terça-feira, 21 de julho de 2015

O conceito de quantidade de matéria: Nº de Mol

A quantidade de matéria e o Numero de Mol

  • A educação científica contemporânea mais e mais está requerendo de seus educadores, em especial da área de Ciências, uma superação de seus modelos de ensino e aprendizagem calcados em particular em abordagens empiricistas e/ou no racionalismo técnico-científico para outros em que se considerem os aprendizes e a própria educação escolar inseridos em um âmbito social e socializador mais amplo.
GIL-PÉREZ e CARVALHO (1998) enfatizam que, se ensinar não é uma atividade rotineira e estática, bem como uma tarefa fácil, é passível de se concluir que se faz necessário que o professor detenha teorias para ser capaz de elaborar análises e reflexões sobre sua prática, além de compreender como o aluno aprende. Entendem os autores que o professor ainda não tem consciência de suas insuficiências, achando que o importante é saber somente a matéria a ser ensinada e algumas atividades a serem executadas pelos alunos, tornando-se assim um transmissor de conhecimentos. Saber o conteúdo a ser ensinado é muito mais do que se aprende no curso universitário. É preciso que o professor compreenda como surgiram os acontecimentos científicos, as dificuldades encontradas, que benefícios trouxeram para a sociedade, e que ele esteja sempre disposto a se atualizar. Se ensinar não é fácil, os professores de Ciências têm que ter clareza sobre os problemas de ensino-aprendizagem que podem estar constituindo- se em obstáculos para uma atividade docente inovadora e/ou de mudança.
  • A mediação pedagógica também deve ser considerada necessária nesse processo para que haja uma aprendizagem significativa pelos alunos. Ausente a perspectiva pedagógica, o professor não saberá mediar adequadamente a significação dos conceitos, com prejuízos sérios para a compreensão de seus aprendizes (MALDANER, 2000). Grande parte das instituições de formação de professores tem-se em geral apoiado no modelo da racionalidade técnica, modelo este que estabelece uma clara hierarquia entre o conhecimento científico básico e as derivações técnicas da prática profissional. Acontece então que primeiro são ensinados os princípios científicos relevantes, depois a aplicação desses princípios e, por último, tem-se um practicum (momentos estruturados de prática pedagógica, estágios, aula expositiva, aula prática, etc.), cujo objetivo é aplicar à prática cotidiana os princípios da ciência aplicada (ZEICHNER, 1992).
Em minha investigação de mestrado (ROGADO, 2000), constatei que compreender um conceito científico não consiste apenas em conhecer sua definição. É necessário que se conheça o contexto em que surge e suas interações com outros conceitos – suas aproximações e distanciamentos. No caso dessa investigação, destacadamente verifiquei que o conceito de quantidade de matéria e o nome e símbolo de sua unidade de medida, o mol, apresentam sérias dificuldades de ensino/aprendizagem, principalmente no que se refere à indistinção entre quantidade de matéria e massa. A literatura tem tratado desse problema, pronunciando que, ainda hoje, por desconhecimento, é muito comum definir-se e usar a idéia errônea de que o mol é a massa atômica ou molecular expressa em gramas, o que ocasiona problemas na transposição do universo macroscópico (fenômenos) para o microscópico (teórico-conceitual). 
  • Visando a contribuir para a solução desse problema didático, meu trabalho pretendeu identificar as concepções dos professores e aquelas expressas pelos livros didáticos, apontando as prováveis causas das dificuldades de ensino/aprendizagem dos conceitos de quantidade de matéria e mol. Procurei resgatar a origem e evolução dos conceitos de quantidade de matéria e mol e, por meio de uma pesquisa qualitativa de natureza exploratória, utilizei questionários e entrevistas, buscando compreender o pensamento dos professores quanto ao ensino desses conceitos. Os resultados apontaram para o desconhecimento e trato aproblemático e ahistórico dos conceitos por parte dos professores de ensino médio e superior (formadores) e dos autores de livros didáticos, relevando o aplicacionismo, o que certamente pode gerar dificuldades posteriores para o entendimento e sistematização dos conhecimentos e cálculos estequiométricos.
Sobre o mol:
  • A literatura aponta que, no final do século XIX, OSTWALD insere a palavra mol no vocabulário da Química. Redefinida em seu significado no século XX, e introduzida, em 1971, como unidade de base do Sistema Internacional de Unidades (SI), ocasiona mudanças na nomenclatura de muitas grandezas usadas no dia-a-dia da Química. Entretanto, ainda hoje, por desconhecimento, é muito comum definir-se – e usar a idéia errônea – mol como a massa atômica ou molecular expressa em gramas. Um grande equívoco, pois a definição atual esclarece que o mol não se refere à grandeza massa, mas à grandeza quantidade de matéria, da qual é sua unidade, isto é, a quantidade padrão – como o quilograma é a quantidade padrão da grandeza massa (SILVA & ROCHA-FILHO, 1995).
A partir da adoção da quantidade de matéria como uma das sete grandezas físicas fundamentais e o mol sua unidade e a constatação de discrepância entre os conceitos ensinados e as recomendações da comunidade científica internacional, a dimensão do problema da construção do conceito amplia-se, não se limitando às dificuldades de aprendizagem dos alunos, relacionadas à apreensão e operacionalização, mas evidenciando a pouca clareza do professorado quanto ao significado desses conceitos (FURIÓ et al., 1993; TULLBERG et al., 1994, apud FURIÓ et al., 2002).
  • Esses obstáculos à compreensão conceitual, potenciais geradores de posteriores dificuldades no ensino de Química, têm estimulado a pesquisa educacional na área. Muitos trabalhos de investigação publicados durante os últimos anos em revistas especializadas em didática das ciências têm mostrado uma crescente preocupação em torno do ensino-aprendizagem do conceito de mol. Esses trabalhos buscam as causas das grandes dificuldades de compreensão desses conceitos pelos estudantes, apontando inclusive o pouco tempo dedicado ao desenvolvimento do pensamento no nível atômico-molecular em relação ao nível representacional e multiatômico, relacionando as barreiras ao entendimento a pouca compreensão da grandeza da constante de Avogadro – ponte essencial para a transposição entre o macroscópico e o microscópico –, além da indistinção entre quantidade de matéria e massa. Além disso, destacam a importância dos livros e textos didáticos no ensino desses conceitos; outros, ainda, sugerem a possibilidade do conceito não possuir um claro significado aos professores.
O empecilho ligado ao ensino e aprendizagem desse conceito é um problema relevante e atual, também pelas suas conseqüências referentes à compreensão de conceitos químicos mais complexos e ao trato da estequiometria. Entrementes, é importante realçar que o mol é um conceito inventado pelos cientistas como ajuda aos cálculos de química; as concepções de mol dos estudantes dificilmente poderiam ser consideradas como intuitivas. Assim, o uso de estratégias de ensino inadequadas é apontado como causa de uma instrução insuficiente. Se o ensino resulta em confusão no conceito e também se faz transposições equivocadas do significado da grandeza quantidade de matéria, é muito imaginável que existam incompreensões e erros conceituais na aprendizagem (FURIÓ et al., 1999).

O conceito de quantidade de matéria:
  • Após a descoberta das leis fundamentais da Química, a fim de especificar quantidades de elementos químicos ou compostos, foram usadas algumas unidades: átomo-grama, molécula-grama, etc. Essas unidades tinham uma conexão direta com os pesos atômicos e pesos moleculares, que eram de fato massas relativas.
As percepções distintas de equivalentistas e atomistas quanto às relações quantitativas nas reações químicas levaram esses últimos a uma solução baseada no significado da reação, simbolizada numa equação química, na qual aparecem as fórmulas químicas dos átomos e moléculas das substâncias que participam na reação. Assim, as relações de pesos ou massas de combinação decorrem das hipóteses subentendidas no simbolismo utilizado, no qual há proporções de combinação entre as partículas dos reagentes e produtos de uma reação, indicadas pelos coeficientes que precedem as fórmulas químicas.
  • Conhecidas as massas das partículas participantes na reação, deduz-se as relações ponderais de combinação. A tradução à massa, expressa em gramas, dessas quantidades no século passado originou a introdução de conceitos como átomo-grama, molécula-grama e massa fórmula-grama. Também se introduziu o conceito de peso (massa) equivalente-grama e se definiu, como valência ou capacidade de combinação de um elemento, a relação entre peso atômico e peso equivalente. Assim, buscava-se convergir as visões equivalentista e atomista sobre as reações químicas (KAPLAN, 1978; FURIÓ et al., 1999).
A consolidação da teoria atômico-molecular e a introdução da grandeza quantidade de matéria e a criação de sua unidade solucionaria de forma definitiva o problema das quantidades nas trocas químicas, já que esse ponto de vista centra mais atenção na relação entre as quantidades de partículas que intervêm na reação que nos pesos de combinação, apesar da dificuldade de determiná-las diretamente no nível submicroscópico, devido a sua extrema pequenez. A introdução dessa nova grandeza torna possível estimar, nesse nível, as entidades elementares a partir das massas ou volumes de combinação das substâncias reagentes, obedecendo a razões de facilidade e comodidade ao contar partículas elementares.
  • Desde os anos 20 e 30, alguns disparates na utilização do mol como unidade (kcal/mol, cal/mol, etc.), até então tratado como uma grandeza, precipitaram a criação de uma grandeza relacionada à quantidade de matéria. O conceito de tal grandeza surge durante as décadas de 40 e 50, período em que muitos químicos e físicos passaram a adotar a visão de que haveria uma terceira grandeza associada à matéria, além da massa e do volume.
Denominada “Stoffmenge” em alemão, foi traduzida para o inglês como “amount of substance” por E. A. GUGGENHEIM em artigo publicado em 1961; em português, entende-se que tenha sido traduzida literalmente do francês “quantité de matière” (matière = substância), denominando-se “quantidade de matéria” (ROCHA-FILHO, 1988).
  • Em decorrência da crescente aceitação da visão apresentada nesse artigo por Guggenheim, que propunha a seguinte definição: “O mol é a quantidade de matéria que contém o mesmo número de moléculas (ou átomos, ou radicais, ou íons, ou elétrons, dependendo do caso) quantos são os átomos em 12 gramas de 12C”, e da ênfase que vinha sendo dada ao uso do cálculo de grandezas, outro avanço deu-se na padronização dos pesos atômicos, originalmente padronizados, até 1961, ao padrão oxigênio, convencionado como 16 (exatamente) para o peso atômico do elemento oxigênio como ocorre na natureza. No entanto, esse oxigênio é formado por três isótopos estáveis: 99,76% de átomos 16O, 0,04% de 170 e 0,20% de 180. Mas, ao passo que físicos isolaram isótopos em espectrógrafos de massa e atribuíram o valor 16 (exatamente) para o nuclídeo 160 do oxigênio, adotando uma escala de pesos baseada nesse padrão, químicos atribuíram esse mesmo valor para a mistura de isótopos 16, 17 e 18, que formavam o elemento oxigênio (ocorrência natural). O peso atômico do oxigênio ordinário na escala física seria dada pela média ponderada, 16,0044. Em conseqüência, a razão do peso atômico da física para o da química era 16,0044/16,0000 = 1,000275. Essa diferença de escalas era uma fonte constante de amolação cada vez maior para os físico-químicos. As intensas pesquisas no campo nuclear, com o fortalecimento da Química
Nuclear e da Física Nuclear, também se constituíram em forte fator de pressão para a unificação dessas escalas, mais tarde chamadas de massas atômicas. Em 1957, OLANDER e NIER propuseram, independentemente, uma escala baseada na escolha de 12 (exatamente) para o nuclídeo 12C – essa escolha específica do carbono-12 pode ter sido motivada por excelentes resultados obtidos em espectrógrafo de massa (MOORE, 1968).
  • Finalmente, um acordo entre a IUPAP (União Internacional de Física Pura e Aplicada)2 e a IUPAC (União Internacional de Química Pura e Aplicada) pôs fim a essa ambiguidade em 1959/1960. Químicos e físicos acordaram quanto à adoção do valor 12, exatamente, para o peso atômico, na realidade a massa atômica relativa, do isótopo de carbono com número de massa 12 (carbono-12, 12C).
