domingo, 1 de novembro de 2015

Agricultura Familiar e o MDL

No ano de 1870, uma geada deu início aos problemas na cafeicultura, provocando muitos prejuízos nas plantações do oeste paulista.

  • Os efeitos das mudanças do clima estão se tornando cada vez mais evidentes e, gradualmente, estamos percebendo que são requeridas ações urgentes. Ao analisar a relação causal da mudança climática, confrontamo-nos com um grande tema ético contemporâneo: o de que os povos e países que menos contribuem para o problema são os primeiros a serem afetados e os mais afetados.
Como parte da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças do Clima (CQNUMC), para reduzir os gases de efeito estufa, um mecanismo internacionalmente acordado por meio do Protocolo de Quioto, chamado Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL) foi desenhado para o comércio de Reduções Certificadas de Emissões (RCEs) entre países industrializados e em desenvolvimento.
  • A idéia é de que a redução de emissões de gases de efeito estufa e/ou remoções de CO2 são positivas apesar da localização, e que a redução de emissões em países em desenvolvimento pode suplementar a redução de emissões em países industrializados, para que as metas sejam atingidas em tempo.
Esta pesquisa indaga sobre a possibilidade das comunidades rurais de agricultores familiares gerarem e certificarem remoções de CO2 através de projetos agroflorestais, que contribuam ao desenvolvimento sustentável em sua dimensão holística e reduzam os efeitos das mudanças do clima. São discutidas as implicações práticas do desenho desse tipo de projeto, fazendo-se referência às iniciativas locais no Brasil, bem como são discutidas abordagens para superar barreiras para acesso ao MDL. Em seguida, apresenta-se uma crítica ao mecanismo.
  • A pesquisa conclui que, se esses projetos podem ser implementados, os mesmos poderão oferecer créditos de alta qualidade social que evitem alguns dos problemas dos projetos de grande escala e que, quando países industrializados compram créditos de carbono terão de investir em alta qualidade que pode ser oferecida por meio de projetos agro-florestais MDL, de pequena escala. 
A pesquisa consistiu em: 
  1. Entrevistas com Organizações Não Governamentais (ONGs) da Paraíba, de Pernambuco e de Tocantins, com atores da sociedade civil que gerenciam e implementam programas e projetos federais, com representantes de órgãos públicos e de entidades do setor privado; 
  2. Visitas a experiências agroecológicas de agricultores familiares envolvidos em diversas iniciativas de produção, beneficiamento e comercialização; 
  3. Revisão da literatura existente.
Embora a presente publicação trate da agricultura familiar num sentido amplo e se focalize no MDL, entendido como uma oportunidade para a promoção deste setor da agricultura, futuras ações do conjunto de organizações, das quais fazem partes os autores, deverão privilegiar o estímulo a um processo de disseminação de informação e construção de conhecimentos a respeito dos serviços ambientais proporcionados pelas práticas agroecológicas no seio da agricultura familiar na Região Nordeste do Brasil.
“Ouvimos de muitos países a preocupação com a proteção de florestas tropicais. Se para os países desenvolvidos é difícil mudar a matriz energética, para os países em desenvolvimento é difícil mudar o modelo de desenvolvimento (para adotar um desenvolvimento sustentável)”. 
Marina Silva, Ministra do Meio-Ambiente do Brasil (2006) 
Mudanças do Clima:
Efeitos, causas e potenciais soluções:
  • A mudança do clima poderia trazer resultados positivos para alguns lugares, mas isso somente será no curto prazo se as temperaturas continuarem a subir inexoravelmente. O que vemos atualmente são muito mais impactos negativos e cumulativos. Quanto maiores as mudanças e o grau da mudança, predominarão ainda mais os efeitos adversos.
Efeitos:
  • O Painel Inter-Governamental de Mudança do Clima (IPCC) 4 prognostica que, “as conseqüências da mudança de clima nos países em desenvolvimento serão maiores em termos de perdas de vidas e efeitos relacionados a investimentos e à economia” e descreve a África como o “continente mais vulnerável às mudanças que se projetam porquanto a pobreza amplamente espalhada limita as capacidades de adaptação”. Esse prognóstico tem sido reafirmado pelo Relatório Stern, que declara que “os países e povos mais pobres sofrerão mais prematuramente e com mais intensidade”.
As regiões em desenvolvimento mais pobres são mais vulneráveis às mudanças do clima posto que elas normalmente encontram-se em desvantagem geográfica, já que são, em média, mais quentes que as regiões mais desenvolvidas e sofrem de alta variabilidade de chuvas. Elas também dependem fortemente da agricultura, o setor da economia mais sensível ao clima. Baixos ingressos, aprovisionamento inadequado na saúde e baixa qualidade nos serviços públicos aumentam a vulnerabilidade e fazem com que a adaptação às mudanças do clima seja particularmente difícil.
