quarta-feira, 9 de março de 2016

Inter-relações para o desenvolvimento sustentável

Uma nova pesquisa publicada na revista Current Biology mostrou que 
alguns mamíferos marinhos são capazes de imitar a voz humana 

  • Evoluções recentes nas áreas de nanotecnologia, biotecnologia de terceira geração e tecnologias de informação, com ênfase para o conhecimento e a cognição, vêm conformando, em nossa visão, a emergência de um novo “paradigma tecnológico”. 
Em grande medida, tais transformações vêm sendo também influenciadas pelo que se vem denominando de “paradigma da sustentabilidade”, significando o desafio de harmonização do desenvolvimento socioeconômico com a preservação e recuperação do meio ambiente natural e o desenvolvimento humano em sentido amplo. 
  • Nesse contexto, pretendo abordar os principais desafios apresentados às ciências econômicas para fazer face às necessidades de desenvolvimento de abordagens analíticas e de instrumentos e intervenção econômica para impulsionar os processos de inovação para o desenvolvimento sustentável em sua acepção ampla, qual seja: ampliação da riqueza material com equidade social, distribuição espacial das atividades humanas em harmonia com o meio ambiente natural, fundamentalmente numa perspectiva política e culturalmente democrática. 
Assim, as inovações nanotecnológicas, centrais no paradigma emergente, em isolado ou em conjunção com inovações biotecnológicas e tecnologias de informação, requerem novos princípios norteadores de seu desenvolvimento de modo a permitir de fato evoluções positivas à humanidade. 
  • Penso que o desenvolvimento sustentável, entendido nessa acepção ampla, pode contribuir para a construção de uma nova ética para o desenvolvimento da sociedade contemporânea, o que exige mudanças culturais significativas e urgentes no entendimento dos papéis da ciência, tecnologia e economia nesse desenvolvimento. 
A definição de princípios gerais direcionadores para o desenvolvimento do novo paradigma é a única forma de otimizar suas potencialidades e evitar possíveis e muito prováveis efeitos nocivos, nos mais diversos aspectos, às sociedades contemporânea e futura.

O desafio da sustentabilidade do desenvolvimento:

