segunda-feira, 8 de junho de 2015

A Contaminação por Metais Pesados

 Em 1992 as empresas exploradoras do carvão cessaram as operações no 
Município de Telêmaco Borba no  Parana deixando para trás um enorme 
passivo ambiental. São dezenas de minas abandonadas e vários hectares 
cobertos por rejeitos de carvão.

  • A região de garimpo do Lourenço está entre as principais áreas mineradoras do estado do Amapá (OLIVEIRA, 2010). Nas décadas de 1980 e 1990 foi considerada uma das áreas de maior produção mineral da Amazônia (MATHIS; SILVA, 2003; PEREIRA, 1990) e sua historia é baseada na exploração mineral de ouro tanto por garimpeiros quanto empresas mineradoras.
O garimpo esta situado na faixa centro-oeste da bacia do Rio Cassiporé (BRC), na junção de Serra Lombarda, incluso no modulo VI da Floresta Estadual do Amapá, distante 80 km da sede do município de Calçoene, e aproximadamente a 500 km de Macapá (capital do Estado do Amapá). Devido a processos geológicos vulcânicos na Era Arqueana e sedimentares no Período Holocênico, a região concentrou uma grande reserva de ouro, que a partir de sua descoberta impulsionou a colonização da área e criação do Distrito de Lourenço.
  • Estudos na região foram realizados a respeito da geologia aurífera e do solo (COSTA; COSTA, 1991; LIMA et al., 1991; NOGUEIRA et al., 2000), mineralização de ouro no solo (COSTA, 1992; FERRAN, 1994) , reservas de ouro (FERRAN, 1988; SANTOS et al., 1984; SILVA, 1984), aspectos sociais (AMARAL, 1980; FERREIRA, 1990), econômicos e históricos (CHAGAS, 2010, 2012; MATHIS et al., 1997; MATHIS; SILVA, 2003; PINTO et al., 1998) e meios de recuperação das áreas degradadas pelos garimpos e mineradoras (DA SILVA, 2005). Nenhum trabalhou conhecido abordou a questão relacionada à poluição nos sistemas terrestre e aquático pela exploração do ouro, sendo este, possivelmente o primeiro a ser realizado na região, assim como em toda a extensão da BRC.
O garimpo do Lourenço surgiu no ano de 1893 quando dois paraenses, os irmãos Firmino e Germano Pinheiro, subiram o Rio Calçoene, descobrindo o ouro na região (MEIRA, 1977). A notícia de tal achado espalhou-se rapidamente pela região amapaense e francesa, provocando uma rápida e desordenada ocupação da área, surgindo vários povoamentos como os de Lourenço, Carnot, Grand-Crique, Reginá e Firmino (MEIRA, 1989;
  • QUEIROZ, 1999). O ouro recém-descoberto atraiu cerca de 6.000 pessoas para a região em 1984, inclusive de um francês chamado Lourentz, que produziu 1.500 kg de ouro durante os anos de 1894 e 1895, e de cujo nome derivou a denominação da localidade (LESTRA; NARDI, 1982)
A fama da riqueza dos aluviões da região do Lourenço e a produção de 10 toneladas de ouro em apenas quatro anos de garimpagem, motivaram a implantação da The Carswene and Anglo-French Gold Mining Company, que entretanto, não chegou a operar e saiu da região em 1900, pois a área em que a empresa estava instalada foi incorporada ao Brasil que ganhou a disputa desse território contestado (Araguari-Oiapoque) contra a Guiana Francesa (CHAGAS, 2010; GOMES, 1999).
  • A garimpagem voltou com grande intensidade na região no ano de 1930, com a descoberta dos depósitos aluvionares do Rio Cassiporé. Contudo, a voracidade da exploração logo esgotou os aluviões de extração de ouro levando o local novamente ao abandono (MEIRA, 1989; PINTO et al., 1999).
Na década de 40 a garimpagem nas regiões do Lourenço e do Rio Cassiporé, se manteve pouco expressiva, isso por insistência de garimpeiros tradicionais que extraiam o ouro com técnicas simples e aparelhos manuais (MEIRA 1977; PORTO, 2002). E assim permaneceu até meados da década de 60 (DNPM, 1981), quando em 1967 o garimpeiro Joel de Jesus implantou em sua área a extração mecanizada por meio do desmonte hidráulico (jato d’água) modernizando a produção (DNPM, 1982a,b). Isso mudou a forma de extração do ouro na região do Lourenço e no entorno, dando início a um novo ciclo de extração com máquinas. O garimpeiro virou pessoa jurídica criando o Garimpo Mutum (MATHIS; SILVA, 2003) e em 1978, requereu junto ao DNPM duas áreas de 1.000 hectares para extração mineral (PINTO et al., 1999).