  • A mudança do clima provavelmente aumenta a vulnerabilidade nos países em desenvolvimento. A provável queda dos ingressos na agricultura e o agravamento da pobreza reduzirá a capacidade das famílias camponesas investirem em um futuro melhor. Em nível nacional, a mudança climática trará reduções nos rendimentos e aumentará as necessidades de gastos, piorando as finanças públicas. Os impactos poderão se espalhar além das fronteiras nacionais, agravando ainda mais os danos ao criar choques relacionados ao clima que já acirraram conflitos violentos no passado.
As mudanças no clima tornam-se evidentes através do aumento da temperatura, mudanças nos padrões de precipitação e elevação do nível do mar. Essas mudanças têm um impacto significativo na redução da pobreza em varias dimensões:
Condições socioeconômicas:
  • A diminuição nas colheitas, especialmente nas regiões áridas, como conseqüência das secas e mudanças no regime de chuvas, pode deixar centenas de milhares de pessoas incapacitadas para produzir ou adquirir alimento em quantidades suficientes.
  • O aumento do nível do mar resultará em dezenas a centenas de milhares de pessoas sofrendo de inundações a cada ano, resultando em um crescente aumento da pressão para a proteção da costa. Mais de um quinto de Bangladesh, por exemplo, pode ficar sob a água com o aumento de 1 metro no nível do mar, o que é uma possibilidade ao final deste século.
  • A estimativa é de que em meados deste século, entre 150 a 200 milhões de pessoas poderão ser deslocadas de forma permanente devido ao aumento do nível do mar, da severidade das enchentes e da intensidade das secas. As pessoas forçadas a deixar seus lares, em decorrência das mudanças do clima, poderão enfrentar violência, racismo e abuso dos direitos humanos. No Nordeste do Brasil, por exemplo, aproximadamente uma em cada cinco pessoas migra para uma outra região do País. Os primeiros a partirem são normalmente agricultores sem terra que perdem seu emprego quando falta chuva. Muitos emigrantes rurais são tanto refugiados ambientais quanto refugiados da economia.
  • A aceleração do derretimento de geleiras, predominantemente na China, Índia Subcontinental e nos Andes está aumentando os riscos de enchentes e reduzirá fortemente as reservas de água doce. O derretimento ou colapso das geleiras pode, eventualmente, ameaçar o lar de cinco em cada 100 pessoas.
  • O aquecimento pode induzir bruscas mudanças no padrão do clima em nível regional, como as chuvas de monção do Sul da Ásia ou o fenômeno El Niño. Mudanças essas que terão severas conseqüências em enchentes e no acesso à água. Como um sinal das coisas que virão o El Niño de 1997-98 ocasionou severas secas no Brasil, agravando os extensos incêndios florestais. A captura de peixes caiu em cinqüenta e três pontos percentuais (53 %).12 O clima da região Nordeste do Brasil pode passar de semi-árido para árido, que assemelha-se ao clima de deserto, sem chuvas.
Saúde humana:
  • Doenças provenientes de vetores como a malária e o dengue podem se espalhar ainda mais se não forem tomadas medidas efetivas de controle. Por exemplo, as enchentes resultantes do Furacão Mitch causaram um aumento de seis vezes na incidência de cólera na Nicarágua. A Organização Mundial da Saúde (OMS) estimou que no ano 2000, globalmente teriam havido 150.000 mortes causadas pelas mudanças do clima.
Sistemas ecológicos:
  • Os ecossistemas e suas funções são particularmente vulneráveis às mudanças do clima. Um estudo estimou que, na ausência de esforços sérios para reduzir o aquecimento global, um terço das espécies poderá ser extinta até o ano 2050.
Causas:
  • O estoque acumulado dos gases causadores do efeito estufa (incluindo dióxido de carbono, metano, óxido nitroso e inúmeros gases resultantes de atividades industriais) na atmosfera da Terra, está aumentando como resultado de atividades humanas. A Ciência é capaz de vincular as probabilidades do efeito e impacto da temperatura no meio ambiente natural associado a diferentes níveis de estabilização do efeito estufa na atmosfera.
O IPCC projeta um aquecimento entre 1,4°C e 5,8°C para os próximos cem anos sem controles de emissões e de 2°C a 3°C mesmo com mitigação na liberação de gases. O Relatório Stern projeta que, mesmo que as emissões anuais não aumentem acima dos índices atuais, há entre 77% e 99% de probabilidade que a temperatura global média venha a aumentar em 2% até 2050.
  • O aquecimento é causado principalmente pelo efeito acumulado da queima de combustíveis fósseis (petróleo, carvão, gás natural), que são principalmente consumidos em países industrializados. Desde 1850, a América do Norte e a Europa têm produzido aproximadamente 70% de todas as emissões de CO2 devido à produção de energia, enquanto os países em desenvolvimento são responsáveis por menos de um quarto. Entre 1900 e 1990, América Latina e África foram responsáveis por somente 4% e 2,5%, respectivamente, da queima de combustíveis fósseis.
As emissões não-energéticas resultam principalmente da emissão de metano e dos resíduos agrícolas e de mudanças no uso da terra. O desmatamento extensivo produz emissões substanciais posto que o dióxido de carbono armazenado nas plantas e no solo oxida-se e escapa de volta à atmosfera como CO2. As mudanças do uso da terra e atividades florestais tem contribuído com aproximadamente, 25% das emissões globais.21

