quinta-feira, 17 de setembro de 2015

Características Químicas de um Cambissolo

Características Químicas de um Cambissolo Húmico

  • A importância da matéria orgânica em relação às características químicas, físicas e biológicas do solo é amplamente reconhecida. A sua influência sobre as características do solo e a sensibilidade às práticas de manejo determinam que a matéria orgânica seja considerada um dos principais parâmetros na avaliação da qualidade do solo (Doran & Parkin, 1994).
Os principais fatores de manejo que influem no conteúdo de matéria orgânica são o preparo de solo e os sistemas de sucessão e de rotação de culturas utilizados (Langdale et al., 1992; Bayer & Mielniczuk, 1997a,b).
  • O preparo do solo executado com aração e, ou, gradagem, aumenta o potencial de perda de matéria orgânica por erosão hídrica e decomposição microbiana, sendo a última a principal forma de perda de matéria orgânica do solo afetada pelos preparos (Reicosky & Lindstrom, 1993). 
Reicosky et al. (1995) verificaram que, nos 19 dias imediatamente após a aração do solo, ocorreu uma liberação de 2,48 t ha-1 de C como CO2, quantidade superior à adicionada pelo resíduo de trigo (1,85 t ha-1 de C), indicando substancial oxidação biológica do carbono orgânico do solo. Dezenove dias após o preparo, metade do resíduo de trigo permanecia visível, não completamente decomposto, indicando que mais da metade do C liberado como CO2 foi resultante da matéria orgânica do solo.
  • Os sistemas de sucessão e de rotação de culturas também são fundamentais para a manutenção ou recuperação do conteúdo de matéria orgânica, considerando sua influência na quantidade de resíduos culturais adicionados ao solo anualmente. Burle et al. (1997) obtiveram, no sul do Brasil, uma relação linear entre o aporte de resíduos vegetais, durante 11 anos, em diferentes sistemas de cultura, e o conteúdo de C do solo, no sistema plantio direto.
Segundo Bayer & Mielniczuk (1997a,b), a redução ou eliminação do revolvimento do solo constitui pré-requisito para o aumento no conteúdo de matéria orgânica do solo, nas condições de clima subtropical do sul do Brasil. Conjuntamente à eliminação do revolvimento do solo, é fundamental a utilização de sistemas de sucessão e de rotação de culturas com alto aporte de resíduos vegetais. Bayer (1996), após nove anos de utilização do sistema aveia + ervilhaca/milho + caupi em plantio direto, obteve incrementos de 11 t ha-1 de C e 1.000 kg ha-1 de N na camada de 0-17,5 cm, comparativamente ao sistema aveia/milho em preparo convencional.
  • Em sua maioria, os estudos sobre o efeito de sistemas de manejo têm demonstrado que as alterações no conteúdo de matéria orgânica são lentas, necessitando de um período de tempo relativamente longo para serem detectadas. 
Por essa razão, alguns estudos têm avaliado, adicionalmente à matéria orgânica total, atributos como biomassa microbiana (Powlson et al., 1987; Vargas, 1997) e matéria orgânica leve (Powlson et al., 1987; Jansen et al., 1992), os quais são mais sensíveis, permitindo uma avaliação antecipada da qualidade dos sistemas de manejo de solo adotados. Bowman et al. (1990) encontraram reduções de 55 a 63% no conteúdo de carbono orgânico total do solo (0-15 cm) em sessenta anos de cultivo. 
  • Na fração leve da matéria orgânica, a redução foi de 67 a 72%, ocorrendo 87% deste declínio nos primeiros três anos. Oades & Turchenek (1978) observaram maiores incrementos relativos de C, N e P nas frações grosseiras da matéria orgânica.
Os efeitos do sistema de manejo sobre a matéria orgânica têm apresentado, direta ou indiretamente, reflexos nas características físicas, químicas e biológicas do solo. Especificamente em relação às características químicas, o incremento de matéria orgânica resulta no aumento da CTC do solo (Testa et al., 1992; Bayer & Mielniczuk, 1997a), na diminuição da toxidez de Al (Salet, 1994) e na maior disponibilidade de nutrientes, principalmente do N (Teixeira et al., 1994; Burle et al., 1997), entre outros.
