quinta-feira, 25 de fevereiro de 2016

A Educação para a Gestão Ambiental

A Educação para a Gestão Ambiental 

  • Delineado o contorno geral da educação para a gestão ambiental, prosseguiremos agora com uma breve descrição de alguns fundamentos conceituais necessários para a reflexão da articulação da educação ambiental com o exercício da cidadania, na perspectiva da abordagem sócioambiental. 
A natureza e sua força de trabalho: 
Produtos e serviços ambientais:
  • Existe uma clara falta de harmonia na interface dos sistemas econômicos com os sistemas ecológicos. A economia considera convencionalmente a natureza como uma espécie de fator limitante que impede a progressão do crescimento econômico, cabendo à tecnologia o papel de ultrapassar os limites impostos pela natureza, para que assim o ser humano possa adquirir ganhos de produtividade na atividade econômica. Impondo-se, assim, o ritmo de trabalho da máquina sobre o ritmo de funcionamento da natureza. 
Alguns economistas, porém, mais sensibilizados com a questão ambiental, abandonaram essa posição convencional e inauguraram uma outra perspectiva: a economia ecológica. Ela é entendida como um novo campo interdisciplinar que examina as relações existentes entre os sistemas ecológicos e econômicos, na tentativa de harmonizar os dois entre si. 
  • Ela reconhece que os sistemas ecológicos desempenham um papel fundamental na sustentação da vida na Terra e são essenciais para a existência do ciclo do carbono e da água, para o fornecimento de matéria prima, alimento, água e de uma infinidade de fatores que, em última análise, são extremamente úteis para o ser humano. 
A teoria econômica neoclássica detém um conceito aplicável ao problema da poluição e degradação ambiental: é a externalidade. Segundo esse conceito, quando a produção ou consumo de um bem provoca em efeitos colaterais negativos ou positivos em outros indivíduos que não aqueles que produziram ou consumiram, e estes efeitos não são compensados economicamente através do sistema de preços, temos então uma externalidade ambiental. 
  • A questão, portanto, é a identificação de um valor que se desdobre em um preço equivalente ao efeito positivo ou negativo gerado. Assim, temos o que se denomina a internalização das externalidades (Leonardi, 1997). 
Partindo dessa constatação, Costanza (1994) afirma que para a sociedade moderna alcançar a sustentabilidade, é necessário incorporar os serviços ambientais prestados pela natureza na contabilidade econômica, atribuindo-lhes um valor comparável aos serviços econômicos. 
  • Assim, em recente trabalho publicado por Costanza et al (1998), uma nova abordagem sobre o valor da natureza entra em cena, como um potencial argumento contra sua devastação, uma vez que inclui a possibilidade de uma significativa valoração monetária dos benefícios indiretos que a natureza oferece à qualidade de vida do ser humano. 
Desse modo, a natureza em geral – e as florestas em particular – pode ser compreendida como uma entidade capaz de gerar bens de duas ordens: 
  • (a) Produtos: recursos utilizados direta ou indiretamente na atividade econômica, como madeiras, folhas, raízes, óleos, resinas, frutos, fibras, sementes, material genético. 
  • (b) Serviços: regulação da composição química da atmosfera, regulação do clima global, regulação do ciclo hidrológico, armazenamento de recursos hídricos, depuração e tratamento de resíduos poluentes, polinização, controle biológico, formação do solo, recreação, turismo, educação e sobretudo “obras” físicas desempenhadas pela estrutura e funcionamento da natureza que, para o ser humano, cumprem a função de minimizar ou evitar danos ambientais decorrentes de intempéries naturais, como desequilíbrios hídricos e climáticos e processos erosivos numa escala de abrangência local, entre outros serviços. 
A partir dessa nova percepção, podemos reconhecer que a natureza não é só “terra” ou um mero recurso natural como um substrato ou matéria-prima da produção humana – uma mercadoria –, como a visão econômica tradicional a concebe, é também um tipo de mão de obra que desempenha uma força de trabalho específica. 
  • Portanto, podemos considerar, em última análise, que a intervenção antrópica na natureza também pode ser entendida num sentido figurado como a apropriação e uso da sua força de trabalho, da mesma forma com que o capitalista se apropria da força de trabalho do trabalhador. 
Entretanto, embebida pela visão dicotômica da realidade e inserida num sistema econômico que atende a curto prazo pela produtividade máxima, a sociedade moderna percebe diante de si apenas os produtos ambientais, ficando fora de compreensão o papel dos serviços ambientais. De fato, a natureza é considerada pela sociedade moderna apenas como uma fonte de produtos (recursos diretos) e de matéria-prima (recursos indiretos). 
  • Não se reconhece a natureza no serviço, pois nós só valorizamos o produto final, sem nos darmos conta do processo. Daí porque na dicotomia produto e serviço ambiental, apenas o primeiro tenha adquirido importância, e o segundo tenha sido esquecido. 
Assim como a poluição industrial é uma externalidade negativa e só recentemente foi reconhecida como tal e incorporada na contabilidade financeira das empresas, o serviço ambiental, em última análise, é uma externalidade positiva, e como ocorre em qualquer caso no que se refere às externalidades positiva ou negativa, apenas agora ele está sendo reconhecido e contabilizado monetariamente. 
  • No limite, a proposta da economia ecológica equivale à “justa remuneração” de uma mão-de-obra qualificada, transformada pelo capitalismo em mercadoria para então poder ser incorporada pelo mercado. Entretanto, Costanza (1994) reconhece que é difícil incorporar o serviço ambiental dos ecossistemas no sistema econômico em vista da pouca informação existente a respeito dos benefícios dos serviços ambientais; por esse motivo existe uma fraca cobrança para que eles sejam negociados em mercados com um valor monetário. 
De fato, Costanza et al (1998) alertam que essa negligência pode, em última instância, comprometer a qualidade de vida da humanidade como um todo, como poderemos ver no próximo tópico. A grande dificuldade de convencimento está no fato de o serviço ambiental ser apenas um “efeito colateral” do funcionamento dos sistemas ecológicos, e não uma meta intencional e pré-determinada. 
  • Mas essa percepção fragmentada da realidade pode mudar quando a interferência antrópica avolumar-se a ponto de gerar problemas incontornáveis detonados por intempéries naturais, e quando se verifica que os dados recolhidos por Costanza et al (1998) indicam que a estimativa do valor dos serviços ambientais corresponde a, no mínimo, cerca de US$ 33 trilhões de dólares, uma quantia nada desprezível (sem entrar no mérito da polêmica discussão sobre a valoração ambiental em si, um tema que emerge a partir da indagação da possibilidade ética de se dar um preço a algo que não tem preço). 