Agricultura Familiar e o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo

Potencias soluções:
  • A mudança do clima é um problema global e, para reduzir significativamente ou limitar seus impactos, requer uma ação global coordenada, ou seja, ações unilaterais não serão suficientes.
As soluções iniciais para esse problema passam por uma maior e melhor informação. O fomento a uma compreensão compartilhada da natureza da mudança do clima e suas conseqüências é fundamental na formação do comportamento, assim como no fortalecimento das ações nacionais e internacionais.
  • Embora as medidas para reduzir as emissões, como o melhoramento na eficiência energética, o uso de energias renováveis, a minimização do desperdício e o manejo sustentável das florestas sejam custo-efetivas, poderá haver barreiras que impeçam as ações. Medidas reguladoras, como padrões mínimos, podem ter um importante papel, proporcionando clareza e entendimento.
A estabilização de concentrações de GEE na atmosfera é factível e coerente com o crescimento econômico (dentro de uma ‘nova economia’). A demanda por bens e serviços, que são emissão-intensivos, deve ser reduzida, enquanto a mudança para tecnologias energéticas menos intensivas em carbono torna-se mais atraente. A redução de emissões não-energéticas como a suspensão do desmatamento é urgente.
  • O aquecimento global, em termos econômicos, é resultado do fracasso do mercado em refletir a totalidade dos custos sociais dos GEEs. O estabelecimento de um preço para o dióxido de carbono, através de uma taxa ou comércio, é um marco fundamental para as políticas de mudança do clima. Através desse mecanismo, as pessoas e empresas podem confrontar-se com todo o custo social de suas ações e, assim, elas podem ser incentivadas a se afastarem de bens e serviços emissão-intensivos em carbono e investir em alternativas menos intensivas em carbono.
Para além das quotas de emissões ou impostos ao carbono, também é requerida uma ação pública corretiva mais consistente, no sentido de fortalecer a capacidade das regiões mais pobres de se adaptarem ao inevitável aquecimento global, sempre e quando o custo de tal ação não exceda os benefícios. Os investimentos na prevenção e mitigação geralmente são custo-efetivos.