Em 1961, a IUPAP recomendou que no campo da química e da física molecular, além das grandezas físicas definidas antes pela Conferência Geral de Pesos e Medidas, também se consideravam como uma grandeza de base a quantidade de matéria. O mol era a unidade de base recomendada, símbolo: mol. O mol foi definido como a quantidade de matéria que contém tantas moléculas (ou íons, ou átomos, ou elétrons, conforme o caso) quanto átomos há em exatamente 12 gramas do nuclídeo C12 de carbono puro (FURIÓ et al., 1999).
  • A partir de 1º de janeiro de 1962, a escala unificada assim obtida gerava valores de massa atômica relativa, permitindo definir formalmente a unidade de quantidade de matéria pela fixação da massa do carbono-12; por acordo internacional, essa massa foi fixada como 0,012 kg, e a unidade da grandeza quantidade de matéria foi chamada mol, símbolo mol (ROCHA-FILHO & SILVA, 1991).
A unificação de escalas é fundamental para o cálculo do número de Avogadro, obtido experimentalmente e não por definição, já que não existem aparelhos que permitam medir diretamente seu valor (hoje com uma incerteza menor que 0,5 ppm). Quando o oxigênio era o padrão, o número de Avogadro, No, correspondia a cerca de 6,023x1023; com o novo padrão carbono-12, No corresponde a aproximadamente 6,022x1023.
  • Seguindo a IUPAP, a IUPAC adotou, em 1965, uma recomendação quase idêntica, aceitando-se que a quantidade de matéria é uma grandeza diferente da massa, na qual “um mol é uma quantidade de matéria de fórmula química especificada que contém o mesmo número de unidades-fórmula (átomos, moléculas, íons, elétrons ou outras unidades) que há em 12 gramas (exatamente) do nuclídeo puro C12” (FURIÓ et al., 1999).
Essa sugestão não se refletiu imediatamente. Ainda se relacionava o mol à massa. Apenas em meados e fins da década surge a designação quantidade. A partir de 1970, a relação do mol com um número começa a acontecer de fato, apesar de ainda se relacionar essa unidade com molécula-grama (ROCHA-FILHO, 1988).
  • Confirmando propostas da IUPAP, da IUPAC e da Organização Internacional de Padronização (ISO), o Comitê Internacional de Pesos e Medidas (CIPM)3 forneceu, em 1967, e confirmou, em 1969, a definição do mol, que evoluiu, fazendo referência à grandeza quantidade de matéria, da qual é unidade, eventualmente adotada na 14ª CGPM (Conferência Geral de Pesos e Medidas), em 1971:
O mol é a quantidade de matéria de um sistema que contém tantas entidades elementares quantos são os átomos contidos em 0,012 quilograma de carbono 12; seu símbolo é ‘mol’.Quando se utiliza o mol, as entidades elementares devem ser especificadas, podendo ser átomos, moléculas, íons, elétrons, outras partículas ou agrupamentos específicos de tais partículas.
  • Em encontro ocorrido em 1980, a CIPM aprovou a proposta do Comitê Consultivo de Unidades (CCU), da CIPM, especificando que esta definição refere-se a átomos isolados de carbono-12, em repouso e no estado fundamental.
Durante as décadas de setenta e oitenta, a ambiguidade do mol como número e como molécula-grama ou átomo-grama é costumeira nos livros de química. No cotidiano dos químicos, ainda é comum referir-se à grandeza quantidade de matéria como número de mols ou dizer que o mol é a massa atômica ou molecular expressa em gramas.
  • Quando OSTWALD criou o termo mol, nos idos de 1880, o identificava como uma quantidade de peso (massa) químico, conotando uma porção de matéria/substância muito concreta, coerentemente com o paradigma equivalente com que se identificava, diferentemente de sua concepção atual: o mol não se refere à grandeza massa, mas à unidade de medida da grandeza quantidade de matéria (STRÖMDAHL et al., 1994; ROCHA-FILHO & SILVA, 1995).A relevância dos conceitos de quantidade de matéria e mol para o ensino e a aprendizagem de Química
Atualmente a IUPAC recomenda que se denomine quantidade de matéria (ou química, simbolizada por n) a essa grandeza que durante bastante tempo tem utilizado um nome próprio, número de mols. Trata-se de uma das sete grandezas físicas fundamentais, diferenciando- se claramente de massa, volume e número de partículas (ROCHA-FILHO & SILVA, 1995; FURIÓ et al., 1999).