Risco ambiental:
  • Para entender a dimensão do conceito de serviço ambiental e as conseqüências de sua perda pela devastação da natureza, é preciso redefinir o conceito de risco. Luhmann (1991) afirma que uma das características da sociedade moderna é a mudança do significado de perigo para risco na vida cotidiana: as antigas sociedades sempre se confrontaram com perigos naturais, algo que estava fundamentalmente fora do controle humano, como resultado inesperado decorrente da ordem divina ou dos caprichos da natureza. 
Já a sociedade moderna, que controlou grande parte desses perigos, acabou substituindo-os pelo risco, algo portanto esperado e previsível, já que decorre de uma ação humana, capaz de motivar situações potencialmente danosas. 
  • Existe, porém, um fator complicador que impede que a diferenciação entre risco e perigo seja tão simples assim, uma vez que seus efeitos acabam se confundindo. Dettmer (1996) relata que os desastres naturais (aqueles derivados de uma situação de perigo), desde as primeiras décadas do século XX, foram considerados como uma simples decorrência de fenômenos geológicos e meteorológicos, enquanto a sociedade se caracterizava como a receptora indefesa, passiva e incapaz de responder aos atos divinos ou aos caprichos da natureza. 
Contudo, a intensificação da freqüência dos desastres naturais acabou chamando a atenção de estudiosos de diversas disciplinas, especialmente das ciências sociais, e estes verificaram que os desastres naturais não são tão naturais como se imaginava. 
  • O impacto das catástrofes naturais não seria tão devastador se não fosse a influência da ação humana, que ocorre basicamente por intermédio de dois mecanismos, a progressiva invasão em áreas críticas de risco ambiental e as mudanças ambientais globais, que alteram substancialmente a dinâmica do clima mundial. Tinker (1984) esclarece que a natureza não está mudando significativamente a ponto de gerar mais desastres de ordem ambiental. 
Ou seja, não é a freqüência das catástrofes naturais que vem aumentando ao longo do tempo, mas o avultamento de seus efeitos, uma vez que os humanos se aproximam progressivamente das áreas mais sujeitas a ocorrências de terremotos, maremotos, erupções vulcânicas, ciclones, secas, etc., o que evidentemente acarreta uma alteração substancial desses ambientes sujeitos a processos erosivos em regiões montanhosas ou a inundações periódicas em vales ou cursos d’água, em consequência de fortes chuvas. 
  • Isso sem levar em consideração o aspecto cumulativo do efeito estufa e da redução da biodiversidade, que geram a mudança climática, tornando os fenômenos meteorológicos mais perigosos. Nessa medida, temos que reconhecer que as catástrofes ditas naturais são intensificadas pela mudança climática e ocorrem em ambientes cada vez mais fragilizados pela ação humana. 
Embora não seja possível impedir a ocorrência de eventos sísmicos, vulcânicos ou climatológicos de grandes proporções, que provavelmente sempre provocarão vítimas, é possível minimizar o seu efeito devastador, preventivamente, evitando a progressiva penetração humana nesses espaços inóspitos, como é o caso das áreas propensas a atividades sísmicas e vulcânicas e das rotas de ciclones, ou da construção de habitações em encostas de morro e nas bordas dos cursos d’água. 
  • Nesse contexto, surge uma questão de fundo, inicialmente formulada por Tinker (1984), e apesar das evidências, permanece como um tema de controvérsia científica: são os desastres naturais verdadeiramente naturais? Em outras palavras: os desastres naturais são provocados por causas únicas e estritamente naturais? 
Nesse sentido, qual o papel desempenhado pela degradação ambiental na ocorrência desses desastres? A partir dessas indagações, alguns cientistas concluíram que nem sempre os desastres naturais são dependentes de causas exclusivamente naturais, uma vez que muitas vezes estão intimamente correlacionados a fatores sociais. 
  • Ou seja, eles são o resultado de múltiplos fatores concomitantes – meteorológicos, geofísicos, econômicos, sociais – que resultam no agravamento do risco ambiental. Segundo Flavin (1997), sem contar as perdas de vidas humanas, as perdas econômicas em “desastres naturais” no mundo em 1980 foram de 1,5 bilhões de dólares. 
Quinze anos depois, em 1995, foram gastos 38,5 bilhões de dólares. E apenas um ano depois, essa cifra quase dobrou, atingindo os 60 bilhões de dólares. Só na década de 90 (até 1996), a economia perdeu mais de 200 milhões de dólares, quatro vezes mais do que a década anterior. Esses números revelam a magnitude do problema. 
  • O autor reconhece que esse aumento está relacionado a uma combinação de fatores, como o rápido aumento da urbanização e industrialização em áreas de risco, como as linhas costeiras, bordas de curso d’água e áreas inundáveis. 
E, devido ao elevado montante de perdas, um grupo de treze grandes empresas formaram em 1996 a Risk Prediction Initiative a fim de permitir às seguradoras atuarem junto a cientistas na previsão de futuros “desastres naturais”. 
  • De acordo com Dettmer (1996), o reconhecimento do caráter social dos desastres naturais fez com que países como os EUA, Japão e Inglaterra, por exemplo, iniciassem estudos para conceber medidas preventivas no planejamento de políticas públicas. 
Em contraste, na América Latina e demais regiões em desenvolvimento, que respondem pela quase totalidade da ocorrência de desastres naturais, praticamente inexiste organismos e estudos sistemáticos sobre o tema, para não falar de políticas públicas, em vista da escassez de recursos financeiros e tecnológicos, da alta concentração da população em áreas de risco e da inoperância dos sistemas preventivos e de proteção civil, o que enfim os torna mais vulneráveis do que os países desenvolvidos. 
  • Enfim, essas considerações, ainda segundo Dettmer (1996), permitem-nos verificar que se o desastre natural não é unicamente obra do desígnio da natureza, mas também uma expressão das relações sociais estabelecidas numa determinada sociedade, o impacto nas condições de vida de uma coletividade afetada pelo desastre exige tanto uma redefinição dos papéis sociais, com a necessária instituição de um novo posicionamento do Poder Público perante a sociedade, quanto uma redefinição do nível de risco culturalmente aceito pela sociedade. 
É importante frisar que, conforme ressalta Matteldi (1996), caracterizar a sociedade moderna como uma sociedade de risco implica a superação da clássica imagem de que a sociedade seria uma entidade que se reproduz de forma independente da natureza, ou seja, que o ser humano seria um ser transcendente que pôde romper laços com a natureza. 
  • Na prática, podemos afirmar que essa constatação apresenta o mérito de finalmente reconhecermos o papel desempenhado pelos serviços ambientais para a vida humana, independentemente de lhes darmos um preço ou não. O risco ambiental, em última análise, representa um “alarme” sinalizando que algo não vai bem com a força de trabalho da natureza, que ela já não se encontra mais em condições de exercer plenamente suas funções produtivas. 
