quarta-feira, 3 de fevereiro de 2016

Ciência & Tecnologia para o Desenvolvimento Sustentável

A Dinamarca está a preparar-se para o caminho da agricultura
totalmente sustentável. 


Encarar de frente o problema da interação do conhecimento científico e tecnológico na superação dos obstáculos para a consolidação de Cidades Sustentáveis, de uma Agricultura Sustentável, da Infra-Estrutura e Integração Regional, da Gestão dos Recursos Naturais e da Redução das Desigualdades Sociais, requer novos paradigmas e um entendimento mais profundo sobre:
  • Os laços entre conhecimento científico, inovações técnicas e mudanças sociais em favor da sustentabilidade econômica, social e ecológica;
  • As inter-relações da política pública de ciência e tecnologia com um projeto nacional de desenvolvimento, concebido sob critérios que valorizem os aspectos da nacionalidade, como caminho de valorização do Brasil na ordem globalizada;
  • Os aportes institucionais exigidos para a efetividade das políticas públicas de ciência e tecnologia postas a serviço do desenvolvimento sustentável;
  • O elenco de prioridades para que o sistema nacional de ciência e tecnologia possa integrar-se matricialmente aos pré-requisitos da sustentabilidade.
Esse conjunto de questões enfeixa os cortes temáticos do trabalho, no compromisso de construir uma estrutura matricial, entre:
  • As exigências de inovação e fortalecimento do sistema nacional de ciência e tecnologia brasileiro;
  • As políticas públicas de ciência e tecnologia;
  • Os suportes institucionais concernentes e os desafios da aplicabilidade dos princípios da Agenda 21.
O planejamento de políticas de gestão ambiental, nos propósitos do manejo integrado dos recursos naturais, tecnológicos e culturais de uma sociedade, conduz à necessidade de compreensão das inter-relações dos processos históricos, econômicos, ecológicos, políticos e culturais e dos caminhos do desenvolvimento. 
  • Nesse sentido, a ciência e a tecnologia para o desenvolvimento sustentável incorporam o saber ecológico e antropológico ao saber técnico.
A aplicação progressiva e interdependente da base científica e tecnológica no sistema produtivo em favor do desenvolvimento sustentável lança as bases da confluência de projetos multidisciplinares para objetivos comuns. Novas problemáticas interdisciplinares infundem novas exigências de produção do conhecimento e sua aplicação no planejamento do desenvolvimento. 
  • A articulação entre os conhecimentos corresponde ao fundamento primeiro de um desenvolvimento científico capaz de responder aos problemas multidimensionais da sustentabilidade do desenvolvimento nacional.
O que está em questão, portanto, é o desafio da inovação dos paradigmas científicos que obstaculizam as possibilidades de reorientação das práticas produtivas para o desenvolvimento sustentável. Este é o ponto crítico.
  • A “Ciência Cidadã”, como vem sendo chamada, é vetor de contribuição para a diminuição do abismo entre o mundo científico e as necessidades do desenvolvimento. Essa compreensão orienta os seis cortes temáticos que estruturam a íntegra do documento Agenda 21 Brasileira: 
Ciência e Tecnologia para o Desenvolvimento Sustentável:
  1. A relação entre C&T e sustentabilidade, os princípios éticos que conduzam a nova prática da produção de conhecimentos e da adoção de tecnologias;
  2. A dinâmica institucional em C&T, a organização, funções e estabilidade dos arranjos institucionais vigentes – responsáveis pelos processos decisórios de C&T e suas adequações ou inadequações aos princípios da sustentabilidade. As palavras-chave são: democratização e participação social;
  3. A C&T para a gestão ambiental, na centralidade das contribuições da ciência e da tecnologia para metodologias e procedimentos de prevenção e correção de danos;
  4. As tecnologias para os processos produtivos, a necessidade e a importância de uma estrutura endógena para absorção, geração e inovação tecnológica;
  5. Os instrumentos para a política e a gestão da ciência e da tecnologia, no quadro de exigências de sua eficácia para a sustentabilidade e para o avanço da construção democrática;
  6. A legislação em vigor e o processo decisório das normas, no desafio de reconhecer as futuras gerações como sujeitos do direito à sustentabilidade do desenvolvimento, ainda que no presente não possam reivindicá-lo.