  • A eliminação do revolvimento do solo e a aplicação superficial de corretivos e fertilizantes também promovem alteração na distribuição de nutrientes na camada arável do solo, em relação ao preparo convencional. Bayer & Mielniczuk (1997a) atribuíram uma estratificação em profundidade da concentração de Ca, Mg, K e P a tais fatores, após cinco anos da adoção do plantio direto, num Podzólico Vermelho-Escuro. 
A concentração de Al em profundidade no solo foi maior no plantio direto do que no preparo convencional. Entretanto, segundo os autores, nenhum dos atributos químicos avaliados foi limitante ao desenvolvimento vegetal e à produção das culturas em plantio direto.
  • O objetivo do presente estudo foi avaliar o efeito da utilização do preparo convencional, preparo reduzido e plantio direto, desenvolvidos durante nove anos, sobre as características químicas de um Cambissolo Húmico álico, com ênfase à matéria orgânica, na região do Planalto Serrano de Santa Catarina.
O estudo foi realizado em 1996 num experimento de avaliação de perdas de solo por erosão, instalado em 1988, no Centro de Ciências Agroveterinárias-UDESC, Lages, SC, em um Cambissolo Húmico álico de textura argilosa e relevo ondulado (Bertol, 1994).
  • Segundo Köeppen, o clima da região é do tipo Cfb. A altitude média é de 953 m, com temperatura máxima média anual de 21,7ºC e mínima média anual de 11,5ºC. A precipitação média anual é de 1.674 mm (Bertol, 1993).
O ensaio, no período de 1988 a 1993, apresentava delineamento experimental inteiramente casualizado, composto por três tratamentos e duas repetições. 
  • Os tratamentos eram constituídos por três sistemas de preparo de solo (preparo convencional, preparo reduzido e plantio direto), efetuados duas vezes por ano por ocasião do estabelecimento das culturas de milho, soja e feijão, no verão, e trigo e aveia, no inverno, as quais compunham um sistema de rotação de culturas.O preparo convencional do solo consistia de uma aração e de duas gradagens de nivelamento. 
O preparo reduzido do solo consistia de uma escarificação e de uma gradagem de nivelamento. No plantio direto os resíduos das culturas antecedentes foram mantidos na superfície do solo e a mobilização foi exclusivamente na linha de semeadura.
  • Em dezembro de 1992, todo o experimento recebeu uma dose de 3,5 t ha-1 de calcário dolomítico, o qual foi incorporado ao solo mediante uma aração e duas gradagens de nivelamento, envolvendo inclusive os tratamentos preparo reduzido e plantio direto.
A partir de 1994, uma das repetições do experimento foi submetida à sucessão trigo-soja e a outra repetição passou a receber um sistema de rotação de culturas com milho, ervilhaca, soja, trigo, feijão e aveia, até 1996, mantendo-se, contudo, os sistemas de preparo do solo.
  • O solo foi amostrado, em setembro de 1996, nos três preparos de solo e nos sistemas de rotação e de sucessão de culturas. A amostragem foi manual, nas profundidades de 0-2, 2-5, 5-10, 10-15 e 15-20 cm. As amostras de solo foram secas em estufa à temperatura aproximada de 60ºC e moídas, até passagem em peneira de 2 mm. 
O solo foi analisado quanto aos teores de carbono orgânico total, nitrogênio total, cálcio, magnésio, potássio e alumínio trocáveis, fósforo disponível e pH em água (relação solo:água 1:1), segundo métodos descritos em Tedesco et al. (1995). A CTC efetiva do solo foi obtida pela soma dos teores de cálcio, magnésio, potássio e alumínio trocáveis.
  • A matéria orgânica grosseira foi fracionada por passagem em peneira de 53 mm. Em frasco “snapcap” de 180 mL, foram pesados 20 g de solo e adicionados 80 mL de água destilada e três bolitas de vidro. A suspensão foi agitada, durante 16 h, e, posteriormente, passada em peneira de 53 mm, com auxílio de jato de água. O material retido na peneira foi transferido para recipientes plásticos e o excesso de água removido por sifonação. As amostras foram secas em estufa à temperatura aproximada de 60ºC, moídas e analisadas quanto aos teores de carbono orgânico total e nitrogênio total, segundo Tedesco et al. (1995). Os resultados foram corrigidos pela densidade do solo, sendo expressos na relação massa/ volume.