A sociedade moderna, na medida em que é concebida como uma sociedade de risco (Beck, 1992), encontra-se numa nova fase perceptiva de sua relação com a natureza, começando a entender como são tênues os laços que a liga à natureza – ainda que estritamente econômicos –, e dessa forma, os serviços ambientais começam a ser percebidos com maior detalhe, mesmo que a um elevado custo. 
  • Assim, torna-se sutil a distinção entre os desastres ambientais oriundos de situações de perigo, como os terremotos, erupções vulcânicas, furacões e secas, que são fenômenos naturais relativamente independentes da ação humana e os desastres ambientais oriundos de situações de risco, como, por exemplo, os deslizamentos de encostas e enchentes, que podem ser o resultado direto da ação humana, a qual desconsidera o papel do serviço ambiental dos ecossistemas, particularmente das florestas. Distinção esta, é necessário frisar mais uma vez, cada mais complicada de se efetuar, tendo em vista a proximidade da mudança climática. 
Risco, portanto, não é sinônimo de perigo. É algo que resulta de uma ação humana, e por isso, pode ser minimamente previsível, bem como objeto de demandas sociais por criação de políticas preventivas. O risco ambiental não se define, porém, exclusivamente pela associação com os desastres ambientais. Uma outra característica da perda do serviço ambiental está relacionada à questão tecnológica. 
  • Quando o sociólogo alemão Ulrich Beck escreveu o livro “Risikogesellschaft” em 1986, delineou claramente o surgimento de um novo horizonte apocalíptico, mas não pela possibilidade de esgotamento dos recursos naturais, como a perspectiva catastrofista sugeriu na década de 70. O autor situa a sociedade de risco como a sucessora da sociedade industrial, esta sim, caracterizada pela escassez de recursos naturais. 
Ou seja, ele propõe uma nova definição que caracterize o tipo de sociedade existente no final do século XX, inaugurando uma outra fase histórica da humanidade, quando finalmente se reconhece que a mesma tecnologia que se cria para gerar benefícios para o ser humano, é também responsável por provocar indesejadas reações. 
  • A característica principal da sociedade de risco é que as inovações tecnológicas e organizacionais da sociedade moderna também provocam efeitos negativos, cada vez mais complexos e imprevisíveis, muitos deles intimamente vinculados à questão ambiental. 
Essa conclusão é surpreendente, pois desmistifica a idéia da modernização ecológica, segundo a qual a tecnologia teria como meta o papel de reverter a problemática ambiental e relevante, porque retoma o ideal democrático segundo o qual o papel do tecnocrata fica reduzido diante do poder de participação do cidadão (Mol & Spaargaren, 1993). 
  • Nesse contexto, um dos exemplos que representam um risco tecnológico consiste na utilização de substâncias químicas nocivas e tóxicas de modo crescente, substâncias estas que em sua maioria foram criadas pelo ser humano e, portanto, não encontram na natureza organismos depuradores. O plástico, assim como os pneus, por exemplo, que abarrotam depósitos de lixo, deterioram-se na ordem de centenas de anos. 
Dessa forma, as substâncias e os resíduos gerados representam outra forma de risco ambiental. O lixo, quando não instalado corretamente em aterros sanitários é uma fonte de risco potencial para a área circundante. O que não dizer também do transporte de produtos perigosos em rodovias, visto que a freqüência de acidentes de trânsito aumenta consideravelmente o nível de risco de contaminação ambiental por substâncias tóxicas. 
  • Uma indústria pode atualmente até “produzir limpo”, caso esteja dentro de padrões legalmente exigidos, mas não poderá garantir que o transporte das substâncias químicas seja totalmente seguro. Outro exemplo que merece atenção é o caso dos produtos transgênicos. Não se sabe em absoluto que efeitos colaterais podem advir da manipulação genética para a saúde humana e ambiental. 
Da mesma forma, a decisão de se instalar uma atividade produtiva que de antemão pode gerar algum tipo de impacto ambiental, como um complexo industrial, ou um pólo petroquímico, por exemplo, pode gerar um risco ambiental em sua área de influência, afetando a vida e o modo de produção anteriormente estabelecidos. 
  • Gonçalves (1984) fornece alguns exemplos interessantes, como o episódio ocorrido na Vila Socó, distrito de Cubatão. O incêndio que ocorreu num oleoduto e matou centenas de pessoas não foi propriamente um “acidente”, como muitos interpretam. Foi algo previsível, decorrente do modo de apropriação social da natureza por parte de alguns setores da sociedade. 
E se era previsível, era passível de controle, mas evidentemente a um determinado custo econômico. No entanto as escolhas sociais sobre o grau de aceitabilidade cultural do risco eram permissivas o bastante para que nenhuma medida preventiva fosse providenciada. Outra consideração teórica necessária diz respeito à área de abrangência global ou local dos problemas ambientais. 
  • O conceito de risco ambiental originalmente formulado contemplava apenas a dimensão global do efeito da redução da camada de ozônio, do efeito estufa, da perda da biodiversidade ou da poluição nuclear, por exemplo, que atingia a humanidade como um todo. Mas é no espaço local que ocorrem as situações de risco que mais nos interessam desenvolver. 
Os problemas ambientais globais apresentam riscos considerados até pouco tempo, de uma forma catastrofista, como uma ameaça à sobrevivência da humanidade como um todo, mas com o passar do tempo, essa percepção foi se enfraquecendo e os problemas ambientais locais, particularmente os dos países em desenvolvimento, foram se tornando mais e mais agudos. 
  • Um dos problemas de ordem local mais freqüente é a invasão humana de áreas protegidas pela legislação ambiental e ocupadas por formações vegetais de alto valor estratégico. Essas áreas, consideradas no Brasil como de preservação permanente, segundo o Código Florestal e a Lei de Crimes Ambientais, por se constituírem como elementos naturais de proteção contra intempéries, sobretudo os processos erosivos, a exemplo da vegetação ciliar que protege as margens dos rios, da vegetação de áreas de forte declividade que protege as encostas, da vegetação de restingas e de manguezais que também protege a linha costeira contra a força das marés e ressacas, além da vegetação de topo de morro que garante o contínuo fornecimento de água às nascentes de rios, vêm sofrendo com os efeitos das constantes investidas humanas, cujo resultado é a perda do serviço ambiental desempenhado pelas florestas.
Justiça ambiental e conflitos sócioambientais:
  • Muitas vezes as investidas humanas nas áreas que deveriam ser mantidas em boas condições ecológicas, são realizadas por populações marginalizadas, pela absoluta impossibilidade de se utilizarem espaços urbanizados na própria cidade formal. E são exatamente esses sujeitos os primeiros a sofrerem os impactos. 
O mesmo raciocínio é válido para a proximidade de pólos industriais, depósitos de lixo, ou aplicação de pesticidas na agricultura. Beck (1992) lembra então que a distribuição dos riscos – leia-se riscos ambientais – no cerne da sociedade é desigual. 
