sábado, 26 de março de 2016

A construção de práticas de cidadania ambiental

Educação Ambiental: 
desafios e construção de práticas de cidadania ambiental

Pedro Roberto Jacobi 
Universidade de São Paulo
  • As premissas teóricas em torno do diálogo de saberes entre educação e meio ambiente, nas suas múltiplas dimensões e como campo teórico em construção, têm sido apropriadas de formas diferentes pelos educadores ambientais, que buscam uma nova transversalidade de saberes, um novo modo de pensar, pesquisar e elaborar conhecimento, que possibilite integrar teoria e prática. 
Deve-se, entretanto, ressaltar que as práticas educacionais inseridas na interface dos problemas socioambientais devem ser compreendidas como parte do macrossistema social, subordinando-se ao contexto de desenvolvimento existente, que condiciona sua direção pedagógica e política. 
  • Quando nos referimos à educação ambiental, a situamos num contexto mais amplo, o da educação para a cidadania, configurando-se como elemento determinante para a consolidação de sujeitos cidadãos (Jacobi, 2000). 
O principal eixo de atuação deve buscar, acima de tudo, a solidariedade, a igualdade e o respeito à diferença por meio de formas democráticas de atuação baseadas em práticas interativas e dialógicas. Entende-se que a educação para a cidadania trata não só da capacidade do indivíduo de exercer os seus direitos nas escolhas e nas decisões políticas, como ainda de assegurar a sua total dignidade nas estruturas sociais. 
  • Desse modo, o exercício da cidadania implica autonomia e liberdade responsável, participação na esfera política democrática e na vida social. Os cidadãos desenvolvem ações de integração social, conservação do ambiente, justiça social, solidariedade, segurança e tolerância, as quais constituem preocupações da sociedade atual. 
Pretende-se, assim, sensibilizar alunos e professores para uma participação mais consciente no contexto da sociedade, questionando comportamentos, atitudes e valores, além de propor novas práticas. 
  • Assim, nossa argumentação vai no sentido de reforçar que as práticas educativas articuladas com a problemática ambiental não devem ser vistas como um adjetivo, mas como parte componente de um processo educativo que reforce um pensar da educação orientado para refletir a educação ambiental num contexto de crise ambiental, de crescente insegurança e incerteza face aos riscos produzidos pela sociedade global, o que, em síntese, pode ser resumido como uma crise civilizatória de um modelo de sociedade. 
Nesse sentido, a formulação de Leff (2001, p. 256) nos permite enfatizar que este processo educativo deve ser capaz de formar um pensamento crítico, criativo e sintonizado com a necessidade de propor respostas para o futuro, capaz de analisar as complexas relações entre os processos naturais e sociais e de atuar no ambiente em uma perspectiva global, respeitando as diversidades socioculturais. 
  • O objetivo é o de propiciar novas atitudes e comportamentos face ao consumo na nossa sociedade e de estimular a mudança de valores individuais e coletivos (Jacobi, 1997). Isto requer um pensamento crítico da educação ambiental, e, portanto, a definição de um posicionamento ético-político, “situando o ambiente conceitual e político onde a educação ambiental pode buscar sua fundamentação enquanto projeto educativo que pretende transformar a sociedade” (Carvalho, 2004, p. 18) 
A partir das sínteses realizadas por Lima (2002, p. 109-141) e Loureiro (2004) podem observar-se dois eixos para o discurso da educação ambiental: um conservador e outro emancipatório, com suas diferentes leituras. 
  • A abordagem conservadora, pautada por uma visão reformista, propõe respostas instrumentais. Observa-se, de fato, que o modus operandi que predomina é o das ações pontuais, descontextualizadas dos temas geradores, freqüentemente descoladas de uma proposta pedagógica, sem questionar o padrão civilizatório, apenas realimentando uma visão simplista e reducionista. 
A abordagem emancipatória, que tem como referenciais no campo da educação o pensamento crítico (Paulo Freire, Snyder e Giroux) e, no que se refere ao meio ambiente, autores como Capra, Morin, Leff, e Boff, dentre outros, propõe uma educação baseada em práticas, orientações e conteúdos que transcendem a preservação ambiental. 