A partir da alteração do sistema de produção, realizada em 1994, o ensaio perdeu o delineamento experimental inicialmente estabelecido, passando a ser composto simplesmente por seis tratamentos sem repetições. 
  • Contudo, considerando que os sistemas de preparo de solo permaneceram sem alteração, acumulando seus efeitos ao longo dos anos, e que o objetivo deste trabalho foi evidenciar apenas os efeitos dos sistemas de preparo sobre algumas características químicas do solo, com ênfase ao conteúdo de matéria orgânica, os sistemas de produção (rotação e sucessão de culturas) foram desprezados, aplicando-se a análise da variância para o delineamento experimental inteiramente casualizado, com duas repetições.
A desconsideração dos sistemas de produção é devida ao fato de ser a alteração desses sistemas relativamente recente, decorrendo apenas dois anos entre sua implementação e a amostragem do solo, tempo este extremamente curto para que sistemas de produção possam diferenciar características químicas em solo com elevados índices de fertilidade. A diferença entre as médias de tratamentos foi avaliada pelo teste de Tukey a 5%. A relação entre variáveis, mediante regressões lineares, foi testada pela significância dos coeficientes de determinação (teste f).

Características Químicas de um Cambissolo Húmico

Alterações de Características Químicas do Solo:
Resposta da Soja ao Calcário e Gesso Aplicados na Superfície em Sistemas de Cultivo 
  • As alterações nas características químicas do solo não preparado convencionalmente são complexas. A discussão sobre a correção da acidez do solo nesse sistema de cultivo é ampla e carece de maiores informações. A calagem em áreas com cultivos já estabelecidos, não preparadas convencionalmente, é realizada na superfície do solo. 
Como os materiais corretivos da acidez utilizados na agricultura são pouco solúveis, e os produtos da reação do calcário com o solo têm mobilidade limitada, a ação da calagem, nesse caso, deve ser muito restrita às camadas superficiais do solo. A acidez do subsolo tem sido considerada uma das principais causas de limitação à produtividade agrícola (Gonzales-Érico et al., 1979; Sumner et al., 1986; Farina & Channon, 1988), por proporcionar restrição ao crescimento radicular e à absorção de água e nutrientes pelas culturas. 
  • A deficiência de cálcio e a toxicidade de alumínio têm sido apontadas como as principais barreiras químicas ao crescimento de raízes em subsolos ácidos (Ritchey et al., 1982; Pavan et al., 1982). O problema, entretanto, é de difícil solução, principalmente em áreas com cultivos sem preparo do solo, onde o calcário não é incorporado.
A correção do subsolo ácido pode ser feita por meio da calagem profunda. Contudo, essa prática necessita de revolvimento do solo, razão por que não é de interesse em áreas já estabelecidas com sistema de cultivo que não envolve preparo convencional. Além disso, a calagem profunda exige máquinas potentes e equipamentos caros, o que torna a prática onerosa.
  • Outra alternativa seria por meio da aplicação superficial de gesso agrícola, mais viável, por não exigir revolvimento do solo. Isso se deve ao fato de ser o gesso relativamente solúvel (Bolan et al., citado por Sumner, 1995), e, quando aplicado na superfície do solo, movimentar-se no perfil com a influência do excesso de umidade. Quando alcança o subsolo, o gesso proporciona aumento no suprimento de Ca2+ e redução da toxicidade de Al3+ (Sumner, 1995). Como resultado dessa melhoria do subsolo, as raízes são capazes de desenvolver em maior profundidade, permitindo maior eficiência na absorção de água e nutrientes.
As pesquisas com o gesso agrícola intensificaram-se após a divulgação dos resultados do trabalho de Ritchey et al. (1980) sobre os efeitos do gesso na melhoria das condições de acidez do subsolo, permitindo enraizamento profundo do milho num latossolo do Brasil central. Os resultados mostraram diminuição da saturação por alumínio e aumento dos teores de cálcio em profundidade pela ação do gesso, o que deve ter sido a causa principal do maior aprofundamento das raízes.
  • Efeitos positivos do gesso agrícola foram, posteriormente, constatados nas mais variadas condições de solo e clima (Pavan et al., 1984; Nogueira, 1985; Sumner et al., 1986; Farina & Channon, 1988), indicando ser o uso de gesso mais amplo do que inicialmente se pensava.
