domingo, 24 de janeiro de 2016

Os Pilares para Construção do Futuro

Um Olhar sobre a Realidade da Construção Civil

  • Ao olhar a realidade da Construção Civil nos deparamos com suas repercussões na construção/destruição dos contextos de vida da sociedade, isso fica bastante claro se observarmos as considerações feitas pelos próprios engenheiros, sujeitos de estudo realizado.
(...) o lado técnico é bonito, você vê o equilíbrio, todas essas cargas que estão aí, maravilhosamente, (...), mas basta viver dentro de um ambiente como esse aqui que a gente vê que não é bom. Alguém está sendo prejudicado (...) (Ipê olhando para a foto área do centro de Florianópolis)
Nós estamos numa cidade que é uma ilha e não temos lugar para andar no meio da cidade. Temos a Beira– Mar onde tem de atravessar o rio de carros pra chegar lá e não tem mais nada, não tem pontos de encontro, convívio. (...) Quando eu voltei da Europa o pessoal dizia que aqui era uma maravilha, eu me sentia mais claustrofóbico aqui dentro, do que em Londres (Flamboyant)
(...) eu cheguei aqui há 12 anos, tinha prédios históricos, casas e casarões lindíssimos na Mauro Ramos, e, hoje, foi tudo destruído (...) antes tinha áreas livres onde poderiam ter sido feitos os espigões, só que se faz um espigão de cada lado da casa. (...) o que mais entra é a questão financeira e o construtor vai aproveitar a maior área possível que a lei permite para ele tirar mais. (Carvalho) (...) A casa do Governador Celso Ramos poderia ter sido usada para outra coisa, ter prédios em volta, e aquela área ser urbanizada, (...) fizeram um monte de espigão que ficou horrível, é o pensamento (Flamboyant).
Não existe isso de pensar em não prejudicar o outro, se as laterais do terreno permitem que eu possa fazer 3 metros das extremas, não tem porque não fazer, a lei me dá o direito de ir até ali. (Agave)
O que a gente nota na Construção Civil é que todos querem levar benefícios, se eu posso construir um prédio de 12 pavimentos e tenho uma transferência de índice podendo colocar mais dois pavimentos, não importa se tem o prédio do lado com dez, vai fazer de quatorze porque a lei permite. Aconteceu do lado do prédio onde moro, uma construtora fez um prédio com afastamento, recreação na frente, mas depois ela mesma fez outro prédio na frente e tirou toda visão do prédio anterior, a mesma construtora fez isso, imagino outra. (...) Nenhum empresário na Construção Civil vai fazer uma coisa porque vai ficar bonito pra cidade, vai perder dinheiro. Todo mundo quer fazer os prédios maiores pra ter lucro. 
A construção civil se beneficia desse crescimento de Florianópolis, é o setor que mais se desenvolve na cidade, mas ela pouco beneficia a cidade. (...) a construção é um mau necessário. (Camboatá)
  • Que a construção é necessária, seja do ponto de vista da sociedade como um todo que precisa dos aparatos concretizados pela indústria da construção, ou do ponto de vista dessa que precisa sobreviver no mercado tendo lucro também, isso é indiscutível, a questão é: será que ela precisa ser um mau?
Será que uma mudança na visão dos profissionais da área não seria o caminho para mitigar esse “mau”? Afinal, é impossível eliminar impactos quando da realização de uma construção, seja qual for, mas é possível reduzir a sua interferência tomando alguns cuidados, atentando para os diversos aspectos envolvidos, ampliando o espectro da visão.
A obra de engenharia civil: uma barragem, uma ponte é impactante. Se abre uma estrada, constrói um prédio, as interferências são grandes, Então o que o engenheiro civil hoje tem que fazer é não deixar de construir, mas racionalizar da melhor maneira possível de maneira a mitigar impactos; procurar utilizar materiais mais próximos, o itinerário mais adequado para ferir menos a vegetação, o rio. Antigamente não se levava muito em consideração esse ambiente, só levava em consideração o fator econômico. (Caroba)
Qualquer obra de construção civil ela tem um impacto, mesmo a casinha de 70m2, aquela de moradia econômica, se ela for utilizar concreto, por exemplo, imagina o impacto que gerou para produzir esse cimento, ou o plástico das tubulações (...) tem um livro que traz uma discussão a respeito de estudar os efeitos anteriores da produção, porque aí que está o grande xis da questão. (Murici)
Essas falas dos sujeitos nos fazem pensar melhor sobre as transformações que a construção civil provoca em nosso viver, tanto durante a fase de execução, como a “posteriori”. Essas transformações, na perspectiva da sustentabilidade, são, na grande maioria das vezes, negativas, constituindo-se um problema que se intensifica com o agressivo crescimento urbano da atualidade.
  • Ao ampliarmos nosso olhar, facilmente perceberemos que este setor de trabalho desenvolve uma grande diversidade de atividades na sociedade, e assim sendo, exerce significativa influência na sua organização.
Podemos vislumbrar essa relação entre construção civil e sociedade, olhando para a rede de transportes de um país e a complexa interferência que ela proporciona nos mais diversos aspectos envolvidos. A construção de uma estrada, por exemplo, interfere amplamente no ambiente em função da alteração direta que sua presença provocará em qualquer território. 
  • Este aspecto é comprovado pelo movimento de terras e de materiais produzidos nestes locais. Muito mais que isso, a construção de uma estrada implica reorganização urbana e relocação de contingentes populacionais, sem olvidar a opção por um ou outro tipo de transporte (rodoviário, ferroviário, fluvial).
Também se observarmos o setor de edificações, perceberemos que este modifica, com o passar do tempo, a organização de uma cidade, devido aos diferentes estilos arquitetônicos que vão se processando. Atentemos para o processo histórico dessa transformação, fazendo um paralelo entre as antigas construções, distribuídas pelo mundo, em cujo demorado processo de construção sofriam alterações de estilo arquitetônico, de materiais, e utilizações, e os modernos arranha-céus, executados em poucos meses, de forma tão distinta dos antigos, mas que, ainda assim, sofrem muitas destas modificações.
  • O processo de transformação seja de formas, de uso de materiais, de tempo de construção, do tipo de utilização das edificações, não tem uma causa única, é fácil percebermos. Estão envolvidos, nesse processo, fatores políticos, econômicos, culturais, tecnológicos, ligados uns aos outros como num emaranhado de fios que interferem, sob qualquer alteração, no desenho formado pelo seu entrelaçamento. 
Segundo Alva (1998, p. 206), o “metabolismo urbano está condicionado pelas características de ecossistemas e culturas locais, mas também pela economia global”. Em nossos centros mais urbanos, podemos perceber, com maior clareza, as transformações e atentarmos para os fatores que as desencadeiam.
Desenvolvimento pra mim é global, é um todo, se a cidade cresce num lado ela vai crescer num todo, isto é, se há um certo número de construções residenciais vai ter que ter um número de construções de comércio, um shopping, um estágio de futebol, um cinema. (...) se colocar uma academia do lado da minha casa é bom, mas vai ter transtorno, vai ter que ter estacionamento, vão vir mais pessoas que vão morar ali próximo, vai crescer, vai ter um desenvolvimento, vai ter que ter fazer um supermercado, uma farmácia, etc (...) tem que ter cuidado quando vai criar qualquer ponto, tem que pensar no todo, inclusive no saneamento básico, água, esgoto, energia elétrica tem que pesar tudo isso aí, não é só pensar nesse ponto mas, no que vem em volta dele. (Agave)
Do emaranhado de variáveis que interferem nas transformações da organização-desenho de nossas cidades, o conceito de “desenvolvimento” que nossa sociedade assumiu tem interferido significativamente no modelo de construção de nossos habitats. A qualidade de vida que estamos perseguindo enquanto sociedade está intimamente relacionada aos
conceitos que nossa sociedade instituiu para desenvolvimento/modernidade.
  • Quase como num consenso mundial, o significado atribuído a desenvolvimento/modernidade tem sido a aquisição e geração de bens materiais, a potencialização do domínio sobre o outro, de tal modo que ser desenvolvido ou moderno significa ser industrializado e urbanizado; é ser econômica e tecnologicamente dominante.
Cristovam Buarque mostra, em algumas de suas obras (1991, 1994), que há cem anos o Brasil vem percorrendo o caminho da “modernidade” com velocidade superior à de muitos países. 
No entanto, essa modernidade perseguida tem nos levado a diferenças sociais, econômicas, culturais... de grande amplitude, onde uma pequena parcela da população têm acesso ao que a “modernidade” oferece e outra enorme parte vive na miséria, morrendo de fome ou de doenças endêmicas e, se sobrevivem, podemos dizer então que “subvivem” sem educação, com doenças causadas por falta de higiene, sem casa ... 
O conceito de modernização, que temos, é perverso, fazendo conviver o maior luxo ao lado da miséria,
como pode ser visto, segundo Caldeira (2000), no bairro Morumbi, em São Paulo no qual os prédios
com piscinas individuais têm vista para a favela ao lado.