  • Parafraseando Morin, na educação ambiental crítica, o conhecimento para ser pertinente não deriva de saberes desunidos e compartimentalizados, mas da apreensão da realidade a partir de algumas categorias conceituais indissociáveis ao processo pedagógico. (2002, p. 36) 
Para a vertente crítica, a educação ambiental precisa construir um instrumental que promova uma atitude crítica, uma compreensão complexa e a politização da problemática ambiental, a participação dos sujeitos, o que explicita uma ênfase em práticas sociais menos rígidas, centradas na cooperação entre os atores. 
  • Na ótica da modernização reflexiva, a educação ambiental tem de enfrentar a fragmentação do conhecimento e desenvolver uma abordagem crítica e política, mas reflexiva. Portanto, a dimensão ambiental representa a possibilidade de lidar com conexões entre diferentes dimensões humanas, possibilitando entrelaçamentos e trânsitos entre múltiplos saberes. 
Atualmente, o desafio de fortalecer uma educação para a cidadania ambiental convergente e multi-referencial se coloca como prioridade para viabilizar uma prática educativa que articule de forma incisiva a necessidade de se enfrentar concomitantemente a crise ambiental e os problemas sociais. 
  • Assim, o entendimento sobre os problemas ambientais se dá por meio da visão do meio ambiente como um campo de conhecimento e significados socialmente construídos, que é perpassado pela diversidade cultural e ideológica e pelos conflitos de interesse. 
Os educadores devem estar cada vez mais preparados para reelaborar as informações que recebem, e, dentre elas, as ambientais, para poder transmitir e decodificar para os alunos a expressão dos significados em torno do meio ambiente e da ecologia nas suas múltiplas determinações e intersecções. 
  • A ênfase deve ser a capacitação para perceber as relações entre as áreas e como um todo, enfatizando uma formação local/global, buscando marcar a necessidade de enfrentar a lógica da exclusão e das desigualdades. 
Nesse contexto, a administração 6. Para estes, a escola apresenta rupturas por meio das quais é possível exercer práticas críticas e trabalhar a resistência à reprodução e à dominação ideológicas. (Loureiro, 2004, p. 121) dos riscos socioambientais coloca cada vez mais a necessidade de ampliar o envolvimento público através de iniciativas que possibilitem um aumento do nível de preocupação dos educadores com o meio ambiente, garantindo a informação e a consolidação institucional de canais abertos para a participação numa perspectiva pluralista. 
  • A educação ambiental assume, assim, de maneira crescente, a forma de um processo intelectual ativo, enquanto aprendizado social, baseado no diálogo e interação em constante processo de recriação e reinterpretação de informações, conceitos e significados, que se originam do aprendizado em sala de aula ou da experiência pessoal do aluno. 
A abordagem do meio ambiente na escola passa a ter um papel articulador dos conhecimentos nas diversas disciplinas, num contexto no qual os conteúdos são ressignificados. 
  • Ao interferir no processo de aprendizagem e nas percepções e representações sobre a relação entre indivíduos e ambiente nas condutas cotidianas que afetam a qualidade de vida, a educação ambiental promove os instrumentos para a construção de uma visão crítica, reforçando práticas que explicitam a necessidade de problematizar e agir em relação aos problemas socioambientais, tendo como horizonte, a partir de uma compreensão dos conflitos, partilhar de uma ética preocupada com a justiça ambiental. 
A ótica inovadora refere-se à forma como se apreende o objeto de conhecimento e à dinâmica que se estabelece com os atores sociais que propõem uma nova forma de integração e articulação do conhecimento ambiental. A prática educativa deve estar norteada pela formação de um indivíduo que supere o que Guimarães (2004, p. 30) denomina de “armadilhas paradigmáticas” , contribuindo para o exercício de uma cidadania ativa visando a mudar o atual quadro de crise socioambiental. 
  • Esta abordagem busca superar o reducionismo e estimula um pensar e fazer sobre o meio ambiente diretamente vinculado ao diálogo entre saberes, à participação, aos valores éticos como valores fundamentais para fortalecer a complexa interação entre sociedade e natureza. 
Nesse sentido, o papel dos professores é essencial para impulsionar as transformações de uma educação que assume um compromisso com o desenvolvimento sustentável e também com as futuras gerações. 
  • Autores como Carvalho (2003); Leff (2003); Sauvé (1999) e Gaudiano (2000) mostram como um discurso ambiental dissociado das condições sócio-históricas pode ser alienante e levar a posições politicamente conservadoras, na medida em que mobiliza o que Carvalho (2003, p. 116-117) denomina de um consenso dissimulado, em virtude da generalização e do esvaziamento do termo desenvolvimento sustentável, das diferenças ideológicas e os conflitos de interesses que se confrontam no ideário ambiental. 
