terça-feira, 24 de fevereiro de 2015

A Real Fábrica de Ferro

Operário trabalha em uma fábrica de ferro e aço na província de Anhui, na China

  • A multiplicidade de trabalhos sobre a Fábrica de Ipanema trouxe variadas interpretações à discussão. Em geral os trabalhos tratam aspectos econômicos, institucionais e técnico-científicos. Estes últimos enfatizam aspectos geológicos e mineralógicos. 
Nos trabalhos do século XIX preponderam tópicos que remetem aos primeiros momentos do fabrico do ferro no século XVI e aqueles considerados “fundadores” da história da Real Fábrica de Ferro e os mais recentes, dos séculos XX e XXI, enveredam por perspectivas da História Social, Econômica e da Arqueologia Histórica.
  • Pedro Taques de Almeida Paes Leme (1714 - 1777), escreveu vários compêndios sobre a história paulista e paulistana – Nobiliarquia Paulistana Histórica e Genealógica; História da Capitania de São Vicente – e especificamente sobre a exploração e a legislação mineira: Notícia das Minas de São Paulo e dos Sertões da mesma Capitania. Nesta obra, segundo Zequini (2006, p.20), Taques afirma que os descobridores do ferro em Araçoiaba teriam sido Afonso Sardinha e seu filho de mesmo nome.
Transcrevendo trechos das Notícias Genealógicas, Vergueiro (1979; p. 6) cita passagem em que Pedro Taques informa terem os Sardinha iniciado uma Fábrica de ferro de dois engenhos em Biraçoiaba, sendo um deles doado ao Governador da Capitania de São Paulo, D. Francisco de Sousa em 1600.Para Zequini (2006, p.20) a obra de Taques buscava positivar a 
“[…] participação dos bandeirantes na história de São Paulo e, ao mesmo tempo, contrapor todas as narrativas que haviam sido escritas nos séculos anteriores […]”. Assim a afirmação de Taques sobre os Sardinha os introduziu e consolidou como descobridores e fabricantes de ferro no Araçoiaba.
A opção de Taques tornou-se quase que inquestionável com a perda ou extravio dos documentos por ele pesquisados. Arquivos e documentos, como testamentos e inventários desapareceram; assim como os documentos do Cartório da Provedoria da Real Fazenda, levados em enchente de 1929 do Tamanduateí. Soma-se a isso a incompletude dos livros de Atas de Registro Geral da Câmara Municipal de São Paulo (RODRIGUES, 1966, p. 171).
  • A criação da Real Fábrica em 1810 gerou estudos históricos que trataram do empreendimento durante o século XIX, relatos de atividades gerais até trabalhos científicos sobre os tipos de rochas e minerais.
Em 1820, José Bonifácio, com olhar de cientista e burocrata do Reino, descreveu sua estadia em Ipanema na Memória Econômica e Metalúrgica sobre a Fabrica de Ferro de Ypanema – Sorocaba – 1820. 
  • O trabalho é rico em detalhes: descreveu suas opiniões sobre as gestões de Hedberg e Varnhagen, enveredou pela parte técnica, descreveu erros de concepção, construção e manejo dos fornos de ambos os diretores. Sugeriu mudanças nos componentes usados na fundição. Discorreu, ainda, sobre o combustível dos fornos (carvão vegetal) pormenorizando as madeiras usadas no fabrico de ferro. Por fim, teceu críticas ao modo como as demarcações da área da Fábrica foram feitas e os prejuízos causados aos agricultores expulsos da região.