Nas últimas décadas, especialmente nos últimos anos, o Brasil vem caminhando para a apartação. A estrutura nacional funciona em blocos divididos, embora economicamente interligados: as escolas, as lojas, os hospitais, a visão do futuro, os biotipos, os gostos, o próprio idioma vão se separando entre um grupo e outro que formam uma única economia. Os condomínios fechados, as ruas bloqueadas, os shopping centers isolados são exemplos de um país que forma a sua estrutura de apartação. (BUARQUE, 1991, p. 21) 
De acordo com Buarque (1991) e Caldeira (2000), os condomínios fechados têm sido apresentados como símbolos da modernidade, contra a violência, que também faz parte dessa modernidade. E nesse contexto a construção civil desenvolve aparatos “modernos” para uma sociedade que não se moderniza.
(...) Modernizam a engenharia para não modernizar a sociedade. Não consideram que uma sociedade sem necessidade de muralhas para separar as classes e castas e guetos em blocos apartados pode ser o símbolo mais contemporâneo de modernidade do que a construção de condomínios. Defendem uma solução técnica aparentemente nova para o problema da desigualdade fabricada pela modernização. (BUARQUE, 1991, p.19).
Temos, pois, um conceito insatisfatório de desenvolvimento/modernidade, aceitando como boa e inevitável a atual estrutura socioeconômica com a qual se identifica.Precisamos modernizar nosso conceito de modernidade, no sentido de identificação e satisfação das necessidades humanas, materiais e não materiais, social e culturalmente determinadas. 
  • Segundo Buarque (1991), precisamos assumir modernidade centrada nos conceitos de saúde pública, educação, igualdade, confiança no futuro, harmonia social, liberdade individual, conceitos que a modernidade, que atualmente perseguimos, não considera. Precisamos assumir a busca por uma qualidade de vida diferente daquela que considera o ter mais que o ser e o estar com outros seres.
Como vimos, os nossos conceitos, condicionados por nossa cultura, é que formam a organização da sociedade e de tudo o que desenvolvemos. Do mesmo modo, ocorre com as obras de engenharia, cuja inclusão em dado contexto cria outras condições, outra qualidade de vida. Toda e qualquer obra de engenharia interfere no ambiente natural e construído promovendo transformações, mudando a maneira como as pessoas vivem, consomem, trabalham e usam o tempo de lazer.
  • O modelo assumido pela arquitetura-engenharia “moderna” está inserido num processo de apartação social, seja entre classes sociais, seja entre indivíduos. Cada vez mais, as pessoas não convivem na vizinhança, mesmo de “iguais”, como é o caso dos condomínios fechados.
Segundo a autora, as pessoas das classes média e alta têm procurado viver em “enclaves fortificados”,
que seriam conjuntos de escritórios, shopping centers e condomínios residenciais fechados, bem como
outros espaços que vem sendo adaptados a esse modelo, como escolas, hospitais, centros de lazer e
parques temáticos.
Aqueles que escolhem habitar esses espaços valorizam viver entre pessoas seletas (ou seja, do mesmo grupo social) e longe das interações indesejadas, movimento, heterogeneidade, perigo e imprevisibilidade das ruas. Os enclaves privados e fortificados cultivam um relacionamento de negação e ruptura com o resto da cidade e com o que pode ser chamado de um estilo moderno do espaço público aberto à livre circulação. Eles estão transformando a natureza do espaço público e a qualidade das interações públicas na cidade, que estão se tornando cada vez mais marcadas por suspeita e restrição. (CALDEIRA, 2000, p. 259)
O espaço construído não é um tipo de cenário neutro; ele influencia a qualidade das interações sociais que nele acontecem. Como afirma De Certeau apud Caldeira (2000, p.302): 
  • “As cidades ‘metafóricas’ que as pessoas constroem em suas práticas cotidianas de espaço são inevitavelmente diferentes em uma cidade moderna aberta e em uma cidade de muros”. A vida cotidiana na cidade de muros reforça a incivilidade, intolerância e discriminação, valores opostos aos ideais da vida moderna (CALDEIRA, 2000), e que poderíamos resumir como apartação.
Nessa busca de apartação do diferente, as pessoas estão gerando também uma apartação em relação à natureza, pois, podemos observar que, em muitas das construções todo o terreno é utilizado como área construída, e quando sobram áreas não edificadas, elas são calçadas – é mais prático e mais “limpo” do que um jardim. 
  • Muitas vezes, se há um jardim, poderíamos dizer, que ele é artificial, pois não tem nada do natural que existia antes, ele foi “construído”. Em outros casos, mesmo que se mantenha a natureza ao redor, com áreas arborizadas, por exemplo, as pessoas se mantêm em seus “castelos de vidro e concreto”, não entrando em contato com estas áreas.