  • Em 1983 o Sr. Joel vendeu as duas concessões de lavra à Mineração Novo Astro S/A (MNA), que no mesmo ano realizou em tempo recorde a pesquisa de depósito e de viabilidade econômica nas áreas de garimpo do Labourie, Lataia, Mutum e Salamangone (DNPM, 1986; FERRAN, 1988). De 1983 a 1990 a empresa explorou ouro nos depósitos secundários (solo) e a partir de 1991 iniciou a produção de ouro no depósito primário (rocha) da Mina Salamangone, encerrando completamente as atividades de exploração em 1995, com produção total declarada de 20 toneladas de ouro (MATHIS et al., 1997; OLIVEIRA, 2010; PORTO, 2002).
Outra empresa que se instalou em Lourenço, mais precisamente na área do Labourie, foi a Mineração Yukio Yoshidome S/A (MYYSA) em 1989. A MYYSA explorou inicialmente ouro secundário e depois ouro primário em lavra subterrânea, encerrando sua atuação em 1992 com uma produção de 1,3 toneladas, alegando que a produção não estava mais compensando os custos, inclusive deixando de efetuar o pagamento dos salários de seus trabalhadores (DA SILVA, 2005; PORTO, 2002). Logo, seus funcionários obtiveram controle acionário da empresa, retomando as atividades em 1996 em forma de lavra garimpeira (DOMINGUES, 2004).
  • Além dessas empresas, outra mineradora de menor expressão também se instalou na região, a Mineração Taboca S/A (MTSA) em 1982, na área conhecida como Morro da Mina na margem esquerda do Rio Cassiporé. A MTSA terminou seu programa de pesquisa no final de 82, iniciando a exploração de ouro em 1983. Contudo, a área de lavra da mineradora foi invadida por garimpeiros em julho de 83, comprometendo o projeto de extração de expressivas reservas aluvionares e resultando em problemas de ordem social com os garimpeiros (crimes, doenças, prostituição). Isso fez com que a empresa encerrasse suas atividades em 1991 e a região ficou sob o domínio dos garimpeiros (COSTA, 1992).
As empresas MNA, MYYSA e MTSA chegaram a possuir, no auge de suas atividades, cerca de 600, 252 e 180 pessoas empregadas, respectivamente. Com isso, o Lourenço teve um elevado crescimento, em função da mão de obra empregada e de seus familiares e de novos moradores chegando em busca de emprego ou áreas para garimpar, transformando-se em vila e, posteriormente, em distrito (COSTA, 1992; DA SILVA, 2005; MATHIS; SILVA 2003)
  • Com a saída das mineradoras da região do Lourenço ocorreu uma diminuição da população, que migrou para outras localidades. Os garimpeiros que permaneceram em Lourenço continuaram suas atividades no garimpo e fundaram a Cooperativa de Mineração dos Garimpeiros do Lourenço (COOGAL), a qual passou a funcionar nas antigas instalações da mineradora MNA (FEIJÃO, 2008; MONTEIRO, 2005a).
A criação da COOGAL em 1995 foi a forma que os garimpeiros encontraram para facilitar a conquista dos direitos de lavra das antigas mineradoras, dinamizarem as informações entre os setores e regularizar as atividades por eles praticadas (MONTEIRO, 2005b; TEIXEIRA; LIMA, 2006). Contudo, a transferência e aquisição dos direitos minerais para a cooperativa não foi rápida e nem simples, exigindo muita negociação com o poder público e demais órgãos. A COOGAL recebeu as titulações no final de 1995, mas estavam irregulares, tornando-se legais somente em 2002 (MATHIS; SILVA 2003; SIMÕES, 2009). Mas por falta de segurança os trabalhos foram suspensos em 2003, retornando a ativa em 2004 (DOMINGUES, 2004).
  • Desde então, os garimpeiros associados à COOGAL vêm trabalhando na região do Lourenço e entorno, passando por algumas interdições de extração por parte do Ministério Público e Polícia Federal, que foram resolvidas em consorciação com o governo Estadual (FEIJÃO, 2008; SIMÕES, 2008; TEIXEIRA; LIMA, 2006).
Atualmente mineradoras de menor porte realizam a exploração de ouro na região, tais como: Canaã, Mutum e Amapá Mineração. Entretanto, todas são filiadas a COOGAL, detentora dos direitos de lavra, a qual possibilita a exploração pelas empresas.