Isto nos leva à reflexão sobre a necessidade da formação do profissional reflexivo para desenvolver práticas que articulem a educação e o meio ambiente numa perspectiva crítica, que abra perspectivas para uma atuação ecológica sustentada por princípios de criatividade e capacidade de formular e desenvolver práticas emancipatórias norteadas pelo empoderamento e pela justiça ambiental e social. 
  • A inserção da educação ambiental numa perspectiva crítica ocorre na medida em que o professor assume uma postura reflexiva. Isto potencializa entender a educação ambiental como uma prática político-pedagógica, representando a possibilidade de motivar e sensibilizar as pessoas para transformar as diversas formas de participação em potenciais fatores de dinamização da sociedade e de ampliação da responsabilidade socioambiental. 
Esta se concretizará principalmente pela presença crescente de uma pluralidade de atores que, por meio da ativação do seu potencial de participação, terão cada vez mais condições de intervir consistentemente e sem tutela nos processos decisórios de interesse público, legitimando e consolidando.

Educação Ambiental: 
desafios e construção de práticas de cidadania ambiental

Trata-se de reprodução nas ações educativas: 
  • Dos paradigmas constituintes da sociedade moderna atrelada a uma racionalidade dominante que busca ser inquestionável.propostas de gestão baseadas na garantia do acesso à informação e na consolidação de canais abertos para a participação. 
As experiências interdisciplinares são recentes e incipientes, até mesmo em nível de pós-graduação. O que prevalece são práticas multidisciplinares e, segundo Tristão (2002, p. 175), “como as disciplinas de geografia e biologia têm uma afinidade de conteúdos em relação à dimensão ambiental, a inserção da educação ambiental ocorre por meio de um exercício multidisciplinar, às vezes até de uma cooperação entre os conteúdos dessas disciplinas”. 
  • Tristão (2002, p. 173-181) observa que existem quatro desafios da educação ambiental que, entrelaçados, estão associados ao papel do educador na contemporaneidade. O primeiro desafio é o de “enfrentar a multiplicidade de visões”, e isto implica a preparação do educador para fazer as conexões (Capra, 2003, p. 94- 99) e articular os processos cognitivos com os contextos da vida. 
Assim, entender a complexidade ambiental, não como “moda” ou “reificação” ou “utilização indiscriminada”, mas como construção de sentidos fundamental para identificar interpretações e generalizações feitas em nome do meio ambiente e da ecologia. 
  • O segundo desafio é o de “superar a visão do especialista”, e para tanto o caminho é a ruptura com as práticas disciplinares. O terceiro desafio é “superar a pedagogia das certezas”, e isto converge com as premissas que norteiam a formação do “professor reflexivo”, o que implica compreender a modernidade, os “riscos produzidos” (Giddens, 1991, p. 140) e seu potencial de reprodução, além de desenvolver no espaço pedagógico uma sensibilização em torno da complexidade da sociedade contemporânea e suas múltiplas causalidades.
O quarto desafio é superar a lógica da exclusão, que soma ao desafio da sustentabilidade a necessidade da superação das desigualdades sociais. O momento atual é o de consolidar práticas pedagógicas que estimulem a interdisciplinaridade, na sua diversidade. Recorremos a Stengers para expressar nosso ponto de vista: A noção de complexidade é perigosa do ponto de vista da política dos saberes. É, com efeito, uma noção que está na moda, e essa moda contém uma armadilha.
  • A armadilha dos grandes discursos sobre a complexidade. (1990, p. 148) O desafio da interdisciplinariedade é enfrentado como um processo de conhecimento que busca estabelecer cortes transversais na compreensão e explicação do contexto de ensino e pesquisa, buscando a interação entre as disciplinas e superando a compartimentalização científica provocada pela excessiva especialização. 
Como combinação de várias áreas de conhecimento, a interdisciplinariedade pressupõe o desenvolvimento de metodologias interativas, configurando a abrangência de enfoques e contemplando uma nova articulação das conexões entre as ciências naturais, sociais e exatas. Cabe ressaltar que o contexto epistemológico da educação ambiental permite um conhecimento aberto, processual e reflexivo, a partir de uma articulação complexa e multirreferencial. 