Atentemos para os edifícios comerciais, imensas edificações de concreto e vidro, isoladas do exterior, abandonando o que a natureza oferece gratuitamente, como a brisa e a luz solar, para utilizar-se de iluminação e ventilação artificiais.
  • Não estamos, com isso, nos opondo ao uso de equipamentos artificiais que possam melhorar a qualidade dos ambientes; fazendo, porém, uma crítica ao abandono dos benefícios oferecidos pela natureza em prol, por exemplo, de aspectos “estéticos” – meramente plásticos. Assim, desconsiderando as qualidades naturais, artificializamos nossos ambientes.
Num sentido de menor artificilização dos ambientes construídos, de menor agressão ao ambiente, Alva
(1998) aponta o ecodesenho como um caminho. Ecodesenho ou desenho ambiental, segundo o autor, é uma forma de desenho que concede importância aos fatores ambientais e culturais com um profundo significado ecológico. Ele traduz fatores sociais, econômicos e culturais em meio ambiente construído.
  • A idéia do desenho ambiental urbano transcende a simples manutenção e restituição do equilíbrio perdido entre sociedade e natureza, para citar, de forma deliberada um entorno humano harmonioso, de qualidade ambiental superior à oferecida pelas condições naturais do lugar. A evolução da espécie requer que seu habitat seja não só ecologicamente eficiente, mas também culturalmente expressivo em termos semióticos e estéticos. (ALVA, 1998, p. 208).
Temos exemplos de possibilidades de construirmos nosso habitat, em escala macro (cidade) e micro (edificações) de modo integrado ou não com a natureza e cultura dos seres humanos a que se destinam as obras, mas isso depende, em muito, de nós profissionais da construção, ainda que, também, de uma conjuntura econômico/administrativa.
  • Então, como profissionais da Construção dos ambientes de vida, precisamos transpor esse modelo de modernidade que vimos seguindo que é o desenvolvimento econômico e tecnológico, o qual tem, acima de tudo, gerado a apartação, de modo que, em nosso país, como num mosaico, modernidade e atraso se misturam, buscando outro modelo de desenvolvimento que pelo menos minimize esse processo de apartação tanto social como da natureza.

Os Pilares para Construção do Futuro

A Sustentabilidade Trazendo Dimensões éticas e Estéticas:
Nas Construção dos Ambientes de Vida:
  • Como vimos, o paradigma que vem orientando o desenvolvimento da atividade profissional na Construção Civil, segue ainda as teorias de desenvolvimento do século XX, baseadas na crença de que os avanços científicos e tecnológicos e o crescimento econômico podem promover o desenvolvimento social, melhorar a qualidade de vida e reduzir as desigualdades, muito embora essas teorias não tenham sido confirmadas pela História. 
Pelo contrário, o crescimento econômico e tecnológico trouxe consigo o aumento da pobreza e da desigualdade social, e o reconhecimento da impossibilidade ecológica e econômica de os países subdesenvolvidos seguirem o caminho trilhado pelos países industrializados.
  • No que tange, mais especificamente, à construção civil, esse modelo de desenvolvimento tem promovido a transformação das cidades em verdadeiras selvas de pedra e metal, que são construídas para dar lugar aos aparatos tecnológicos criados pelo progresso, mais do que aos seres humanos e ao seu convívio.
Este é um século em que, definitivamente, nenhum de nós, visto que vivemos em laços (redes) humanos e ambientais, está se sentindo ‘em casa’; ao contrário, há uma inquietude e sentimento de sufoco a ser solvido, de deslocamento em relação ao mundo que se constrói, de perplexidade frente à ‘Maquina’ econômico civilizacional que rege, de diversas formas, as sociedades globais. (PELIZZOLI, 1999, p. 94).
Felizmente, essa inquietude deflagrou uma crise paradigmática. A manutenção desse modelo vem sendo abalada, pois são cada dia mais crescentes os questionamentos da sua validade. Questionamentos que fazem emergir diversos movimentos para superação desse paradigma. Movimentos estes que despertam a consciência da degradação do ambiente natural (natureza) e construído (cultural) de vida humana, mostrando a necessidade de substituir o atual padrão de desenvolvimento por outro que, conforme afirma Vieira (1997, p. 129) “possa reduzir o desperdício, reciclar materiais, empregar recursos e energias renováveis, assegurando uma produtividade sustentada de longo prazo e promovendo a seleção de objetivos sociais de crescimento, sem prejuízo de uma modernização tecnológica e de uma inserção autônoma no processo de globalização econômica e política”. Ou seja, um padrão de crescimento que não necessariamente leve à destruição de nosso bem mais precioso, a natureza, de onde obtemos todos os recursos de que necessitamos e da convivialidade dos homens.
A crise socioambiental é hoje o mote alarmante que pôs em xeque o modelo de desenvolvimento econômico ‘capitalista’ (baseado na acumulação, monetarização excessiva e especulação financeira, na capitalização de minorias e na dilapidação dos indivíduos e da natureza), conjuntamente com as formas civilizacionais vigentes (urbanização, relações sócio-institucionais, cultura de massa, controle da informação e comunicação social), as quais, emolduradas pelo padrão ‘econômico’ deste sistema (pelo mercado), apontam para a necessidade efetiva gradual do que se mantém neste grande progresso. (PELIZZOLI, 1999, p. 112).
Por muito tempo estivemos adormecidos voluntariamente, cegados pela crença nos benefícios sociais decorrentes do desenvolvimento científico e tecnológico. Só a partir do momento em que reflexos negativos deste desenvolvimento começaram a avolumar-se é que começamos a nos dar conta de que isso tinha uma causa. Era ela a nossa maneira de ver o mundo, as regras de desenvolvimento vigentes ou, melhor dizendo, o paradigma que vinha e ainda vem guiando, em grande parte, os processos de nosso desenvolvimento.
  • Lemkow (1992) nos mostra que os frutos da “visão de túnel”, que viemos usando por muito tempo, nos batem diretamente nos olhos, como um forte feedback. Como afirma, “o que as pessoas acreditam e o que elas fazem está intimamente ligado, e o que elas acreditam e fazem afeta não apenas a elas mesmas, mas a todos nós, porque ‘nós’ estamos intimamente ligados uns aos outros”. 
A nossa visão de mundo e os valores que a acompanham determinam em grande parte o tipo de mundo que de fato desenvolvemos e no qual temos de viver. Somos ‘criadores’, individual e coletivamente do mundo onde vivemos.
  • Então, o que nos cabe, nesse momento, é perceber que não existe neutralidade em nada que desenvolvemos, tudo já nasce condicionado por nossa estrutura mental, ligado a uma constelação de crenças, valores, técnicas, interesses ..., dependente das escolhas feitas, do direcionamento dado às realizações, do paradigma assumido.
Thomas Kuhn (1998, p.148) acredita que alguma coisa semelhante a um paradigma é um pré-requisito para a própria percepção. “O que um homem vê depende tanto daquilo que ele olha como daquilo que sua experiência visual-conceitual prévia o ensinou a ver”.
  • A transição de um paradigma para outro se caracteriza por uma crise, que é pré-condição para o aparecimento de novas teorias. Kuhn (1998) assegura que a transição para um novo paradigma é uma revolução científica, o que vem a ser aqueles episódios de desenvolvimento não-cumulativo, nos quais um paradigma mais antigo é total ou parcialmente substituído por um novo, incomparável com o anterior. 
Assim, a alteração paradigmática ocorre quando uma geração de cientistas produz uma nova síntese, a antiga se extingue e dá lugar a uma nova geração que adere ao novo paradigma.
  • Todos os movimentos que surgiram e ainda estão surgindo nos mostram que é em um destes momentos de transição paradigmática que se encontra a comunidade científica, bem como toda a nossa sociedade, nos dias de hoje. O nosso mundo está em crise, provocada por lacunas e falhas do paradigma reinante e suas extrapolações. 
A felicidade prometida pelas aplicações da ciência moderna (tecnologias) está se transformando no seu contrário. Então, nesse momento, se faz necessária uma significativa mudança de valores, uma mudança do padrão de nosso desenvolvimento, ou mesmo do nosso padrão de vida, do paradigma que nos guia.
  • Para Vieira (1997, p. 130), a discussão desse novo padrão se impõe, até mesmo por razões de ordem ética. Não se aceita que a geração atual, para sobreviver, destrua as condições de sobrevivência das gerações vindouras: “todos nós neste planeta compartilhamos um futuro comum: morreremos ou sobreviveremos juntos”.
Capra (1996) ensina que essa mudança de padrão, ou de paradigma, requer uma expansão de nossas percepções, de nossa maneira de pensar, de nossos valores. Requer equilibrar valores focados no individual, na auto-afirmação, tais como a competição, a quantidade, a dominação, com valores focados no total, na integração, como a conservação, a qualidade, a cooperação. 
  • Requer passar do pensamento racional para o intuitivo, do reducionismo para o holismo, do pensamento linear para o não linear, vendo o individual e o total num mesmo continuum, ou usando da física quântica, vendo a partícula e a onda como um mesmo ser.