A metodologia de construção das análises obedeceu a dois critérios fundamentais: o primeiro, consultas a diversos setores de atividades para identificar as demandas sociais de adequação do sistema de C&T brasileiro em favor da sustentabilidade. 
  • O segundo, contribuir com o sistema de C&T na sua capacidade de internalizar princípios e práticas da sustentabilidade para responder às demandas emitidas pelos demais temas integrantes da Agenda 21 brasileira.
Ao final do processo institucional conduzido pelo MMA, de produção dos temas prioritários para a elaboração da Agenda 21 brasileira e com base na compreensão de ser o sistema de C&T meio de implementação das recomendações programáticas dos demais temas, o consórcio CDS-ABIPT apresenta, como contribuição complementar ao processo de elaboração da Agenda 21, a sistematização das demandas de C&T inscritas nos documentos Cidades Sustentáveis, Agricultura Sustentável, Infra-Estrutura e Integração Regional, Gestão dos Recursos Naturais e Redução das Desigualdades Sociais.

Marco Teórico-Conceitual:
  • O marco teórico-conceitual da Agenda 21 brasileira para a C&T repousa sobre uma premissa fundamental: a Agenda 21 para a C&T deve vincular-se a uma modernidade ética, e não apenas a uma modernidade técnica.
A modernidade técnica faz dos meios fins em si, apoiando-se sobre critérios estritamente operacionais de causalidade eficiente e produtividade. Em contraposição, a modernidade ética tem como referência primordial o reconhecimento explícito de valores e finalidades extrínsecas aos critérios estritamente operacionais. O princípio “sustentabilidade” pode ser o fundamento de uma modernidade ética. Esta perspectiva exige, pelo menos, três esclarecimentos básicos sobre:
  1. O sentido de modernidade;
  2. O sentido originário da ética;
  3. A própria noção de “sustentabilidade”.
Toda “modernidade” exige, como condição de sua emergência, uma ruptura na representação do tempo. Isso significa um movimento transformador na estruturação da identidade cultural. Metaforicamente, esse movimento exprime uma “migração” de um “território imaterial” consolidado em direção a um novo “território imaterial” de horizontes de expectativas e de experiências da vida humana em sociedade. 
  • Nessa “migração”, abandona-se a estrutura mítico-simbólica da repetição e da lógica do idêntico, assegurada pelas tradições, e ousa-se fazer nova morada na dialética entre o idêntico e o diferente.
Esse movimento só se tornou possível pela emergência do filosofar e da razão crítica questionadora da autoridade míticamente fundamentada. A questão nevrálgica neste contexto é a possibilidade de se desqualificar a autoridade inerente ao antigo, fazendo do presente instância de juízo. 
  • O presente ousa propor o novo, criticando a herança tradicional. Não há uma única modernidade, há diversas modernidades, afirmadas nas relações tensas da razão crítica exercida no presente, em sua confrontação com as diversas autoridades tradicionais.
O sentido originário da ética, no pensamento filosófico da Grécia Antiga, refere-se tanto à physis como ao ethos, ambos formas primeiras de presença do Ser. A physis é um domínio da necessidade, o ethos, em contraposição, rompe com esse quadro. Escapa do domínio da necessidade e da repetição determinista e torna possível o advento do diferente, do novo, como um domínio da liberdade aberto pela práxis.

Na tradição filosófica da Antiguidade, o ethos tem, ainda, um significado dual:
  1. É a condição de existência de um mundo humanamente habitável;
  2. É o comportamento humano feito hábito.
A práxis é a mediadora desses dois momentos constitutivos do ethos. Viabiliza a construção da “morada imaterial” de valores, no interior da qual os homens livres podem assegurar a continuidade de suas existências. Assegura também a estabilização da vida associada pela institucionalização de hábitos “virtuosos”.
  • A ética surge na Grécia Antiga como a expressão conceitual-filosófica de uma “ciência do ethos”. Tem como foco central a explicitação do ethos como lei, no seio da pólis democrática, que tem na justiça a sua legitimidade. Desse modo, a ética faz do justo o predicado do verdadeiro cidadão.