  • Assim, as populações desfavorecidas não dispõem de meios para se refugiar por conta própria, por exemplo, dos deslizamentos de encostas, quando habitam em morros de acentuada declividade, ou das inundações, quando habitam nas margens dos cursos d’água; da mesma forma, não podem evitar a instalação dos distritos industriais ou dos vazadouros de lixo em áreas vizinhas às suas residências, reconhecidamente desvalorizadas e, portanto, mais acessíveis às populações de baixa renda.
Cutter (1996) ressalta que 97% dos desastres ambientais ocorrem em países em desenvolvimento, e essa alta freqüência é entendida como o resultado do processo de urbanização desordenado acompanhado de uma intensa degradação ambiental, sujeitando cada vez mais essas regiões vulneráveis às intempéries naturais. A fragilização pela ação antrópica de ambientes naturalmente sensíveis, que desempenham importantes serviços ambientais, induz ao agravamento de riscos à saúde e vida humana. 
  • Essa é uma das faces da relação pobreza e meio ambiente, que nas grandes cidades brasileiras, para Mueller (1997), é sintomático: uma fração considerável da população enfrenta condições de vida precárias, por morarem em áreas de encostas, ou propensas a enchentes ou a elevados índices de poluição.
Se o desabamento de uma encosta ou uma enchente forem causadas por eventos naturais, a dimensão de seus impactos se associa aos fatores sociais onde se dá o evento, e nesse caso, constitui-se o problema sócioambiental.
  • Como pudemos observar, as consequências da degradação e poluição ambiental não são distribuídas igualitariamente entre a população. Nesse sentido, Hogan (1994) enfatiza que a mesma estrutura de classe social que determina a desigual distribuição da riqueza e dos canais de acesso aos centros decisórios, também determina a desigual distribuição dos riscos ambientais e da poluição, afetando, portanto, a qualidade de vida desses indivíduos.
Stotz et al (1992) afirmam que o Brasil assumiu, reconhecidamente, um alto custo ecológico como opção desenvolvimentista, redundando em elevados índices de poluição e degradação ambiental compartilhados pela sociedade brasileira, mas de modo diferenciado segundo a estrutura de classes. 
  • Os autores, especialistas em epidemiologia, puderam constatar que a classe trabalhadora e a população de baixa renda estão mais expostas aos riscos ambientais. Pacheco et al (1993) também concordam que os efeitos dos problemas ambientais traduzidos em riscos ambientais não atingem igualmente todos os segmentos sociais indistintamente. 
Alguns são direta e imediatamente atingidos, dada sua proximidade da fonte de degradação; outros, entretanto, se atingidos, o são indireta e tardiamente. E mesmo assim, detêm meios de contornar o problema, como o poder de mobilidade espacial, migrando para áreas nobres e seguras.
  • O âmago desse debate se localiza em uma das questões mais salientes no âmbito da política ambiental contemporânea: a justiça ambiental, conceito que enfatiza a distribuição desigual do risco ambiental entre os pobres e as minorias étnicas, em relação ao conjunto da sociedade. 
A questão central do tema procura investigar se as comunidades de baixa renda e as minorias étnicas constituem-se de fato em grupos mais expostos aos riscos ambientais e à poluição, ou se a sociedade como um todo é atingida de forma homogênea, sem qualquer distinção. 
  • Esse é um tema de controvérsia científica que, em linhas gerais, divide os pesquisadores que acreditam que a poluição seja democrática, daqueles que consideram que a poluição atinge a sociedade de modo diferenciado. 
De acordo com Chiro (1992), Ringquist (1997), Field (1997) e Martínez-Alier (1997), um grande número de estudos demonstra, através de argumentos convincentes, que a poluição e o risco ambiental concentram-se desproporcionalmente nas comunidades de baixa renda e minorias étnicas.
  • De acordo com Chiro (1992), o movimento pela justiça ambiental surgiu nos EUA na metade dos anos 80, desafiando o discurso ambientalista predominante, o qual pauta-se sobretudo numa abordagem conservacionista, entende-se ser necessário proteger certas áreas contra as investidas humanas. 
Os ativistas do movimento pela justiça ambiental sublinham a necessidade de revisão dessa pauta, enfatizando que a questão principal reside no direito, igualitário a todo ser, a um ambiente saudável e ecologicamente equilibrado, independentemente de raça, classe, gênero, cultura ou mesmo espécie.
  • É interessante verificar que a inclusão dos movimentos sociais na comunidade ambientalista foi provavelmente o maior catalisador para a promoção dessa guinada na percepção da questão ambiental.
No caso brasileiro, a pesquisa de Crespo et al (1998) indicou que nos últimos anos, a incorporação das questões ambientais pelo movimento social, apesar de ainda incipiente, aumentou em relação a 1992, período de realização do Conferência do Rio. Seus ativistas perceberam que a luta pela melhoria da qualidade de vida passa obrigatoriamente por alguns temas ambientais. São evidentes as associações realizadas entre a demanda por tratamento de esgoto, salubridade no ambiente de trabalho e a questão ambiental. 
  • De fato, ao vislumbrar a realidade ambiental através da ótica social, percebe-se que claramente que os problemas ambientais afetam toda a humanidade, ainda que de forma diferenciada. De qualquer maneira, a disseminação da pauta ambiental no movimento social, que culminou na criação do conceito de justiça ambiental, está subordinada à sua principal missão, que é promover a justiça social.
Ringquist (1997) reconhece que a observação da realidade local e conseqüente enfoque dos problemas locais auxiliam a percepção dos sujeitos sociais mais expostos ao risco ambiental. 
  • Segundo Field (1997), esses estudos simplesmente comprovam o que Friedrich Engels observou em 1840 em Manchester, na Inglaterra. As indústrias que se instalavam na vizinhança das comunidades de baixa renda provocavam poluição do ar e da água, afetando apenas essa classe social. 
De fato, Chiro (1992) esclarece que o famoso mote do ambientalismo “Pensar Global, Agir Local” obscurece as experiências e ações dos indivíduos para a melhoria das condições locais nas comunidades marginalizadas. Assim, sugere que o mote poderia ser modificado para “Pensar Local (mas conhecendo os vínculos com o Global) e Agir Local”. 
  • Consequentemente, na prática da educação voltada para a gestão ambiental, deve-se maior atenção aos problemas ambientais locais, em detrimento dos globais, não menos importantes, mas menos prioritários. É nesse sentido que Ribeiro (1992) reforça a idéia de que o eixo da gestão ambiental deve se localizar na ação local. 
Também nesse sentido, a OECD (Organisation for Economic Co-operation and Development) julga que a apropriação do contexto local para a educação ambiental permite o desenvolvimento do senso de responsabilidade entre os educandos (CERI, 1995).