Em direção a um acordo global:
  • O aquecimento da Terra é, realmente, um problema global que ultrapassa fronteiras e é essencial criar instituições e acordos regionais e internacionais como parte da solução.
A Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (CQNUMC) estabelecida na Conferência das Nações Unidas de Meio Ambiente e Desenvolvimento de 1992, realizada no Rio de Janeiro, tem associados em praticamente o mundo inteiro. Seu principal objetivo é estabilizar as concentrações GEE na atmosfera e contrapor-se a à idéia de que é inevitável o aumento da temperatura. Reconhece “responsabilidades comuns, porém diferenciadas” nas causas da mudança do clima e as respectivas ações necessárias para sua solução. É requerido dos países desenvolvidos que tomem a liderança para reduzir ou limitar suas emissões, bem como que apoiem os países em desenvolvimento a se adaptarem aos inevitáveis impactos.
  • O esquema do Protocolo de Quioto do CQNUMC foi acordado em 1997 e entrou em efetividade em 2005. É requerido que as partes dos países desenvolvidos reduzam suas médias coletivas de emissões para o primeiro período de compromisso (1/1/2008 a 31/12/2012) em 5,2%, usando seus níveis de emissões de 1990 como ano-base. As partes dos países em desenvolvimento não estão obrigadas a reduzir suas emissões no primeiro período comprometido, em reconhecimento a que o desenvolvimento econômico e social e a diminuição da pobreza são sua primeira e maior prioridade.
Em lugar de desenhar um instrumento de regulação tipo “comando e controle” e multas pelo não-cumprimento, o Protocolo tem optado por um sistema de comércio de emissões para melhorar a relação custo-benefício. As quotas nas emissões (ou permissões) tentam ser estabelecidas no sentido de serem nem tão restritivas que se tornariam inalcançáveis, nem tão lenientes que fossem consideradas insignificantes. A flexibilidade no tempo e lugar facilita que os objetivos de elevada redução possam ser estabelecidos e também que indústrias de países industrializados tenham o tempo e os meios para atingir os níveis de reduções necessários. Isso consiste em três “mecanismos flexíveis”:
  • Comércio Internacional de Emissões – Os países industrializados que cumpriram seus compromissos podem vender seus excedentes dos compromissos de limitação e redução de emissões assumidas para outros países industrializados.
  • Implementação Conjunta – As reduções de emissões são adquiridas dos projetos de redução de GEE em outros países industrializados (geralmente projetadas para economias em transição).
  • Mecanismo de Desenvolvimento Limpo – Reduções certificadas de emissões (RCEs) são adquiridas de projetos em países em desenvolvimento.
Conseqüentemente, o MDL é desenhado para o comércio de RCEs entre países industrializados e em desenvolvimento. A idéia é que a redução de emissões ou remoções de CO2 da atmosfera são benéficas apesar da localização. Assim, o esquema dará incentivos globais para a atividade econômica “verde” em toda parte. Também, reduzir emissões de gases de efeito estufa e/ou remover CO2 em países em desenvolvimento pode ser mais custo-efetivo.

Como funciona o MDL?
  • Para certificar as RCEs, um projeto deve provar satisfatoriamente que as atividades do projeto proporcionam benefícios mensuráveis, reais e de longo prazo relativos à mitigação da mudança do clima; que está contribuindo com os objetivos de desenvolvimento sustentável no país no qual as atividades do projeto foram implementadas e que, na ausência do incentivo financeiro das RCEs, o projeto não poderia ocorrer. 
O Conselho Executivo para o MDL pode aprovar metodologias que estimem, monitorem e meçam, com precisão, as emissões de gases de efeito estufa e/ou remoções de CO2. Auditores externos, ou entidades operacionais designadas, validam as propostas e verificam os resultados. RCEs, uma vez emitidas, são boas para cumprir os compromissos quantificados e, uma vez compradas por um país industrializado não podem ser repassadas para outro. Atualmente, as RCEs são comercializadas globalmente via instrumentos financeiros de futuro e nos mercados de opções. 
  • Os preços variam dependendo, entre outras coisas, do risco percebido associado à efetivação da emissão dos RCEs e sua certificação.
Mercado de carbono:
  • Existe não somente um mercado, mas uma série de mercados de carbono relacionados. Esses compartilham o atributo comum de usar instrumentos com base de mercado ou instrumentos econômicos para alcançar a meta comum de estabilização das concentrações de gases de efeito estufa na atmosfera. 
O Mercado de Quioto é o mais renomado e o maior mercado, em termos de volume. O Sistema de Comercialização de Emissões da União Européia (EU ETS), até agora o maior em termos de valor, é semelhante a um mercado dentro do Mercado de Quioto ou a um esquema tributário, enquanto que o Sistema de Comercialização de Emissões do Reino Unido é um precursor experimental para Quioto. Mercados regionais e sub-regionais, assim como os que estão em Nova Gales do Sul e Chicago, têm diversos arranjos de compromisso. Existem também, mercados de carbono voluntários, em que o compromisso não é obrigatório, porém, demonstrável. Esses são impulsionados por entidades e indivíduos que desejam voluntariamente ‘neutralizar’ suas emissões de GEE.
  • Em 2005, os mercados globais no agregado foram avaliados em US$ 10 bilhões de dólares. No primeiro trimestre de 2006 o total das transações alcançou um valor de US$ 7,5 bilhão, o que fez com que se prognosticasse que o mercado poderia ser avaliado entre US$ 25-30 bilhões em 200626. A maioria desse comércio é entre países industrializados através do denominado Comércio Internacional de Emissões (IET), entretanto, o valor do MDL ficou em torno de 28% desse mercado em 2005.
A demanda por RCEs é dominada por entidades privadas da Europa e do Japão. Mas, é evidente que numerosos países não conseguirão alcançar as quotas negociadas e terão que negociar em emissões através de diversos mecanismos. Prospectos de projeto com base de mercado são bastante sólidos dado que diversos governos da União Européia têm se comprometido na compra de créditos relativos aos acordos de Quioto.
  • Até 2006, setenta e oito países em desenvolvimento têm estabelecido autoridades nacionais para desenvolver projetos de MDL e espera-se que outros se juntem. A oferta está distribuída entre esses países, porém China, Índia e Brasil dominam a parte de vendas do mercado.
A maior parte do comércio de MDL é em redução de emissões de hidrofluorocarbonos (HFCs) e outros gases (e.g. redução de emissões de metano na mineração e aterros, N2O da indústria, etc.) e em redução de emissões em função da transição para geração de energia renovável (micro e pequenas centrais hidrelétricas, eólica, solar, biomassa e outros).