No cerne de todo agir ético está o reconhecimento e a fixação de limites. A ética circunscreve e delimita o exercício de poderes. A perspectiva ética é, assim, eminentemente relacional e vincula-se às noções de alteridade e de vulnerabilidade, ou seja, a ética nasce nas relações entre o mesmo e o diverso e reconhece que essas relações podem ser ameaçadas de destruição. 
  • A ética reconhece as irreversibilidades e as assimetrias nos exercícios de poderes e, conseqüentemente, que o exercício do poder não assegura a sua legitimidade.
Em sentido contrário, os poderes da modernidade técnica crescem em um vácuo ético, por pretenderem desconhecer limites. Como uma possível alternativa de preenchimento desse vácuo, a ética da sustentabilidade adquire um sentido emergencial. 
  • Os valores da ética da sustentabilidade podem fundamentar a idéia da perenização da vida como o limite e valor mais alto do agir humano, em meio à vertiginosa espiral de poderes da modernidade técnica contemporânea.
A ética da sustentabilidade envolve uma revisão de premissas formadoras de mentalidades, concepções de mundo e estruturas de hábitos. A proposta de um desenvolvimento sustentável tem uma dimensão crítica, inclinada para transformações na organização da cultura e na pedagogia social.
  • O princípio “sustentabilidade” não se limita ao cálculo utilitarista das conseqüências de cursos alternativos de ação. Impõe, às racionalidades instrumentais das diversas práticas humanas (economia, política, ciência e tecnologia, etc.), fins e valores que lhes são extrínsecos. Em suma, não basta ser eficiente para ser sustentável, embora a eficiência seja requerida pela sustentabilidade. 
A sustentabilidade funda, portanto, um sentido ético-político para o desenvolvimento. Deve ser percebida como um fenômeno complexo de múltiplas dimensões (social, espacial, ecológica, político-institucional, econômica, cultural, etc.), integradas como “vasos comunicantes” de um sistema. 
  • Não é possível formular diretrizes políticas unidimensionais para o desenvolvimento sustentável fazendo de cada racionalidade instrumental das diversas práticas humanas uma “autarquia”.
Há três décadas, diversas utopias realistas passaram a animar um novo esforço de se compatibilizar o real, o desejável e o possível, com base em paradigmas de cooperação e solidariedade da humanidade entre si e com a biosfera. E como fruto de tal processo, nasceu a Agenda 21. 
  • Todavia, não há como negar a existência de tensões e antagonismos entre as tendências hegemônicas da C&T dominante e suas aplicações cotidianas e os imperativos da ética da sustentabilidade. A Agenda 21 da C&T brasileira não poderá ignorar isso. 
Algumas questões críticas podem ser incluídas em três grandes blocos temáticos:
  1. O agrobusiness biotecnológico, com destaque para a questão das sementes transgênicas;
  2.  As implicações das biotecnologias globais para as biodiversidades regionais;
  3. As causas e as conseqüências das mudanças climáticas (efeito estufa, degelo da calota polar, sequestro do carbono, etc.).
A modernidade ética da sustentabilidade afirma o valor da diversidade cultural como patrimônio universal, o que pode entrar em relação tensa e conflitiva com algumas ideologias da “globalização”. Desse modo, os projetos de desenvolvimento sustentável devem afirmar as identidades nacionais, regionais, étnicas e religiosas presentes em cada sociedade, ao mesmo tempo em que o princípio “sustentabilidade” não anula a dimensão nacional-estatal do processo de desenvolvimento. 
  • A democratização requerida pela modernidade ética da sustentabilidade não é incompatível com a soberania do Estado nacional, nem deslegitima as instâncias governamentais em sua função diretiva e regulatória das políticas públicas.
A Agenda 21 brasileira deve, portanto, estar referida a dois princípios norteadores e fundantes:
  • A ética da sustentabilidade, como valor universal;
  • A afirmação da identidade brasileira nas suas particularidades históricas e regionais.
Desse modo, a Agenda 21 da C&T brasileira deve contemplar ações estratégicas para democratizar a tomada de decisões em C&T, sob coordenação do Estado Nacional, e favorecer a formulação, a implementação, o acompanhamento e a avaliação de uma política nacional de C&T. 
  • A política de C&T para a sustentabilidade deve ser induzida pelo poder público democraticamente legítimo, que prioriza um conjunto de grandes blocos temáticos estratégicos para a realização da modernidade ética do princípio “sustentabilidade”. Não há “espontaneísmo” na realização de suas metas, nem na forma de um laissez-faire econômico-empresarial, nem de um laissez-faire científico-tecnológico.
A política de C&T para a sustentabilidade caracteriza-se por um ecletismo tecnológico. As tecnologias da sustentabilidade não reproduzem um modelo único e homogêneo. Compreendem um mix eclético de procedimentos que combina, de modo variado, instrumentos low, middle e high-tech. 
  • A sustentabilidade, como princípio ético universal, configura situacionalmente esse mix em cada sociedade, em função de sua herança histórico-cultural e suas condições geográficas e geopolíticas. Nessa interação, esse “mix” adquire uma configuração que lhe é própria, singular, específica.
A Agenda 21 brasileira da C&T como instrumento da modernidade ética deve favorecer:
  1. O processo de conscientização informada;
  2. A democratização do processo de tomada de decisão em C&T;
  3. A prática da gestão estratégica;
  4. A geração, a absorção, a adaptação, a inovação e a difusão de conhecimentos científicos e tecnológicos.
No âmbito da política de C&T para a sustentabilidade, os critérios de avaliação de desempenho devem necessariamente vincular a excelência com a relevância. Para isso, a “crítica dos pares” não é suficiente. Ela necessita ser complementada pela participação dos “diversos”, como veículo para evitar corporativismos e unilateralismos. 
  • Desse modo, a modernidade ética do desenvolvimento sustentável entrelaça a política de C&T e o processo democrático-participativo, centrado na implantação de um sistema nacional de aprendizado tecnológico ativo, norteado por demandas nascidas das carências e das especificidades nacionais, regionais e locais.

Secretaria de Desenvolvimento, Ciência e Tecnologia constrói mapa 
estratégico com foco nas vocações regionais

Condicionantes do Desenvolvimento Sustentável: 
  • Uma especificidade básica condiciona o desenvolvimento sustentável brasileiro: a herança de seu estilo de desenvolvimento passado e presente.
O desenvolvimento foi a idéia força que mobilizou as nações capitalistas pobres no Pós-Guerra. A maioria das políticas e das teorias de desenvolvimento identificou a industrialização como a via da superação da pobreza e do subdesenvolvimento. 
  • Tal identificação é resultado do entendimento de que a industrialização era o veículo da incorporação acelerada de progresso técnico ao processo produtivo e, portanto, da contínua elevação da produtividade do trabalho e da renda.
Os esforços das nações que lideraram o surgimento e a consolidação industrial no mundo são completamente diferentes dos das nações de industrialização retardatária que competem nos mercados mundiais de produtos industriais já consolidados.
  • O Brasil é um desses casos de industrialização retardatária. É uma economia cujo processo de industrialização ocorreu em um contexto de um setor industrial consolidado em outras partes do mundo para atender às necessidades de manufaturas dos mercados internacionais, inclusive de seu mercado doméstico. Essa característica marca profundamente a natureza de seu processo de mudança técnica e seu próprio estilo de desenvolvimento.
Contrariamente ao que ocorreu nas economias hoje industrializadas, o Brasil não pôde e não pode contar com a vantagem de competir nos mercados (nacionais e internacionais) com produtos inovadores (e que, por isso, não têm concorrentes) ou produzidos por tecnologias inovadoras (e, portanto, mais produtivas ou eficientes do que as utilizadas pelos concorrentes).
  • A competitividade das economias industrializadas é baseada no emprego de tecnologias inovadoras. Por isso, são adequadamente caracterizadas como Sistemas Nacionais de Inovação. Economias retardatárias, como o Brasil, no entanto, baseiam seu sistema de mudança técnica na absorção e no aperfeiçoamento de inovações geradas nas economias industrializadas. 