Português de nascimento, Nicolau Pereira de Campos Vergueiro, Senador Vergueiro, publicou em Portugal em 1822 sua Memória Histórica sobre a Fundação da Fábrica de Ferro de S. João do Ipanema. Na introdução, asseverou a importância do ferro para o futuro dos estabelecimentos fabris no Brasil e em especial, da Fábrica de Ipanema e de sua história, por ser:
 “[...] a fundação do que deve fornecer instrumentos a todos [...].” Na sequência, descreveu a geografia da “Província” de São Paulo e a geologia local, valendo-se de dados fornecidos por Varnhagen. (VERGUEIRO, 1979, p.1-5)
A Memória de Vergueiro (1979, p.8) é, grosso modo, um “panfleto” contra a administração de Hedberg, que é chamada de “desgraçado período”. Hábil, Vergueiro tece críticas a Hedberg e à equipe sueca, poupando D. Rodrigo de Sousa Coutinho, então ministro português responsável pela contratação dos artífices suecos. Hedberg é mostrado como teimoso, incapaz e contrário a qualquer sugestão em seus trabalhos. A administração de Varnhagen por sua vez é o momento em que “[...] a ordem principia a aparecer.” (VERGUEIRO, 1979, p.32)
  • Em 1885 foi publicada em segunda edição nos Annaes da Escola de Minas de Ouro Preto a Memória sobre a Fábrica e Ferro de São João de Ipanema. Escrita pelo engenheiro Leandro Dupré, o trabalho apresentou um curto histórico das tentativas de produção de ferro no Araçoiaba desde Afonso Sardinha no século XVI e tentativas subsequentes, para deter-se na Real Fábrica de Ferro de 1810, resumindo cada fase vivida pela Fábrica e seu respectivo diretor até 1878 quando passa a pertencer ao Ministério da Agricultura. 
Descreveu a geologia do Morro de Araçoiaba e análises do minério de ferro feitas na Europa, bem como o modo de preparo do minério. Mostrou detalhadamente a feitura do carvão usado como combustível e de como as reservas mais próximas foram desbastadas. Tratou da força hidráulica fornecida pelo açude e enumerou as modificações feitas nos altos fornos de Varnhagen (1818), comentando os defeitos que motivaram tais alterações. 
Daquilo que viu na Fábrica descreve o processo de fundição, a maneira como é “montada” a carga do forno o uso e qualidade do fundente assim como, a oficina de fundição e o novo alto forno que ainda não estava em operação. No século XX publicam-se trabalhos inseridos na História Econômica, Política e Técnica amparados em amplas pesquisas documentais. Em 1904, João Pandiá Calógeras escreveu e publicou em 1905 na Revista do Instituto Histórico e Geográfico (RIHGSP) de São Paulo,
  • Ensaio de História Industrial intitulado O Ferro. O trabalho faz um levantamento histórico sobre a produção do ferro em terras paulistas, valendo-se de escritos dos jesuítas que estiveram em São Paulo nos anos 1500. Procura entender onde e como Afonso Sardinha adquiriu conhecimentos técnicos, citando Pedro Taques e posteriormente o Senador Vergueiro. Traça um paralelo entre as instalações de Biraçoyaba, as primeiras a produzir ferro (sic) e as dos engenho de Santo Amaro cuja “[...] nova instalação devia ser uma cópia da de Biraçoyaba [...]”. (CALÓGERAS, 1905, p. 34)
Comenta as tentativas feitas durante o governo do Morgado de Mateus, Luiz Antonio de Souza e a cessão em 1765 de uma Carta Régia a Domingos Pereira Ferreira de minerar “[...] ferro, chumbo e estanho (…) ficando isento dos direitos senhoriaes (sic) dos quintos por cinco anos [...]”. (CALÓGERAS, 1905, p. 42).
  • Sobre Ipanema descreve as supostas manipulações ocorridas na Suécia para a vinda da equipe comandada por Hedberg que é descrito como incompetente e perdulário e que o arranjo para sua vinda à colônia era apenas para sanar dívidas contraídas na Suécia. A equipe sueca é segundo o autor composta de pseudo mineiros. Descreveu a formação da Companhia composta de cabedais públicos e de ações compradas por particulares. Relatou os atritos de Hedberg com a Junta administrativa e os problemas que levaram à dispensa dos suecos por Carta Régia em 1814.
A administração Varnhagen é tida como a retomada da ordem que resultou na construção de dois altos-fornos e na primeira corrida de ferro de modo industrial, fundindo três cruzes. O autor contesta o bairrismo de alguns que alegam ter sido em Minas Gerais a primeira corrida de ferro, questionando os resultados obtidos pelo Intendente Câmara.
  • Mário Neme, em 1956, publicou em O Estado de São Paulo o artigo Notas aos Apontamentos de Azevedo Marques; Dados Para a História das Minas de Ipanema. O artigo conta sobre a tentativa do Capitão-Mór de Itanhaém Luis Lopes de Carvalho de estabelecer, em 1684 engenho de ferro em Biraçoiaba (sic) e sua luta para conseguir escravos índios para o trabalho. Relata experimentos e ensaios realizados até cerca de 1690. Sem cabedais, vai até o Rio de Janeiro onde pretende convencer a Coroa a investir nas minas de ferro nomeando-o superientende do estabelecimento, o que não ocorreu.
Fraga (1968) situa sua pesquisa no período que vai de 1790 a 1822, analisando as tentativas anteriores de fazer ferro em Ipanema assim como as medidas tomadas pelo poder metropolitano no período de 1790 a 1800. Descreve as peculiaridades da Capitania paulista no século XIX no período que antecede a criação da Fábrica de Ipanema. Finalmente, levanta considerações sobre as administrações de Hedberg e Varnhagen à frente da Fábrica e suas opiniões técnicas divergentes sobre a melhor maneira de forjar ferro de Ipanema.
  • Principal historiador memorialista de Sorocaba, Aluísio de Almeida é pseudônimo do frei Luís Castanho. Seus livros e artigos publicados na imprensa sorocabana e órgãos de circulação mais ampla são as principais referências para uma história “oficial” de Sorocaba e região. Na história de Sorocaba, de 1969, e Sorocaba: 3 séculos de História de 2002, 
Aluísio traça uma história linear na qual enfatiza os nomes e sobrenomes de famílias ricas e importantes, além das atividades eclesiais católicas de inúmeras paróquias. Importantes, porém, são seus escritos sobre o bandeirismo sorocabano. O Tropeirismo que tinha como seu principal evento, as feiras de animais que ocorriam em Sorocaba, onde gado muar e vacum era negociado. As feiras se estenderam de fins do século XVIII até as primeiras décadas do século XIX e alimentaram certa idéia de sorocabano destemido e avesso à monotonia agrícola.
  • Os trabalhos do memorialista são de longe a principal fonte da história de Sorocaba. Infelizmente, não são citados os originais que utilizou. Por essa razão seus trabalhos podem ser vistos como documentos históricos, frutos de um determinado contexto de construção, primeiro do paulista, e este por sua vez particularizado no sorocabano.
O historiador carrega nas tintas para idealizar o sorocabano como um antigo bandeirante cheio de espírito empreendedor e aventureiro, ligado às novidades, o que explicaria o surto industrial de fins do século XIX e início do XX. Baddinni (2002) mostra o objetivo de Aluísio de Almeida em construir a imagem do sorocabano como indivíduo predestinado ao progresso: “A industrialização (para Aluísio) é entendida, não só como conseqüência do enriquecimento urbano permitido pela feira (de muares), mas principalmente pelo caráter empreendedor do sorocabano.” (BADDINI, 2002, p.19)·.
  • A história sobre a Fábrica de Ipanema também acha-se carregada com a mesma imagem progressista do sorocabano. Em 1949, publicou em O Estado de São Paulo o artigo Real Fabrica de Ferro de S. João de Ipanema, 1800-1811. Neste reconheceu Martim Francisco e Frederico Varnhagen como fundadores de Ipanema. A Memória de 1803 de Martim Francisco foi decisiva para definir o local da Fábrica. Almeida mostrou Varnhagen como fundador “de fato” da Fábrica, condicionando: “[...] se considerarmos a instituição antes da realização técnica [...]”.(ALMEIDA,1949, p.06) 
O artigo explicou, ainda, a formação acionária da Fábrica e citou trechos da Carta Régia de 14 de dezembro de 1810 que fundou o estabelecimento. Finalmente, descreveu as tentativas da Corôa em atrair, sem sucesso, acionistas paulistas para investir na Real Fábrica.
  • Em A Primeira Fundição de Ferro em Ipanema, publicado no Suplemento Agrícola de O Estado de São Paulo de 19 de agosto de 1964, Almeida considerou que a maior realização do período de Hedberg foi o engenho de serrar. Assinalou o trabalho em conjunto de Varnhagen e Hultegren. Remanescente da companhia sueca, especialista em rodas d'água e eixos de madeira, foi importante na construção dos altos-fornos, bem como nas corridas de ferro. 
Examinou, ainda, as necessidades técnicas da Fábrica e citou as equipes de prussianos e franceses que vieram para Ipanema entre 1820 e 22 sob direção de Varnhagen. Expôs os feitos pós Varnhagen, em que as instalações de Ipanema ficaram sob a direção de Jose Rufino Felizardo (1822-1824), e a partir de 1824, do escrivão da Fábrica, Capitão Ferreira. Em sua parte final o artigo tratou das atividades do técnico sueco Lourenço Hultgren na Província de São Paulo.
  • Além dos trabalhos publicados em jornais, Aluísio publicou na Revista do Instituto histórico e Geográfico de São Paulo e na Revista de História. Na RIHGSP, Aluísio publicou em 1939 Achegas à História de Sorocaba em que descreveu os primeiros povoadores de Sorocaba, nomeando as principais famílias e a evolução demográfica. Incluiu o ponto de vista sorocabano sobre a Dom João VI, a Independência, a escravidão africana e as feiras de muares. Almeida deu um salto histórico e passou a tratar da Guerra do Paraguai, do papel da Fábrica para produzir “[...] canhões, munições e arma branca […]” sob a direção do Coronel Mursa (1865-1890). (ALMEIDA, 1939, p.152) Há uma descrição dos aspectos administrativos e funcionais da Fábrica, como os estoques de lenha para combustível; os transportes e funcionamento dos fornos e de oficinas. (ALMEIDA, 1939, p.152-164)
O trabalho de Felicíssimo Jr, História da Siderurgia de São Paulo, seus personagens, seus feitos, 1969, publicado no Boletim nº 49 do Instituto Geográfico e Geológico de São Paulo, fez observações técnicas fundamentais. As opções de Hedberg e Varnhagem foram apresentadas e criticadas com o auxílio de plantas dos respectivos engenhos, além de informações sobre a geologia do local. Na sua avaliação técnica, os fornos de Hedberg eram viáveis para a Fábrica.
  • Em 1983, Francisco Gomes publicou a História da Siderurgia Brasileira. Percorrendo amplo período, o livro investiga a história do uso do ferro desde a colônia, passando pelo Império adentrando a República e discorrendo sobre aspectos econômicos e técnicos do uso do carvão vegetal. Sobre períodos mais próximos de nossa época enfatiza a siderurgia do Estado Novo até a época da publicação.
No livro há um capítulo dedicado à Fábrica de Ipanema e à Fábrica do Morro do Pilar, intitulado, As Tentativas Do Tempo de D. João VI em que narra eventos que se passaram no período de Hedberg e Varnhagen em Ipanema; trabalhos do Intendente Câmara na Fábrica do Morro do Pilar e a Fábrica de Ferro de Monlevade. Dedica um capítulo ao que ocorreu em Ipanema na segunda metade do século XIX quando era a “[...] única Fábrica de ferro que subsistiu de modo contínuo fora da Província de Minas Gerais [...]” (GOMES, 1983, p.106). De maneira geral, Gomes narra a história de Ipanema do ponto de vista já consagrado em textos do Senador Vergueiro, Eschwege e sua correspondência com Varnhagem, do Visconde de Porto Seguro, o historiador Francisco Adolfo de Varnhagem e Felicíssimo Jr.
  • Menon (1992) investiga a estrutura sócio-econômica que se constituiu com a instalação dos fornos de Ipanema. A presença de técnicos especializados europeus trabalhando junto com escravos e brancos livres no Brasil colonial. Enfatiza que era um ambiente distante da ideia de trabalho livre e assalariado. O autor critica a história “oficial” de Ipanema, que infla grandes nomes sem referir-se aos escravos africanos e índios. Seu trabalho proporciona um amplo e vivaz panorama do singular universo social surgido com a Fábrica.
A Institucionalização da Metalurgia no Brasil: da escola à Práxis, 1992, de Ana Maria Alfonso-Goldfarb e Márcia Helena Mendes Ferraz procura compreender os problemas da institucionalização da ciência e o ensino das ciências mineralógicas e metalúrgicas no Brasil. O trabalho inclui a criação da Escola de Minas de Ouro Preto na década de 1870.
  • Araçoiaba e Ipanema, a história daquela maravilhosa região, desde as forjas de Sardinha até a Real Fábrica de Ferro, é o trabalho de José Monteiro Salazar, 1998. O trabalho traça uma história linear de Ipanema desde os Sardinhas até tempos mais recentes, quando da utilização da área pelo Ministério da Agricultura. Liga fatos de modo anacrônico em uma perspectiva que tenta mostrar a vocação natural do Morro para inovações tecnológicas. Ao autor pode-se creditar a descoberta das ruínas dos fornos de Afonso Sardinha.
Neto (2006) examina relações da escravidão e indústria no Brasil do século XIX, Escravidão e Indústria: Um Estudo Sobre a Fábrica de Ferro São João de Ipanema – Sorocaba (SP) – 1765 – 1895. A tese procura interpretar relações de trabalho escravo e indústria, vistas como incompatíveis por acreditar-se que os escravos não teriam competência técnica e não se acostumariam ao ritmo industrial. Há crítica ao olhar mecanicista que correlaciona linearmente indústria e rejeição da escravidão, tais polos seriam incompatíveis e a indústria seria barreira institucional à escravidão. O debate faz, ainda, comparações entre Estados Unidos e Brasil com relação à escravidão e indústria.
  • Aspecto interessante do trabalho é o que considera a Real Fabrica de Ferro de Ipanema como exemplo de organização pré-industrial. Uma “Fábrica” na qual inexistem fronteiras nítidas entre atividades industriais e rurais; às práticas agrícolas e extrativas. No caso de Ipanema, essas práticas seriam o fornecimento de alimentos aos trabalhadores, a derrubada das matas e a feitura do carvão combustível.
As características dos trabalhadores da Fábrica de Ferro merecem ser examinadas com maior cautela. Para trabalhar nos fornos de Ipanema a Coroa portuguesa valeu-se da mão de obra que poderia obter da maneira mais fácil. Ou seja: escravos negros africanos e índios pacificados. A estes vieram juntar-se brancos europeus com conhecimentos técnicos, especialistas nas artes siderúrgicas e brasileiros que exerceram funções administrativas.
  • Desde o momento no qual a Fábrica era meramente uma possibilidade para o governo português, os braços para o trabalho já faziam parte das preocupações. Em janeiro de 1803, Martim Francisco, na condição de Diretor Geral das Minas de Ouro, Prata e Ferro da Capitania de São Paulo, visitou Ipanema para avaliar o potencial das minas e as condições para a existência da futura Fábrica. Dessa viagem resultou uma Memória em que narra o que vira e propunha algumas ideias.
Com relação aos braços que tocariam a Fábrica, Martim, primeiramente, incentivava o uso de presos por vadiação ou condenados a morte existentes na povoação de Sorocaba que à época contava com população de 9.712 moradores e por “[...] haver quantidade de homens dados a vadiação e ociozidade;[...]”. 

A Fábrica de Ferro de Sorocaba, mais tarde denominada São João de Ipanema, foi criada pela carta régia de 4 de dezembro de 1810,

“[...] Será mesmo proveitozo condenar ao trabalho das minas os homens e grandes Crimes, Sentenciados pela Ley á penna ultima, os quaes morrendo nas Cadêas, como he ordinário, tornaõ-se pezados ao publico, e nullos a Sociedade[...]”. (DI 95, 1990, p.79). 
Mas eram as fontes mais tradicionais de trabalho que o Intendente preconiza para garantir o fornecimento de braços para a futura Fábrica de ferro:
“Os homens empregados no Serviço desta Ferraria podem Ser, ou escravos de S.A.R; bem q. estes tenhaõ diminuído com as muitas vendas; ou Indios, q. podem tirar se das aldeias de Embaú, Baruiri, Tapissirica, Pinheiros, Carapocuuba, S. Miguel,; N. Sra da Escada [...]”. (DI 95, 1990, p.79)2
O uso de escravos índios resultaria em outros benefícios. Retirar esses índios de suas tribos e reuni-los em Ipanema seria uma estratégia para dissuadi-los de revoltar-se contra os portugueses, controlando aquilo que Martim chama de “[...] antigo Ódio [...]”. Esta transferência e ajuntamento de tribos distintas em um mesmo local traria, ainda, a vantagem de que “[...] por esta mistura, confundem-se Suas Opinioens com as nossas, tornaõ-se nossos amigos, e irmãos (sic) [...]”3 (DI 95, 1990, p.79). O problema era que os índios tinham práticas culturais diferentes daquelas que orientavam a produção em uma Fábrica, não se encaixando em ordenamentos fabris, vivendo de acordo com suas necessidades.
“O ritmo de trabalho (dos índios) e de produção era ditado pelas suas necessidades de subsistência. Desta forma obtinham um tempo maior para se dedicarem a outras atividades tais como o lazer, celebrações e outras atividades de cunho não econômico.” (MENON, 1992, p.86)
Apesar disso, em 1815 a Fábrica de Ipanema contava com dezesseis índios entre seus trabalhadores. A saída para trazer mais índios remete à sugestão de Martim Francisco ainda no início do século: buscar índios nas aldeias próximas a São Paulo; Itapecerica, M´Boy, Carapicuíba e Barueri, obrigando os chefes a escolherem índios capazes de trabalhar em qualquer serviço. (MENON, 1992, p.86-87)
  • A relação dos dirigentes da Fábrica com a população escrava indígena era complicada. Quando acossados, os índios fugiam aproveitando-se do fato da Fábrica localizar-se em meio à mata. Fugiam indivíduos e às vezes grupos familiares inteiros. De modo geral, a escravidão do índio em Ipanema não obteve os resultados esperados pela direção. (MENON, 1992, p.89)
Mas a grande força de trabalho que vai impulsionar a Fábrica são os escravos africanos. Desde seus primeiros anos, Ipanema conta com negros. Na Carta Régia de 04 de dezembro de 1810, que cria o “Estabellecimento Montanístico”, fica estabelecido que a cota de participação da Coroa seria de “[...] cem Escravos e dos Bois necessários [...]”4. Almeida (1969, p.179) diz serem estes negros “[...] escravos da nação em número de oitenta (a criação deles era na fazenda Santa Cruz junto ao Rio de Janeiro) e avaliados a 100$000 cada um.” 
  • José Bonifácio, em visita a Ipanema em 1820, afirmou em sua Memória Econômica e Metalúrgica sobre a Fábrica de Ferro de Ipanema -Sorocaba 1820: “Aos membros influentes desta Fábrica se deve a introdução da escravatura que montava a mais de 80 cabeças tiradas das diversas fazendas da Corôa [...]”. Os escravos, chegados do Rio de Janeiro, foram substituídos por outros, o mesmo autor considera “[...] a vergonhosa troca em São Paulo dos bons escravos pelos máos de alguns particulares, abusos esses que redundarão em grave prejuízo ao Estado [...]”. (SILVA, 1820, p.206)
Na época da administração de Hedberg (1811-1815), os trabalhadores negros não realizavam trabalhos técnicos nos fornos. Suas atividades limitavam-se “[...] as carvoarias, a serraria, a olaria, a manutenção, o transporte de matérias primas, nas quais eram empregados de 80 a 90 trabalhadores sob a supervisão de 3 feitores.” (MENON, 1992, p.69)
  • O Aviso Régio de 17 de Julho de 1810, contradiz Menon (1992) ao informar que além dos cem escravos da nação, a Corôa ainda entrava na sociedade com “[...] doze Escravos pedreiros, dez Escravos carpinteiros, seis ferreiros [...]”. (VERGUEIRO; 1979; p.57). Durante todo o período de produção, o trabalho escravo africano foi de vital importância para a Fábrica.
A existência de um estabelecimento industrial em uma sociedade colonial resultava em contrastes. Se por um lado visava-se lucrar e agradar os acionistas, por outro, relações e costumes coloniais prevaleciam. A força das práticas culturais podia ser medida pela presença da Igreja no Estado e na vida cotidiana. As obrigações religiosas chocavam-se com a realidade dos negócios. Neto (2006) mostra a indignação e perplexidade dos diretores da Fábrica quanto a obrigatoriedade dos escravos participarem de cerimônias religiosas:
“Na realidade, em alguns momentos, a estrita observância por parte do serviço religioso parecia causar mal-estar aos administradores, especialmente em relação aos escravos, pois muitas vezes, o trabalho não poderia ser interrompido para que os operários cumprissem suas obrigações com a fé católica.” (NETO; 2006; p.123)
As críticas às obrigações religiosas relevam o valor de certos escravos negros para o funcionamento da Fábrica, devendo estes estarem diretamente ligados ao processo de obtenção do ferro. Aqueles que trabalhavam nos fornos não podiam parar para os cultos durante uma corrida pois prejudicariam a produção. Uma vez iniciada a corrida, um forno produzia durante muito tempo sem parar. Neto (2006) levanta alguns indícios de que na década de 1820 os escravos africanos que exerciam “[...] funções que requeriam conhecimentos técnicos era algo comum em Ipanema [...]”. (NETO, 2006, p.123)
  • Os escravos negros de Ipanema tiveram papel importante nas técnicas de fundição e trabalho nos fornos. No período posterior ao de Varnhagen (1822) havia “[...] 4 escravos operando no refino, 8 na ferraria, 2 conduzindo carvão, 2 na carpintaria, 6 quebrando toras, 2 no engenho de serra [...]”. (MENON, 1992, p.69)
A Fábrica tinha outras categorias de funcionários como o Cirurgião (médico) e o Capelão para rezar as missas, assim como um boticário para a farmácia. Eram pagos anualmente segundo contrato. Na administração direta atuavam em 1811, segundo Menon (1992, p.98) um tesoureiro, um guarda livros um secretário e um comprador. 
  • Outro grupo de trabalhadores que atuará em Ipanema virá da Europa, mais especificamente da Suécia “[…] uma Colônia de bons mineiros com um habil Director [...]”. Estes trabalhadores terão tratamento todo especial chegando a Coroa, na tentativa de seduzi-los a ficar no Brasil, a oferecer “[...] se elles assim o desejarem alguma data de terras, se isso puder servir de attractivo para os fixar no Paiz.” Os suecos exerceram atividades de mestres e oficiais ferreiros, eram refinadores, moldadores e laminadores. Estes eram pagos diariamente. 
Por constituírem-se em mão de obra especializada eram difíceis de serem substituídos. Seus conhecimentos técnicos eram estratégicos pois garantiam a produção final do ferro. (MENON, 1992, p.99) Com o fim da administração Hedberg, a maioria voltou para a Suécia, porém o Mestre Lourenço Hultren (Hultegren) permaneceu na Fábrica. Na opinião de Saint Hilaire (1976, p.261) o sueco: “[...] possuía grande inteligência e preparo [...]”.