  • Não obstante o movimento ambientalista tenha sido inicialmente considerado como um movimento elitista, cujos membros eram provenientes da classe média, por considerarem as questões globais como prioritárias na ordem do dia, em decorrência do surgimento de valores pós-materialistas como a frugalidade na vida cotidiana, é necessário reatualizar essa perspectiva. Enquanto os membros do ambientalismo “elitista” sensibilizaram-se à questão ambiental pelos crescentes índices de degradação ambiental que ameaçavam o estilo de vida da sociedade afluente, 
Martínez-Alier (1997) sustenta que nas regiões ou países pobres, as condições para a formação de ambientalistas são muito mais favoráveis, por força da sobrevivência, configurando, assim, um “ambientalismo dos pobres”, vitimados pelo uso abusivo dos recursos naturais e pela perda dos serviços ambientais, acarretando em poluição e risco ambiental. 
  • Da mesma forma, Carvalho (1998b) entende que apesar de se originar de uma classe social demarcada, essa nova sensibilidade para com a natureza não deve ficar restrita a apenas uma classe, mas se generalizar para um conjunto mais amplo da sociedade.
Tais constatações permitem-nos introduzir um novo elemento na análise: o conceito de conflito sócioambiental. Esse conceito é de fundamental importância, pois favorece o entendimento do problema ambiental não apenas por sua face ecológica, mas também pelo conflito de interesse existente entre os diversos atores sociais em questão. 
  • Se existem sujeitos mais atingidos do que outros e que não necessariamente compartilham do mesmo ideário sóciocultural e político, ou do mesmo perfil econômico, configurando, assim, uma relação assimétrica de poder, torna-se necessário investigar quais são os atores sociais envolvidos com o problema, para a seguir identificar aqueles que desejam alterar a situação daqueles que não querem. Dessa forma, trata-se a questão do uso dos recursos naturais não mais sob uma ótica unidimensional, focalizando-se seus aspectos ecológicos, e sim interdisciplinarmente.
Os conflitos sócioambientais são, em síntese, conflitos sociais cujo objeto são elementos da natureza e que expressam relações de tensão entre interesses coletivos/espaços públicos x interesses privados/tentativas de apropriação de espaços públicos. 
  • Envolvem o interesse difuso do livre acesso e usufruto dos serviços da natureza, para toda a coletividade (Acselrad et al, 1995). Carvalho (1995) explica que deslocar o eixo da análise de problema ambiental para conflito sócioambiental significa transpor a evidência da questão da sustentabilidade física dos recursos para a questão da sustentabilidade política. 
Ou seja, torna-se claro que além dos efeitos da degradação ambiental sobre a base material da vida, subsistem efeitos das lutas pelo acesso e uso do meio ambiente sobre o conjunto das forças sociais. Esse deslocamento proporciona o entendimento das possibilidades de enfrentamento da questão ambiental, não apenas sob o ângulo técnico, mas também político.
  • Não é sem motivos que Gonçalves (1989) entende que o movimento ecológico brasileiro situa-se numa sociedade contraditória, marcada por cortes sociais visíveis e, por isso, são diversas as propostas acerca da apropriação e uso dos recursos naturais. Saber distingui-las corretamente é uma das tarefas políticas do ambientalismo. 
Devemos acrescentar ainda a opinião de Loureiro et al (1992), que consideram que as políticas públicas, sobretudo as específicas da área ambiental, terão sua eficácia determinada em função da capacidade de identificar adequadamente a complexidade dos atores sociais e dos conflitos nele envolvidos.
  • Essa é a base de onde pode-se partir em busca da negociação, preparando-se o terreno para a busca dos espaços públicos de participação. Esse assunto é de fundamental importância para o educador ambiental que deseja associar sua prática ao exercício da cidadania, pois só assim os conflitos sócioambientais tornam-se visíveis.
Da mesma forma, Carvalho (1998a, b) enfatiza que embora seja expressiva a disseminação de uma retórica que afirma a necessidade de se proteger o meio ambiente, é tênue o consenso viabilizador para uma reorientação consistente das relações sociais com a natureza. Compartilhar de uma mesma meta – alcançar uma sociedade sustentável – não significa necessariamente compartilhar das mesmas estratégias de execução. 
  • Diante da heterogeneidade de interesses, a autora prefere intitular o fenômeno que aparentemente caminha rumo à convergência de interesses e à estabilidade do consenso como um acontecimento ambiental, esse campo contraditório e diversificado que constitui o ideário ambiental. 
Nesse sentido, os conflitos sócioambientais podem ser entendidos como uma parte do conjunto heterogêneo de valores e ações desse acontecimento ambiental.

A Educação para a Gestão Ambiental 

Regimes de propriedade dos recursos naturais:
  • Em dezembro de 1968, foi publicado na revista Science um artigo intitulado “The Tragedy of the Commons” (Hardin, 1968). Seu autor, Garret Hardin, um biólogo preocupado com as consequências da explosão demográfica no planeta, debruça-se sobre uma contundente crítica a um aspecto da doutrina econômica liberal: ele nega explicitamente a idéia da mão-invisível de Adam Smith (1723-1790), o economista que escreveu a famosa obra“A Riqueza das Nações”. 
A idéia da mão-invisível afirma simplesmente que o interesse particular sempre seria adequado ao interesse coletivo, então, qualquer ação humana realizada na perspectiva do cálculo da vantagem individual seria benéfica para o conjunto da população. 
  • Contudo, para Hardin, a tendência em acreditar que decisões individuais são sempre benéficas para o conjunto da sociedade não é correta, em especial no que se refere à questão ambiental.
Em seu artigo, de enorme repercussão para o movimento ambientalista, Hardin afirma estar convencido de que enquanto a humanidade adotar a premissa da mão-invisível e agir segundo seus interesses próprios, não haverá uma solução de ordem técnica para o problema do crescimento populacional desenfreado, uma questão em voga na época em que publicou seu trabalho. Para ilustrar o perigo do rumo da civilização moderna, Hardin utilizou a parábola do pasto descrita pelo demógrafo inglês Forster Lloyd (1794-1852).
  • Segundo a parábola, havia num determinado local uma área de pastagem comum, utilizada simultaneamente por vários pastores há muito tempo, até que num certo momento um deles resolveu acrescentar uma cabeça de gado a mais no pasto. Assim procedendo, esse pastor dividiria a curto prazo o ônus da demanda por consumo de mais capim com os demais pastores e concentraria os ganhos econômicos sozinho. 
Contudo, essa lógica de raciocínio foi imediatamente adotada pelos demais pastores, cada um perseguindo seus interesses individuais, até o momento em que a quantidade de cabeças de gado presente no pasto excedeu a capacidade de suporte do ecossistema, tornando escasso o recurso comum. Então, ao mesmo tempo em que o gado consumia até a exaustão os últimos brotos ainda existentes no pasto, o pisoteio excessivo do gado no solo compactou-o, impedindo a regeneração natural do capim. 