Por isso, são melhor caracterizadas como Sistemas Nacionais de Aprendizado Tecnológico. O fato de os processos de mudança técnica das economias retardatárias serem basicamente restritos ao aprendizado tecnológico limita profundamente a competitividade de seus produtos industriais.
  • Essa condição estrutural obriga as economias retardatárias a recorrerem a formas especiais de compensação pela inferioridade das tecnologias que empregam em seu esforço de industrialização. Para viabilizar seus processos de industrialização, tais economias necessitam encontrar mecanismos que compensem a falta de competitividade tecnológica de seus produtos manufaturados.
A competitividade inicial dos produtos industriais das economias retardatárias pode basear-se nos baixos preços locais de mão-de-obra e matérias-primas, na exploração (predatória ou não) dos recursos naturais e, ainda, na proteção ou subsídio estatal. 
  • Contudo, essas vantagens comparativas não são suficientes para assegurar o avanço do processo de industrialização, assim como não o são para garantir uma verdadeira e sustentada competitividade.
A vantagem representada pela abundância relativa de matérias-primas é, em certo sentido, ilusória. Só será efetiva se as matérias-primas forem vendidas para a indústria local a preços mais baixos do que os predominantes no mercado internacional. Isso somente ocorre quando seus produtores são induzidos pelo Estado a fazê-lo.
  • Apesar de os baixos salários terem representado uma vantagem comparativa no início do processo de industrialização das economias retardatárias, a competitividade a longo prazo jamais poderá apoiar-se nessa vantagem, por quatro razões fundamentais. A primeira, os salários tendem a subir com o avanço do processo de industrialização. 
A segunda, o avanço tecnológico nos demais países, certamente, elevará a produtividade do trabalho de suas economias, reduzindo ou eliminando a vantagem representada pelos baixos salários. A terceira razão, as indústrias intensivas em mão-de-obra estão sempre se deslocando para países com salários mais baixos. 
  • A última e mais importante, não vale a pena (não contribui para o desenvolvimento) participar de uma competição a ser vencida pelo país que pagar os salários mais baixos. Por tais razões, a estratégia de competitividade baseada essencialmente em baixos salários é apta a competir pela miséria e não pelo desenvolvimento.
A necessária proteção ou subsídio estatal à indústria nascente tampouco será eficaz ou sustentável a longo prazo se a absorção de capacidade de produção industrial não se associar a um eficaz esforço tecnológico em benefício da progressiva elevação da produtividade da indústria local.
  • As formas de compensação à baixa competitividade tecnológica dos produtos industriais das economias retardatárias asseguram, diretamente, apenas competitividade espúria aos produtos. Ganhos de competitividade são considerados espúrios quando são alcançados às custas da redução das condições de vida da população (atual ou futura) ou da exploração predatória dos recursos naturais.
Somente a competitividade autêntica é compatível com o efetivo desenvolvimento a médio e longo prazos. Ganhos de competitividade autêntica só podem ser obtidos por intermédio da efetiva elevação da produtividade ou da qualidade da produção nacional. 
  • Somente o desenvolvimento de um esforço tecnológico eficaz das economias retardatárias pode assegurar ganhos de competitividade autêntica Todavia, o esforço tecnológico dessas economias está limitado pela natureza de seus sistemas nacionais de mudança técnica.
São três as formas básicas de mudança técnica: a inovação, a absorção de inovações e o aperfeiçoamento de inovações.
  • Os sistemas nacionais de mudança técnica característicos das economias industrializadas — os Sistemas Nacionais de Inovação — incorporam, além da simples capacitação para produzir (isto é, da capacidade de absorver tecnologias preexistentes necessárias para produzir), as capacitações tecnológicas para aperfeiçoar as tecnologias absorvidas e para inovar criando novas tecnologias. 
Essas nações seguem uma estratégia tecnológica que conjuga o esforço de dominar o processo de produção com um esforço deliberado e bem-sucedido de domínio sobre o processo de produção de tecnologias.
