quinta-feira, 11 de junho de 2015

A Urbanização e o Estudo de Impacto de Vizinhança

As interferências na utilização ou ocupação de um determinado lote urbano produzem impactos positivos e negativos sobre o seu entorno, podendo interferir diretamente na vida e dinâmica urbana. Portanto, quanto maior o empreendimento, maior o impacto que ele poderá ou não 
causar sobre a vizinhança.

  • Nas últimas décadas as preocupações com relação à qualidade de vida nas cidades têm se intensificado, haja vista que o adensamento populacional, sem o devido planejamento, tem gerado uma série de conseqüências negativas à vida urbana, tais como, enchentes, tráfego intenso de veículos, sobrecarga do transporte urbano e todo o tipo de poluição (ar, água e visual).
De acordo com o Relatório da Situação Mundial das Cidades 2006/07, do Programa da Organização das Nações Unidas, este ano pela primeira vez na história, a população das cidades passará a de áreas rurais. Assim, mantendo-se os índices de crescimento e de urbanização, o Brasil em 2020 possuirá 55 milhões de pessoas vivendo em favelas.
  • Sem sombra de dúvida, isso é preocupante, pois, além da exclusão social gerada pela expansão horizontal das cidades em periferias despidas de equipamentos urbanos e comunitários, observa-se também no processo de urbanização a valoração de áreas nobres e a especulação imobiliária, que promove a verticalização das edificações, o parcelamento do solo e, por conseqüência, a sobrecarga das estruturas urbanas já estabelecidas. Edis Milaré (2005, p. 717) expressa esta mesma preocupação ao apontar que:
Os elevados índices de urbanização e, inversamente, os baixos níveis de urbanismo vêm criando situações insustentáveis para o Poder Público e a coletividade. O inchaço doentio dos centros urbanos (aumento desregrado da população) não tem encontrado o contrapeso das estruturas urbanas necessárias (moradia, trabalho, transporte e lazer), gerando-se daí formas endêmicas de males urbanos. E – o que é pior – o fascínio das cidades e a concentração populacional crescem sem o necessário controle quantitativo e qualitativo desse crescimento.
Dentre os vários instrumentos estabelecidos no Estatuto da Cidade, cabe destacar o Estudo de Impacto de Vizinhança (EIV), visto tratar-se de um instituto ainda pouco conhecido e aplicado nos municípios brasileiros, que, no entanto, mostra-se fundamental para a prevenção de um potencial desequilíbrio urbano-ambiental causado por empreendimento ou atividade urbana.
  • Este artigo abordará a problemática urbana apontada por Edis Milaré, enxergando no Estudo de Impacto de Vizinhança – EIV um veículo importante para a promoção de um meio ambiente urbano equilibrado, essencial à qualidade de vida nas cidades.
O Planejamento Urbano e as Cidades Sustentáveis:
  • Com objetivo de promover o planejamento urbano nas cidades brasileiras, bem como controlar e eliminar os problemas causados pelo fenômeno da urbanização, a Constituição Federal de 1988 privilegiou este tema no Título VII – Da Ordem Econômica e Financeira, Capítulo II, Artigos 182 e 183, estabelecendo a necessária regulamentação das diretrizes gerais da política de desenvolvimento urbano e o Plano Diretor, instrumento básico da política de desenvolvimento e de expansão urbana, obrigatório para as cidades com mais de vinte mil habitantes.
Cumprindo o que está estabelecido na Constituição, em 10 de julho de 2001, foi promulgada a Lei Federal 10.257, denominada Estatuto da Cidade, que “estabelece normas de ordem pública e interesse social que regulam o uso da propriedade urbana em prol do bem coletivo, da segurança e do bem-estar dos cidadãos, bem como o equilíbrio ambiental”. Ao se analisar o enunciado da lei e as diretrizes gerais estabelecidas no Estatuto da Cidade observa-se uma clara preocupação do legislador com relação à harmonização entre os fatores econômicos, ambientais e sociais urbanos, onde exatamente esta integração caracteriza a garantia do direito a cidades sustentáveis.
