quinta-feira, 11 de fevereiro de 2016

Modelo brasileiro de baixo teor de Carbono

Modelo brasileiro de baixo teor de Carbono

  • A agenda para uma economia de baixo teor de carbono é, na verdade, uma agenda para o desenvolvimento e, na nossa avaliação, a única que assegura avanços na inserção competitiva do Brasil na economia mundial.
Abandonar o paradigma de desenvolvimento industrial dos séculos XIX e XX, adotando um paradigma novo, regional e específico de baixo teor de carbono, contemporâneo aos desafios e possibilidades da mudança climática para o século XXI, pode representar um caminho eficiente em direção ao desenvolvimento e ao aumento da qualidade da democracia e do bem estar na sociedade brasileira.
  • Esse novo modelo de desenvolvimento não deixaria o Brasil imune aos limites de emissão de GEE impostos pela mudança climática. Ele requer novos padrões do uso da terra, do capital natural e da energia. Requer mais integração global, não menos, mais networking e, ao mesmo tempo, conta com mais capacidades locais específicas adaptativas de produção e desenvolvimento. 
A matriz dinâmica desse processo vai ser necessariamente baseada em educação e conhecimento, mas enquadrada pela estrutura histórica e física próprias de cada sociedade.
  • No Brasil, o maior investimento necessário para a transição é em educação, pesquisa científica e desenvolvimento e engajamento das empresas no processo de inovação tecnológica, criando a base para essa nova economia.
O ritmo da mudança também dependerá de melhorias na governança e na aplicação da lei: a maior parte das emissões brasileira vem de queimadas, desflorestamento e outros usos da terra.
  • A conversão para uma economia de baixo teor de carbono não requer grande sacrifício de bem-estar da sociedade, mas requer muita mudança e esforço coletivo. Dependendo do grau de desenvolvimento e carbonização de uma determinada sociedade, o processo, ao invés de impor limites, provocaria redução da pobreza, abrindo novas oportunidades de mobilidade social, investimento em educação, ciência e tecnologia e maior governança. 
O maior desafio é a mudança de comportamento, das instituições e de redução de consumo de recursos e bens baseados em carbono, para ajustar a satisfação econômica a níveis menores de intensividade de carbono.

Energia:
  • A conversão de uma economia que tem 80% de sua rede elétrica baseada em hidroeletricidade deve exigir menos sacrifício do que outras com economia mais intensiva em carbono, como a China. 
Porém, o fato de o uso da terra e o desmatamento, juntos com o setor de transportes, serem os maiores emissores e pontos críticos, não significa que não devemos rever a política energética doméstica. Antes de mais nada, porque o modelo atual é focado exclusivamente em assegurar disponibilidade de oferta de energia, sem qualquer consideração pelas emissões de GEE e pela previsibilidade de que essas emissões significarão sobre custo em futuro próximo.
  • O Brasil, atualmente, está concretizando diversos equívocos no campo da energia. O principal deles está nas políticas governamentais que induzem e subsidiam a utilização do carvão ou de térmicas a óleo combustível.
Os planos de crescimento da oferta proveniente das hidroelétricas não consideram devidamente o enfoque ambiental e negligenciam a minimização das emissões. A ciência ainda pesquisa as emissões das grandes hidrelétricas, que não são tão neutras assim, e, por geralmente serem projetos imensos – quase não se pensa em usinas pequenas e locais – no contexto de uma rede muito extensa de transmissão de energia, favorecem a que o sistema apresente desperdícios e perdas que devem e podem ser muito reduzidos.
  • O planejamento da oferta e do uso de energia em um modelo de baixo teor de carbono deslocaria a ênfase nas grandes plantas hidroelétricas para a maximização da eficiência no uso (incluindo transmissão) e das oportunidades de integração sinérgica das fontes renováveis e pequenas hidroelétricas, tendo como critério decisivo a redução das emissões de GEE. 
Energias como a eólica, com parques de bom potencial de aproveitamento, deixariam de ser negligenciadas, em especial na sua capacidade de atuarem complementarmente aos reservatórios de água do complexo hidroelétrico.
  • Os biocombustíveis, embora certamente parte do portfólio de soluções, não são uma saída definitiva e comprovada para chegar a um modelo de baixo teor de carbono. A primeira geração de biocombustíveis tem um balanço de carbono duvidoso, sendo o de milho o pior caso. 
O balanço da cana de açúcar, por outro lado, é melhor. Entretanto, o excesso de uso de fertilizantes ainda não foi totalmente levado em conta no cálculo das emissões em todo o ciclo de produção.
  • Existe ainda um componente negativo no uso da terra, caso a expansão das plantações de cana para produção de álcool venha a deslocar outras plantações e a criação de gado para áreas de floresta, gerando mais perdas de biomas na Amazônia, no Pantanal e sobre o cerrado. 
A exigência de certificação confiável de que isso não estará ocorrendo será inevitável e deve ser levada em conta desde já. É fundamental, também, acompanhar as grandes mudanças na tecnologia e logística do agrobusiness que ocorrerão com o desenvolvimento da tecnologia de hidrólise de celulose.
  • A energia nuclear, desde que a custos suficientemente competitivos para compensar diversas externalidades negativas e sob a premissa de uma solução tecnologicamente adequada nos próximos 300 a 500 anos para o depósito do lixo radiativo, poderia ser considerada como fonte complementar.
O Brasil não tem um dilema de energia complexo como China, Índia e diversos países europeus. Contudo, ao colocarmos toda a ênfase em grandes plantas de energia hidroelétrica, estamos desperdiçando as oportunidades que existem na maximização da eficiência do uso da energia e na sinergia resultante da integração no sistema de diversas fontes renováveis substitutas e das pequenas hidroelétricas, especialmente a nivel local e regional.