  • O resultado, a longo prazo, foi a tragédia dos comuns. “A vaca foi pro brejo”, diriam alguns, quando o pasto começou a ficar erodido e nenhuma muda de capim era capaz de crescer ali. Pádua (1992) esclarece que Lloyd descreveu a fábula dos pastores como uma resposta à fábula das abelhas de Bernard de Mandeville, o qual reduziu a racionalidade à primazia do espaço privado. 
Na verdade, Mandeville sugere na metáfora, que cada abelha, seguindo seu interesse individual, fortalece a colméia beneficiando a todos. Hardin fornece ainda vários outros exemplos de como o interesse individual nem sempre corresponde ao interesse da coletividade, como no caso da poluição hídrica ou atmosférica, provocadas pelo lançamento de detritos sólidos, líquidos ou gasosos nos rios, mares ou no ar. 
  • Deve-se notar, porém, que a equação se encontra invertida: ao invés de retirar algo com valor do sistema – como o capim no caso do pasto –, coloca-se algo sem valor nele – os resíduos poluentes. 
Contudo, a fórmula permanece sempre a mesma: ela reside no ganho +1 para o sujeito individualista e uma fração da perda -1 repartido pela coletividade, evidenciando-se a falácia da idéia da mão-invisível para os recursos naturais comuns, sobretudo quando são escassos.
  • Prosseguindo com seu estudo, Hardin reconhece que quando são numerosos os usuários com acesso irrestrito a um recurso ambiental comum finito, como os oceanos, rios, florestas e ar por exemplo, é pouco o incentivo para refrear a exploração abusiva. Para ele, as áreas comuns só fazem sentido se estiverem sob efeito de baixa densidade populacional, pois no caso, não haveria qualquer pressão excedente que comprometesse a reprodução natural do recurso. 
O aumento populacional simplesmente significa para Hardin que avolumam-se os interesses individuais, e então seria a partir daí que surge o problema, pois necessariamente haveria interesses divergentes e inconciliáveis. Hardin supõe, então, que o recurso natural em propriedade comum deve ser tratado diferentemente e finalmente conclui que a tragédia dos comuns poderia ser evitada a partir de duas condições: quando se instaurasse a propriedade privada ou algo formalmente parecida com ela e quando houvesse uma coerção mútua decidida pela maioria dos sujeitos afetados pelo problema.
  • Morrison (1995) – segundo o qual os “comunitários”, ou seja, os indivíduos que possuem coletivamente a propriedade do recurso natural comum, não representam tragédia alguma –, esclarece que Hardin apenas tentou mostrar que a liberdade individual precisa ser refreada por mecanismos coercitivos para evitar os resultados catastróficos da poluição e da explosão populacional, uma vez que a ótica do pensamento econômico “racional” do humano no mundo industrializado é a visão produtivista a curto prazo. No futuro, todos estaremos mortos, disse Keynes. Por que então a preocupação com a coletividade?
Steiguer (1997) assinala que o leitor de Hardin deve ainda considerar as inconsistências teóricas presentes em sua obra. Ora ele condena a mão-invisível, ora enaltece a propriedade privada, não se posicionando coerentemente a respeito de sua afinidade com o capitalismo e o papel por este desempenhado na organização social. Por um lado, ele condena a postura individualista, mas por outro fornece uma solução de ordem individualista, quando propõe a privatização de recursos.
  • Em todo caso, independentemente das inconsistências teóricas, “The Tragedy of the Commons” tornou-se um texto clássico, não exatamente por seu enfoque a respeito do debate populacional, mas precisamente pelo fato de considerar a propriedade coletiva da natureza como a principal causa da destruição ambiental, pois ela permitiria o acesso livre aos recursos naturais.
Devido à confusão que instaurou entre propriedade coletiva e acesso livre e irrestrito aos bens comuns, tratando-os como sinônimo, Hardin, em última análise, formulou uma falsa questão, que redundou numa onda sem precedentes de privatização e controle centralizado da natureza por parte do Poder Público, justificada pelo brilhantismo de sua argumentação. 
  • Weber (1997) esclarece que o argumento de Hardin se ajustou à suposição de que a propriedade privada, ao permitir a internalização das externalidades negativas não incorporadas pelo mercado – a poluição por exemplo –, seria suficiente para garantir uma gestão eficiente dos recursos naturais. 
Entende-se que a regulação através do mercado seja supostamente o modelo de gestão mais eficaz, mas esse princípio despreza o fato de que a busca da eficiência na exploração dos recursos pode conduzir à sua pilhagem o mais rapidamente possível, para a seguir transferir-se o investimento para a exploração de outro recurso mais rentável. 
  • A propriedade privada não representa uma garantia inquestionável de proteção ambiental. Levando a parábola do pasto às últimas consequências, se cada pastor fosse proprietário de um pasto, ou uma determinada fração do mesmo, ainda assim a lógica competitiva seria determinante do padrão de esgotamento do recurso.
Hardin estava correto ao criticar a mão-invisível no liberalismo, contudo, foi infeliz ao utilizar argumentos que conduziram seu raciocínio à confusão entre propriedade coletiva e acesso livre. Com efeito, Weber (1997) acredita que teria sido melhor se Hardin tivesse escolhido como título para seu trabalho não “A Tragédia dos Bens Comuns”, mas sim “A Tragédia do Livre Acesso”. 
  • Assim como nem sempre o interesse individual é benéfico para a coletividade, a propriedade coletiva do patrimônio ambiental não implica necessariamente o acesso livre de qualquer indivíduo a esse recurso. Drummond (1990), um dos leitores e críticos de Hardin, também aborda a questão e mostra cabalmente como ocorreu a confusão entre acesso livre e propriedade comunal. 
O autor entende que mesmo inseridos em um sistema econômico predominantemente competitivo, ao contrário do que pensa Hardin, os recursos naturais em propriedade comunal podem ser administrados, uma vez que a impossibilidade de administrar áreas comuns não é universal no tempo e no espaço. Inúmeras sociedades tradicionais pré-capitalistas geriram (e algumas continuam ainda hoje gerindo) seus recursos comuns sem acarretar em tragédia alguma, e exemplos de modelos de gestão ambiental atuais com tendência democrática, privilegiando a participação cidadã, têm evidenciado sucesso na proteção dos recursos naturais.
  • Por outro lado, Drummond (1995) descreve detalhadamente o partilhamento conflituoso de um recurso comum, que se perpetuou por mais de trinta anos, entre produtores de ostras e uma indústria de pasta de papel em Shelton, Washington, nos Estados Unidos, por não haver regras de acesso e uso estabelecidas em comum acordo. 
Os dois grupos de interesses diferentes competiram pelo uso do mesmo reservatório d’água para finalidades obviamente diferentes. Enquanto para um a qualidade da água era uma condição vital para o sucesso do empreendimento produtivo, para o outro, ela se constituía em mero repositório, não importando em absoluto a qualidade da água. 
  • No decorrer do embate, no final da década de 50, a indústria de pasta de papel foi fechada pela pressão da comunidade, as ostras desapareceram para sempre, e a cidade perdeu alguns milhares de empregos, caindo numa depressão econômica até os dias de hoje. 
Esse é um exemplo de como os interesses particulares podem destruir o interesse coletivo, se não se instaurarem regras de acesso e uso do recurso em comum acordo, sem prejuízo para ambas as partes. 
  • Sua análise conclui que a exploração do recurso comum numa ordem competitiva, sem o regime de propriedade comunal, determina o acesso livre, pois nesse caso, não há qualquer possibilidade de instauração de um espaço público para a formalização de acordos ou normas para uma gestão racional. A condição básica para evitar a tragédia dos comuns – a coerção mútua – fica assim impossibilitada.
Drummond (1990) não está sozinho nessa posição. Outros autores, entre eles Feeny et al (1990), verificaram um surpreendente número de casos que evidenciam o fato de que a propriedade comum não leva necessariamente ao uso abusivo por iniciativas individualistas.
  • Os vários tipos de regimes de propriedade dos recursos naturais existentes – acesso livre, propriedade privada, estatal, comunitária – são todos potencialmente viáveis para manter o recurso comum intacto ao longo do tempo. Ou seja, todos podem ser sustentáveis. Mas os mesmos autores também reconhecem que o inverso é verdadeiro, demonstrando não haver uma regra explícita a esse respeito.
Para chegar a essa conclusão, Feeny et al (1990) compararam as quatro categorias de regimes de propriedade em várias sociedades diferentes e verificaram que, de fato, apenas a categoria de acesso livre ao recurso comum sustenta os argumentos de Hardin, pois é um tipo de propriedade que não restringe o acesso a nenhum indivíduo, além de não ser capaz de instaurar normas de uso. 
  • Contudo, os autores enfatizam que o regime de propriedade comunal é o que apresenta melhor resultado, tanto pela capacidade de exclusão de indivíduos externos à comunidade detentora dos direitos de propriedade e usuária do bem comum, como pela instauração de regras de acesso e uso do patrimônio coletivo.
Por fim, os autores esclarecem que devido ao fato de Hardin não ter considerado a categorização de tipos de regime de propriedade e não ter percebido as possibilidades da propriedade comunal, acabou por confundi-la com o acesso livre, cuja ausência de direitos de propriedade redunda na tragédia da exploração abusiva do recurso. Propriedade comunal dos recursos naturais definitivamente não é sinônimo de livre acesso. 
  • Porém, tudo indica que a verdadeira equação não está exatamente no tipo do regime de propriedade, mas na existência de acordos ou regras de coerção mútua que imponham normas de acesso e uso aos recursos, o que evidentemente implica que se priorizem os interesses coletivos, em detrimento dos interesses individuais.
Enfim, Hardin evidencia corretamente a necessidade de se pensar em primeiro lugar no interesse coletivo, mantendo-se o interesse individual em segundo plano. Entretanto, sua análise não avançou como deveria, pois ele traçou um panorama linear entre crescimento populacional e degradação da natureza, homogeneizando todos os padrões culturais existentes no planeta, ao estilo da sociedade moderna, ou seja, não avançou, pois não encontrou condições de perceber a existência de padrões culturais em sociedades tradicionais, como os Povos da Floresta, por exemplo, que estabelecem freqüentemente regimes de propriedade comunal nos quais implicitamente existem regras de acesso e uso, a exemplo do que ele próprio chegou a sugerir, condicionando a solução da tragédia dos comuns à existência de uma coerção mutuamente acordada.
  • Sua teoria não progrediu, pois mesmo para o caso da civilização moderna, ele foi incapaz de perceber que uma sociedade autenticamente democrática pode encontrar formas de gestão dos recursos naturais de uma forma participativa, autônoma, eficaz, moldando um novo modelo de relação entre o Poder Público e a sociedade organizada e emancipada. A coerção mútua é a condição básica em que opera a política. 
O curioso é que nem mesmo depois de ter publicado em 1980 um outro ensaio dando sequência a esse debate, doze anos depois (Hardin, 1989), ele ainda não havia incorporado essa premissa na sua análise. O autor apenas insiste que a humanidade não deve ultrapassar a capacidade suporte do ambiente.

e) Natureza como patrimônio coletivo:

Chegamos enfim ao ponto central da argumentação até aqui desenvolvida. A natureza é passível de uma apropriação individual e privada ou ela deve ser entendida como um bem coletivo? É verdade que a equação não é tão simples assim mas, para efeito didático, vale a concessão. Vejamos alguns extratos que ilustram a questão:
“O primeiro que, cercando um terreno, se lembrou de dizer: Isto me pertence, e encontrou criaturas suficientemente simples para o acreditar, foi o verdadeiro fundador da sociedade civil. Que de crimes, de guerras, de assassinatos, que de misérias e de horrores teria poupado ao gênero humano aquele que, desarraigando as estacas ou atulhando o fosso, tivesse gritado aos seus semelhantes: ‘Guardai-vos de escutar este impostor! Estais perdidos se vos esqueceis de que os frutos a todos pertencem e de que a terra não é de ninguém!’” (Jean- Jacques Rousseau, 1755)
“A propriedade é o direito de usufruir e dispor das coisas, do modo mais absoluto, desde que não se faça delas um uso proibido pelas leis ou pelos regulamentos.” (Art. 544 do Código Civil Francês).
“Tal como qualquer outra instituição da vida social, o regime de propriedade não é absolutamente imóvel, sendo a História testemunho desse fato.” (Pio XI, Encíclica Quadragésimo Ano)
“Quando a sociedade atingir uma formação social superior, a propriedade privada de certos indivíduos sobre parcelas do globo terrestre parecerá tão monstruosa como a propriedade de um ser humano sobre o outro. Mesmo uma sociedade inteira não é proprietária da terra, nem uma nação, nem todas as sociedades de uma época reunidas. São apenas possuidoras, usufrutárias dela, e como bons pais de família, tem de legá-las, melhoradas, às futuras gerações.” (Karl Marx, 1875)
O capitalismo sempre entendeu a natureza como um elemento passível de privatização e transformação em mercadoria, pois o produto ambiental, enquanto “recurso natural” pode ser apropriado individualmente. 