Impactos Ambientais na Região de Lourenço:
  • A região garimpeira do Lourenço está situada em uma área de limites de Bacias Hidrográficas, como as do Rio Araguari, Rio Oiapoque e Rio Cassiporé. Esta característica geográfica torna a região do Lourenço como de extrema importância para a manutenção da qualidade ambiental das respectivas bacias. Contudo, podemos dizer que o problema ambiental gerado pela exploração mineral na região é intenso e centenário (CHAGAS, 2010; DA SILVA, 2005; DNPM, 1981, 1982a,b, 1986; LESTRA; NARDI, 1982; MEIRA, 1977, 1989; PINTO et al., 1999). A extração do ouro está na base de todo o processo antrópico de modificação da paisagem natural desse distrito, embora em etapas e graus diferentes (PINTO et al., 1999).
Os impactos ambientais na região iniciam com seu descobrimento, com a vinda de milhares de pessoas em busca do ouro. Vastas áreas foram desmatadas para dar lugar aos garimpos e aos povoados que se formaram. Os baixões (áreas às margens de rios), onde se localizam os aluviões foram rapidamente explorados, desestruturando uma grande camada de solo (MEIRA, 1977).
  • No período de 1894 até o início de 1960, a produção aurífera se deu por meio da exploração rudimentar da garimpagem, ocasionando a retirada da cobertura vegetal e impactos nos cursos d’água da região, com aumento da quantidade de sólidos suspensos, turvamento das águas, assoreamentos e mudanças no curso dos rios (PINTO et al., 1999). Além disso, o represamento dos rejeitos ocasionou a formação de lagoas, que se transformaram em criatórios para insetos e vetores de doenças como a malária, responsável pela morte de centenas de pessoas em Lourenço (COUTO et al., 2001; PINTO et al., 1999).
Durante esses 70 anos não se têm dados da quantidade de mercúrio utilizado na região durante a extração do ouro. Entretanto, relatos demonstram que a utilização foi desordenada e indiscriminada. Conforme Lestra e Nardi (1982) e Meira (1989), o uso do mercúrio em algumas áreas garimpadas no Lourenço era tão intenso, que após varias explorações os garimpeiros recuperavam mais mercúrio do que ouro.
  • A partir de 1967, quando se inseriu a extração mecanizada nos garimpos, o processo de degradação ambiental acelerou, aumentando o desmatamento e o processo erosivo das encostas dos morros, ocasionando deslizamentos de taludes e queda de blocos rochosos (DNPM, 1981, 1982a,b; PINTO et al., 1999). O uso de motores intensificou a contaminação química, pela utilização de óleo, combustíveis fósseis e graxas, situação agravada pelo uso de mercúrio na recuperação do ouro (MATHIS et al., 1997).
Estudo realizado pelo DNPM (1986), nas regiões do Lourenço e Cassiporé, mostrou que 60% do mercúrio utilizado pelos garimpos na época eram perdidos para o meio ambiente, salientando que as áreas se encontravam em um estado avançado de degradação e contaminação. Além disso, a maior capacidade de desmonte aumentou o material lavrado, intensificando-se os impactos ambientais sobre os cursos d’água da região.
  • Com a entrada da atividade industrial, a partir da década de 80, os problemas ambientais sobre a região do Lourenço ampliaram-se. Em sua primeira fase de exploração a céu aberto (1983-1990), a MNA utilizou tratores que executavam o corte de bancadas de 6 m de altura por 8 m de largura, que eram também realizados por meio do desmonte hidráulico (jato d’água), gerando um grande volume de material lavrado. Esse material removido, o uso do mercúrio e de reagentes químicos no beneficiamento do ouro, aumentaram os impactos, principalmente, nos cursos d’água (DA SILVA, 2005; MATHIS; SILVA, 2003). Os desmontes dos taludes e encostas dos morros produziram grandes crateras, modificando a topografia local.
A partir de 1991, em sua segunda fase de exploração, a MNA dedicou-se à produção de ouro do minério primário na mina subterrânea de Salamangone. No beneficiamento do material mineralizado a empresa utilizou o método de precipitação e lixiviação com cianeto e zinco (CHAGAS, 2010; MATHIS et al., 1997). Com isso, novos impactos surgiram como a propagação de vibrações intensas no solo pela explosão de dinamites e contaminação das águas superficiais e subterrâneas, pela introdução dessas substâncias químicas altamente poluentes (PINTO et al., 1999). Fato interessante, é que antes de sua saída em 1995, a empresa realizou a recuperação superficial de somente algumas áreas exploradas, não incluindo os recursos hídricos, cumprindo em parte e descumprindo em grande parte as obrigações ambientais (CHAGAS, 2012; FEIJÃO, 2008).
  • Na área em que a MYYSA atuou, houve abertura de valas e poços, o desmonte de encostas e desagregação do solo. Os rejeitos resultantes do beneficiamento mineral mineralizado iam para uma bacia de decantação, ocasionando os mesmos danos que nas áreas da MNA (DA SILVA, 2005, SIMÕES, 2008). Além disso, no processamento da amálgama eram usados 500 g de mercúrio diariamente e os rejeitos liberados eram depositados em tambores, mas existindo perdas para a bacia de decantação e sucessivamente ao meio aquático (MATHIS et al., 1997).