A literatura internacional identifica quatro períodos diferenciados de “ondas de conscientização ambiental”e suas respectivas inter-relações com a economia:
  • a) Período pré-1960 – Nesse período, observava-se pouca ou nenhuma inter-relação entre questões ambientais e econômicas. A ciência econômica concentrava-se, então, nas questões de crescimento, com a geração de emprego e renda dominando as preocupações acadêmicas e governamentais. Parecia funcionar como se vigorando um “pacto social tácito” segundo o qual os impactos ambientais eram considerados um preço que a sociedade estava disposta a pagar pelo progresso material. Este último, por sua vez, parecia ser ilimitado. O jargão que melhor caracterizaria esse período poderia ser o que segue: “a maior poluição é a pobreza”. 
  • b) Período de 1960 a final dos anos 1970 – A revolução cultural estadunidense dos anos 1960, com o movimento hippie, fez emergir questionamentos ao padrão de industrialização e ao “consumismo” estadunidense, propiciado por quase cinco décadas de vertiginoso e ininterrupto processo de crescimento econômico nos Estados Unidos, o qual em verdade vivenciou um interregno de apenas cerca de três anos à época do crack da bolsa de Nova York, em 1929. A intensidade do uso dos recursos naturais e os efeitos poluentes da produção e consumo foram focos de questionamentos. 
A chegada do homem à Lua adicionou ingredientes culturais a tais questionamentos, ao ressaltar as limitações e finitude dos recursos naturais, a exemplo do salientado no clássico artigo de K. Boulding “The economics of the coming spaceship Earth”, escrito em 1969 e no qual o autor faz uma analogia entre o planeta Terra e uma espaçonave, em alusão à limitação de recursos vivenciada pelos astronautas no interior da Apolo 11, nave que os levou à Lua. 
  • A política internacional dos Estados Unidos, cujo epicentro consubstanciava-se na guerra do Vietnã, ceifando milhares de vidas entre os jovens estadunidenses, também adicionava ingredientes à onda de protestos e movimentos sociais por “paz e amor”. 
Nesse período, entretanto, as manifestações ambientais apresentavam-se como protestos de grupos “alternativos”, sem maiores influências na academia e nas políticas públicas dos diversos países. Em linhas gerais, sem o intuito de estabelecer descrições caricaturais, pode-se afirmar que, para as “visões de direita”, os questionamentos ambientais eram feitos por segmentos da sociedade despreparados e não-comprometidos com a geração de emprego e renda, “verdadeira base do bem-estar social”. 
  • Nas “visões de esquerda”, os movimentos ambientalistas eram igualmente rejeitados por serem entendidos como reações pequeno-burguesas que desviavam a atenção da “verdadeira questão social”, qual seja a exploração do homem pelo homem e sua necessária superação pela destruição do capitalismo e conseqüente construção de uma sociedade socialista. 
Tais pressões ambientais, entretanto, ao progressivamente atingirem segmentos das classes médias estadunidenses, resultaram em pressões eleitorais, exigindo daquele Estado a criação de um órgão de regulação ambiental, a Environmental Protection Agency (EPA), e crescente implementação de regulação ambiental das atividades industriais, fenômeno, em grande medida, circunscrito apenas aos Estados Unidos. Entretanto, gradativamente os protestos por conscientização ambiental entraram a academia, atingindo seu ponto máximo de influência quando, em 1972, na Conferência de Estocolmo, na Suécia, uma equipe de cientistas do Massachussets Institute of Technology (MIT) publicou o relatório Limites ao crescimento. 
  • Nesse relatório, por meio de sofisticados modelos quantitativos, argumentava-se que, se o padrão e o ritmo do crescimento econômico vivenciados pelos Estados Unidos no período de 1920 a 1972 fosse generalizado para o restante do planeta, o crescimento econômico seria inviabilizado pela insuficiência de disponibilidade de recursos naturais para insumos e pela incapacidade do meio ambiente natural em absorver os impactos poluentes desta produção e consumo ampliados. 
A partir de então, acirrou-se o antagonismo político entre crescimento econômico e ambientalismo, internacionalizando-se esse debate e inserindo-se de forma expressiva esta questão nas agendas acadêmicas e governamentais dos países do Hemisfério Norte, em especial. Esse período poderia ser caracterizado pela defesa da tese radical do “crescimento zero”. 
  • c) Período final dos anos 1970 a meados dos anos 1980 – As abruptas elevações dos preços do petróleo, em 1974 e 1979 (choques do petróleo), fizeram recuar as pressões ambientais, e, em conseqüência da desaceleração econômica observada especialmente em países da Europa e América do Norte, fruto dos ajustamentos para fazer face aos novos custos da matriz energética centrada no petróleo naqueles países, as preocupações com a geração de emprego e renda voltaram a ser as preocupações de destaque internacionalmente. 
No início dos anos 1980, com vistas a equacionar o remanescente e crônico antagonismo entre crescimento econômico e meio ambiente, a Organização das Nações Unidas (ONU) constituiu a comissão Brundtland, coordenada pela primeira-ministra da Noruega, Gro Brundtland, com a função de realizar um estudo global buscando-se a conciliação entre crescimento e meio ambiente.
