quinta-feira, 27 de novembro de 2014

A abertura de mercado e a Industria siderúrgica

Aciaria da Companhia Siderúrgica Nacional, em Volta Redonda, onde é feita a transformação de ferro líquido em aço líquido.

  • Procuraremos analisar os impactos do processo de abertura econômica durante a década de 90 na economia brasileira e seus efeitos imediatos no caso específico da siderurgia. Inicialmente, será feito um apanhado geral até o fim da década de 80, e em seguida, analisado o processo de abertura econômica brasileira que se iniciou na década de 90 durante o Plano Collor e suas respectivas mudanças em vários setores da política econômica, dentre elas a política cambial, a queda das barreiras alfandegárias, o processo de reestruturação das empresas e também a especialização. 
Além disso,será avaliado o comportamento da taxa de formação bruta de capital fixo ao longo da década, sendo que este estudo, entretanto, terá como enfoque principal, as conseqüências dessas alterações no setor siderúrgico brasileiro. 
  • Baseada num sistema de regimes especiais de importações, barreiras não-tarifárias e por uma substancial estabilidade das alíquotas, a economia brasileira, antes das transformações, guiava-se desde a década de 50 por um modelo baseado no sistema de substituição de importações, como forma de proteger e fortalecer a indústria local, intensificar seu raio de ação sobre o mercado interno e com isso, obter vantagens em relação aos produtos estrangeiros.
Este modelo, durante o fim da década de 80 e inicio da de 90, passou por duras criticas quanto as suas conseqüências no que diz respeito às inovações tecnológicas e à competitividade, principalmente pela nova corrente neoliberal que se firmava internacionalmente, em que o papel do Estado na economia deveria ser apenas de regulador e fornecedor de bens básicos à sociedade. 
  • Diante da alteração nos padrões de desenvolvimento, mudanças importantes na estrutura produtiva, financeira e comercial brasileira ocorreram, influenciadas por alterações políticas que se iniciaram com a subida do presidente Fernando Collor ao poder em 1990, e que se confirmaram com a implementação do Plano Real em 1994 por FHC.
No período compreendido de 1988 a 1993, eliminaram-se as principais barreiras não-tarifárias e muitos regimes de importação foram abolidos, com exceção do drawhack. Foram reduzidos os tributos incidentes sobre as compras externas e também o nível de proteção da indústria local. 
  • Após a instituição do Plano Real em 1994, a política de importações passou a se subordinar ao processo de estabilização vigente. O processo de estabilização implantado, que se baseava primordialmente em volumes maciços de capitais de curto prazo, necessitava que fosse mantida a âncora cambial para controlar a inflação. Entretanto, isso contribuía para aumentar a vulnerabilidade externa do Brasil frente às oscilações internacionais.
Diferentemente da década de 80, que foi marcada pela exígua transferência de recursos para a América Latina, a década de 90 caracterizou-se pela enxurrada de capitais que buscavam valorização pelas altas taxas de juros impostas e também pela falta de controles à entrada e saída desses capitais. 
  • A abertura econômica comercial e financeira, que teve reflexos imediatos, levou a conseqüências, entretanto, nada animadoras para a economia brasileira como desequilíbrios externos, baixas transferências de recursos para investimento, tendência à valorização cambial, prejuízos às exportações, aumento nos níveis de desemprego e também queda de competitividade em muitos setores da indústria brasileira.
Adernais, devemos considerar os efeitos advindos do grande processo de privatização de áreas importantes da economia brasileira, principalmente nos anos de 1996,1997 e 1998, como transportes, telecomunicações e eletricidade. 
  • Diferentemente de muitas visões sobre a globalização e seus efeitos positivos sobre a sociedade, o que assistimos, no caso brasileiro, foram desarranjos estruturais no balanço de pagamentos, fragilidade financeira, perdas substanciais em infra-estrutura e também na indústria.
Faremos uma discussão geral sobre o contexto econômico existente no fim da década de 80 e as transformações ocorridas durante a década de 90 por conta do processo de abertura econômica. 
  • O caso específico da siderurgia. Identificaremos a estrutura do mercado, o processo produtivo, as estatísticas atuais do setor, as mudanças estruturais ocorridas e seus principais dilemas. Serão revistos fenômenos importantes, como o processo de fusões e aquisições (F&A), as medidas protecionistas internacionais, o dinamismo da economia chinesa e as conseqüências sobre a indústria nacional.
Analisaremos ainda duas visões conflitantes acerca dos efeitos da abertura econômica sobre a siderurgia, sendo que seu cerne se concentrará na questão do investimento. A visão de Antônio Barros de Castro, Lídia Goldstein e José Roberto Mendonça de Barros, acerca dos investimentos em modernização (que foi denominado de "Catch up''), defende a reestruturação das empresas mediante novos processos gerenciais e qualidade, adernais, investimentos direcionados à compra de equipamentos de maior tecnologia,capazes de ampliar a competitividade da indústria siderúrgica brasileira. 
  • Entretanto, a visão de Luciano Coutinho e Ricardo Carneiro mostra que a abertura econômica, do modo pela qual foi realizada, promoveu '"Especialização Regressiva" a queda de elos produtivos, principalmente daqueles intensivos em tecnologia e capital, a queda do nível de emprego, a desnacionalização da propriedade pelo processo de Fusões e Aquisições e também, mudanças quanto ao destino das exportações nacionais. Para isso, utilizaremos dados atuais acerca do desempenho econômico do setor ao longo da década e também uma ampla revisão bibliográfica. Por fim, na conclusão os resultados serão analisados, verificando se o que foi feito na indústria siderúrgica foi suficiente ou não para que nos dias atuais evitassem-se deficiências produtivas. Adernais, discutiremos quais as possíveis soluções para o setor, bem corno a necessidade de mudança de visão atual enfatizando a questão do investimento em P&D, qualificação profissional, competitividade e também maior harmonia entre Estado e sociedade quanto às medidas de política macroeconômica adotadas e seus impactos.

Transformação do ferro em aço

Contexto histórico:
  • Desde a era Vargas até o fim da década de 80, o Brasil se pautou num sistema econômico voltado para a substituição de importações como forma de incrementar e proteger a economia nacional. Na tentativa de impedir a concorrência externa, foram colocadas inúmeras barreiras comerciais às importações brasileiras. 
A quebra do modelo anterior de dependência externa, de uma economia predominantemente baseada na atividade agrícola para um modelo voltado para o mercado interno, fez com que o Brasil alterasse significativamente sua pauta de importações. Anteriormente importados, os bens de consumo seriam fabricados internamente. Nesse caso, fez-se necessária a produção de bens intermediários e de capital destinados à produção desses produtos.
  • Apesar das inúmeras críticas a sua dinâmica, como por exemplo, as descontinuidades produtivas, pois muitos setores tinham capacidade de importação reduzida, tornaram a industrialização incompleta ou restringida. Vemos que a indústria de transformação cresceu sua participação no PIB de 19% em 1955 para 30% em 1990. Essa taxa de crescimento proporcionou à economia elevação do PIB em média de 6,3% a.a. e também à diversificação da pauta de exportações no período. 
Durante a época de 1950-80 o Brasil cresceu a urna taxa média de 7,4% a.a. e somente em 4 anos cresceu a taxas abaixo de 4%. Esse crescimento econômico significativo ocorreu basicamente por três fatores
  • Participação direta do Estado financiando infra-estrutura e insumos básicos; 
  • Crédito a novos projetos; 
  • Proteção à indústria nacional por meio de proteção tarifária e não-tarifária; 
Conforme a CEP AL, o relacionamento comercial dos países agrário-exportadores com o resto do mundo tendia a se deteriorar, pois os produtos primários valiam cada vez menos em relação aos produtos contendo tecnologia mais avançada. Defendida pela CEP AL, a industrialização dos países retardatários fazia-se necessária. 
Dessa forma, o Estado brasileiro assumiu os papéis de indutor, empreendedor e gerenciador da industrialização. Ademais, convém destacar as conseqüências negativas advindas da Crise de 1929 na economia internacional e que se refletiram no Brasil. 
  • Devido à queda no nível de renda a uma taxa entre 25 a 30%, elevação em 33% dos preços dos produtos importados e redução das importações no patamar de 60%, o Brasil estava diante de um cenário inédito em sua economia: construir condições e estruturas minimas que atendessem às demandas do mercado interno. 
Havia a necessidade, portanto, de existir formação de capital suficiente para o conjunto de investimentos no país. 
" ( . .) o fator dinâmico principal, nos anos que se seguem à crise, passa a ser, sem nenhuma dúvida o mercado interno ... ". 
Diante disso, o governo foi forçado a intervir no mercado e proporcionar o seu avanço mediante medidas de proteção à indústria nascente e posteriormente, a intensificar o desenvolvimento, assim corno foi feito durante o governo de Juscelino Kubitschek
  • O planejamento estatal e a intensificação do processo desenvolvimentista baseado na indústria alcançaram seu auge nas décadas de 50 e 60. Porém, as melhores taxas de crescimento da economia ocorreram durante ""0 Milagre Econômico" no início dos anos 70, mantendo-se até 1980, quando foram abortadas pela escassa liquidez internacional (advindos dos efeitos negativos do choque do petróleo, da politica econômica recessiva dos EUA e da crise da dívida externa da periferia). 
Apesar do incentivo dado à industrialização, muitos de seus ramos não alcançaram escalas suficientes para auferir ganhos com transferência de tecnologia, não obtendo assim, viés exportador. Dessa forma, o setor privado centralizava suas ações no mercado interno, por meio de endividamento crescente junto ao Estado, e as estatais buscavam recursos através de empréstimos externos.
  • Enquanto que durante a década de 70 o governo convivia com inflação alta, mas que até então não havia prejudicado a economia, pois esta se situava numa trajetória de crescimento, foi na década de 80 que encontramos o maior número de tentativas em impedir o avanço geral dos preços e combater o componente inercial da inflação. Entre 1986 e 1991 tivemos cinco choques (Plano Cruzado, Bresser, Verão, 
Collor I e Collor 11), sendo que todos eles fracassaram. O combate à inflação tomou-se necessário, pois a crise internacional e o li choque do petróleo no fim da década de 70 aprofundaram o cenário econômico restritivo, de forma a não existir mais na década de 80 o mesmo montante de crédito internacional disponível ao investimento que a década anterior.
  • Diante do cenário de incerteza, o Brasil adotou a política sugerida pela ortodoxia e se pautou, durante a primeira metade da década de 80, no controle das despesas governamentais e também das Estatais, além de aumentar arrecadação de impostos (IR e IOF) e contrair a liquidez real e o crédito. Apesar dessas medidas, a inflação continuava a crescer violentamente. 
Ademais, durante esse período, especificamente em 1982, a moratória mexicana aumentou a pressão sobre o balanço de pagamentos, afetado fortemente pelas crescentes despesas com o pagamento de juros da dívida, chegando a US$ 11,4 bilhões nesse ano.
"(..) os pagamentos líquidos de juros aumentaram de US$ 2, 7 bilhões em 1978 para US$ 11,4 bilhões em 1982, fato que se reflete não apenas a acentuada elevação das taxas de juros internacionais, mas também o rápido crescimento da dívida líquida e os spreads mais altos pagos pelos tomadores de empréstimos depois de 1980. O custo médio da divida subiu, em termos nominais, de 10,9% em 978 para 21,1% em 1983 e de 3,3% para 14,2% em termos reais". 
Por conta do fechamento do mercado financeiro internacional o Brasil teve então de buscar recursos junto ao FMI de forma a renegociar suas dívidas, que até então, cresciam aceleradamente devido aos gastos realizados na década passada, como a implantação do 11 PND, e também, aos empréstimos realizados no exterior (petrodólares) pelas estatais.
  • Enquanto isso, atrelada à política de contração da demanda, a maxidesvalorização cambial de 30%, e o choque agrícola aumentou a inflação no período. Já o PIB caiu em 2,8%, o produto industrial em 5,2% e a taxa de desemprego nessa área ficou em torno de 7,5%. 
O país desejava a renegociação de suas dívidas com o FMI e os bancos internacionais, por sua vez, buscavam diminuir seu grau de exposição frente aos países subdesenvolvidos, como o Brasil que tinham riscos elevados. Além disso, a moratória mexicana prejudicou a economia brasileira, pois diminuiu as exportações e as importações, e também deteriorou as contas externas, dificultando o financiamento do déficit, e tomando as reservas líquidas do pais negativas em mais de US$ 2 bilhões.
  • Como podemos ver abaixo, além da dívida externa, que foi crescendo anualmente pelo pagamento de seus serviços, a dívida interna também sofreu elevação, dada a estatização da dívida externa pelo governo, dando origem ao que foi chamado de "crise fiscal do Estado". 
Ademais, devemos lembrar o intenso movimento de especulação financeira que pairava sobre o cenário da época. V árias empresas auferiam maiores lucros com a especulação do que com seus resultados operacionais. A indexação da economia, através, da rentabilidade dos títulos públicos, (que apresentavam risco nulo e eram protegidos contra a desvalorização provocada pela inflação), tomou esses ativos de primeira linha, pois determinavam a taxa mínima de rentabilidade no mercado. Isso aos poucos passou a se tornar um dos principais processos de alimentação da inflação, que incorporavam no cálculo desses ativos as expectativas futuras de inflação.
  • Vemos, enfim, que a primeira metade da década de 80 (1981-1984) foi marcada por políticas de estabilização de orientação ortodoxa, com intuito de promover o ajustamento externo, sem conseguir evitar efetivamente a escalada da inflação. Somente a partir da segunda metade da década (1985-1989) é que a política econômica concentrou-se no combate inflacionário. Diversas políticas de orientações ortodoxas e heterodoxas foram adotadas, embasadas principalmente em teorias que explicavam a origem do avanço do nível geral de preços (teoria da inflação inercial). 
