte de um seleto grupo de vinte e três mulheres, dentre quase dois mil estudantes matriculados na Escola de Ciências. Neste período, a universidade Sorbonne, contava com apenas vinte quatro professores, um número pequeno para uma universidade já tão renomada, e a jovem estudante, admirada, pensa em como um número tão pequeno de mestres poderá suprir tudo que deseja aprender. (CURIE, 1938)
  • Marie se depara com mais alguns obstáculos, como a língua e o seu conhecimento de ciências, que apesar de todos os seus esforços em estudos independentes, estavam muito aquém do de seus companheiros, que pareciam não encontrarem tantas dificuldades diante das lições apresentadas, já que vieram dos liceus franceses que os preparavam justamente para ingressar na universidade. Ela sabe que terá de se esforçar muito para ser uma doutora em ciências, mas nada disso faz com que perca ou diminua o seu entusiasmo.
Diante de tantas dificuldades e a necessidade de equiparar com os outros alunos, a jovem polonesa, por inúmeras vezes esquece-se de alimentar e tem frequentes desmaios, e por fim, todo o seu sacrifício tem uma recompensa, em julho de 1893, regozija-se com o anúncio de que ela alcançou o primeiro lugar em ciências físicas, e então é chegada a tão esperada férias junto de seu pai. Na volta, consegue a “bolsa Alexandrowitch” de seiscentos rublos, destinada aos estudantes estrangeiros. Seu senso de justiça leva-a, posteriormente, a devolver todo o dinheiro concernente à referida bolsa, para que outro jovem amante da ciência tenha condições de permanecer na universidade. (CURIE, 1938, p. 97)
  • Certo dia, Marie foi convidada por um casal de amigos para tomar um chá enquanto conversam sobre a necessidade de um laboratório maior para o seu estudo sobre as propriedades magnéticas de diversos aços. Nesse dia, Marie encontra pela primeira vez com Pierre Curie, um professor da École Municipale de Physique et de Chimie de Paris (EPCI) situada na Rua Lhomond, que trabalhava em um laboratório que talvez fosse o ideal para ela. A imediata empatia por este professor leva aquela jovem que sempre amou a ciência e não tinha tempo para rapazes, a descrever este primeiro encontro em 1894 com o seu futuro marido:
Ao entrar, vi Pierre Curie numa sacada. Pareceu-me muito moço, apesar dos seus trinta e cinco anos. Impressionei-me com a expressão do olhar claro e a aparência de abandono daquele homem alto. A palavra lenta e refletida, a simplicidade, o sorriso a um tempo grave e jovem que nele vi, inspiraram-me confiança. Breve travamos amistosa palestra sobre assuntos científicos, e eu me senti alegre de pedir-lhe opiniões. (Marie Curie apud CURIE, 1938, p. 101)
Dez meses se passaram até que a jovem aceitasse o pedido de casamento e no dia vinte e seis de julho de 1895 casam-se em uma pequena reunião na casa do noivo com a presença dos pais de ambos, da irmã Bronia e do querido cunhado Casimir Dluski. Saem com suas bicicletas passeando por bosques em uma jornada que os une mais do que qualquer viagem grandiosa de lua de mel.
Uma Tese de Doutorado com um “Brilho Ofuscante”.
  • Marie está em busca do seu doutorado, e pesquisa em revistas um tema que fosse original, e se interessa pelos trabalhos de Henri Becquerel que, como Henri Poincaré, intentava verificar o comportamento de raios semelhantes aos de Röentgen e concluiu que alguns corpos fluorescentes quando submetidos à luz, não emitiam os curiosos e recém-descobertos “raios X”. Pierre e Marie Curie vêm nessas questões um excelente tema para o doutorado, o problema era o local onde iria desenvolver a sua pesquisa, pois só haviam conseguido um deposito cheio de materiais que ainda servia como sala de maquinas, úmido, e com aparelhagem rudimentar, mas aquela mulher determinada certamente daria um jeito de utilizar aquele espaço e alcançar seu objetivo.
Começa a sua pesquisa medindo a capacidade ionizante dos raios do urânio, mesmo com dificuldade, devido à utilização de instrumentos de precisão que sofriam a influencia do ambiente - como a umidade e a variação de temperatura - utilizou-se de um método já inventado para outros fins pelos irmãos Curie, que consiste em uma câmara de ionização, um eletrômetro Curie e um quartzo piezoelétrico.
  • Logo na primeira semana de trabalho Marie anota algumas conclusões de suas observações, tais como, que a quantidade da radiação do urânio é proporcional à quantidade do elemento na amostra e que a mesma não é influenciada nem pelo estado de combinação do urânio nem pelas condições externas, como temperatura e luz. Em seus debates com o companheiro Pierre surgiram indagações sobre a existência de outros elementos com as mesmas características do urânio. A jovem inicia suas pesquisas com alguns elementos já conhecidos e descobre que o tório também possui a capacidade de emitir raios semelhantes, e denomina os elementos possuidores de tal capacidade de rádio elementos já que eram dotados dessa “radiância”, e o fenômeno seria chamado por ela de “radioatividade” – nome que em pouco tempo passou a ser utilizado pela maioria dos estudiosos - ela se empenha em descobrir a origem daquela radiação. (CURIE, 1938)
Um fato lhe chama atenção, em amostras de determinados minérios trabalhados por ela e Pierre no laboratório da escola de física, foi encontrado um valor de radioatividade mais alta do que seria esperado para a quantidade de urânio e tório que havia em cada uma, Marie supõe que tivesse errado nas medidas, mesmo sendo muito cuidadosa, rígida e altamente meticulosa em suas pesquisas, ela as refaz inúmeras vezes. Não havendo mudanças nas medições ela conclui que deveria existir algum elemento novo naquelas amostras, já que anteriormente, tinha testado todos os outros elementos que já eram conhecidos e, em doze de abril de 1898 divulga nos Comptes Rendus de l’Académie dês Sciences de Paris – revista francesa de divulgação científica.
Dois minerais de urânio, a pechblenda (óxido de urânio) e a chalcolite (fosfato de cobre e uranila) mostram-se mais ativos que o próprio urânio. Esse fato é notável, e leva-nos a crer que tais minérios podem conter um elemento muito mais ativo que o urânio... (CURIE, Marie, 1898a)
Pierre, que vinha acompanhando toda aquela dedicação e a ajudava com suas observações e sugestões, diante dos resultados obtidos, deixa os seus trabalhos para acompanhar Madame Curie em sua extenuante busca pelo elemento ainda desconhecido, foram oito anos de trabalho em conjunto, de dedicação e companheirismo, em seus trabalhos os pronomes nunca estavam na primeira pessoa, sempre utilizavam “nós” para referir-se aos responsáveis pela pesquisa, tanto Pierre quanto Marie fazem absoluta questão de deixar explicito que o trabalho era dos dois. Na verdade, prestígio e reconhecimento estavam longe de ser prioridade na vida dos Curies, o que os animava em publicar suas descobertas era pura e simplesmente o elevado espírito científico, como veremos em várias ocasiões deste estudo. Quando eram obrigados a citar o nome de um dos dois, faziam-no de forma muito discreta, como neste trecho dos Comptes Rendus de julho de 1898:
Certos minerais que contêm urânio e tório (pechblenda, chalcolite, uranite) são muito ativos na emissão dos raios de Becquerel. Num trabalho anterior, um de nós mostrou que a atividade desses minerais é maior que a do urânio e do tório, e emitiu a opinião de que esse efeito será devido a alguma substancia muito ativa, encerrada, em pequenas quantidades, nesses minerais. (CURIE, M. apud CURIE, 1938, p.137)
Entre os dois minérios, os Curies escolhem a pechblenda para buscar o emissor de tamanha radiação, considerando que em estado bruto o minério é muito mais radioativo do que o óxido de urânio, que já se sabia, fazer parte de sua composição. Após muitas analises conseguiram estimar que a porcentagem do elemento desconhecido era ínfima, em torno de um por cento do minério, posteriormente eles iriam concluir que, na verdade, a porcentagem desse incrível elemento não chegava sequer, a um milionésimo por cento da pechblenda. (CURIE, 1938)
  • Como procedimento padrão na busca do elemento que seria a fonte de toda aquela radiação os estudiosos dividem o minério em muitas frações e observam que em duas delas há uma maior concentração de radioatividade o que, em estudos posteriores leva-os a descobrir que não era um único elemento o responsável pelas emissões radioativas, e sim dois. Sendo assim, mesmo Marie sendo agradecida pelo acolhimento francês, não se esquece de sua amada pátria que sofreu por tanto tempo sob o regime da Rússia. Em julho de 1898, declaram no Comptes Rendus do mês que a substância retirada da pechblenda contem um metal ainda não descoberto e que iriam chamá-lo de polonium, em homenagem ao país de origem de Marie.
Em dezembro do mesmo ano, publicaram em mais uma edição dos Comptes Rendus:
As várias razões que acabamos de enumerar levam-nos a admitir que a nova substância radioativa encerra um elemento novo, para o qual propomos o nome de Radium. Essa nova substancia contém certamente grande dose de bário, mas apesar disso a sua radioatividade é considerável. A radioatividade do radium, portanto, deve ser enorme. (CURIE, M. apud CURIE, 1938, p. 140)
A pesquisa dos Curies é tida no meio científico como interessante, mas outros cientistas se omitem em opinar sobre o assunto, já que a descoberta do mesmo iria mudar com toda a composição da matéria e alterar outros trabalhos já apresentados e de pesquisadores importantes, daí, muito provavelmente, advenha a falta de apoio por parte da comunidade científica, para com a pesquisa dos Curies. O casal sabia que só conseguiriam a credibilidade dos químicos se conseguissem determinar o peso atômico do novo elemento e trabalharam arduamente durante quatro anos com um único objetivo: Obter rádio e polônio puros, para procederem às devidas determinações. Para isso, necessitaram de grandes quantidades de minério, já que haviam concluído que a proporção dos novos elementos era muito pequena. A pechblenda era considerada preciosa, pois dela se retiravam os sais de urânio para a fabricação de vidros, mas o seu resíduo era descartado, sem valor para as industrias de vidraçarias, mas para o jovem casal de cientistas, aquele refugo era preciosa fonte, era a matéria-prima por baixo custo. (CURIE, 1938)
  • Pierre e Marie tiveram de achar outro local para trabalhar, possivelmente devido à grande quantidade de pechblenda que iriam utilizar, cerca de uma tonelada, o pequeno sótão na EPCI não era suficiente, passam para um hangar que fora sala de dissecação da Faculdade de medicina. Um local em condições precárias, chão de terra, mobílias velhas, quente no verão e frio no inverno, com goteiras, mas tinha uma vantagem, ninguém iria perturbar o casal, e poderiam trabalhar tranquilamente. Sobre este laboratório, mais tarde Marie escreveu: “Era como criar qualquer coisa do nada [...] Eu passava dias inteiros a mexer massas em ebulição, com uma vara de ferro quase do meu tamanho”. (CURIE, M. apud CURIE, 1938, p. 144)
Passada essa fase, o casal Curie se ocuparia da purificação e cristalização do material, entretanto, encontram mais um obstáculo, o hangar não era um local adequado, pois os aparelhos não poderiam sofrer a influência da temperatura, muito menos de sujeira, se já fora tão difícil conseguir esse espaço, imagine adquirir outro em melhores condições. Pierre, já cansado, decide interromper a purificação do rádio, mas Marie, determinada, não concorda e continua a pesquisa, com cuidados redobrados, naquele mesmo hangar impróprio para um laboratório. Depois de três anos e nove meses de exaustiva e persistente dedicação, em 1902, Marie consegue preparar um decigrama de rádio puro e determina o seu peso atômico: 225u. (CURIE, 1938, p. 149)
  • Em 1898, Pierre tenta, mas não consegue o seu tão sonhado cargo, uma cadeira na Universidade Sorbonne, esse só iria acontecer em três de julho de 1905 (DENNERY, 1967). Nessa época, a França resolve auxiliá-los em suas pesquisas e quando Pierre é finalmente aceito na Universidade Sorbonne e questiona se teria um laboratório para desenvolver seu trabalho, diante da resposta negativa, a primeira reação foi a de recusar o cargo e, devido a sua recusa, a universidade mostra temor em perder um detentor do premio Nobel, a falta de espaço no campus da Sorbonne fazem com que a direção da referida instituição oferecesse a ele duas salas na Rua Cuvier, e um crédito de 12.000 francos por ano para custeio e 34.000 francos para instalações, compra de aparelhos, material do laboratório e a construção das salas. No final, o dinheiro ainda não seria suficiente para suas necessidades científicas. Os periódicos franceses alardeiam tamanha injustiça e uma dama da sociedade possuidora de condições financeiras, cogita a criação de um instituto do rádio, Pierre lhe mostra seus projetos, entretanto, a verba prometida acabou por não ser liberada. (CURIE, 1938)
Madame Curie: 
Uma Pioneira nas Instituições de Educação da França.
  • Em 1900 Madame Curie ingressa como a primeira mulher a participar do corpo docente da escola de Sèvres, uma das escolas públicas secundarias para meninas e que possuía professores que vinham da Universidade Sorbonne e do Collège de France, que fora fundada em 1881, período no qual, o sistema de ensino francês estava passando por algumas mudanças, apesar de limitar os saberes que deveriam ser aprendidos, era uma grande novidade na educação de mulheres. A cientista não possuía nenhuma formação na área pedagógica, e a pequena experiência adquirida durante o seu período como preceptora, não impediu que tivesse dificuldades no primeiro ano de ensino em Sèvres, não só porque suas alunas não entendiam suas aulas que possuíam fórmulas e equações de grande complexidade (QUINN, 1997, p.232),novidade para as meninas, que anteriormente às mudanças educacionais, quando o ensino secundário feminino ainda estava sobre a tutela da igreja católica, e só poderiam estudar literatura francesa e linguagem, sendo a maior parte do dia dedicado ao desenvolvimento de habilidades domésticas, arte, música, dança, história e alguns conceitos de ciências biológicas. Isto por que, na visão religiosa, a mulher instruída seria um perigo para a sociedade, o grego e o latim eram considerados como “fonte da masculinidade” e, obviamente, não lhes eram permitido.
Durante a sua formação universitária na Sorbonne, a jovem Sklodowska considerava de extrema importância as atividades experimentais. Essa preocupação a acompanha quando inicia sua carreira formal de professora na Escola de Sèvres e, essa postura de Marie acerca da experimentação fez toda a diferença para as suas alunas, como pode ser visto no seguinte relato:
Até chegarmos a Sèvres pensávamos que a física fosse inteiramente aprendida nos livros, onde encontrávamos fotos dos aparelhos usados para estabelecer as leis que estudávamos. (FEYTIS, Eugénie apud QUINN, 1997, p.234)
As suas alunas de Sèvres não possuíam um contato regular com equipamentos nem experimentos, os professores algumas vezes lhes mostravam aparelhos similares àqueles que eram utilizados nas grandes universidades, mas não permitiam que os tocassem. Marie, entretanto, aumentou o tempo de suas aulas, e produzia o próprio material pratico e chegou a levar suas aprendizes para conhecer o laboratório de pesquisa onde ela e Pierre trabalhavam, e ele próprio fez demonstrações para suas alunas, como descrito por Eugénie Feytis, cheia de encantamento:
Foi durante o período em que ele tentava medir a quantidade de calor emitida pelo radio... e Pierre decidira usar um calorímetro de Bunsen para isso. Ele mediu para vermos... o calor especifico de uma pequena amostra de cobre. Ficamos surpresas com a clareza de suas explicações, dadas com a voz lenta e séria, com sua expressão luminosa e com a pericia de suas mãos longas e artísticas, trabalhando diante de nós com espantosa confiança. (FEYTIS, Eugénie apud QUINN, 1997, p.234)
Atualmente, o uso da experimentação como “fórmula mágica” para promover o processo de ensino-aprendizagem vem sendo amplamente debatido na formação de professores do século XXI, em alguns desses artigos, a visão da experimentação como ferramenta utilizada apenas para motivar alunos, ilustrar ou comprovar uma teoria, como algo lúdico é fortemente criticada. Entretanto, é conveniente lembrar que não ocorre aos pesquisadores de ensino de ciências negarem o papel da experimentação como ferramenta auxiliar neste delicado processo. Desde o século XVII, como mostra o fragmento abaixo do artigo “O papel da experimentação no ensino de ciências” de Marcelo Giordan, publicado em novembro de 1999, a experimentação tem sido considerada uma forma de fortalecer as ciências:
Ocorreu naquele período uma ruptura com as práticas de investigação vigentes, que consideravam ainda uma estreita relação da natureza e do homem com o divino, e que estavam fortemente impregnadas pelo senso comum. A experimentação ocupou um lugar privilegiado na proposição de uma metodologia científica, que se pautava pela racionalização de procedimentos, tendo assimilado formas de pensamento características, como a indução e a dedução. (GIORDAN,1999)
Em 19 de abril de 1906 Pierre morre atropelado por uma carruagem e após um duríssimo período de luto, sua desolada esposa e companheira de trabalho, retorna às atividades, no laboratório. Quase sete meses depois, por não conseguir encontrar ninguém capaz de substituir Pierre, só resta à universidade convidá-la para ocupar a cadeira do premiado professor Pierre Curie, e, em cinco de novembro de 1906, Marie iria mudar a história da Universidade de Sorbonne e das mulheres em Paris, seria a primeira mulher a ministrar aulas para centenas de pessoas no anfiteatro de física. A plateia ansiosa aguardava que essa pesquisadora falasse de seu inesquecível esposo, imaginavam se ela iria agradecer a oportunidade da universidade. Entretanto, Marie entrou a passos firmes e começou a falar sobre o progresso da física. Em seu diário confessa a seu falecido marido o quanto ficou apreensiva, como queria que ele pudesse vê-la e como ficou contente em poder mostrar que ela tinha algum valor.
  • Sem Pierre e trabalhando na Sorbonne, a mãe dedicada se preocupa com a educação de suas filhas. Como sempre teve uma visão de ciências diferenciada, pois esse saber sempre pautou a sua vida e suas ações, a visão de como ensinar e aprender as ciências naturais amalgamava a cientista e a educadora, levando-a a ver no contato com o laboratório o mais saudável e estimulante caminho para o verdadeiro aprendizado e para a compreensão dos fenômenos. Em 1907, aparentemente mobilizados por Marie, um grupo de estudiosos de ciências de Paris decidiu criar uma “cooperativa de ensino” na qual, cada um dos pais-cientistas ficaria responsável por uma disciplina e os alunos iriam assistir a uma aula por dia.

Marie curie

Análise Discursiva: 
Da Primeira Aula do Fichário de Isabelle Chavannes:

Impossível estudar esse precioso tesouro sem descrever como estivemos perto de perdê-lo. Creio que todos os estudiosos da História da Ciência e pesquisadores em Ensino de Ciências partilham da angústia e ao mesmo tempo a gratidão sentida por nós ao ler a feliz coincidência com que o Professor de matemática da Universidade de Bourgogne e sobrinho-neto de Isabelle Chavannes descreve como esse material foi salvo:
Um dia, meu avô decidiu arrumar o que se encontrava no porão e em particular um baú de papéis de sua irmã Isabelle Chavannes. Eu fui encarregado de colocar na caldeira o que ele desejava queimar. De repente minha atenção foi atraída pelo conteúdo de um fichário preto: ele continha as anotações tomadas por Isabelle durante as aulas de física de elementar dadas por Marie Curie. Meu avô deu-me de presente o fichário e as anotações. (LANGEVIN, Rémi apud CHAVANNES, 2007, p.11)
Segundo as preciosas anotações de Isabelle, pode-se perceber a maneira dialógica de conduzir os experimentos utilizados por Marie, estimulando o raciocínio dos seus alunos, evitando antecipar os resultados, levando-os a raciocinar e tomarem decisões sobre os conceitos tratados, instigando-os, encorajando-os e mesmo divertindo-se com eles. Vale mencionar um trecho do livro de Isabelle Chavannes onde Marie questiona a seus alunos sobre como fariam para manter quente um liquido em um recipiente, os alunos imediatamente propõem ideias como isolamento, envolver o material com lã e a brilhante professora, em tom jocoso, responde que começaria por tampar o recipiente.
  • Por todo o encantamento despertado em um historiador da ciência e estudioso de ensino de química é absolutamente impossível nos furtarmos a uma análise, ainda que ligeira, dos argumentos e estratégias utilizadas por Madame Curie. Em cada aula, em cada experimento realizado por esta seleta plateia que, até mesmo pela faixa etária – entre sete e treze anos – interroga, busca raízes, dialoga, reflete e se diverte, nos até então intocáveis para aquelas crianças, laboratórios da imponente Universidade de Sorbonne, ou no “santuário” da Rua Lhomond.
Para a análise, procuraremos ressaltar em uma das nove aulas anotadas por Isabelle, algumas partes dos diálogos em que a construção do conhecimento se faz mais evidente. Lembrando que a instrução pública na França de então, era dividida em dois níveis paralelos de ensino, o primário que representavam todo o ensino para as crianças das classes populares, que estudavam até os treze anos e o secundário, que escolarizava desde a sexta até a última série, as crianças das elites sociais do país, aqueles que deveriam cursar uma universidade, que atendia a cerca de 4 a 5% das crianças nesta faixa etária. Na verdade, ao escrever o prefácio do livro “Aulas de Marie Curie: anotadas por Isabelle Chavannes em 1907”, o famoso membro da academia de ciência e professor emérito da École Polytechnique de Paris Yves Quéré, não se furta a comparações dos métodos utilizados por esta dedicada educadora àqueles propostos pela Academia de Ciências de Paris pelo Projeto La main à la patê, ou “Programa Mão na Massa” do qual o professor Quéré tem sido um dos maiores divulgadores em todo o mundo. Logo no título do prefácio, “Uma pedagogia moderna”, o estudioso não deixa dúvidas quanto a sua visão sobre o método de ensino da cientista. Em suas palavras:
Marie Curie [...] suscita perguntas [...] que são as de cada um, principalmente aquelas com que nos bombardeiam as crianças todos os dias. Ela as faz suas, trazendo as crianças à resposta, em uma maiêutica que se desenvolve na observação, na experimentação e na reflexão. (QUÈRÈ, Yves, apud. CHAVANNES, 2007, p.14)
A primeira aula registrada pela sua aluna Isabelle, data de vinte e sete de janeiro de 1907 e era feita na École Municipale de Physique et de Chimie de Paris (EPCI) situada na Rua Lhomond e recebeu o título: “Em que se distingue o vácuo do ar”, nesta primeira aula a cientista visa desenvolver com os seus alunos o conceito de densidade. Pode-se notar claramente nas falas da educadora evidencias de que a sua intenção não era de fazer o experimento sozinha e deixar seus alunos passivos, nem de deixa-los fazer os experimentos sem a sua colaboração. A todo o momento em seu discurso encontramos os verbos conjugados na primeira pessoa do plural como: “temos”, “fechemos”, “vamos”, “tentemos”... .Procuraremos analisar esse documento através das características que se repetem durante a sua de madame Curie, como podemos observar nos trechos selecionados por nós:
- Aqui temos uma garrafa... Ela parece vazia. O que há lá dentro?... (p. 27)
Após a resposta dos alunos de que há ar, Marie continua:
- Como vocês podem saber que há alguma coisa dentro? (p. 27)
E propõe que eles mergulhem garrafas “vazias” dentro de um reservatório de água e Isabelle descreve que primeiro, ao abrir a tampa da garrafa dentro do reservatório, mantendo o gargalo para cima a água entra, mas nós “vemos sair bolhas[...] Havia ar na garrafa e é este ar que sai. Como ele é mais leve que a água, ele sobe à superfície”. E madame Curie recomenda:
- Fechemos novamente a garrafa depois de tê-la esvaziado, e vamos abri-la no interior da água mantendo o gargalo para baixo. O que acontece?”
A água sobe um pouco na garrafa comprimindo o ar que ela contém, descreve Isabelle 
[...] ele fica preso no fundo da garrafa e a água não pode enchê-la.
Destacaremos outro trecho da mesma aula, no qual o esforço de Marie para levar seus alunos a compreenderem primeiro o fenômeno e só depois incorporarem a linguagem cientifica, chamou-nos a atenção. Marie propõe que os alunos fizessem um experimento com o mercúrio, emergindo a garrafa contendo o metal de cabeça para baixo, no recipiente cheio água, mas, antes de retirarem a tampa, Marie pergunta o que irá acontecer, e seus alunos rapidamente respondem:
- O mercúrio irá para o fundo do recipiente (...)
Irène tira a tampa do frasco e de fato o belo e brilhante mercúrio desce rapidamente, descreve Isabelle.
- É que ele é mais pesado do que a água – dizem as crianças.
- É quase isso – diz Madame Curie – mas não é bem isso. Será que uma pequena gota de mercúrio é mais pesada que a água de uma grande garrafa?
- Ah, não!
- Porém se se enche uma garrafa com água e uma garrafa igual com mercúrio, qual será a mais pesada?
- Aquela em que se pôs mercúrio.
- Então vejam vocês, é preciso dizer que ‘para um mesmo volume o mercúrio pesa mais do que a água’. Em lugar de dizer esta longa frase, diz-se: ‘o mercúrio é mais denso do que a água’. (...) O ar é menos denso que a água como nós já observamos há pouco. (p. 28)
Sendo extremamente cuidadosa para que seus alunos não desenvolvam uma concepção equivocada acerca do assunto, Madame Curie destaca que utilizaram para o experimento dois líquidos, mas que “ser líquido” não era uma condição única para comparar a densidade entre os corpos, e conduz o seleto grupo a uma comparação entre a madeira e o chumbo e ensina-os a determinar a densidade de corpos sólidos por deslocamento do volume de líquidos. Outro experimento é feito com uma pêra de borracha, os alunos observam e sentem o ar que a pêra libera e se enche novamente, ela faz uma comparação com o ar nos pulmões e diz:
- Quando se respira, as costelas se erguem, os pulmões se abrem e o ar entra como na pêra de borracha” (p. 30)
Essa passagem é um exemplo do que pode ser observado em vários outros momentos das suas aulas, em que a educadora busca trazer para a realidade dos seus alunos os experimentos que estavam fazendo, onde aquele fenômeno com a pêra acontece na vida deles? Quando trata da construção do conceito aspiração, trabalhando com uma pêra que libera o ar e enche-se de água, ela explica como funciona a sucção através de um canudo:
Aspirando-se, abrem-se os pulmões; faz-se um vácuo e a água sobe (p. 32)
Posteriormente, mantendo um experimento relacionado com o outro, nota-se uma preocupação de demonstrar para os seus futuros cientistas, a importância da ciência e do desenvolvimento tecnológico:
(...) Porém, nem sempre se pode aspirar o necessário com a boca. Não se pode retirar com a boca todo o ar de um recipiente, longe disso. Aqui temos um aparelho que se chama trompa de água, que serve para aspirar ar e por consequência produzir vácuo (...)” (p. 32)
Como havia mencionado, nesse trecho, Marie demonstra que dependendo da necessidade da sociedade, se faz necessário equipamentos para facilitar, colaborar, e a ciência é a responsável por explica-los, desenvolve-los, para ela, esse deveria ser o papel dos cientistas. O aparelho é descrito detalhadamente para as crianças e cada uma se aproxima para sentir o seu dedo ser aspirado. Essa visão própria de ciência que a cientista possuía, pode-se ser verificada em outro momento de sua vida, em uma entrevista no ano de 1920, dada à jornalista Marie Mattingly Meloney, na qual demonstra humildade e preocupação com a ciência e lembra que a América possuía 50g de rádio espalhadas pelo continente, enquanto a França possuía apenas um grama – aquela doada por Pierre e Marie Curie ao governo Frances quando abriram mão do direito de patente, o que decerto os deixaria bilionários, visto que um grama deste elemento custava cem mil dólares.
  • Mrs. Meloney pergunta o quanto de rádio a cientista possui e recebe como resposta: “Eu? Oh! eu nada possuo. Esse grama pertence ao instituto”. E ao ser questionada sobre a patente de sua descoberta, responde indignada: “O radium não deve enriquecer ninguém. É um elemento. Pertence ao mundo”. (Marie Curie apud CURIE, 1938, p. 275)
Durante a entrevista a cientista confessa que seu maior sonho seria possuir um grama de rádio para continuar suas pesquisas e, consternada Meloney inicia uma busca por recursos através da América a fim de conseguir esse precioso material. A campanha denomina-se Marie Curie Fund e, principalmente com o apoio das mulheres americanas, em menos de um ano é levantado dinheiro suficiente para a aquisição do rádio. Marie o recebe das mãos do então presidente dos estados Unidos, Warren G. Harden. 
  • Em uma enorme torne pelo país, onde a grande dama é extremamente respeitada e ovacionada, a pesquisadora fica encantada com o número de mulheres nas universidades e principalmente, mostra-se entristecida com o fato de que a America possui cinco hospitais para tratamento do câncer através da curieterapia enquanto a França não possui nenhum.
Marie desenvolve atividades que retomam o que já foi feito durante a aula, demonstrando para seus alunos que há uma relação entre os experimentos, que não são isolados, isso fica evidente no momento em que ela utiliza a trompa de vácuo para retirar o ar de dentro da campânula (vaso de vidro em forma de sino ou de pequena redoma), para mostrar o que aconteceria se em um sistema onde há uma campânula tampada por uma bexiga de porco, fosse retirado todo o ar. E ela conclui:
(...)- Ela vai estourar se continuarmos, se tirarmos quase todo o ar da campânula, isto é, como se costuma dizer, produzindo vácuo.” (p. 34)
Pode-se perceber no trecho acima, que mais uma vez, ela apresenta aos seus alunos a linguagem cientifica, ao concluir que se fica completamente sem ar, isso é chamado de vácuo.
  • Depois, faz-se um novo experimento, onde a campânula fica em cima de uma bexiga e retira-se o ar da mesma, demonstrando que a pressão do ar na bexiga torna-se mais forte do que a pressão do ar que está na campânula, sendo assim a bexiga dilata. Chamou-nos a atenção, o fato de que ao término desses dois experimentos com a bexiga e com a campânula, Madame Curie faz com que as crianças expliquem o que aconteceu em cada um, para ver se eles realmente estavam compreendendo os conceitos que ela apresentava.
Em seu ultimo experimento com uma lâmpada incandescente, a educadora inicia:
- Temos aqui uma lâmpada elétrica. Existe ar dentro dela? Não, porque o filamento de carbono que deve ficar incandescente nesta lâmpada queimaria no ar. Porém, pode haver aí um outro gás, gás de iluminação, por exemplo.Vejamos:
Nós mergulhamos a lâmpada na água com a ponta para baixo. Nós quebramos esta ponta dentro da água, e a água enche imediatamente toda a lâmpada. Se não houvesse vácuo na lâmpada, a água não poderia enche-la assim de uma vez. (p. 38)
Neste experimento, ela retoma os assuntos que foram trabalhados durante toda a sua aula, o vácuo, a presença de ar em recipientes teoricamente vazios, demonstrando que Marie não deixava um experimento sem conexão com os outros e, a todo o momento, utilizava-se de algum conceito, um equipamento, já utilizado para que seus alunos vissem outra forma de aplicar o mesmo processo, o mesmo raciocínio para resolver outro problema, como no trecho exemplificado acima, onde foi utilizado o mesmo procedimento do inicio da aula quando foi feita a verificação do que havia dentro da garrafa, para se concluir o que havia dentro da lâmpada.