Apesar do avanço das pesquisas sobre o uso de gesso agrícola, já observado na revisão sobre o assunto feita por Raij (1988), o comportamento do gesso em áreas com sistema de cultivo sem preparo do solo necessita ser mais bem esclarecido.
  • O presente trabalho foi realizado com o objetivo de avaliar as alterações das características químicas do solo e a resposta da soja à aplicação superficial de calcário e gesso em sistema de cultivo sem preparo do solo.
O experimento foi instalado no município de Ponta Grossa (PR), Fazenda Estância dos Pinheiros, num Latossolo Vermelho-Escuro distrófico textura média. Os resultados da análise química do solo, realizada antes da instalação.
  • O delineamento experimental empregado foi o de blocos ao acaso, em parcelas subdivididas, com três repetições. Os tratamentos foram constituídos por quatro doses de calcário dolomítico, com 84% de poder relativo de neutralização total (PRNT): 0, 2, 4 e 6 t ha-1, calculadas visando elevar a saturação por bases da camada de 0-20 cm de solo a 50, 70 e 90% , e quatro doses de gesso agrícola: 0, 4, 8 e 12 t ha-1, equivalentes em cálcio às doses de calcário. O calcário foi aplicado nas parcelas principais, em julho, e o gesso, nas sub-parcelas, em novembro de 1993, sendo ambas as aplicações feitas a lanço na superfície do solo.
As parcelas, com 6,3 m de largura e 32,0 m de comprimento, foram divididas em quatro sub-parcelas de 8,0 m de comprimento. As parcelas receberam os tratamentos de calagem, e as sub-parcelas, as doses de gesso. Realizaram-se dois cultivos de soja, na densidade de vinte sementes por metro e espaçamento de 0,45 m entre as linhas. 
  • No primeiro cultivo, realizado em 26/ 11/93, foi utilizado o cultivar BR 16 e, no segundo, em 20/11/95, o cultivar FT Abyara. A adubação básica utilizada na semeadura, nos dois cultivos, foi de 200 kg ha-1 da fórmula 0-25-25. Realizou-se, também, a inoculação das sementes com estirpes selecionadas de Bradyrhizobium. 
No inverno de 1994, a área experimental foi cultivada com consórcio de ervilhaca/aveia-preta; no ano agrícola 1994/95, foi realizado o cultivo de milho e, no inverno de 1995, a área foi mantida em pousio.
  • Foram coletadas amostras de solo doze e vinte e oito meses após a calagem, correspondendo a oito e vinte e quatro meses da aplicação de gesso, uma vez que o gesso foi aplicado quatro meses após o calcário.
Para as amostragens, foram retiradas doze subamostras por sub-parcela para compor uma amostra composta das camadas de 0-5, 5-10 e 10-20 cm, e cinco subamostras para as camadas de 20-40, 40-60 e 60-80 cm de profundidade. As amostras até 20 cm foram retiradas com trado calador e de 20-80 cm com trado de rosca. Nessas amostras, foram determinados o pH, H + Al, Al3+ e cátions básicos pelos métodos descritos por Pavan et al. (1991). 
  • Nas amostras de solo coletadas aos vinte e oito meses da calagem e vinte e quatro meses da aplicação de gesso, também foram determinados os teores de S-SO4, por meio de extração pelo acetato de amônio 0,5 mol L-1 em ácido acético 0,25 mol L-1 e posterior quantificação pelo método turbidimétrico, descrito por Vitti & Suzuki (1978).
No início do florescimento da cultura, foi feita amostragem de folhas, coletando-se a terceira folha a partir do ápice das plantas, em número de trinta por sub-parcela. Essas amostras foram lavadas em água desionizada, colocadas para secar em estufa com circulação forçada de ar a 60ºC, até atingir peso constante, e moídas. Foram analisados os teores de N, S, Ca, Mg e K pelos métodos descritos por Malavolta et al. (1989).
  • A produtividade foi avaliada por meio de colheita manual, e a trilhagem, em máquina debulhadora estacionária. Foram colhidas as quatro linhas centrais de cada sub-parcela, desprezando-se um metro de cada extremidade, compreendendo uma área útil de 10,8 m2. A análise de variância seguiu o modelo em parcelas subdivididas, tendo-se comparado as médias pelo teste de Tukey ao nível de 5%. 