  • Assim, a Política Urbana estabelecida no Estatuto da Cidade busca a aplicação de instrumentos que reduzam os males da urbanização, promovendo o urbanismo necessário a qualidade de vida em nossas cidades.
Há de se levar em conta que a política de desenvolvimento urbano sistematizada no Estatuto da Cidade deve ser um processo de melhoria contínua, se adequando as mudanças (econômicas, sociais e ambientais) geradas pelo adensamento populacional.
  • Neste sentido, tal missão torna-se comprometida, caso não se disponibilize os recursos humanos e materiais necessários para que as Prefeituras apliquem o que estabelece a lei.
Lembrando que o Estatuto da Cidade apenas define as diretrizes gerais, cabendo aos municípios a regulamentação dos vários artigos da lei, para que se crie assim o dispositivo necessário para aplicação dos instrumentos do controle e planejamento urbano.
Neste mesmo sentido, Edis Milaré (2005, p. 707) nos alerta:
A Política Nacional Urbana , além de ser instrumento eficiente, é ainda um processo contínuo voltado para a melhoria constante da qualidade de vida das nossas cidades. Todavia, a sua eficácia será alcançada apenas se os Municípios estiverem aparelhados para o desempenho das responsabilidades e dos encargos que a Constituição Federal e o Estatuto da Cidade lhes cometem. Portanto, fica clara a necessidade de investimento nos municípios para que a legislação seja devidamente aplicada, ressaltando que, no caso do planejamento urbano, deverá haver também uma mudança na cultura política dos gabinetes municipais, visto que a maioria das prefeituras costuma adotar uma postura corretiva com relação aos problemas urbanos e a nova legislação busca promover, além das corretivas, ações preventivas que controlem e restrinjam o uso da propriedade em prol do bem coletivo e do meio ambiente urbano equilibrado essencial para nossa sadia qualidade de vida (art. 225, CF/88). 
Outra questão que reforça a necessidade da atuação pro-ativa em nossas cidades é que as ações corretivas promovidas pelas Prefeituras geram o “estresse urbano” e prejuízos de toda a monta para os governos e principalmente para a vida citadina.
  • Assim sendo, pode-se afirmar que os vários instrumentos sistematizados pelo Estatuto da Cidade dão ao Administrador Municipal as condições necessárias para planejar a cidade que desejamos, corrigindo os problemas existentes e prevenindo um desenvolvimento urbano sem controle que comprometa a garantia do direito a cidades sustentáveis.
Quanto a aplicação do Estatuto da Cidade, cabe ainda realçar a complexidade que envolve as ações de preservação, recuperação e revitalização das áreas urbanas, cuja dinâmica em muito se difere do meio ambiente natural, requerendo do poder público ações integradas multidisciplinares que ao mesmo tempo crie restrições à ocupação do solo, organize a circulação e estabeleça medidas legislativas de respeito à convivência nas cidades, tendo por objetivo básico desenvolver da melhor maneira possível o que estabelece a Carta de Atenas, ou seja, dar aos cidadãos condições favoráveis de habitação, trabalho e lazer.
  • Feitas estas considerações, pode-se afirmar que depois da Constituição Federal de 1988 e do Estatuto da Cidade, não há mais como o poder municipal ignorar o direito do cidadão a uma vida digna e ao meio ambiente equilibrado, bem como este mesmo meio ambiente passou a ser o patrimônio necessário a garantia da vida no planeta, como nos ensina José Afonso da Silva (1999, p. 818) “ (...) a qualidade do meio ambiente se transformara num bem, num patrimônio, num valor mesmo, cuja preservação, recuperação e revitalização se tornaram num imperativo do Poder Público, para assegurar a saúde, o bem-estar do homem e as condições de seu desenvolvimento. Em verdade, para assegurar o direito fundamental à vida”.