Se olharmos a construção civil a partir desses novos valores, tendo como ideologia o desenvolvimento sustentável que está voltado ao mesmo tempo para o individual (parte) e para o coletivo (total), evidencia-se que a indústria da construção civil tem também um papel social e ecológico e, portanto, não pode permanecer desvinculada da sociedade onde se insere e dos seres humanos com e para os quais trabalha, ou seja, seus clientes internos e externos.
  • Pensando nisso, algumas empresas de outros setores produtivos já vem mudando o foco, assumindo a responsabilidade social interna e externamente, assumindo princípios éticos e estéticos em todas as suas atividades e tomadas de decisão. Na indústria da construção civil, porém, basta olharmos para os seus trabalhadores, para as condições de trabalho e vida que eles apresentam e para a transformação provocada no ambiente natural e cultural, para percebermos que ela está longe disso; que está ainda centrada nos fatores técnicos e econômicos do desenvolvimento.
Então fica forte a sensação de uma necessária mudança da consciência da coletividade ativa do setor da Construção Civil; uma mudança nos paradigmas que guiam a sua trajetória. Destaca-se que este setor precisa, mais do que nunca, pensar sobre “o que”, “como”, “para quê” e “para quem” está produzindo, ou seja, qual o significado de sua produção para a sociedade, para a natureza e para a vida humana. 
  • Precisam assumir o desafio de mudar os paradigmas que aí estão para modelos que possibilitem outras formas de pensar-fazer o mundo, especialmente de repensar as nossas formas de produção, incluindo a produção de conhecimento dessa área.
A Sustentabilidade: 
Como Novo Modelo de Desenvolvimento:
  • Tendo em perspectiva uma Construção Civil inserida no paradigma Holístico-Ecológico, de modo que ela se volte para o desenvolvimento sustentável no contexto urbano, se faz necessário a mudança dos princípios éticos e estéticos assumidos atualmente por seus profissionais. 
Essa mudança requer a assunção pelos profissionais, de uma postura de cuidado pela vida embasada em princípios éticos e estéticos do viver individual e coletivo no sentido da sustentabilidade como princípio fundamental para o modelo de desenvolvimento a ser seguido.
  • A sustentabilidade é o conceito fundamental subjacente ao ecodesenvolvimento ou desenvolvimento sustentável, pois ela é o referencial desse modo de desenvolvimento que se insere no novo paradigma. 
Acreditamos que a idéia da Sustentabilidade vem, em parte, da conscientização humana da finitude dos recursos oferecidos pela natureza (mineral, vegetal e animal) ao longo do tempo. 
  • Não tem o significado de não tocar na natureza, e sim de se fazer uso dos recursos naturais sem destruí-los, sem ultrapassar sua capacidade de recuperação (resiliência), sem excluir as possibilidades de seu uso pelas gerações futuras.
A noção de cadeia alimentar é importante na construção dessa consciência, pois podemos pensar que cada elemento, seja animal, vegetal ou mineral, é o alimento de outro e, se destruirmos um único que seja, estaremos desencadeando a destruição de toda a cadeia, a longo prazo. Talvez, para o presente, uma perda ainda não seja tão danosa, mas se pensarmos nas gerações futuras, precisamos manter inteira a cadeia.
  • Entendemos, baseando-nos em Sachs (1986), que sustentabilidade consiste na idéia de minimizar as mudanças irreversíveis, deixando abertas as possibilidades para o presente e o futuro, numa escala de tempo bastante ampla. 
Consiste na consciência de que não estamos sós, que todos fazemos parte de uma rede, e que cada nó destruído dessa rede destrói um pouco de cada um dos demais nós, dentre os quais somos um e a nossa qualidade de vida depende da vida desse todo.
“Sustentabilidade é um relacionamento entre sistemas econômicos dinâmicos e sistemas ecológicos maiores e também dinâmicos, embora de mudança mais lenta, em que: a) a vida humana pode continuar indefinidamente; b) os indivíduos podem prosperar; c) as culturas humanas podem desenvolver-se; d) os resultados das atividades humanas obedecem a limites para não destruir a diversidade, a complexidade e a função do sistema ecológico de apoio à vida” (Constanza apud SACHS, 1993, p. 24).