Desde a descoberta das aluviões auríferos no Rio Cassiporé, a região passou por grandes modificações, nas proximidades do Morro da Mina. A degradação foi ocasionada principalmente pelos garimpos que exploraram o ouro secundário às margens do rio e no arredor do morro a partir dos anos 30 (LESTRA; NARDI, 1982). A entrada da mineradora Taboca no respectivo morro, com a extração do ouro primário, provocou a remoção de material rochoso e maior uso do mercúrio na recuperação do metal. Após a saída da empresa em 1983, os garimpeiros tomaram definitivamente a área, trabalhando sobre o material deixado por ela, nos baixões e no próprio leito do Rio Cassiporé, assim como no Rio Reginá.
  • A exploração do ouro nos baixões pelos garimpeiros era executada entre os vales das montanhas, nas margens e áreas próximas dos rios Cassiporé e Reginá, provocando a desestruturação do solo e a formação de cavas com diversas dimensões (LESTRA; NARDI, 1982, MEIRA, 1989). Esse processo de extração foi tão alto, que a constituição do relevo dessas regiões passaram a ser principalmente de areia, pedras, seixo e lama; com mudanças no curso dos rios (destacando os rios Cassiporé e Reginá), assim como assoreamento.
De 1980 até 1994, a exploração mineral no leito dos rios Cassiporé e Reginá foi bem intensa. Os garimpeiros utilizaram procedimentos de dragagem por meio de balsas que ficavam na superfície da água, com uso de bombas de cascalho, drag-lines e outros equipamentos (DNPM, 1986). No interior das balsas, o mercúrio era aplicado nas placas concentradoras para reter o ouro, no entanto, sem cuidados apropriados, o que provocava perdas significativas da substância para o meio aquático. Além disso, o material removido do fundo dos rios agravou o processo de assoreamento e a qualidade físico-química da água (FERRAN, 1994).
  • Quando a COOGAL assumiu em 1995 as áreas de lavra transferidas pela MNA, as áreas degradadas recuperadas pela empresa, antes da criação da cooperativa, foram perdidas, devido a invasão dos garimpeiros nessas áreas. Os maiores impactos gerados novamente estiveram voltados ao desmonte dos morros, desmatamento, liberação de rejeitos com substâncias contaminantes nos cursos d’água e assoreamento dos mesmos (PINTO et al., 1999).
Além disso, os impactos ambientais atualmente gerados pelos garimpos no Lourenço, não atingem somente a região, mas também todo o ecossistema ao longo dos rios, a bacia do Rio Cassiporé e a população que vive nestes locais.
  • Os rios sofrem com o forte assoreamento, desmatamento das margens e a grande quantidade de material despejado em seus leitos, principalmente os rios Reginá e Cassiporé. Em certas épocas, mudanças na coloração da água são visíveis em toda a região próxima a BR-156, ponte que cruza o Rio Cassiporé e que fica a 70 km da distância em linha reta dos garimpos, pela forte atuação da atividade do garimpo.
O material despejado nos rios Reginá e Cassiporé, oriundos dos desmontes das encostas dos morros e áreas garimpadas na região do Lourenço, podem aumentar a concentração de metais pesados na água, nas margens e no leito dos mesmos. De acordo com Costa e Costa (1991) e Costa (1992) a região apresenta em seu solo altas concentrações de alumínio (Al: 28 ppm), ferro (Fe: >200 ppm), cádmio (Cd: 43 ppm), cromo (Cr: 90 ppm), chumbo (Pb: 93 ppm), níquel (Ni: 100 ppm) e zinco (Zn: 260 ppm), além de vários outros metais e minerais. Logo, a quantidade de metais que podem potencialmente serem liberados pela atividade garimpeira na região é alta, contaminando a água, os peixes e a população ribeirinha.

Os Metais Pesados:
  • Segundo Malavolta (1994) a expressão “metal pesado” se aplica aos elementos que tem densidade maior que 5 g/cm³ ou que possuem número atômico superior a 20. Além disso, possuem características próprias como aparência brilhante, bons condutores de eletricidade e, geralmente, participam de reações químicas com íons positivos de enzimas no metabolismo (LEE et al., 1985), sendo conhecidos também como elementos traço ou metais traço (MENESES, 2008). Os mais característicos são: arsênio (As), cádmio (Cd), chumbo (Pb), cromo (Cr), cobre (Cu), ferro (Fe), níquel (Ni), manganês (Mn), mercúrio (Hg) e zinco (Zn), por isso, são os principais elementos nos estudos de contaminação em peixes (CANLI; ATLI, 2003; COSTA; HARTZ, 2009; CUI et al., 2011; GUIMARÃES et al., 1999; GOMES; SATO, 2011; IKEM et al., 2003; LIMA JR. et al., 2002; MUTO et al., 2011; PEREIRA et al., 2010; YI et al., 2008, 2011; YI; ZANG, 2012).