Como a análise de variância não revelou influência significativa da interação calcário x gesso sobre as variáveis estudadas, os efeitos principais da calagem e do gesso foram discutidos separadamente, utilizando-se a média dos tratamentos.

Resultados:
Influência de doses de calcário e gesso nas características químicas do solo
  • Os efeitos da calagem sobre os valores de pH e teores de alumínio trocável do solo, após doze e vinte e oito meses. Pode-se observar que, já após doze meses, a aplicação de calcário na superfície havia proporcionado aumento do pH e redução do alumínio trocável até 10 cm de profundidade. 
Ressalta-se que a precipitação pluvial durante esse período foi de 2.300 mm. Apesar de o efeito da calagem ter praticamente desaparecido na camada de 10-20 cm, o calcário aplicado causou elevação do pH e redução do alumínio trocável nas camadas mais profundas do solo. Os valores de pH nas camadas superficiais aumentaram com o tempo, como era esperado, de acordo com as doses de calcário aplicadas, mostrando que o corretivo continuou apresentando reação no solo. 
  • Pode-se observar também que se acentuaram os efeitos da calagem sobre o pH e teores de alumínio trocável em profundidade, com o tempo de aplicação do corretivo.
Oliveira & Pavan (1994) relataram, também, redução da acidez, revelada pela elevação do pH e redução do alumínio trocável, até 40 cm de profundidade, após trinta e dois meses da aplicação de calcário na superfície, em sistema de cultivo sem preparo do solo.
  • De acordo com esses autores, houve movimentação física do calcário em profundidade, provavelmente através de canais formados por raízes mortas mantidos intactos em razão da ausência de preparo do solo. Por outro lado, para Miyazawa et al. (1996), o provável mecanismo da lixiviação de cálcio em áreas de cultivo sem preparo do solo está relacionado com a formação de complexos orgânicos hidrossolúveis presentes nos restos das plantas (aveia, centeio, trigo).
Na camada superficial do solo, os ligantes orgânicos complexam o cálcio trocável do solo, formando complexos Ca L0 ou Ca L-. A alteração da carga do Ca2+ facilita sua mobilidade no solo. 
  • Na camada subsuperficial, o cálcio dos complexos Ca-orgânicos é deslocado pelo alumínio trocável do solo, porque os íons Al3+ formam complexos mais estáveis que Ca2+, diminuindo a acidez trocável e aumentando o cálcio trocável. Reações semelhantes também ocorrem para magnésio. 
Esses resultados mostram a possibilidade de a ação do calcário aplicado na superfície, no sistema de cultivo envolvendo rotação de culturas sem preparo do solo, atingir também camadas mais profundas de solo. As doses de gesso não exerceram influência sobre o pH, concordando com os resultados obtidos por Oliveira & Pavan (1994). 
  • Entretanto, houve redução dos teores de alumínio trocável com o uso de gesso, efeito que foi constatado já na primeira amostragem, oito meses após sua aplicação. A redução dos teores de alumínio trocável no solo, por meio da aplicação de gesso, também foi verificada nos trabalhos de Pavan et al. (1984), Pavan & Bingham (1986), Sumner et al. (1986) e Farina & Channon (1988).
Comparam-se os efeitos dos tratamentos extremos na movimentação de bases trocáveis do solo, em diferentes épocas de amostragem. A calagem, após doze meses, proporcionou aumento nos teores de cálcio, magnésio e potássio até a camada de 5-10 cm de profundidade. 
  • Cabe ressaltar que essa amostragem foi realizada após a colheita da soja (primeiro cultivo), quando o potássio da parte aérea da cultura já havia retornado para o solo, concordando com as observações de Quaggio et al. (1982a, 1991, 1993) de que a calagem reduz as perdas de potássio por lixiviação. Tal efeito pode estar associado ao aumento das cargas negativas dependentes de pH ocasionado pela calagem (Quaggio et al., 1982a) e à alteração das cargas de cátions divalentes pela formação de complexos [ML0 ou ML- (M = Ca ou Mg)] com ligantes orgânicos hidrossolúveis presentes nos restos das plantas (Miyazawa et al., 1996). 