  • Tendo em vista a definição inicial de OSTWALD, na qual se identifica o mol com o peso normal ou molecular de uma substância expresso em gramas, uma definição do tipo ontológico ancorada no equivalentismo, em que se identifica quantidade de matéria com massa, as expressões modernas da grandeza quantidade de matéria, desde a perspectiva filosófica apontada, fazem referência a novas definições de tipo funcional e relacional.
A grandeza quantidade de matéria é definida de forma relacional com a massa, com o volume ou com o número de entidades elementares contidas na substância de que se trate, mas não se identifica com nenhum desses conceitos, apesar de todas se associarem ao mesmo objeto de investigação. Essas grandezas, dependentes da massa e da quantidade de matéria, são chamadas grandezas extensivas. Caso a quantidade de matéria varie, todas variarão proporcionalmente, porque a massa é proporcional à quantidade de matéria, bem como ao volume e ao número de partículas elementares. Da mesma forma, o volume é proporcional ao número de partículas elementares e à quantidade de matéria.
  • A exemplo da massa de um sistema que é diretamente proporcional à quantidade de matéria, também o número de entidades elementares de um sistema é diretamente proporcional à quantidade de matéria. Então se tem NA = N/n, isto é, NA corresponde ao número de entidades (N) por unidade de quantidade de matéria (n) e tem valor constante de 6,02x1023, aproximadamente. Como NA representa o número de entidades por mol (NA = N/n), tem dimensão de mol-1, logo NA = 6,02214x1023 mol-1. Tratando-se de uma constante, deve-se evitar a expressão número de Avogadro, mesmo porque a constante pode ter seu valor alterado se forem descobertos métodos mais precisos de determinar-lhe o valor (GALLO NETTO, 1995; ROCHA-FILHO & SILVA, 1995).
Se a massa e a quantidade de matéria distribuem-se uniformemente por um objeto, as proporções podem ser convertidas em igualdades pela introdução das constantes de proporcionalidade:
  • ρ = massa específica (densidade), me = massa média de cada partícula, 
  • Ve = volume médio ocupado por cada partícula, 
  • Vm = volume molar, 
  • M = massa molar. Essas constantes são denominadas intensivas, pois seu valor independe da massa e da quantidade de matéria (ROCHA-FILHO, 1988a).
Assim, a massa é diretamente proporcional a sua quantidade de matéria – m α n, onde a constante de proporcionalidade permite a conversão de quantidade de matéria para massa, a massa molar, M, que é a massa da substância por unidade de quantidade de matéria: m = M x n. Em cálculos estequiométricos, é a massa molar a grandeza a ser usada, e não a massa atômica ou a molecular; além disso, definir mol como a massa atômica ou molecular expressa em gramas é incorreto, conforme a CGPM de 1971. As antigas unidades molécula-grama, átomo-grama, massa molecular, confundidas no passado com mol, são aproximadamente o que hoje nomeamos de massa molar, unidade g/mol.
  • Obtemos os valores de massas molares associando a unidade g/mol aos respectivos valores de massas atômicas relativas ou de massas moleculares relativas (ROCHA-FILHO & SILVA, 1995).

Quimica Orgânica

Também existe uma relação de proporcionalidade entre o volume e a quantidade de matéria – V α n, em que a constante de proporcionalidade Vm (volume molar ou volume de substância por quantidade de matéria) permite a passagem de quantidade de matéria para volume: V = Vm x n.
  • A comunidade científica, por intermédio da IUPAC, atribui à quantidade de matéria um claro significado: é a grandeza macroscópica que serve para contar unidades elementares. Recentemente, a IUPAC vem realizando esforços procurando a simplificação, a coerência e a lógica da linguagem usada pelos químicos no mundo, assim, a comunidade científica, por meio das publicações da IUPAC, considera anacrônica e obsoleta a utilização de algumas nomenclaturas, devendo elas ser abandonadas (ROCHA-FILHO & SILVA, 1995).