  • As economias retardatárias, contudo, seguem uma estratégia tecnológica que objetiva essencialmente a absorção de capacitação para produzir produtos manufaturados. Inicialmente, seus sistemas de mudança técnica — Sistemas Nacionais de Aprendizado Tecnológico — desenvolvem apenas a capacitação para absorver tecnologias geradas em outros países. 
Essa capacitação é melhorada, de forma natural, com simples aquisição de experiência (em termos de tempo e volume) de produção — learning-by-doing. Contudo, o desenvolvimento de uma efetiva capacitação de aperfeiçoamento das tecnologias absorvidas só é adquirida como resultado de um esforço tecnológico deliberado.
  • As economias retardatárias que desenvolveram simplesmente a capacitação tecnológica para produzir podem ser caracterizadas como Sistemas Nacionais de Aprendizado Tecnológico Passivo. Sua reprodução econômica depende essencialmente de mecanismos que proporcionem ganhos de competitividade não-tecnológicos (espúrios) para seus produtos. 
As economias retardatárias que conseguem conjugar seu esforço de capacitação para produzir com um esforço deliberado e bem-sucedido para dominar e aperfeiçoar a tecnologia de produção absorvida são mais bem caracterizadas como Sistemas Nacionais de Aprendizado Tecnológico Ativo. Tais economias podem reduzir significativamente sua dependência de mecanismos que assegurem competitividade espúria para seus produtos.
  • A incorporação da capacidade para aperfeiçoar as tecnologias absorvidas pelos sistemas de aprendizado tecnológico representa um passo decisivo de economias retardatárias em direção à redução de sua dependência de mecanismos que asseguram ganhos espúrios de competitividade. Muitas das condições socioambientais perversas –– pobreza, miséria, desigualdade e degradação ambiental –– alimentam-se da falta de um sistema de mudança técnica que assegure uma competitividade autêntica aos produtos.
O aprendizado passivo e a competitividade espúria não necessitam ser a fatalidade dos processos de industrialização retardatária. Podem constituir-se, na verdade, em uma etapa inicial de um processo mais longo de transformação de sistemas nacionais de mudança técnica. 
  • Para tanto, essa etapa precisa ser sucedida por uma trajetória de aprendizado tecnológico ativo. Essa é a lógica que justifica políticas de proteção e apoio à indústria nascente.
A superação das condições perversas associadas à competitividade espúria inicia-se com a construção de um deliberado e consistente esforço tecnológico voltado para a superação dos limites do aprendizado passivo. 
  • Este primeiro passo — a adoção de uma estratégia tecnológica de aprendizado ativo — constitui-se, também, em um passo necessário (mas não suficiente) para alcançar uma estratégia efetivamente inovadora, a única capaz de assegurar o predomínio da competitividade autêntica.
O Sistema Nacional de Aprendizado Tecnológico brasileiro é, no geral, um sistema de aprendizado passivo. Não é capaz de assegurar um mínimo de competitividade tecnológica para a maioria de seus produtos. 
  • Precisa afirmar grande parte de sua competitividade nos salários aviltados, na proteção ou no subsídio estatal e na exploração predatória de seus recursos naturais, pois carece do vetor de dinamismo, representado pela capacitação tecnológica, para aperfeiçoar as inovações absorvidas, além da óbvia carência da capacitação para inovar.
Os baixíssimos níveis médios de educação dos trabalhadores brasileiros estão estreitamente ligados à natureza passiva de nosso sistema de aprendizado tecnológico. O nível educacional dos operários é fator chave para os sistemas ativos de aprendizado tecnológico, na medida em que dependem do aperfeiçoamento das inovações absorvidas, como em algumas economias do leste asiático. 
  • Os níveis educacionais são uma das causas da passividade de nosso sistema de mudança técnica. No passado, contudo, foram funcionais para um sistema de mudança técnica que conseguia viabilizar a reprodução da economia com a simples absorção da capacidade de produzir.
A precária formação educacional da média da população brasileira convive com a qualificação relativamente elevada do subsistema de produção de conhecimento científico, outra característica estrutural do sistema de mudança técnica brasileiro. A base de recursos humanos e laboratoriais para pesquisa e desenvolvimento existente no Brasil é relativamente boa, mas muito desvinculada das necessidades do processo produtivo. 
  • A contribuição brasileira para a produção científica mundial é vinte vezes superior a sua contribuição para a produção tecnológica mundial. Esse desequilíbrio indica a dissociação entre a capacidade brasileira de produzir conhecimentos científicos e as demandas de conhecimentos tecnológicos do processo produtivo.
O Brasil conseguiu implantar um enorme e diversificado parque industrial, cuja complexidade e integração só foram alcançadas por pouquíssimos países no mundo. O processo de industrialização foi o principal responsável pelo fato de o Brasil ter sido o país de maior crescimento mundial entre 1900 e 1980. Contudo, essa expressividade foi insuficiente para assegurar o desenvolvimento econômico, como previam as antigas teorias de desenvolvimento. 
  • O modelo fracassou em seu objetivo de assegurar um padrão de vida crescente para sua população. Mostrou-se incapaz de manter seu dinamismo, a partir de fins da década de 1970. Não reduziu, antes pelo contrário, agravou a desigualdade da distribuição da renda nacional, além de não ter sido capaz de eliminar a miséria. Mostrou-se, ademais, pouco responsável do ponto de vista ambiental.
Um conjunto complexo de fatores organiza a herança do estilo brasileiro de desenvolvimento. Na raiz, a incapacidade de gerar uma dinâmica própria de desenvolvimento tecnológico e, conseqüentemente, de elevação da produtividade e da competitividade (autêntica) de bens e serviços.
  • Durante os anos 1990, o Brasil abandonou as políticas desenvolvimentistas. Desmontaram-se as políticas industrial e tecnológica. Passou-se a buscar, nas consignias hegemônicas do neoliberalismo, a abertura e a desregulamentação dos mercados internos e externos. Esperava-se que a pressão competitiva, aumentada pela abertura do mercado interno para produtos e capitais externos, mudasse o padrão tecnológico das empresas e a própria natureza do sistema de mudança técnica brasileiro. 
A abertura dos mercados brasileiros no processo de globalização tecnológica, a dispersão internacional da produção e o emprego de inovações criariam as condições de redução das diferenças dos sistemas nacionais de mudança técnica.
  • O fenômeno de globalização tecnológica está se produzindo de maneira inversa ao receituário. O que está ocorrendo, nos desdobramentos do processo de globalização, é um processo de especialização e diferenciação crescentes dos sistemas de mudança técnica das nações e a consolidação de ilhas nacionais de competência cercadas por oceanos de nações, sem competência para inovar.
Conceber que a simples inserção da economia brasileira nos mercados internacionais globalizados e a pressão competitiva dos mercados abertos serão a solução natural para os problemas da precariedade tecnológica não parece ser suficiente para mudar a natureza do sistema de mudança técnica brasileiro. A melhor política não é a não-política, como propõe a doutrina econômica dominante. 
  • Muito tempo já foi perdido na ilusão de que a solução dos problemas brasileiros viria do simples desmonte das políticas desenvolvimentistas e da conseqüente liberação das forças e das potencialidades do livre mercado.
O desenvolvimento industrial almejado no Pós-Guerra não foi alcançado pelo Brasil, nem pela maioria das nações pobres. Todos já sabem, ademais, sobre a insustentabilidade do estilo de desenvolvimento das nações ricas e da sua impossibilidade de universalização. O desenvolvimento sustentável é uma nova idéia força que emerge neste quadro e progressivamente se vai impondo.
  • O antigo estilo do desenvolvimento brasileiro já se encontrava comprometido pelas enormes limitações da geração e da absorção de conhecimentos científicos e tecnológicos. A ambição da idéia do desenvolvimento sustentável é alcançar essa capacidade, mediante uma também ambiciosa política de ciência e tecnologia, comprometida com a construção das bases técnicas e científicas requeridas à sustentabilidade social, ecológica, econômica, espacial, política e cultural. 
Nessa perspectiva, apresentam-se as recomendações para os seis campos temáticos do trabalho.

Ciência & Tecnologia para o Desenvolvimento Sustentável