  • Os carvoeiros formaram uma importante categoria de trabalhadores da Fábrica. Combustível dos fornos, o carvão sempre foi um problema em Ipanema. Se no início a produção do carvão era essencialmente feita por escravos, estes foram gradativamente sendo substituídos por homens livres da região. Essa mudança pode ser creditada à queima das matas do entorno da Fábrica e a consequente necessidade de se buscar o combustível dos fornos em locais mais distantes, adentrando propriedades particulares. Em 1829, os carvoeiros trabalhavam sob contrato e estavam sujeitos à multas e prisão caso não entregassem a quantidade acordada. (MENON, 1992, p.99)
Reunindo esses elementos bibliográficos, podemos afirmar que em Ipanema formou-se um amálgama de trabalhadores inédito até então na colônia brasileira. Em um mesmo espaço, conviveram e interagiram pessoas de diferentes condições sociais e econômicas. Uns livres e assalariados, outros meros escravos, 'peças' a serem usadas até á exaustão e depois substituídas. Abordagem interdisciplinar de Anicleide Zequini (2006), 
  • Arqueologia de uma Fábrica de ferro: Morro de Araçoiaba, séculos XVI -XVIII, objetiva analisar do ponto de vista histórico os dados levantados por pesquisa arqueológica realizada no Morro de Araçoiaba de 1983 a 1989 pela arqueóloga Margarida Andreatta. Focado na descoberta dos fornos de Sardinha, discorre sobre as técnicas de metalurgia utilizadas no Araçoiaba desde fins do século XVI até o XVIII. 
A pesquisa traz informações importantes sobre a evolução técnica dos processos de obtenção de ferro, além de dialogar com variadas ciências como Botânica e Geologia. Historiador da ciência, Helton de Bernardi Pizzol, defendeu no Programa de Estudos Pós-Graduados em História da Ciência da PUC-SP a dissertação: A fabricação do ferro no começo do século XIX em Ipanema no período de Hedberg e Varnhagen, de 2009. O texto faz um apanhado dos primeiros momentos da Fábrica. O trabalho volta-se para a institucionalização da siderurgia no país e das técnicas utilizadas nas administrações Hedberg e Varnhagen.
  • Os trabalhos aqui analisados formam um apanhado das principais discussões sobre a Real Fábrica de Ferro. Embebidos do tempo em que foram escritos refazem, no conjunto, uma dada história dos eventos ocorridos em Ipanema. É com um outro olhar sobre esta história 'cristalizada' que a História Ambiental vem contribuir.
Assim, esta dissertação procura ao descrever a natureza da região do Morro de Aroçoiaba, compreender os conflitos entre os moradores e o projeto do Estado português de implantar uma siderúrgica. Os embates envolviam a disputa pelas terras férteis, nas quais existiam fauna diversificada, arvoredos ricos em espécies e o minério de ferro.
  • A presença do Estado afetou inúmeras famílias que sobreviviam de seus roçados e sítios nas fraldas do Araçoiaba. A pesquisa revela como estas pessoas foram retiradas para terras, estéreis; como trabalharam na produção do carvão e forneceram mão de obra para a fábrica. As proibições do corte das matas para agricultura e do uso da lenha para tarefas domésticas, práticas costumeiras, irão se chocar com os interesses industriais do Estado luso no início do século XIX.
Também pertinente à História Ambiental da Real Fábrica de Ferro de Ipanema foi o problema das técnicas siderúrgicas utilizadas em seus primeiros anos. Procuramos dimensionar os impactos que as tecnologias exerceram sobre os recursos naturais da região principalmente sobre os estoques de madeira. Tanto os fornos suecos como os altos fornos alemães consumiram enormes quantias de carvão vegetal impactando as reservas do morro.
  • Para entender a instalação da siderúrgica em Ipanema é preciso conhecer seu passado natural. O solo, as matas e o minério do Araçoiaba não são obras do acaso. Resultam de eventos muito antigos que na trajetória dos tempos acabaram fornecendo as condições para atividades humanas e sua história.

A produção nacional de aço bruto registrou queda de 4,3% em maio na comparação com o mesmo intervalo do ano passado, conforme balanço divulgado pelo Instituto Aço Brasil (IABr). No mês passado