Essa constatação reforça a percepção da transição dos conceitos científicos – como surgem os conceitos em um determinado contexto teórico e histórico, como posteriormente evoluem e, conforme o caso, em uma nova situação, como podem chegar a desaparecer. Esse é o caso do conceito de peso equivalente, que, em um contexto teórico atomista, não é necessário para solucionar o problema da determinação das proporções em massa com que se combinam as substâncias nas reações químicas, e é substituído pelos conceitos de quantidade de matéria e de mol, conseqüência da plena aceitação por parte da comunidade científica da teoria atômico-molecular para interpretar as reações químicas (FURIÓ et al., 1999).

Outras Considerações:
  • Na perspectiva de minimizar essas confusões que vêm tendo grande implicação para o ensino e a aprendizagem do conceito de mol, SILVA E ROCHA-FILHO (1995) argumentam que o uso de uma linguagem mais simplificada e coerente certamente contribuiria para uma diminuição na dificuldade de aprendizagem de certos termos químicos, o que acorda com os resultados obtidos por GABEL e SHERWOOD (apud FURIÓ et al., 2002), que mostraram que a dificuldade na resolução de problemas era devida, provavelmente, à utilização do termo mol e de outros pouco familiares mais que a falta de compreensão de volume, massa ou número de partículas.
Colabora para esse pensamento o fato de, além de os alunos terminarem seus estudos sem saber resolver problemas e com uma imagem distorcida do trabalho científico, a imensa maioria deles nem sequer lograr compreensão dos conceitos científicos mais básicos, como quantidade de matéria e mol, apesar de tê-los aprendido. Mais relevante é o fato de que esses erros não constituirem simples dúvidas ou equívocos momentâneos, mas expressarem idéias muito seguras e persistentes, afetando similarmente a alunos de diferentes países e níveis (GIL-PÉREZ, 1993). Tal é a extensão e gravidade desses erros conceituais, que já se converteram em uma importante linha de pesquisa em Educação.
  • O perfil epistemológico de BACHELARD apresenta o conceito de que as pessoas possam ter diferentes formas de ver e representar uma mesma realidade. Assim, uma única posição filosófica é insuficiente para descrever detalhadamente os possíveis componentes ou estados do perfil epistemológico de um conceito que podem existir na mente de uma pessoa (FURIÓ & GUISASOLA, 1998).
Ao mesmo tempo, o estudo crítico da história e da epistemologia da Ciência – história vista como fonte de problemas e avanços no conhecimento científico – poderia facilitar saltos qualitativos entre perfis conceituais presentes na construção dos conhecimentos científicos. O ensino dogmático, no qual se aprende as leis, as fórmulas que as traduzem e depois sua utilização é frio, estático e acaba dando a falsa impressão de que a Ciência é algo morto e definitivo. A contribuição à cultura geral e à formação de uma visão epistemológica, oferecida pelo ensino de Ciências ao tornar viva a história dos esforços passados, por meio do contato com a vida dos pensadores e da lenta evolução das idéias, possibilita um importante diferencial para a construção do espírito (LANGEVIN, 1933).
  • O conhecimento não poderia estar dissociado de seu contexto histórico – períodos sucessivos do desenvolvimento de um conceito ou de uma estrutura, com ou sem acelerações e regressões, cortes epistemológicos, a existência dessas etapas de desenvolvimento e o porquê de sua sucessão –, pois está implícito que a história de um conceito fornece alguma indicação sobre seu significado epistêmico (PIAGET & GARCIA, 1987).
Há cem anos, o próprio OSTWALD propunha a construção de uma história crítica da química, sugerindo uma descrição que anunciava as construções paradigmáticas de Kuhn, afirmando que a Ciência desenvolve-se sem parar e, necessariamente, mais cedo ou mais tarde, produz-se um desacordo entre a multiplicidade real dos fatos observados e a multiplicidade artificial da teoria, tornando necessário o alargamento do antigo preceito ou a substituição por novas idéias mais adequadas (OSTWALD, 1906, apud FURIO et al., 1999).
  • No caso da grandeza quantidade de matéria, introduzida somente nos anos 60 (1961), enquanto a idealização do mol data de fins do século XIX, configura não um corte, mas uma anomalia epistemológica – a unidade gerada anteriormente à grandeza –, que, unida à evolução experimentada por seu significado, permite explicar o caráter controvertido destes conceitos.
A contribuição da história das ciências: 
  • A compreensão que os aspectos histórico – origem e evolução dos conceitos químicos – e problematizador podem proporcionar por meio da crítica dos problemas ocorridos durante a construção histórica do conhecimento poderia facilitar o apontamento das prováveis causas do pouco entendimento pelos estudantes dos conceitos de quantidade de matéria e de mol. Esse caminho também estaria possibilitando maior percepção da influência da Ciência na Tecnologia, Sociedade, Política e Economia e destas sobre a própria Ciência, suscitando entendimento mais complexo da realidade e indicando as aplicações alternativas que poderiam ser propostas para superação do problema, evitando, dessa forma, graves conseqüências em relação à educação Química.
Finalmente, destacaria mais dois aspectos para a problematização do processo de ensino e de aprendizagem do conceito de mol, mas que, no meu entendimento, envolve não somente ele, mas outros conceitos científicos químicos. Trata-se da formação do professor que ensina Química e do material didático-pedagógico atualmente utilizado nas escolas.
  • A formação de professores, de acordo com MENEZES (2001), DELIZOICOV, ANGOTTI e PERNAMBUCO (2002) e GIL-PÉREZ e CARVALHO (1998), deveria estar centrada em necessidades formativas, tais como: conhecimento dos conteúdos científicos a ensinar, aspectos epistemológicos e históricos e as interações Ciência, Tecnologia e Sociedade, associadas à construção dos conhecimentos; também a superação do senso comum pedagógico, rompendo com visões simplistas sobre o ensinar, incorporando conhecimentos contemporâneos em Ciência e Tecnologia concebidos como cultura.
No caso da educação em Química, reconheço ainda grande relevância da pesquisa em ensino, tão bem argumentada pelos estudos de MOREIRA (1990) sobre o professor-pesquisador.
Segundo o autor, é fundamental pensar a formação do professor-pesquisador frente ao processo de ensino-aprendizagem com olhar de abertura e crítica, porque ele poderá gerar novas teorias norteadoras das práticas pedagógicas específicas. Na verdade, é o professor o sujeito capaz de agir, refletir, re-significar e re-planejar o processo que de fato acontece no interior da sala de aula, tornando-se o real construtor de novas teses e atitudes em relação a ele. Para tanto, é preciso que este professor detenha um suporte teórico sólido sobre teorias de ensino e aprendizagem.
  • Quanto ao material didático-pedagógico atualmente disponível nas escolas, inseridos tanto em livros textos como em laboratórios, CACHAPUZ e CAMPOS (1997) destacam sua influência marcante no processo de ensino-aprendizagem, relevante para a concepção de Ciência e de cientistas construídas pelo aluno. Apesar de tal relevância, estes costumam apresentar-se como um espetáculo de regras e coisas para decorar, sem uma abordagem prévia dos aspectos macroscópicos dos fenômenos. Também, é freqüente a apresentação de uma Ciência descontextualizada, separada da sociedade e da vida cotidiana. É importante dialogar com o texto para criticá-lo, pois o material didático tradicional parece bom para quem já sabe, não para quem vai aprender.
No caso do livro didático, adotado de forma generalizada pelos professores, geralmente este se apresenta inadequado no tratamento pedagógico e científico, trazendo inúmeros conceitos e observações – algumas vezes incorretos – prontos e desvinculados do mundo real, íntimo e concreto do educando. Além disso, é muito grande o número de professores que faz desse material a única e verdadeira fonte de informações e critérios e organização de conteúdos para o desenvolvimento do trabalho pedagógico. Dessa forma, uma imagem irreal e fragmentada da Ciência é construída pelo estudante, reforçando assim a concepção de Ciência como uma atividade neutra, desligada dos aspectos sociais, políticos e econômicos da sociedade. Tal concepção impede a construção progressiva e a integração de conceitos, dificultando a aprendizagem, reduzindo-a a simples memorização, tornando-a tediosa e desinteressante.
  • Em conclusão, afirmaria que se faz necessário ampliar estudos sobre a questão da elaboração de conceitos químicos na ótica aqui tratada, considerando-se suas implicações para a compreensão macro-dimensional da Química e seu processo educativo. São poucos os estudos no Brasil nesse sentido, e me parece que essa linha investigativa ainda está para ser explorada, senão (re)descoberta.

A Industria farmacêutica é dos principais ramos da química