O desafio da Amazônia:
  • A Amazônia é o elo na relação entre mudança climática e desenvolvimento no Brasil. É a maior fonte de emissão de GEE, o maior espaço de terra com sumidouros de carbono e desempenha um papel importante no equilíbrio climático local, senão global, além de seu potencial de geração de energia. Como registrou a Academia Brasileira de Ciências: 
“O modelo de desenvolvimento buscado para a Amazônia é desafiador, inovador e único...deve responder às exigências das sociedades brasileira e internacional quanto à mitigação dos problemas ambientais que afetam a terra. O desafio de transformar o capital natural da Amazônia em ganhos econômicos e sociais de maneira ambientalmente sustentável é singular. 
  • Não existe um ‘modelo’ a ser copiado, pois não há sequer um país tropical desenvolvido com economia baseado em recursos naturais diversificados, principalmente de base florestal, intensivo uso de C&T de ponta e força de trabalho educada e capacitada na utilização de C&T”.
O maior desafio de mitigação na redução de GEE é reduzir radicalmente o desflorestamento. Apesar de seu tamanho e complexidade, com desafios diferentes em cada região, existe um fator comum: a falta de um sistema formal, legal e funcional dos direitos da terra. Cerca de 53% da terra da Amazônia não tem titularidade e, portanto, não tem status legal claro, estando na prática à mercê de abusos.
  • Apesar da complexidade, uma agenda para erradicar o desflorestamento não impõe limites para o desenvolvimento da região. Ao contrário, o modelo atual, além de predatório, é altamente ineficiente no uso da terra, na avaliação do capital natural e compromete os direitos humanos e trabalhistas. A situação atual afeta não só o capital natural, mas muito também o capital social. 
O desflorestamento anual médio de 15.000 quilômetros quadrados resulta quase totalmente de derrubadas ilegais, criando um mercado para trabalho ‘sujo’ e exploração humana Ao contrário do que é apregoado pelo simplismo desenvolvimentista, uma agenda para acabar com o desflorestamento ilegal teria impacto altamente positivo para a região.
  • A região amazônica abriga 20 milhões de pessoas e é maior floresta preservada do mundo. A floresta enfrenta hoje dois fatores de risco relevantes: desmatamento (70% da emissões de GEE do Brasil) e mudanças climáticas. Esses dois fatores não apenas são relacionados, como se reforçam mutuamente: desflorestamento leva a mais mudanças climáticas e essa, por sua vez ameaça a sobrevivência da floresta. 
Uma agenda para a Amazônia vai necessariamente estar no centro de uma agenda de desenvolvimento brasileira para o século XXI. Parar o desmatamento ilegal é o primeiro e essencial passo para implantar um modelo mais sofisticado de desenvolvimento com baixo teor de carbono. Para isso, é preciso um novo modelo econômico e social de desenvolvimento regional, que deverá ser caracterizado por uma avançada biotecnologia baseada no conhecimento.
  • Pensar o futuro da Amazônia apenas em termos de uma economia um pouco mais sustentável, com seu povo um pouco menos pobre, é escolher a degradação no médio-longo prazo. Uma Amazônia sustentável só parece possível como um pólo de desenvolvimento high tech na economia brasileira do século XXI, uma espécie de ‘silicon valley’ da nova bioeconomia que se prenuncia.
Essa mudança de paradigma é um salto de qualidade que depende de investimento e persuasão em larga escala. Para se tornar um pólo biotecnológico, a Amazônia precisa se tornar uma sociedade de conhecimento, capaz de usar habilidades baseadas no uso do mesmo de maneira produtiva, com um ambiente social fundamentado em altos níveis de investimento em educação, treinamento de pesquisa e desenvolvimento e software e sistemas de informação.
  • Essa perspectiva para o desenvolvimento de longo prazo da Amazônia mostra como um alvo de baixo teor de carbono não implica trocar desenvolvimento por preservação. Na realidade, significa abandonar um caminho econômico baseado no investimento, produção e trabalho de baixa qualidade, para um caminho de desenvolvimento baseado em maior qualidade econômica, social e ambiental. Esse modelo também pode ser aplicado ao cerrado e ao Pantanal. No longo prazo, mas já empurrado pela dinâmica de um modelo econômico em transformação, o Brasil pode desenvolver pólos biotecnológicos em diferentes regiões, cada um adaptado aos recursos locais.
Enquanto essa mudança de longo prazo não acontece, há medidas locais e urgentes a serem adotadas para acabar com a destruição da biodiversidade na qual nosso futuro será baseado. Os hotspots são óbvios: a Amazônia, devido a seu tamanho e importância, vem em primeiro lugar, mas não sozinha. O cerrado e o Pantanal talvez estejam em perigo mais imediato de dano irreversível. Medidas como acordos banindo o desmatamento, semelhantes à barreira para a soja na Amazônia, podem ser reproduzidas em outras áreas. 
  • Um acordo poderia ser construído para banir a produção de carvão ilegal na Amazônia, Pantanal e Cerrado que hoje beneficiam grandes competidores predatórios na cadeia produtiva. O zoneamento deve ser adotado para prevenir, por exemplo, a fronteira da cana de açúcar de se deslocar para a Amazônia. Uma solução mais rápida, baseada em tecnologia, para a demarcação de terras, tem de ser prioritária.
Reduzir o desmatamento e melhorar a regulamentação da produção agrícola e do uso da terra permitiria ao Brasil aceitar metas reais e ambiciosas de redução de GEE. Essas são nossas maiores fontes de emissões e seu controle colocaria o país em uma posição vantajosa vis a vis outras nações emergentes para cumprir metas de reduções.

Modelo brasileiro de baixo teor de Carbono

Logística pobre e insustentável:
  • A outra área onde o Brasil deveria começar a investir imediatamente na redução de emissões é o sistema de transportes. Já estamos perto de um blackout logístico e é tempo de rever nossas políticas de transportes, para redesenhar um modelo sustentável para o século XXI. 
Mudar para um sistema multimodal com forte ênfase em ferrovias e navegação costeira, especialmente para transporte de longa distância, reduziria dramaticamente a intensividade de carbono de nossa logística produtiva, criando ainda um modelo mais competitivo, racional e manejável.
  • A macro-logística brasileira, entretanto, é não apenas altamente intensiva no uso de carbono, mas também altamente ineficiente em termos logísticos e de eficiência energética. É quase inteiramente dependente de rodovias e caminhões movidos a diesel para transportes inclusive para distâncias maiores que 1.000 km. Ferrovias e navegação costeira foram historicamente negligenciadas nas políticas de transporte brasileiras.
No Brasil, o transporte por rodovias responde por mais de 60% do transporte de cargas; e as ferrovias por cerca de 20%. Os incentivos feitos até hoje na política de transportes desencorajam o uso de outros modos de transporte que não o rodoviário. 
  • O custo da navegação costeira se tornou proibitivo, após o governo forçar as companhias a comprar embarcações produzidas domesticamente que custam 2 a 3 vezes mais que as importadas, para proteger uma indústria altamente ineficiente.
Mudar radicalmente nosso modelo de transportes não seria um sacrifício, mas um ganho econômico e de eficiência extra no desenvolvimento, criando a oportunidade para o redesenho da logística, já adaptada a um padrão de baixo teor de carbono.
  • O sistema de transporte de passageiros brasileiro tem uma forte tendência para o uso de carros particulares. A eficiência, a cobertura e a qualidade dos transportes de massa são pobres. As frotas de ônibus também são antigas, particularmente no transporte nas cidades. O uso de combustíveis é altamente ineficiente e baseado no diesel.
O ritmo da mudança também dependerá do grau de sustentabilidade e da intensividade de carbono do sistema de transporte brasileiro. 100 % dos postos de gasolina no Brasil possuem etanol nas bombas, ao lado da gasolina e do diesel. Significa que não há obstáculos para o uso de 100% de biocombustível por toda a frota de carros pessoais e comerciais. 
  • Hoje, 28% da frota de carros no Brasil circula com álcool ou tem motores total flex. Até 2013, os motores flex vão representar 54% do total. Os carros flex vendidos em 2007 e 2008 foram 84% das vendas totais. A gasolina vendida no Brasil já possui 25% de mistura de álcool.
O transporte coletivo metropolitano e interestadual de passageiros e ônibus tem efeito climático ambiental negativo, devidos à políticas de transportes falhas e falta de aplicação de leis. As linhas de metrô não proveem uma alternativa adequada aos ônibus e a maioria dos transportes urbanos são mal planejados e mal regulados, com baixa sinergia entre os diferentes modais.
  • A agenda para a mudança tem um caminho claro: redução do uso de estradas e rodovias e aumento substancial do uso de ferrovias, de navegação por rios e costeira e melhoria dos sistemas públicos de transportes, aumentando a cobertura dos sistemas de trem e metrô urbanos e com uma melhor regulação e planejamento no longo prazo.
A infra-estrutura urbana tem uma imensa contribuição criativa a dar a um modelo baseado em baixo teor de carbono. As novas tecnologias de comunicação permitirão às cidades o desafio de se reinventarem do ponto de vista urbanístico, tendo como norte a redução das emissões.
  • A construção civil é um emissor expressivo, com grande espaço para reduzir as emissões sem custos elevados. Como elas são significativamente maiores na operação do que na construção, todos os novos prédios e casas, incluindo as habitações populares, deveriam ser focados em eficiência energética, tanto na sua arquitetura como em seus equipamentos.
Muito mais importante, entretanto, tanto do ponto de vista de redução das emissões como do aproveitamento de uma enorme oportunidade de investimento, ainda durante a duração da crise econômica (possibilitada porque o custo do citado investimento pode ser financiado pela economia futura de energia) é a reconversão energética do estoque de equipamentos, no sentido de uma maior eficiência.
  • Essa agenda, como vimos, não significaria um limite para o crescimento. Melhor logística abriria espaço para mais competitividade e mais desenvolvimento. Menor carbonização levaria a uma melhora na temperatura local e na qualidade do ar nas cidades, com um efeito positivo tanto para a saúde pública, quanto nos gastos com saúde.
Por fim, o modelo rodoviário brasileiro representa uma ameaça à Amazônia. A construção de estradas é um sério obstáculo para a agenda de desmatamento zero. Estradas são o principal meio de ocupação e ‘limpeza’ de novas áreas intocadas de floresta na Amazônia. Fotos de satélite mostram que o padrão de desmatamento sempre vem acompanhado de esqueletos de rodovias. 
  • O plano do Governo Federal para acelerar o desenvolvimento colocou a construção de uma desastrosa rede de rodovias na Amazônia como uma prioridade. Abandonar esse modelo ineficiente, obsoleto e ambientalmente perigoso ajudaria muito a alcançar e manter uma meta de desmatamento zero. 
As agendas de desmatamento zero e de um sistema de transporte de baixo teor de carbono convergem, por causa da clara interação entre construção de rodovias e desflorestamento.