De populações ribeirinhas do Amazonas aos restaurantes estrelados 
do Rio de Janeiro, são várias as chances de se ingerir frutos do mar 
e peixes contaminados por metais pesados.

Metais Pesados no Ambiente Aquático:
  • Os metais podem ser introduzidos nos ecossistemas aquáticos de maneira natural ou artificial. Naturalmente, por meio do aporte atmosférico e chuvas, pela liberação e transporte a partir da rocha matriz ou outros compartimentos do solo onde estão naturalmente (PAULA, 2006; SEYLER; BOAVENTURA, 2008). De modo artificial, por fontes antropogênicas de diversos ramos: esgoto in natura de zonas urbanas, efluentes de indústrias, atividades agrícolas, e rejeitos de áreas de mineração e garimpos (CAJUSTE et al., 1991; GOMES; SATO, 2011; MORAES; JORDÃO, 2002).
A agricultura, por exemplo, constitui uma das mais importantes fontes não pontuais de poluição por metais em corpos d’água. As principais fontes liberadoras são os fertilizantes (Cd, Cr, Pb, Zn), os pesticidas (Cu, Pb, Mn, Zn), os preservativos de madeira (Cu, Cr) e dejetos de produção intensiva de bovinos, suínos e aves (Cu, As, e Zn) (COSTA, 2007; KAY, 1973; PEDROSO; LIMA, 2001; SANTOS et al., 2002). Além disso, os metais lançados no solo, a partir desta atividade são carreados para os rios pelo escoamento de águas superficiais provenientes das chuvas, persistindo no meio aquático por apresentar forma livre, ou iônica, o que facilita sua acumulação nos tecidos principalmente dos peixes (QUEIROZ, 2006; VINODHINI; NARAYANAN, 2008).
  • A atividade garimpeira, em destaque a de ouro, é um ramo que gera a liberação de vários metais para o meio aquático. Nos processos de lavra em que a polpa (água+terra) é trabalhada, metais pesados presentes no solo (Al, Cd, Cr, Cu, Fe, Mn, Pb, Zn) são desprendidos, concentrados e liberados junto aos rejeitos nos rios (ARTAXO et al., 2000; BIDONE et al., 1997a,b; FORTIER et al., 2000; HALE, 1977; TINÔCO et al., 2010). Segundo Rodrigues-Filho e Maddock, (1997), isso ocorre devido à garimpagem de ouro ser realizada de maneira inadequada, gerando anomalias geoquímicas dos referidos elementos, como já constatado pelos autores nos garimpos do município de Poconé – MT. Há também relatos de que a garimpagem em áreas ricas em Al, Fe, Cd e Cr no solo, ocasiona a concentração destes elementos nos sedimentos despejados e consequentemente na água. Isto estaria ligado à formação de sulfetos dos respectivos metais, os quais facilitam a fixação ao sedimento e transporte pela água (FARID et al., 1992; MMA, 2001; MARTINS et al., 2010; NRIAGU, 1994).
Entretanto, o principal metal pesado liberado pelos garimpos é o mercúrio, pois seu uso no beneficiamento do ouro é imprescindível para captura e retenção deste elemento, formando a amálgama. Verifica-se que para cada 1 kg de ouro produzido são utilizados 1,5 kg de Hg, do qual 70 % são recuperados e são 30% são perdidos para o ambiente. Deste valor perdido, 20% vão para atmosfera, durante a queima da amálgama, e retornam para os rios pela chuva; os outros 10% são despejados diretamente nos corpos d’água (BONUMÁ, 2006; CESAR et al., 2009; DESCHAMPS et al., 2010; HALBACH et al., 1998; LIMA, 1993; SOUZA et al., 2008). Na Figura 2 é apresentado o balanço das perdas de mercúrio ocorridas durante o processo de recuperação de ouro por amalgamação.
  • Durante a queima da amálgama o vapor de mercúrio é liberado para atmosfera, onde é oxidado formando o mercúrio ionizado (Hg²+), que se condensa nas nuvens e por meio da chuva volta para o solo ou para água, onde é transformado em mercúrio orgânico (CH³Hg+), uma constituição já tóxica. Na forma orgânica o Hg é absorvido pelo organismo dos seres vivos e convertido em metilmercúrio, sua forma mais tóxica (MEDEIROS et al., 2006; SILVA et al., 1996; TRINDADE; BARBOSA FILHO, 2002).