O Estatuto da Cidade, Lei Federal nº 10.257/2001, previu o EIV – Estudo de Impacto de Vizinhança, um novo instrumento de mediação entre os interesses privados dos empreendedores, que garante o direito à qualidade urbana de quem mora ou transita no entorno da obra.

O Estatuto da Cidade e o EIV:
Estudo de Impacto de Vizinhança:
  • O EIV é um instituto estabelecido no Capítulo II – Dos Instrumentos da Política Urbana, Seção XII, artigos 36, 37 e 38 do Estatuto da Cidade e depende de lei municipal que defina os empreendimentos e atividades privadas ou públicas que merecerão sua aplicação. Estabelecida a lei, os empreendimentos e atividades nela relacionados estarão condicionados ao estudo dos efeitos positivos e negativos que os mesmos possam causar a qualidade de vida da população residente na área e suas proximidades e somente após a análise e aprovação do EIV serão autorizadas as licenças de Construção, ampliação ou funcionamento a cargo do Poder Público Municipal. 
De acordo com o artigo 37 do Estatuto da Cidade, o EIV deverá analisar, no mínimo, as seguintes questões:
a) O Adensamento populacional;
b) Os equipamentos urbanos e comunitários;
c) O uso e ocupação do solo;
d) A valorização imobiliária;
e) A geração de tráfego e demanda por transporte público;
f) A ventilação e iluminação;
g) A paisagem urbana e patrimônio natural e cultural.
Reiterando o que estabelece a lei, este conteúdo é mínimo, no entanto, ao se regulamentar o EIV, o Município deve se atentar para as particularidades locais e regionais, complementando os quesitos a serem analisados, como, por exemplo, a geração de lixo, poluição do ar, sonora, etc. Ainda com relação ao conteúdo mínimo estabelecido na lei, Marcos Maurício Toba (2004, p. 236) nos alerta:
  • Em síntese, os conteúdos mínimos definidos pela lei para implementação do estudo prévio de impacto de vizinhança não podem perder de vista os objetivos fundamentais do instituto – quais sejam, os de prevenir os efeitos negativos do empreendimento.
Pode parecer obvio, o que nos alerta Marcos Maurício Toba, mas a cultura desenvolvimentista apreciada na maioria dos municípios brasileiros privilegia apenas os efeitos positivos que um empreendimento ou atividade podem trazer à população, como por exemplo o aumento da taxa de emprego, o desenvolvimento do comércio, o acesso a novos serviços, etc., ignorando as sequelas que o novo empreendimento pode causar a vizinhança e ao meio ambiente.
  • Por outro lado, apesar dos aspectos negativos merecerem uma maior atenção no EIV, não há também como ignorar que o processo de adensamento populacional gera um déficit habitacional, de trabalho e lazer. Assim, torna-se imprescindível uma análise apurada da relação risco-benefício envolvida na implantação do empreendimento ou atividade impactante à vizinhança imediata e à vida urbana, devendo prevalecer o bom senso e a melhor solução para a comunidade e o meio ambiente. Carla Canepa (2007, p. 227) em sua obra Cidades Sustentáveis realça bem esta questão, ao apontar o desafio da aplicabilidade do EIV em nossas cidades:
O grande desafio, entretanto, é conseguir chegar a uma equação satisfatória entre os ônus e os benefícios de cada empreendimento, visando não só a sua vizinhança imediata, mas também o conjunto da população. Pois muitos empreendimentos (aliás, qualquer empreendimento) causam impactos, mas são também fundamentais para o funcionamento da cidade.
  • Ainda com relação aos efeitos negativos, cabe ao empreendedor apresentar no EIV medidas compensatórias que minimizem os impactos a vizinhança. Este procedimento poderá reforçar os efeitos positivos numa avaliação conclusiva com relação à aprovação do empreendimento.
Portanto, para se aplicar adequadamente o EIV, faz-se necessária uma visão sistêmica e completa da cidade, pois o excesso de restrições em determinadas áreas pode tanto inibir como segregar para as periferias os empreendimentos e atividades fundamentais para o funcionamento da cidade, locais estes, por vezes, com piores condições de acesso e infra-estrutura, prejudicando uma população de baixa renda, que não possui voz ou mesmo conhecimento dos prejuízos ambientais que poderão ser gerados com o novo empreendimento.
  • Embora não seja mencionado no Estatuto da Cidade, assim como o EIA/RIMA, o EIV deve conter um Relatório de Impacto de Vizinhança – RIVI, que, a partir das conclusões do EIV, declarará os impactos ambientais potenciais que o novo empreendimento causará a vizinhança imediata e na sua área de influência. No entanto, cabe ainda destacar o art. 38. do Estatuto da Cidade que prescreve: “
A elaboração do EIV não substitui a elaboração e a aprovação de estudo prévio de impacto ambiental (EIA), requeridas nos termos da legislação ambiental”, visto que este último é muito mais abrangente.
Seguindo os mesmos procedimentos do EIA-RIMA, o parágrafo único do Art. 36 do Estatuto da Cidade estabelece o Princípio da Publicidade para os documentos integrantes do EIV , que deverão ficar disponíveis para a consulta pública. Com relação a este tema, Edis Milaré (2005, p. 714) prevê:
O EIVI-RIVI está destinado a suscitar interesse crescente da população e, com certeza, será um fator poderoso para mobilizar a comunidade e desencadear a participação democrática desejada pelo Estatuto da Cidade. Aliás, a Política Urbana, por ser de alto interesse da polis, é um espaço aberto para a cidadania participativa. Da proposta do empreendimento, passando pela audiência pública, até a decisão final, há um caminho longo e cheio de percalços a seguir.
Apesar do EIV não exigir textualmente a audiência pública, tal questão encontra-se explicitada no inciso XIII do artigo 2º. do Estatuto da Cidade, sendo esta uma diretriz a ser aplicada nos processos de implantação de empreendimentos ou atividades com efeitos potencialmente negativos.

Outras Considerações:
  • A partir da Constituição Federal de 1988 a legislação brasileira teve grandes avanços no sentido disponibilizar ao Poder Público Municipal os instrumentos necessários ao pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana.
A eficácia da lei 10.257/01, denominada Estatuto da Cidade, depende ainda de uma série de regulamentações municipais e principalmente investimentos humanos e materiais, a fim de desenvolver a cultura do planejamento urbano, sob foco de ações preventivas que garantam o direito a cidades sustentáveis.
  • Assim como o Estudo de Impacto Ambiental – EIA, o Estudo de Impacto de Vizinhança – EIV é um instituto importante no sentido de inibir empreendimentos ou atividades que causem danos ao equilíbrio ambiental, tratando-se de um instrumento fundamental para o desenvolvimento sustentável das cidades brasileiras. Infelizmente, o EIV não condiciona a sua aprovação em audiências públicas, tratando-se de um objetivo a ser almejado na gestão democrática das cidades.

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