O Fim da Carreira:
  • Paralelamente aos esforços de Maria Curie para separar os novos elementos químicos, Pierre se dedicou a outras pesquisas sobre a radioatividade (especialmente sobre a natureza e os efeitos das radiações). Embora sempre mantivessem uma colaboração ativa, algumas vezes publicaram trabalhos isolados, como em 1903, quando Pierre mediu pela primeira vez, juntamente com André Laborde, o calor emitido espontaneamente pelo rádio – a descoberta fundamental da grande quantidade de “energia atômica” contida na matéria. 
Os estudos realizados por Maria e Pierre Curie a partir de 1898 despertaram a atenção do mundo científico para a existência de um novo fenômeno, e levaram muitos pesquisadores a se dedicar ao estudo da radioatividade. Com a descoberta do rádio, os Curie colocaram à disposição dos pesquisadores uma fonte de radiação muito mais intensa do que o urânio e o tório, permitindo novos tipos de estudos – não só físicos, mas também médicos. 
  • O trabalho do casal Curie foi sendo gradualmente reconhecido, e já em 1900 eles eram considerados como os mais importantes pesquisadores nessa área. Em 1903, enfim, Maria Curie defendeu a sua tese de doutoramento em física na Sorbonne, e foi aprovada com distinção e louvor. Em dezembro do mesmo ano, o casal Curie recebeu o reconhecimento internacional pelo seu trabalho, ganhando o prêmio Nobel de física, pela descoberta do polônio e do rádio (na verdade, meio prêmio Nobel, pois a outra metade foi concedida a Becquerel, pela descoberta da radioatividade). 
Em 1903 ocorreu, portanto, o coroamento das pesquisas iniciadas em 1898. Pode-se dizer que, após esse período, a contribuição científica de Maria Curie foi pequena – muito menor do que no período já descrito.
  • Em poucos anos, no entanto, a liderança das pesquisas sobre radioatividade passou a outras mãos. Não foram os Curie que encontraram a explicação correta dos fenômenos radioativos. A partir de 1902, o físico neo-zelandês Ernest Rutherford (1871-1937) e o químico inglês Frederick Soddy (1877-1956), trabalhando no Canadá, propuseram a teoria que aceitamos atualmente: a de que os átomos dos elementos radioativos se desintegram lentamente, emitindo radiações e se transformando em outros elementos químicos. A partir dos trabalhos de Rutherford e Soddy, a pesquisa sobre radioatividade tomou nova direção, e o trabalho pioneiro dos Curie passou a fazer parte do passado. 
No período posterior, Maria Curie continuou seu trabalho de pesquisadora, mas sem obter outros resultados espetaculares como os do início de sua carreira. Durante a primeira guerra mundial, dedicou-se a aplicações médicas dos raios X, e depois da guerra empenhou-se no trabalho de organizar seu laboratório, obter verbas, treinar novos pesquisadores, coordenar novas investigações e proporcionar condições de trabalho aos jovens. Depois de muitos problemas de saúde, em grande parte associados à sua exposição à radiação, acabou por falecer em 1934.

Considerações Finais:
  • No dia quatro de julho de 1934, Marie veio a falecer, possivelmente pelo constante contato com a radiação, causado pela sua dedicação à ciência.
Durante toda a vida desta excepcional mulher, conforme cremos ter abordado neste estudo, a vocação para o ensino e o respeito ao conhecimento científico se faz notórios. Em cada uma das aulas, em cada estímulo, em cada experimento, é perfeitamente possível perceber sua preocupação com a assimilação do conhecimento e que este se desse de maneira sólida, duradoura e contextualizada. Mesmo correndo o risco de sermos anacrônicos, não podemos deixar de ressaltar que esta cientista que de repente ensina, ou esta educadora que jamais se aparta da ciência, traz, na sua maneira de trabalhar o ensino de ciências algo que ainda hoje se espera de um bom educador; o dialogismo, a linguagem, a semiose, a busca pela evolução dos saberes e a contextualização, apenas para citar algumas das qualidades que nos saltam aos olhos. Acreditamos ter conseguido com o presente trabalho destacar na personalidade de Marya Solomee Sklodowska-Curie a consciência do seu papel como cientista perante a sociedade, bem como a importância do desenvolvimento cientifico e, acima de tudo seu esforço e sua dedicação para mostrar esses valores aos seus alunos durante as suas aulas experimentais. A cooperativa durou apenas dois anos e o fichário de Isabelle Chavannes é composto por dez aulas experimentais de temas variados.

Marie curie