Outras Considerações:
  • Um modelo de baixo teor de carbono para o Brasil requer mudanças adicionais em outras dimensões do uso da terra; nos padrões de produção agrícola, no tratamento de resíduos e no setor industrial. A indústria brasileira não é modelo de baixas emissões, mas é o setor econômico mais vulnerável à regulação, controle social e pressão de competição externa. 
Por isso, se moderniza mais rápido que outros setores, diminuindo a necessidade de incentivos ou restrições domésticas no esforço de descarbonização. O desenvolvimento de pólos biotecnológicos pavimentaria o caminho para a emergência de bio-indústrias, oferecendo substitutos de baixo teor de carbono para produtos baseados em combustível fóssil para diversos setores da indústria.
  • Mudar para um padrão de baixo teor de carbono seria uma forma promissora de acelerar o desenvolvimento humano e de aumentar a eficiência e a competitividade da economia brasileira. O Brasil tem vantagens comparativas e competitivas para fazer mudanças relativamente rápidas para uma economia de baixo carbono.
Voltando ao tema da inserção competitiva do Brasil na economia e na geopolítica mundial, com base em idéias semelhantes, o cientista e pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), Carlos Nobre, ressaltou pioneiramente o desafio de atingir “...o possível nível de primeiro país tropical desenvolvido…o mais economicamente limpo do mundo”, criando a expressão “potência ambiental”.
  • Interromper o desmatamento é quase sinônimo de levar a Lei para a Amazônia. Significa erradicar atividades e negócios ilegais, combater o crime organizado, aumentar a qualidade da democracia e promover os direitos humanos. Desmatamento zero significa mais desenvolvimento humano, mais democracia, e uso mais eficiente dos recursos da terra e da floresta.
Uma agenda de baixo teor de carbono, com desmatamento zero, corresponde a uma nova agenda de desenvolvimento, com um componente maior de desenvolvimento humano e maiores níveis de progresso em educação e em ciência e tecnologia.
Outros países enfrentarão mais e mais graves desafios de transição e terão menos e menos imediatos benefícios por essa conversão a uma economia de baixo teor de carbono. Esse é o caminho mais promissor para o desenvolvimento do Brasil no século XXI

Modelo brasileiro de baixo teor de Carbono