Ao cair no sistema aquático, o mercúrio liberado pelo beneficiamento do ouro ou pela chuva, passa pela mesma transformação (Hg0 - CH³Hg+). O transporte do mercúrio na sua forma metálica no sistema fluvial depende das características hidrográficas do rio, como correnteza, relevo, mudanças no nível de água e outros (MATHIS et al., 1997; ROTHENBERG et al., 2008). Estudos mostraram que parte do mercúrio é transportada por pequenas partículas de sedimentos e depositada em lugares com correnteza fraca (CARLING et al., 2013; RODRIGUES; FORMOSO, 2006; ROULET et al., 1998a, 2000), em áreas de várzea (FERNADES et al., 1994; GONÇALVES et al., 2000) ou em lagos formados durante a época menos chuvosa (TKATCHEVA et al., 2004). Além disso, um percentual elevado de partículas suspensas de natureza orgânica (VIERS et al., 2005), um pH baixo (ROULET et al., 1998b) e salinidade baixa (FERRAZ et al., 2006; ROCHA et al., 1985), são fatores que favorecem a transformação de mercúrio metálico em mercúrio orgânico.
  • Fatores como o pH, temperatura e oxigênio dissolvido (O.D.) também influenciam a mobilidade e consequentemente a potencialidade tóxica do cádmio, cromo, cobre, chumbo, zinco e mercúrio no meio aquático (CAJUSTE et al., 1991; CARVALHO et al., 1991, 2000; VAN DER PUTTE et al., 1981a,b). Outros aspectos como a precipitação, troca catiônica e complexação com moléculas orgânicas, são importantes mecanismos que regulam a disponibilidade destes elementos metálicos em ambientes aquáticos (COSTA, 2007; SEAKER, 1991; VAN DER PUTTE et al., 1982).
Os metais possuem ainda características atômicas peculiares, dando-lhes elevada resistência à degradação química, física e biológica no sistema aquático. Isto os leva a persistirem no ambiente aquático por vários anos, mesmo depois da proibição de sua utilização ou despejo nos cursos d’água (IKEM et al., 2003; MORAES; JORDÃO, 2002). Ao persistir no sistema aquático, o metal tem sua concentração gradualmente aumentada, o que facilita sua maior concentração na água e absorção pelos organismos (ARAI et al., 2007; RODRIGUES, 2006, 2007; RODRIGUES et al., 2005).

Relação dos Metais Pesados:
Com organismos aquáticos e sua  toxidade:
  • Os metais em relação a sua essencialidade para os organismos aquáticos podem ser classificados em essenciais e não essenciais. Os essenciais como Cu, Fe e Zn são aqueles que possuem função biológica conhecida e são constituintes obrigatórios do metabolismo dos indivíduos, participando de processos envolvendo compostos enzimáticos (CORRÊA, 2006), mas dependendo da quantidade assimilada podem se tornar tóxicos (KALAY; CANLI, 2000). Por outro lado, os elementos não essenciais, como As, Cd, Cr, Hg, Mn, Ni e Pb, geralmente não possuem uma função biológica conhecida para o metabolismo (CASTRO, 2002; LALL, 2002). Tanto os metais essenciais quanto os não essenciais são extremamente tóxicos para os organismos aquáticos quando ingeridos em altas concentrações (MANGAL, 2001; MIRANDA-FILHO et al., 2011; MOREIRA et al., 1996). No caso dos peixes, a intoxicação por estes elementos provoca uma série de distúrbios, tais como: baixa fertilidade, diminuição das defesas imunológicas, redução da taxa de crescimento e patologias que podem levar à morte do indivíduo (MENESES, 2008; QUEIROZ, 2009).
Por outro lado, processos biológicos como bioacumulação e da biomagnificação ocorrem no ambiente aquático e estão relacionados à absorção dos metais pesados pelos peixes. No primeiro caso, os metais em suspensão e dissolvidos na água são absorvidos pelos peixes por procedimentos de difusão ou ingestão (MONTEIRO et al., 1996; MUTO et al., 2011), os quais acontecem, respectivamente, nas brânquias e no trato digestivo, que são potenciais locais de absorção dos elementos metálicos (KEHRIG et al., 2011; MIRANDA, 2006).
  • Na difusão ocorre a absorção dos metais dissolvidos adquiridos seletivamente de solução aquosa (água contaminada) e concentrados nos tecidos. Por isso, é considerado como um processo especial de bioacumulação, no caso bioconcentração (OOST et al., 2003). A bioconcentração aplica-se principalmente a absorção direta de substâncias dissolvidas para o peixe, em que o contaminante (metal) presente na água atravessa suas brânquias, sendo transportado pelo sangue e concentrado nos seus diferentes tecidos (KEHRIG et al., 2011; MANAHAN, 1991), conforme ilustrado na Figura 3.