  • Nesse sentido, o conhecimento transdisciplinar se configura como um horizonte mais ousado de conhecimento. Para Morin (2000, p. 37), a transdisciplinaridade estaria mais próxima do exercício do pensamento complexo, pelo fato de ter como pressuposto a transmigração e diálogo de conceitos através de diversas disciplinas. 
A preocupação em consolidar uma dinâmica de ensino e pesquisa a partir de uma perspectiva interdisciplinar enfatiza a importância dos processos sociais que determinam as formas de apropriação da natureza e suas transformações, por meio da participação social na gestão dos recursos ambientais, levando em conta a dimensão evolutiva no sentido mais amplo e incluindo as conexões entre as diversidades biológica e cultural, assim como as práticas dos diversos atores sociais e o impacto da sua relação com o meio ambiente. 
  • Dessa forma, a ênfase na interdisciplinariedade na análise das questões ambientais deve-se à constatação de que os problemas que afetam e mantêm a vida no nosso planeta são de natureza global e que a compreensão de suas causas não pode restringir-se apenas aos fatores estritamente biológicos, revelando dimensões políticas, econômicas, institucionais, sociais e culturais. 
Porém, não é suficiente reunir diferentes disciplinas para o exercício interdisciplinar. A educação ambiental deve apoiar-se em trocas sistemáticas e no confronto de saberes disciplinares que incluam não apenas uma problemática nas interfaces entre as diversas ciências naturais e sociais e isto só se concretizará a partir de uma ação orgânica das diversas disciplinas, superando a visão multidisciplinar. 
  • Posto que os problemas ambientais transcendem as diferentes disciplinas, tanto o aprofundamento disciplinar quanto a ampliação do conhecimento entre as disciplinas são elementos fundamentais, porém de grande complexidade quanto à sua implementação. 
Considerando como ponto de partida uma realidade socioambiental complexa, esse processo exige, cada vez mais, a internalização de um saber ambiental emergente num conjunto de disciplinas, visando a construir um campo de conhecimento capaz de captar as multicausalidades e as relações de interdependência dos processos de ordem natural e social que determinam as estruturas e mudanças socioambientais. 
  • Concluímos afirmando que o desafio político-ético da educação ambiental, apoiado no potencial transformador das relações sociais, encontra-se estreitamente vinculado ao processo de fortalecimento da democracia e da construção de uma cidadania ambiental. 
Nesse sentido, o papel dos educadores e professores é essencial para impulsionar as transformações de uma educação que assume um compromisso com a formação de uma visão crítica, de valores e de uma ética para a construção de uma sociedade ambientalmente sustentável. 
  • A necessidade de uma crescente internalização da questão ambiental, um saber ainda em construção, demanda um esforço de fortalecer visões integradoras que, centradas no desenvolvimento, estimulam uma reflexão em torno da diversidade e da construção de sentidos nas relações indivíduos-natureza, nos riscos ambientais globais e locais e nas relações ambiente-desenvolvimento. 
Nesse contexto, a educação ambiental aponta para a necessidade de elaboração de propostas pedagógicas centradas na conscientização, mudança de atitude e práticas sociais, desenvolvimento de conhecimentos, capacidade de avaliação e participação dos educandos. 
  • A relação entre meio ambiente e educação assume um papel cada vez mais desafiador, demandando a emergência de novos saberes para apreender processos sociais cada vez mais complexos e riscos ambientais que se intensificam. 
Nas suas múltiplas possibilidades, abre um estimulante espaço para um repensar de práticas sociais e o papel dos educadores na formação de um “sujeito ecológico” (Carvalho, 2004). A restrita presença do debate ambiental, seja como disciplina, seja como eixo articulador nos currículos dos cursos de formação de professores (MEC, 2000), é um bom indicador do desafio de internalização da educação ambiental nos espaços educativos. 
  • Isto coloca a necessidade de uma permanente sensibilização dos professores, educadores e capacitadores como transmissores de um conhecimento necessário para que os alunos adquiram uma base adequada de compreensão dos problemas e riscos socioambientais, do seu impacto no meio ambiente global e local, da interdependência dos problemas e da necessidade de cooperação e diálogo entre disciplinas e saberes.

Educação Ambiental: 
desafios e construção de práticas de cidadania ambiental