Neste caso, a carga livre seria ocupada por K+, aumentando, assim, o teor de K trocável na camada superficial do solo. A aplicação de gesso, após oito meses, aumentou os teores de cálcio em todo o perfil do solo e provocou lixiviação de magnésio e potássio das camadas superficiais para as mais profundas.
  • É importante destacar que, na presença de calcário, a lixiviação de magnésio provocada pelo gesso foi intensa, mostrando-se mais acentuada na presença de maiores teores de magnésio trocável no solo. A lixiviação de magnésio tem sido uma resposta freqüente nos estudos com aplicação de gesso em solos (Carvalho et al., 1986; Syed-Omar & Sumner, 1991). 
No caso do potássio, a lixiviação provocada pelo uso de gesso também tem sido observada (Souza & Ritchey, 1986), dependendo do tipo de solo (Sumner, 1995). A calagem pode contribuir para a redução da lixiviação de potássio, mas não elimina o movimento proporcionado pelo gesso (Souza & Ritchey, 1986).
  • Após vinte e oito meses da aplicação de calcário, os teores de cálcio mantiveram-se mais elevados nas camadas superficiais e houve melhor redistribuição do magnésio em, praticamente, todo o perfil do solo. Houve lixiviação de cálcio adicionado pelo gesso, após vinte e quatro meses, pois seus teores foram menores em relação à amostragem anterior, mesmo apresentando valores mais elevados que a testemunha. 
Na ausência de calcário, as perdas de magnésio provocadas pelo gesso, nesse período, foram mais intensas. Ressalta-se que Oliveira & Pavan (1994) também verificaram intensa lixiviação de magnésio com a aplicação de gesso, prejudicando a absorção desse nutriente pela cultura da soja. Os teores de potássio não apresentaram grandes variações pelo uso de calcário e gesso nessa época de amostragem.
  • Os teores de S-SO4, após vinte e oito meses da calagem e vinte e quatro meses da aplicação do gesso. A calagem praticamente não alterou os teores de S-SO4 do perfil do solo. Houve grande aumento dos teores de S-SO4 do solo em função da aplicação de doses de gesso, principalmente nas camadas mais profundas. 
É importante ressaltar que, na dose máxima de gesso (12 t ha-1), quando foram aplicados cerca de 60 mmolc dm-3 de cálcio e 960 mg dm-3 de S-SO4, foi possível recuperar, após vinte e quatro meses, aproximadamente, 350 mg dm-3 de S-SO4 e 36 mmolc dm-3 de cálcio, até à profundidade de 80 cm. Isto significa que cerca de 60% do S-SO4 e 40% do cálcio da dose máxima de gesso aplicada (12 t ha-1) foram lixiviados para profundidades superiores a 80 cm. Destaca-se que, do total de S-SO4 remanescente no solo, apenas 10% foi encontrado na camada de 0-20 cm, sendo 90% encontrado no subsolo (20-80 cm). Para o cálcio remanescente, observou-se 25% na camada de 0-20 cm e 75% no subsolo (20-80 cm). 
  • Esses resultados mostram que o movimento de S-SO4 foi mais rápido do que o do cálcio, concordando com Camargo & Raij (1989). Em outro trabalho, Quaggio et al. (1993) verificaram que, dezoito meses após a aplicação de 6 t ha-1 de gesso, com incorporação, em um Latossolo
Vermelho-Escuro Podzólico, praticamente todo o cálcio e S-SO4 foram lixiviados para profundidades superiores a 40-60 cm, mostrando efeito residual menor ao observado no presente trabalho com a aplicação de gesso na superfície.

Resposta da soja à aplicação de calcário e gesso:
  • Nos dois cultivos de soja, observou-se ausência de resposta ao calcário e ao gesso aplicados na superfície. No segundo cultivo, o uso de gesso, na dose de 12 t ha-1, causou redução significativa na produção de soja em comparação ao tratamento-testemunha. 
A resposta da soja à calagem é bastante conhecida na literatura, quando se trata de cultivo convencional, sendo o corretivo devidamente incorporado ao solo (Quaggio et al., 1982b, 1993; Raij et al., 1977). Entretanto, existem dúvidas com relação à resposta da cultura mediante aplicação de calcário na superfície em sistema de cultivo sem preparo do solo. 
  • Merece atenção, no presente trabalho, a elevada produção obtida, nos dois anos de cultivo, no tratamento-testemunha, em solo com pH (CaCl2 0,01 mol L-1) 4,5 e 32% de saturação por bases na camada de 0-20 cm. Também é importante destacar a uniformidade dos teores de cálcio, magnésio e potássio no perfil do solo, antes da instalação do experimento. 
Esses resultados revelam ser possível obter elevada produção de soja, mesmo em solo com pH relativamente baixo, desde que os teores de cálcio, magnésio e potássio estejam em disponibilidade suficiente no perfil do solo para manter uma relação com o alumínio. 
  • No trabalho realizado por Oliveira & Pavan (1994), foi observada resposta positiva da soja à aplicação de 5,5 t ha-1 de calcário na superfície, em solo sob sistema de cultivo sem preparo, mas considerando dados médios de quatro anos de produção. A ausência de resposta da soja à aplicação de gesso também foi observada por Quaggio et al. (1993) e por Oliveira & Pavan (1994).
Apesar de a calagem exercer efeitos benéficos sobre o processo biológico de fixação de N, associados principalmente com a maior disponibilidade de Mo e redução da acidez do solo, não foram observadas alterações significativas dos teores de N nas folhas da soja, com a aplicação de doses de calcário na superfície. 
  • Em sistema de cultivo convencional, Quaggio et al. (1993) observaram estreita correlação entre N nas folhas de soja com doses de calcário incorporadas ao solo. Os teores de N nas folhas de soja também não foram alterados com o uso de gesso, concordando com os resultados obtidos por Quaggio et al. (1993).
Os teores de S nas folhas de soja foram aumentados com a aplicação de gesso somente no primeiro cultivo. Deve-se ressaltar que o gesso é excelente fonte desse nutriente. Esses aumentos também foram observados por Quaggio et al. (1993). 
  • Esses autores também verificaram que os teores foliares de S foram aumentados pela calagem, o que não ocorreu no presente trabalho com a aplicação de calcário na superfície.
Quanto aos teores de Ca, Mg e K nas folhas de soja, nota-se que somente o Mg, no segundo cultivo, foi influenciado pelos tratamentos. Houve aumento dos teores foliares de Mg pela calagem e redução dos teores com o uso de gesso na maior dose aplicada (12 t ha-1). 
  • A redução na produção de soja, ocorrida no segundo cultivo, pelo uso de gesso na maior dose, foi influenciada pela diminuição dos teores de Mg nas folhas, tendo em vista a correlação obtida entre essas variáveis (y = 2.290,47 + 271,24 x R2 = 0,64*). Portanto, a lixiviação de magnésio proporcionada pela aplicação de gesso na dose de 12 t ha-1 prejudicou a absorção desse nutriente pela cultura da soja, acarretando reflexos negativos sobre a produção.
Outras Considerações:
  1. A soja não respondeu à aplicação de calcário e gesso na superfície em solo com pH (CaCl2 0,01 mol L-1) 4,5 e 32% de saturação por bases na camada de 0- 20 cm. Isso indica que, em sistema de cultivo sem preparo do solo, mesmo em condições de alta acidez, é possível obter elevada produção de soja, desde que os teores de cálcio, magnésio e potássio sejam suficientes e os teores de alumínio não sejam muito elevados.
  2. A calagem proporcionou correção da acidez, revelada pela elevação do pH e redução do alumínio trocável, até 10 cm de profundidade e em camadas subsuperficiais, mostrando que a ação do calcário aplicado na superfície, em áreas com cultivos já estabelecidos, não preparadas convencionalmente, pode atingir camadas mais profundas de solo.
  3. A aplicação de gesso causou redução dos teores de alumínio trocável, aumentou os teores de cálcio em todo o perfil do solo e provocou lixiviação de bases, principalmente de magnésio, sendo esta mais acentuada na presença de maiores teores de magnésio trocável no solo.
  4. Após vinte e quatro meses, foram recuperados cerca de 40% do S-SO4 e 60% do cálcio aplicado pelo gesso na dose de 12 t ha-1, até a profundidade de 80 cm.
Desse total recuperado, apenas 10% do S-SO4 e 25% do cálcio foram encontrados na camada de 0-20 cm de solo.

Características Químicas de um Cambissolo Húmico