  • Porém, a introdução do enfoque dos serviços ambientais, que distribui os benefícios da natureza difusa e indistintamente por toda a humanidade, cria uma nova percepção que enfraquece esse princípio, pois os serviços ambientais, enquanto externalidades positivas, são, por excelência, um patrimônio coletivo. O ar e a água limpa, o clima estabilizado, as encostas protegidas não podem pertencer a ninguém em particular. A percepção de que a natureza é um patrimônio coletivo limita o conceito de liberdade de ação individual na propriedade privada. 
A quem é dado o direito de explorar um determinado recurso e poluir o ar que todos respiram ou a água que todos bebem? A quem é dado o direito de poluir a Baía de Guanabara, por exemplo, seja através de dejetos domésticos ou industriais, ou de óleo de embarcações criminosamente despejados na água, quando pescadores retiram de lá seu sustento, banhistas usufruem lá seus momentos de lazer, e toda uma fauna e flora aquática lá sobrevivem?
  • É no mínimo curioso lembrar que segundo Casseti (1991), em 1755, Rousseau já observara que a corrupção das sociedades civilizadas começa no momento em que surge a propriedade privada, quando o espaço se torna mercadoria. À medida em que o regime de propriedade privada se disseminou, o processo de degradação ambiental se acentuou. Mas antes disso, a propriedade privada já havia sido ferozmente questionada, como podemos observar pelos comentários anteriormente transcritos.
Nesse contexto, é importante ressaltar as considerações de Przeworski (1993) acerca do impacto da democracia sobre a propriedade privada, teoria central nos debates sobre os direitos de voto e de associativismo na Europa ocidental e na América do Norte desde o século XIX. Muitos pensadores concordavam que as pessoas que não possuíssem uma propriedade privada passariam a usar os seus direitos políticos recém-adquiridos para expropriar as pessoas que detivessem a propriedade privada, enfraquecendo, consequentemente, o capitalismo. 
  • Em decorrência, muitos teóricos chegaram a concluir que o direito de voto estendido a toda população poderia acarretar no fim da propriedade privada e, portanto, de toda a civilização. O autor esclarece, porém, que o exame histórico do destino da propriedade privada não permite validar esse enunciado, uma vez que em nenhum país democrático ela foi extinta através do voto ou do poder associativista. 
Contudo, o autor reconhece enfaticamente que a democracia apresenta um nítido potencial ameaçador dos direitos de propriedade, e isso deve ser entendido atualmente à luz das novas concepções promovidas pela questão ambiental e, dentro do recorte teórico que assumimos, como uma possibilidade de se questionar e limitar a liberdade de ação na propriedade privada, sempre que ela represente possíveis comprometimentos da integridade ambiental, evitando-se que se acionem processos destrutivos dos serviços ambientais.
  • É importante frisar que não estamos defendendo a abolição da propriedade privada, mas sim reconhecendo a existência de limites à liberdade de ação individual dentro da propriedade privada, em geral, e dos recursos naturais, em particular. 
É necessário lembrar, porém, que essa constatação não representa nenhuma novidade, uma vez que Soffiati (1987) já havia comentado esse princípio ao examinar a proposta do texto da Constituição Federal de 1988, no qual o autor verificou que apesar de o legislador ter reconhecido o direito de propriedade, felizmente impôs restrições de ordem ecológica que, por sinal, também estão presentes no Código Florestal. Em seu trabalho, Soffiati afirma que:
“É preciso reconhecer que o direito de propriedade plena ou absoluta tornou-se incompatível com as exigências de nossos tempos. Não se trata, num país em que vigora um sistema capitalista, de propor o fim da propriedade privada, mas não se pode admitir mais que, em nome do direito a ela, sejam ignorados os interesses de caráter social ou cometidos os mais inomináveis atentados ao meio ambiente. Até mesmo os liberais reconhecem que o direito de propriedade plena pertence ao passado e não se coaduna com a realidade do nosso tempo.” (Soffiati, 1987: 19)
A persistência ainda vigente em atribuir à propriedade privada todos os males da humanidade ou todas as benesses comprova que ambas as tendências não se mostram íntegras o bastante para promover a unanimidade de opinião. 
  • Ao lado da propriedade que oprime, também existe a propriedade que liberta. Dessa forma, a questão central desloca-se de eixo: deixa de ser sobre o regime de propriedade ser privada ou não e passa a ser o limite de ação exercido no interior dela, com respectivos mecanismos de controle social. Da mesma forma, Fuks (1992) entende que considerar a natureza como um patrimônio coletivo leva à redefinição do conceito de propriedade. 
Nesse sentido, o autor discute como o sistema jurídico se posiciona a respeito e conclui que grande parte das ações jurídicas envolvendo questões ambientais confronta diretamente o proprietário de um bem contra os interesses da coletividade. 
  • Na medida em que o serviço ambiental se dissemina de modo aleatório pela sociedade, o sistema jurídico não teria outra possibilidade senão interpretá-lo como de interesse difuso. Essa é a razão pela qual o direito ambiental concebe atualmente a questão ambiental revestida por “interesses difusos”. Eles existem em função de um número indeterminado de sujeitos, refletindo, portanto, a recente vulnerabilidade do status quo liberal, centrado no indivíduo.
Recentemente, Fuks (1996) constatou que o direito ambiental brasileiro endossa a universalização do interesse na proteção ambiental, por intermédio do conceito do “interesse difuso”, já que ações individuais que afetam a qualidade ambiental acabam afetando também a coletividade, apesar de uns serem mais atingidos do que outros, conforme ressaltamos anteriormente. O meio ambiente só pôde surgir como realidade jurídica quando a natureza passou a ser percebida como um bem de uso comum, isto é, quando o interesse coletivo se sobrepôs ao direito individual. 
  • Com efeito, o autor explica que só com a Lei 7.347/85, que disciplina a ação civil pública, a sociedade organizada em associações de moradores, entidades ambientalistas, ou qualquer outra organização que tenha objetive a defesa do interesse difuso, adquire legitimidade para agir judicialmente.
Em grande medida, podemos declarar que a crise ambiental do final do século XX é resultante, entre outros fatores, da invasão do espaço coletivo por interesses privados acompanhados de usos abusivos. É a materialização da Tragédia de Hardin, em que o acesso ao recurso ambiental, de forma ilimitada, leva à sua exploração excessiva. 
  • Nessa ótica, o que é de todos acaba sendo de ninguém. Por isso Acselrad (1992) afirma que as lutas ambientais ganham projeção na atualidade como lutas para garantir o caráter coletivo do meio ambiente, com a criação de condições para que ele possa desempenhar seu papel de serviço ambiental.
De fato, o autor ressalta que o solo é o único elemento da natureza que se tornou passível de apropriação privada. Entretanto, determinados tipos de uso do território podem afetar indiretamente o bem-estar coletivo, pela evidente interface entre os efeitos distribuídos tanto no solo, como no ar e na água.

A Educação para a Gestão Ambiental