MDL: um novo caminho?
  • Dado que a agricultura responde por mais de 40 % do trabalho na América Latina e Caribe e 70% na África, justifica-se o investimento de recursos nesse setor para a redução de desigualdades e pobreza extrema de uma grande parte da população. Em muitas regiões tropicais, particularmente nas áridas e semi-áridas, os agricultores vêm enfrentando, com dificuldades, as condições climáticas atuais e um aquecimento maior trará elevados custos e poucos benefícios. Desse modo, são imperativos investimentos em ações de mitigação da mudança do clima.
Os sistemas agrícolas diversificados, em oposição às monoculturas comerciais, têm repetidamente demonstrado ser mais resilientes (ou menos vulneráveis), porquanto têm maior capacidade de recuperação de um estresse (e.g. seca) ou choque (e.g. enchente)33 e exercem menos pressão nos sistemas hidrológicos da região. Em terras marginais abastecidas por água de chuvas irregulares, em condições de solos pobres, e com alta declividade, esses sistemas podem garantir um melhor sustento, ao mesmo tempo em que se beneficiam do conhecimento tradicional e local. 
  • Os sistemas agroflorestais, onde árvores e culturas anuais ocupam a mesma área que incluem espécies fixadoras de nitrogênio, podem melhorar os níveis de nutrientes do solo, reduzir o uso de fertilizantes sintéticos que produzem GEE, e aumentar a absorção natural e a manutenção do carbono no solo.
Tais sistemas produtivos se diferenciam pela elevada interdependência entre a conservação dos recursos naturais e a reprodução sócio-cultural das sociedades que estão gerindo os recursos. As famílias agricultoras, ao aplicar técnicas agroflorestais, aumentam a sua resiliência econômica e social e, simultaneamente, proporcionam muitos serviços ambientais, que incluem a conservação da biodiversidade, a proteção de sistemas fluviais, o aumento na produtividade do solo e a manutenção e regeneração da vegetação nativa. 
  • Enquanto alguns serviços são locais ou regionais, assim como a redução da vulnerabilidade à erosão e ao deslizamento de terras, outros serviços, como a remoção natural e o armazenamento de carbono são globais, pois contribuem para a manutenção do equilíbrio climático no mundo todo.
O valor desses serviços é demonstrado através dos custos sociais relativos à sua ausência ou à sua sub-provisão. Para que esse valor seja ‘capturado’ ou materializado, deve haver pagamentos aos que proporcionam esses serviços. O MDL tem desenvolvido modalidades para prover esse tipo de pagamentos.
  • Os agricultores familiares, pelo menos em teoria, quando atuando de forma coletiva, seriam capazes de produzir pelo menos duas formas de bens/serviços públicos globais. Um desses serviços é a remoção do dióxido de carbono da atmosfera através da fotossíntese e o subseqüente armazenamento do carbono na vegetação e solos (biomassa viva).36 Um outro serviço potencial é o uso de alternativas energéticas descentralizadas e carbono-neutras (eólica, biogás, fotovoltaico, microcentrais hidrelétricas, etc.) reduzindo ou evitando emissões da queima de combustíveis fosseis. 
O estudo focaliza o primeiro tipo de serviço principalmente por duas razões. Primeiro, porque projetos florestais fortaleceriam o que esta sendo feito por muitos atores da agricultura familiar. O uso de alternativas energéticas, embora esteja dentro das possibilidades para os produtores familiares, é um tema que talvez não esteja nas agendas de curto ou médio prazo das associações e organizações de apoio. Segundo, as atividades de florestamento não só mitigam o problema, mas também oferecem uma estratégia para comunidades mais vulneráveis se adaptarem aos impactos das mudanças climáticas inevitáveis.

Agricultura Familiar e o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo