sexta-feira, 19 de fevereiro de 2016

Gênero e Meio Ambiente

Mulher Indígena
  • Considerando que este trabalho tem como eixo a perfilhação de representações de ONGs no final dos anos 90, sobre o trânsito entre gênero e meio ambiente, recorremos a expressões sobre a população para tal horizonte de tempo.
De acordo com o censo de 1991, de uma população total de 146.917.459 pessoas, as mulheres representavam 51%, das quais 56% brancas e 43% não brancas. Em uma vasta extensão de terra de 8.511.996 km2 e forte redução da taxa de fecundidade (4,4 filhos por mulher em 1980, e 2,7 filhos por mulher em 1991 — IBGE 1990 e 1991), a relação entre população e meio ambiente se equacionaria por várias óticas. 
  • Dentre essas óticas, a da qualidade de vida, dos direitos reprodutivos, das diferenciações sociais na equação gênero/meio ambiente e dos direitos humanos, reterritorializadas por considerações à diversidade e às assimetrias históricas entre grupos sociais, segundo classe, gênero e raça, como também por discriminações aos comportamentos sexuais. 
Atualmente, esta é uma perspectiva comum na literatura produzida por feministas e pessoas relacionadas a entidades do movimento de mulheres no Brasil.
  • O enfoque “gênero/meio ambiente” e seu contexto Mesmo considerando a extensão da pobreza no Brasil, associada a tempos de baixa das taxas de fertilidade, por ocasião da ECO-92, as mulheres receberam apoio na tese que rejeita a associação linear entre pobreza e aumento da população.
Segundo representantes das ONGs WEDO e REDEH, a principal causa da degradação ambiental são os poluentes industriais e militares, dejetos tóxicos e sistemas econômicos que exploram e prejudicam a natureza e os povos. 
  • Sentimo-nos insultadas com a insinuação de que as taxas de fertilidade feminina (eufemisticamente chamadas pressões populacionais) são responsáveis pelo fenômeno mencionado.
O meio ambiente seria assumido em nível internacional, nas Nações Unidas, em setores da sociedade civil e na mídia, sendo objeto de políticas públicas de alguns países latino-americanos. Problemas de contaminação da camada de ozônio e o alto e indiscriminado consumo dos países industrializados, e mesmo de alguns grupos sociais nos países em desenvolvimento, seriam temas recorrentes.
  • Abordar meio ambiente e desenvolvimento sustentável implica fazer referência a fatores relacionados à degradação ambiental dos ecossistemas em geral, por exemplo, o desmatamento, a contaminação da água, do solo e do ar, assim como a superexploração e inadequado manejo dos recursos naturais. 
Contudo, é um fato conhecido que o discurso da conservação tem sido abordado de uma perspectiva puramente biológica, sem considerar a relação que os homens e as mulheres e suas distintas formas de organização estabelecem com o seu entorno. 
  • Referimo-nos às relações que estabelecem os seres humanos entre si e com os outros entes da natureza, através de criações mais simples, ou elaboradas, ou mesmo contraditórias, como no contexto da sociedade mais ampla.
O enfoque conservacionista teve influência na problemática ambiental. Essa corrente de pensamento limitou-se a colocar as soluções alternativas para o problema ambiental, sem considerar que em muitos casos esse é um sintoma de uma problemática muito mais ampla que não se aborda, ou seja, que engloba problemas econômicos, sociais e políticos.
  • Por outro lado, não se pode falar de conservação dos recursos naturais sem relacioná-los com modificações em circunstâncias históricas específicas, com elementos concretos e objetivos. 
Assim, ao se abordar o tema, deve-se pensar quem, como e por que conservar ou não determinados recursos, caso contrário poder-se-á estar fazendo suposições ou generalizações de pouco valor para a compreensão da realidade ou intervenção na realidade.
  • Dentro da sociedade, os diversos grupos humanos se ordenam, hierarquizam-se, diferenciam-se e ocupam determinada posição, na qual desenvolvem, também, diversas formas de relação com a natureza. Gilberto Gallopín (1986) observa que esse nexo se produz por meio de dois vetores: o conjunto das ações humanas que incidem no sistema ecológico natural e os efeitos ecológicos gerados pela natureza que incidem no sistema social.
No entanto, destaca-se uma subestimação da importância de análises sociais ligadas à questão ambiental. Quando nos referimos ao meio ambiente, estamos tratando de compreender e de relacionar processos naturais ligados à ação humana. 
  • Em última instância, não se trata de conhecer processos sociais e naturais de forma isolada, mas antes de saber de que maneira o uso que a humanidade atualmente faz dos recursos existentes interfere em processos naturais que afetam a qualidade de vida dos homens; e de saber quais formas alternativas de utilização são possíveis para que os impactos negativos de desenvolvimento sejam evitados ou minimizados (Abramovay,1993).
Os modelos de desenvolvimento existentes afetam de maneira diferente o cotidiano de homens e mulheres. O padrão corrente de desenvolvimento não é nem sustentável, nem igualitário. Para melhorar a condição do ser humano na sociedade, é importante desentranhar as estruturas de poder nas quais estamos imersos (Abramovay, 1994). 
  • Para se chegar a um novo modelo de desenvolvimento, todos os atores e atrizes sociais tem de ser contemplados, considerando-se suas vozes. É dentro dessa ótica que chamamos a atenção não só para a incorporação das mulheres em análises das necessidades práticas existentes, como para a utilização da perspectiva de gênero para o estabelecimento de políticas sociais mais justas e equitativas.
O enfoque de gênero está centrado na vivência e na incorporação de ações de homens e mulheres nas políticas e programas, para apontar diferenças e semelhanças e realizar propostas concretas de como garantir uma participação mais efetiva, quer na modelagem, quer nos frutos de um desenvolvimento que se deseja sustentável.
  • Um enfoque de política pública ou de programas em uma perspectiva de gênero, envolvendo homens e mulheres, indicaria com mais especificidade o uso diferenciado dos recursos, fundamentado nas relações que estabelecem homens e mulheres entre si, entre grupos, na comunidade e sociedade em geral, e com a natureza em particular. Um enfoque de gênero não se refere somente às medidas utilizadas para incorporar a mulher no processo de desenvolvimento.
Questiona, tal como o conceito de desenvolvimento sustentável, o fim e o conteúdo do desenvolvimento, assinalando a necessidade de buscar novas políticas que contribuam para a mudança das estruturas de desigualdade existentes e o uso sustentável do meio ambiente. O desenvolvimento será sustentável e equitativo quando homens e mulheres participarem de forma mais igualitária, em todos os níveis, do processo de tomada de decisões.
  • A equação gênero e meio ambiente trouxe, ademais, questões criativas e provocadoras para o debate contemporâneo sobre crise de paradigma, ou seja, sobre o conhecimento ocidental, como a reterritorialização do espaço e do ambiente, referindo-se ao corpo, à saúde, à sexualidade, ao prazer e ao telúrico. 
Tal equação questiona sentidos da economia política para a igualdade de vida dos indivíduos, considerando a pluralidade de ser/estar neste mundo, ultrapassa célebres dicotomias entre indivíduo e sociedade e entre natureza e cultura, dicotomias tão caras ao pensamento ocidental, defendendo o equilíbrio dos direitos dos seres humanos em sua diversidade, e o direito à casa desses seres humanos, o seu corpo e o planeta.
  • É nesse contexto que surge a proposta para conhecer como se vem dando a equação gênero e meio ambiente no Brasil, considerando olhares e práticas de algumas agências. Optou-se por fontes primárias, entrevistas com organizações governamentais ligadas ao tema, ONGs em atividade no campo do desenvolvimento e ONGs ambientalistas, ONGs feministas e Grupos de Base.
O trabalho de pesquisa iniciou-se em fevereiro de 1997, com a duração prevista para quatro meses. Os objetivos básicos que o nortearam foram:
  • Mapear as experiências atuais em desenvolvimento sócio-ambiental, com participação ativa das mulheres no âmbito de organizações governamentais (nível federal) e não-governamentais (priorizando as de ação nacional ou de reconhecimento por pares, por seu curso de vida);
  • Registrar as perspectivas e representações sobre gênero e meio ambiente, considerando a amostra de informantes, no sentido de também mapear a heterogeneidade de enfoques e a plasticidade do conceito de meio ambiente, em particular quando uma população específica — mulheres — é focalizada;
  • Identificar políticas na equação gênero e meio ambiente, considerando avaliações das/dos informantes;
  • Sistematizar um primeiro inventário de experiências locais, que têm as mulheres, em especial em comunidades pobres, como gestoras e beneficiárias de ações e que se alinhariam a princípios de desenvolvimento sustentável, cujo objetivo, latente ou manifesto, fosse as mudanças das relações de gênero, tendo como parâmetro a indicação das unidades de informação deste trabalho.
O foco temporal do trabalho é o ambiente após a ECO-92, tendo como referência ONGs desenvolvimentistas/ambientalistas/ecologistas e aquelas que, no movimento de mulheres, viriam desenvolvendo atividades ligadas à equação gênero e meio ambiente, ainda que breves referências sejam feitas à história anterior.

Catadora de Recicláveis

Entrevistas:
  • Optamos por uma metodologia que privilegiou entrevistas semi estruturadas, com duração média de duas horas cada. Foram realizadas 30 entrevistas nos estados do Rio de Janeiro, São Paulo, Rio Grande do Sul, Bahia e Distrito Federal. 
Dessas entrevistas, 17 tiveram como referência ONGs desenvolvimentistas/ambientalistas/ecologistas, 8 foram com responsáveis por ONGs do movimento de mulheres e feministas (no Anexo, apresentamos uma lista com o perfil das ONGs sedes das/dos informantes). 
  • Foram feitas também duas entrevistas com autoridades em organizações governamentais, a saber: a Presidente do Conselho Nacional dos Direitos da Mulher (CNDM), Rosiska Darcy de Oliveira, e o Secretário da Coordenação de Assuntos do Meio Ambiente, do Ministério do Meio Ambiente, Haroldo Mattos Lemos. 
Complementam o acervo de entrevistas as que foram realizadas com três pessoas de notório saber nos temas do trabalho, Ângela M. S. Arruda, Carlos Minc e Ana Maria Paula da Fonseca. As entrevistas foram gravadas com a autorização das/dos entrevistados.

São tópicos do roteiro de entrevistas:
  • Identificação da organização, seus objetivos, quadro de pessoal e projetos, prática de trabalhos com as mulheres, tipo de metodologia empregada nos trabalhos, recursos e necessidades;
  • Representações quanto às conferências internacionais do Ciclo Social das Nações Unidas, em especial as do Rio-92,Cairo-94 e Beijing-95, focalizando papel para o debate sobre gênero e meio ambiente no Brasil, desenvolvimento dos movimentos sociais e políticas públicas; globalização e o lugar do local (municipal e comunitário); conceito de meio ambiente e desenvolvimento sustentável, temas no Brasil e estado da arte (conhecimento e experiências);
  • Indicação de projetos locais considerados bem-sucedidos.
Seleção de ONGs:
  • As pesquisadoras adotaram a operacionalização seletiva do conceito de ONGs, tendo em vista a heterogeneidade de entidades que se enquadrariam nessa rubrica e o grande número de entidades referidas como tais, marca da contemporaneidade. Por exemplo, a publicação da ABONG — Associação Brasileira de ONGs — (Landim e Cotrim, 1996) relaciona, entre as ONGs filiadas, 121 entidades. Já a publicação Desenvolvimento sustentável: 100 experiências brasileiras, do Ministério do Meio Ambiente (1997), sugere que só em meio ambiente haveria um número superior àquele. 
De fato, para o seminário organizado pela Articulação de Mulheres como atividade prévia à Conferência de Beijing, registraram-se quase 800 entidades não ligadas ao governo, relacionadas com o movimento de mulheres.
  • Optou-se, por limitações de recursos, selecionar ONGs que vêm atuando em nível nacional e/ou com destaque quando das preparatórias das Conferências da ONU, e com certo horizonte de trabalho, tempo de vida, que as viria legitimando em conhecimento e prática no campo. Outras quatro ONGs seriam incluídas como informantes, mas por problemas de agenda não puderam comparecer às entrevistas.

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