Embora a percepção da necessidade de se manter dentro de limites de recuperação tenha se iniciado e ainda se mantenha focada na dimensão da natureza, é preciso que se amplie o espectro daquilo que precisa ser mantido, que não deve ser destruído, como por exemplo, a diversidade cultural. A idéia de sustentabilidade, então, não se restringe aos seres da natureza, envolve também outras dimensões: 
  • Sustentabilidade Social; 
  • Sustentabilidade Cultural; 
  • Sustentabilidade Econômica; 
  • Sustentabilidade Ecológica; 
  • Sustentabilidade Espacial; 
  • Sustentabilidade Política; 
  • Sustentabilidade Temporal; 
  • Sustentabilidade Técnica; 
  • Sustentabilidade Relacional ou Convivial. (COLOMBO, 2004)
Ao falar sustentabilidade, então, consideramos todas essas dimensões, entendendo-a como uma qualidade para uma forma de desenvolvimento que objetiva melhorar a qualidade de vida do todos os seres de hoje e de amanhã, nas diferentes dimensões da vida.

Desenvolvimento Sustentável: 
Uma resposta da atitude ética e estética do viver individual-coletivo
  • Sustentável, segundo Ferreira (1986), é aquilo que se pode manter. Então, mais especificamente podemos entender sustentável como uma propriedade de respeito à capacidade de um dado sistema absorver impactos externos (resiliência), mantendo um dado nível de qualidade de vida. 
  • Desenvolvimento Sustentável então modifica o conceito positivista de desenvolvimento, que Consoante Diegues (1992), tem como valor o crescimento econômico e o avanço tecnológico, e a crença na industrialização como seu motor, para um conceito mais amplo que como afirma Montibeller-Filho (2001, p. 45), deixa patente a preocupação com os aspectos sociais e ambientais, no mesmo grau dos econômicos.
A definição de desenvolvimento sustentável baseia-se conjuntamente nos dois princípios éticos do ecodesenvolvimento (conceito que antecedeu o de desenvolvimento sustentável): o comprometimento sincrônico – com a população contemporânea – que desloca o enfoque da lógica da produção para a ótica das necessidades fundamentais da população, ou seja, o desenvolvimento volta-se ao atendimento das necessidades sociais mais prementes que dizem respeito à melhoria da qualidade de vida de toda a população; e a solidariedade diacrônica – com as gerações futuras – expressa no cuidado de preservar o meio ambiente e as possibilidades de reprodução da qualidade de vida para as gerações posteriores. (SACHS, 1983; MONTIBELLER-FILHO, 2001)
  • Desenvolvimento sustentável, consoante ao Relatório Brundtland (CMMAD, 1988), é a forma de desenvolvimento que busca atender as necessidades do presente sem comprometer a capacidade de as gerações futuras atenderem também às suas.
Conforme Montibeller-Filho (2001), o conceito de desenvolvimento sustentável e equitativo foi colocado como um novo paradigma, tendo como princípios: integrar conservação da natureza e desenvolvimento; satisfazer as necessidades humanas fundamentais; perseguir equidade e justiça social; buscar a autodeterminação social e respeitar a diversidade cultural; manter a integridade
ecológica. Ultramari (2001) pontua que desenvolvimento sustentável indica um processo a ser seguido.
“O desenvolvimento sustentável não é um estado permanente de harmonia, mas um processo de mudança no qual a exploração dos recursos, a orientação dos investimentos, os rumos do desenvolvimento tecnológico e a mudança institucional estão de acordo com as necessidades atuais e futuras.” (CMMAD, 1988, p. 10)
Desenvolvimento Sustentável é um modo de desenvolvimento que se insere nos novos paradigmas. Então, resgatando o conceito de desenvolvimento e as afirmações acima, poderíamos compreender desenvolvimento sustentável como um processo de identificação e satisfação de necessidades humanas presentes sem, com isso, impossibilitar a continuidade desse processo no futuro, seguindo os mesmos princípios éticos do ecodesenvolvimento de modo que o desenvolvimento esteja voltado conjuntamente para hoje e amanhã, num amplo horizonte temporal. 
  • O que, como o faz Sachs, permite adotar os dois conceitos (ecodesenvolvimento e desenvolvimento sustentável) como sinônimos ou, como afirma o autor, o ideal seria referir-se apenas a “desenvolvimento”, sem a necessidade do adjetivo sustentável.
Diegues (1992) defende que o desenvolvimento sustentável requer uma ética diferente daquela subjacente ao atual crescimento econômico que subjuga a natureza ao homem. A nova ética exige transposição da perspectiva antropocêntrica para uma perspectiva mais global, biocêntrica.
  • Assumir esse novo modelo de desenvolvimento, pelos objetivos que traz, requer que valorizemos o outro enquanto indivíduo e também coletividade, requer que tomemos consciência de que, enquanto indivíduo eu tenho direito a dados elementos, porém também tenho dever de não fazer uso desse direito a ponto de interferir no direito do outro. 