Quando os peixes realizam a ingestão de alimento contaminado passam pelo processo de bioacumulação propriamente dito (READ, 2008). Neste processo, os peixes absorvem e retêm substâncias químicas (no caso o metal) em seu corpo pelo trato digestivo a partir da alimentação. Isto terá implicações nas várias etapas da cadeia alimentar e dos diferentes tipos de alimento consumido, como plânctons, crustáceos e peixes de pequeno porte. Logo, à medida que aumenta o nível trófico na cadeia alimentar maior será a quantidade de metais acumulados no peixe, uma vez que, além dos compostos que seu organismo já absorveu, vai ainda concentrar os que provêm das futuras alimentações (BUENO et al., 2008; MONTEIRO et al., 1996; MURUGAN et al., 2008). No fim, os peixes predadores acumulam valores de concentrações mais elevados que os encontrados nos indivíduos que estes se alimentam (FERNANDES et al., 2008; MIRANDA, 2006).
  • No segundo caso, os peixes concentram metais em seu corpo de forma gradual através dos níveis tróficos, processo este denominado biomagnificação ou em alguns casos magnificação trófica (KERHIG et al., 2011; OOST et al., 2003). Tal processo é um fenômeno caracterizado pela transferência dos contaminantes por meio da cadeia trófica. Ou seja, a transferência ocorre eficientemente dos metais acumulados no primeiro nível trófico (os produtores) para o nível trófico superior imediato (os consumidores), sendo que quanto mais longa for à cadeia, maior será a quantidade concentrada pelo consumidor final.
De forma geral, os maiores teores de metais são encontrados em peixes que estão no topo da cadeia trófica, como os peixes carnívoros (CUI et al., 2011; KEHRIG et al., 2009; PHILLIPS et al., 1980). Assim, por estar no ápice da cadeia trófica, a mais importante via de exposição dos seres humanos aos metais pesados é a ingestão de peixes contaminados, visto que, reterá todo o percentual de contaminantes acumulados ao longo da cadeia pelos peixes (CARRERA et al. 2009; LEBEL et al., 1997; TAO et al., 2012.; TAVARES; CARVALHO, 1992).
  • Neste contexto, o peixe pode ser utilizado como um organismo indicador da qualidade ambiental quanto a metais pesados, e na avaliação de seu potencial como eventual via de acesso destes metais para o homem (ABDEL-BAKI et al., 2011). Sobretudo, estes organismos participam ativamente na ciclagem de metais retidos nos compartimentos abióticos de sistemas aquáticos, remobilizando e exportando destes sistemas para o meio terrestre via cadeia alimentar (CANLI; ATLI, 2003; YI et al., 2011). Principalmente porque no ambiente aquático, os peixes mais velhos são normalmente maiores, e, por conseguinte, a sua dieta alimentar é baseada em presas de maiores dimensões. Deste modo, tais peixes acabam por acumularem maiores teores de contaminantes, durante um período de tempo superior que os peixes menores dentro de uma mesma população (DALLINGER et al., 1987; KASPER et al., 2007, 2009).
Por outro lado, as diversas espécies de peixes incorporam os diferentes tipos de metais em concentrações diferentes dependendo de vários fatores tais como seu metabolismo, habitat (pelágicos, bentônico) e dos parâmetros ambientais (salinidade, material em suspensão) que podem afetar tanto a disponibilidade do metal quanto o próprio metabolismo dos organismos em questão (GUIMARÃES et al., 1999; BURGER et al., 2002; VAN DE PUTTE et al., 1981a; YI; ZANG, 2012).
  • Já outros detalhes como o hábito alimentar (carnívoro, onívoro, detritívoro, herbívoro, insetívoro), tamanho, peso, sexo e estádio reprodutivo são considerados parâmetros importantes para o entendimento dos níveis de metais nos peixes. Também parâmetros como o pH, temperatura, condutividade e oxigênio dissolvido podem influenciar a biodisponibilidade dos metais, alterando sua absorção pela via ingestão alimentar (ABDEL-BAKI et al., 2011; FERNANDES et al., 2008; KEHRING et al., 2009). Deste modo, os estudos de contaminação por metais pesados em peixes revestem-se de grande complexidade e são importantes para a biota aquática (MASON et al., 2000; MURUGAN et al., 2008; YI et al. 2008, 2011; YI; ZANG, 2012).
Metais Pesados e a Saúde Humana:
  • Apesar de todas as vantagens associadas ao consumo de peixe, este mesmo consumo pode, igualmente, acarretar riscos para o ser humano enquanto consumidor, principalmente se o organismo estiver contaminado (MENESES, 2008). Como visto anteriormente, esses perigos estão ligados a metais pesados que se encontram presentes na água, oriundos principalmente de atividades antropogênicas, e que são acumulados nos peixes e transferidos ao seu consumidor, no caso o homem (BURGER et al., 2001; MUTO et al., 2011).
Os danos ocasionados pelos metais pesados à saúde humana são os mais diversos e variam conforme a taxa de ingestão, acumulação e concentração do metal no corpo. Caso a concentração de metais pesados no corpo não seja controlada, intoxicações agudas ou crônicas são graves consequências. Por outro lado, estudos avaliativos do ambiente, podem relatar o estado de concentração de metais na biota aquática e na água, e o quanto pode ser transferido para população humana mediante o consumo de peixes ou ingestão de água do rio (LARSON; WEINCK, 1994).
  • O ser humano necessita somente de doses pequenas de alguns poucos metais, são os chamados de micronutrientes, como no caso do Cu, Fe, Mg e Zn (MORAES; JORDÃO, 2002). A ingestão direta de metais pesados dissolvidos na água ou indiretamente acumulados nos músculos de peixes, acima do limite, é uma das principais fontes danosas para o ser humano, e que provoca distúrbios no metabolismo (BIDONE et al. 1997a,b; MUDGAL et al. 2010; TAVARES; CARVALHO, 1992).
Diversos metais têm demonstrado possuir atividade carcinogênica mediante sua ingestão em quantidades excedentes ao permitido, neste caso o cromo, chumbo e mercúrio são os principais (CLARKSON, 1990, 1997; ROWAN et al., 1995).
  • Segundo a Organização Mundial da Saúde (WHO, 1976) os valores normais aceitos para trabalhadores que tem contato direto com o mercúrio (garimpeiros) são de 5-10 μg.L-1 para o sangue, de 4 μg.L-1 na urina e de 1-2 μg.g-1 no cabelo. Para pessoas fora desta atuação, estes valores caem para 0.5 μg.L-1. Os teores de mercúrio nos seres humanos são medidos através de exames do cabelo (Hg orgânico) ou na urina (Hg metálico).
Pela garimpagem, existem duas formas de absorção do mercúrio pelo homem, sendo uma por meio da inalação do vapor durante o processo da queima a céu aberto sem proteção (AKAGI; NAGANUMA, 2000; PASSOS; MERGLER, 2008; VILAS-BÔAS, 1997), e a outra, pela ingestão de mercúrio na sua forma orgânica por meio da alimentação, principalmente por peixes (ASHE, 2012; BIDONE et al., 1997a,b; HACON, 1997a; MALM et al., 1997). Esta segunda forma de absorção não se restringe somente aos garimpos, mas também a toda população que vive em áreas aos arredores ou atingidas pela atividade devido a contaminação ambiental.
  • Além do aparecimento de câncer, a exposição humana a outros poluentes tem mostrado alguns efeitos toxicológicos que incluem, entre outros, imunotoxicidade, neurotoxicidade e efeitos teratogênicos (AKAGI et al., 1995; AZEVEDO et al., 2001: MOREIRA, 1996; NORDBERG, 1990).
Os outros efeitos adversos à saúde humana por metais pesados são variados e dependem do tipo de contaminante, da concentração, do tempo de exposição e da susceptibilidade do indivíduo (TAVARES; CARVALHO, 1992). De acordo com Larson e Weincek (1994) os efeitos mais comuns provocados à saúde humana por ingestão de metais pesados estão apresentados abaixo:

Principais efeitos ocasionados à saúde humana pela ingestão de metais pesados.
Metal Pesado - Símbolo - Efeitos Nocivos
  • Arsênio - As -Intoxicação crônica provocando feridas, câncer de pele, danos a órgãos vitais.
  • Cádmio - Cd - Disfunção renal, distúrbios imunológicos, enfisema pulmonar e osteoporose
  • Chumbo - Pb - Alterações neurológicas, distúrbios em enzimas, febre, náuseas
  • Cobre - Cu - Vômitos, hipotensão, icterícia, coma e morte
  • Cromo - Cr - Câncer, tumores hemorrágicos
  • Manganês - Mn - Lesões cerebrais, danos aos testículos e impotência
  • Mercúrio - Hg - Lesões no sistema neurológico, imunológico, deformações no corpo, má formação do feto
  • Zinco - Zn - Fisionomia empalidecida, diarréia, anemia

Um estudo recente do Departamento de Biologia da Universidade Autônoma de Madri analisou os efeitos da vegetação nativa em terras que tenha sido contaminado com metais pesados, visando reverter a contaminação do solo.