As elevadas taxas de inflação preocupavam o governo e também a constituição de sua coalizão política. A inflação oficial alcançou 13,4% em dezembro de 1985 e 16,2% em janeiro de 1986. Nesse mesmo ano, o Cruzado foi implementado, promovendo uma reforma monetária, em que trocava o Cruzeiro pelo Cruzado.
  • Por meio de inúmeras medidas, como: sincronização das diversas periodicidades dos reajustes de preços e salários, através de regras específicas, conversão do valor médio dos salários em Cruzados, abono de 8%, gatilho salarial, e o congelamento de preços ao consumidor, a taxa de inflação caiu efetivamente no curto prazo, e o congelamento tomou-se o elemento mais popular do Plano. 
A elevação no poder de compra e a subseqüente explosão do consumo, influenciada por políticas de elevação do crédito pessoal e do efeito riqueza, foram as conseqüências da adoção dessas medidas.
  • Pressões de demanda, reajustes de tarifas públicas e formação de mercados paralelos foram outras dificuldades encontradas. Por conta do congelamento, o governo afetou as empresas estatais, as finanças públicas e as contas externas, porque congelou também a taxa de câmbio e diminuiu as reservas internacionais, prejudicando o pagamento do serviço da dívida externa brasileira. 
Em virtude das eleições, o governo postergou a decisão de contrair a demanda agregada e elevou os compulsórios, porém isso se mostrou ineficaz e de pequena amplitude. Após o período eleitoral, o Plano Cruzado 11 foi implementado corno forma de resolver o problema fiscal que surgiu. Para isso, aumentou os impostos sobre cigarros, bebidas, automóveis e preços públicos. Os salários perderam novamente seu poder de compra e a saída desorganizada do congelamento impulsionou a volta da memória inflacionária, juntamente com a indexação via correção monetária mensal. Por conta disso, o balanço de pagamentos foi duramente afetado, e o Plano naufragou rapidamente.
  • Sobe ao poder o ministro da Fazenda Bresser Pereira, que lançou o conhecido Plano Bresser de modo a controlar os índices de preços e evitar a hiperinflação. Para isso, extinguiu-se o gatilho salarial, cortaram-se gastos do governo e as taxas de juros foram elevadas, de modo a inibir o consumo. Salários e aluguéis foram congelados e o câmbio desvalorizado diariamente. 
No entanto, a falta de credibilidade no Plano, desequilíbrios de alguns preços relativos e principalmente, falta de investimentos no setor produtivo, que observava os recursos se dirigirem ao mercado financeiro pelas altas taxas de juros pagas, levaram ao fracasso do Plano.
  • Apesar de posteriormente terem sido adotadas políticas de cunho ortodoxo, corno a política do "feijão-com-arroz" (Plano Mailson) e mistas (ortodoxas e heterodoxas) como o Plano Verão, a credibilidade no governo Sarney encontrava-se muito abalada diante desse histórico repleto de choques e planos econômicos malogrados. 
A inflação continuou a crescer de forma violenta e os juros altos comprimiam as contas públicas.O processo de desindexação da economia não trouxe bons resultados e em 1989 o governo suspendeu o pagamento de juros da divida externa brasileira por conta do saldo comercial. A inflação anual de 1989 totalizou 1.764,86% e nos primeiros meses de 1990 chegou a 64,17% Ganeiro), 73,21% (fevereiro) e 85,12% (somente na primeira quinzena de março).
  • É nesse contexto que Fernando Collor assume o governo e inicia um novo plano de estabilização econômica, o chamado "Plano Collor", que trouxe impactos significativos à economia brasileira, mas que não evitou o fracasso no que se refere ao combate da :inflação. Esse Plano combinou o confisco de depósitos à vista e aplicações financeiras com prefixação da correção dos preços e salários, câmbio flutuante, elevação da tributação sobre as aplicações financeiras e também a reforma administrativa, que se caracterizou pelo fechamento de muitos órgãos públicos e demissão de grande quantidade de funcionários. 
A inflação não foi contida e, em vista disso, foi lançado o Plano Collor 11. Um novo congelamento de preços e salários foi realizado (unificando-se as datas-base dos reajustes salariais) além de reforçar ações de contração fiscal e monetária. Esse plano econômico também fracassou meses depois, dando lugar a urna política de juros extremamente altos na gestão de Marcílio Marques Moreira.
  • Devido a isso, o período de 1990 a 1992 foi marcado por uma intensa recessão, queda dos salários reais e da massa salarial, e também, aumento do desemprego. A falta de apoio da opinião pública em virtude de denuncias de corrupção e os efeitos negativos do confisco levaram ao impeachment do presidente. 

Indústria siderúrgica foi um dos setores que passou a utilizar mais sua capacidade produtiva.