Requer que assumamos uma visão mais ampliada da realidade e da interligação e inter-relação dos seus elementos, percebendo-nos como parte dessa realidade enquanto cidadão (aquele que exerce e recebe direitos e deveres), enquanto sujeito participante, não apenas como sujeitado – espectador do “jogo da vida”. Essa postura, que nada mais é que uma postura cidadã, requer que assumamos princípios éticos e estéticos envolvendo razão, sensibilidade, solidariedade, compreensão, respeito à cultura, respeito ao sentimento..., distintos dos hodiernamente assumidos.
  • Ética e estética, pela abordagem Holístico-Ecológica são quase inseparáveis, pois entende-se estética como uma postura ética que incorpora a reflexão crítica, o questionamento, por exemplo, do que estamos fazendo, qual a finalidade daquilo que fazemos, qual o prazer que o que realizamos nos traz, considerando, também, se para ter esse prazer provocamos destruição, danos ou mesmo o desprazer de outro. Essa reflexão é uma atitude ética que se torna estética porque é sensível.
De acordo com os princípios do referencial Holístico-Ecológico, estética tem a ver com sensibilidade incorporada de valores que vão além da beleza plástica. Trata-se da estética da vida, sendo ela uma postura, uma atitude incorporada de elementos éticos de preocupação com a natureza e com a qualidade de vida individual e coletiva.(Patrício, 1995) Pode ser entendida como o estudo do belo, mas o belo que depende da sensibilidade ética do observador.
  • Uma estética incorporada por elementos éticos, consoante o referencial Holístico-Ecológico é uma atitude na qual o prazer de apreciar tem a ver com a qualidade do objeto em relação à qualidade de vida coletiva, à cidadania do sujeito e a dos outros.
Vendo por esse referencial, estética de uma dada construção não inclui apenas a beleza plástica, mas a qualidade das suas características em prol da qualidade de vida individual e coletiva presente e futura.
  • Se compararmos um edifício cuja fachada seja composta de painéis fixos de vidro com película de reflexão solar, por exemplo, resultando em baixa luminosidade e falta de ventilação natural, requerendo, conseqüentemente, aparatos artificiais de iluminação e ventilação que dependem do consumo de energia, com outro com fachada composta por painéis fotovoltaicos (na forma de vidros foscos ou transparentes) que produzirão a energia de que necessita, poderemos perceber que são edificações com uma mesma plástica, mas com uma ética e estética distinta.
Ética, segundo Sertillanges apud Camargo (1999), é a ciência do que o homem deve ser em função daquilo que ele é. Ética vem de Ethos, que significa morada, ou “morada do ser”, conforme Heidegger.
  • O que está em questão na ética é “o que favorece e o que não favorece a natureza humana”. Assim, a ética pode ter uma abordagem mais negativa (evitar a morte) ou mais positiva (respeitar a vida), ou seja, ela está voltada a evitar o mal ou a aumentar o bem.
O objetivo da ética é apontar rumos e descortinar horizontes para a realização do próprio ser humano, em integração com outros seres. A ética é uma construção da pessoa a partir do que ela pretende com seu ser; com sua vida, não só isoladamente, mas junto com os outros, nestas realidades. (CAMARGO, 1999)
  • Antes de mais nada, a ética consiste num questionamento, numa reflexão crítica sobre dada realização, pondo em revisão conceitos e padrões que o sujeito traz.
Através de uma postura ética fundamentada no referencial Holístico-Ecológico, o sujeito vai refletir sobre as repercussões daquilo que pretende realizar e buscar alternativas que sejam benéficas aos indivíduos envolvidos diretamente e à coletividade como um todo, ao mesmo tempo. 
  • Uma atitude ética, então, envolve a preocupação com o outro enquanto indivíduo e coletividade, aquela que está voltada para o bem estar comum, aquela que guia o indivíduo na busca da “felicidade”, do bem viver humano sem prejudicar a possibilidade de bem viver dos outros seres.
Nesse sentido entendemos que os princípios de sustentabilidade seguem essa ética e estética centrada na vida – biocêntrica – e que as atividades da construção civil enquanto “construtora” dos contextos urbanos precisam seguir essa orientação para que se possa ter uma qualidade de vida individual coletiva satisfatória tanto no presente como no futuro.

Para aguentar a o seu peso, os pilares da fundação terão 3 metros de diâmetro e poderão chegar a 100 de comprimento! Só de aço, serão utilizados 80.000 toneladas, na parte estrutural do edifício.
Ilustração da Kingdom Tower, na Arábia Saudita