  • d) Período de meados dos anos 1980 aos dias atuais – Superada a crise do petróleo, a retomada do crescimento econômico no Hemisfério Norte vem acompanhada pelo rico processo de transformações políticas e institucionais consubstanciados nas estratégias de integração européia. Estimulada, ainda, pela incidência de vários acidentes ecológicos de impacto e repercussão internacionais – a exemplo de Bophal, na Índia, e Chernobyl, na União Soviética –, além da emergência de preocupações ambientais globais como o efeito estufa e mudanças climáticas, chuva ácida, dentre outras, reaviva-se a conscientização ambiental. Desta feita, a referência geográfica das pressões ambientais, que nos anos 1960 situava-se nos Estados Unidos, desloca-se para a Europa. 
Em 1987, o relatório Nosso futuro comum, da Comissão Brundtland, é publicado e, na busca de conciliar o crescimento econômico com a conservação ambiental, oficializa o conceito de desenvolvimento sustentável: “Desenvolvimento que permite à geração presente satisfazer as suas necessidades sem comprometer que as gerações futuras satisfaçam suas próprias necessidades”.
Do frágil conceito de desenvolvimento sustentável: 
Ao paradigma da sustentabilidade:
  • À época de sua publicação, pode-se argumentar que o conceito de “desenvolvimento sustentável” suscitou muito mais críticas do que aceitação. 
Criticado enquanto um conceito vago e ambíguo, não parecia, então, que tal concepção poderia vir a exercer influência relevante nos valores e ações da sociedade como vem fazendo até a atualidade. Em princípio, desenvolvimento sustentável significava um alerta quanto à possibilidade de exaustão dos recursos naturais e uma cobrança de responsabilidade inter gerações no uso destes recursos. Ou seja, significava a exigência de incorporação da dimensão do meio ambiente natural aos conceitos e implementação do desenvolvimento econômico. 
  • Nesse sentido, desenvolvimento sustentável passa a se firmar sobre três pilares básicos: suas dimensões econômica, social e ambiental. Passadas duas décadas destas formulações iniciais, viu-se ampliado o conceito de desenvolvimento sustentável de forma substantiva, bem como observa-se sua crescente influência nas mais diversas áreas de atividades e valores econômicos e sociais. 
Desenvolvimento sustentável passa, então, a ser enfocado em cinco dimensões fundamentais, resgatando-se em grande medida contribuições teóricas já desenvolvidas desde os anos 1970, quais sejam as dimensões econômica, social, ambiental, político-cultural e geográfico-espacial . 
  • Dimensão econômica – base do desenvolvimento, significa a ampliação dos bens e serviços produzidos pela sociedade para uma população que cresce e sofistica suas necessidades; 
  • Dimensão social – distribuição equitativa dessa produção ampliada, significa o acesso social à riqueza material produzida; 
  • Dimensão ambiental – Significa a busca do desenvolvimento econômico em harmonia com o meio ambiente natural, entendido este não apenas como fonte de recursos naturais enquanto insumos, mas principalmente como patrimônio natural, ou seja, algo cujo valor deve não apenas ser mantido, mas, se possível, melhorado. 
Essa última dimensão cria importante espaço para reflexões e ações, não apenas com o intuito de mitigação dos impactos ambientais das atividades humanas, mas também o resgate de passivos ambientais como a recuperação da qualidade do ar, de mananciais hídricos, de fauna e flora degradadas, enfim, o cuidado e o uso da natureza como fonte de qualidade de vida. Num primeiro momento, portanto, ênfase e preocupações concentravam-se nos riscos de exaustão dos recursos naturais enquanto insumos produtivos.
  • Tratava-se, pois, do enfoque na ecoeficiência, na exploração racional dos recursos naturais, ou o que denominamos de desenvolvimento sustentável em sentido estrito. Na atualidade, avança-se para uma percepção da natureza enquanto patrimônio. 
O mais importante a ressaltar quanto a essa dimensão é o fundamental desafio de generalização desse valor basilar de toda a concepção contemporânea de desenvolvimento sustentável, o que significa uma drástica mudança cultural de nossa sociedade antropocêntrica, avalizada para utilizar toda e qualquer forma a natureza enquanto estoque de recursos, para outra concepção diametralmente oposta na qual o ser humano, em todas as suas dimensões, é apenas mais um elemento integrante da natureza e que em sua preservação e melhoria residem as bases de nossa qualidade de vida. Nesses termos, pode-se fundamentar um dos principais pilares de uma nova ética de desenvolvimento para a humanidade:
  • Dimensão geográfico-espacial – significa a percepção e o desafio de harmonização da distribuição espacial das atividades humanas, produtivas ou não, as quais impactam de forma decisiva a sustentabilidade do desenvolvimento.
  • Dimensão político-cultural – Significa a participação democrática nas decisões de produção e acesso à riqueza material produzida, num contexto de respeito à diversidade étnico-cultural existente na sociedade. Esse parece constituir-se no segundo principal desafio para a generalização da sustentabilidade do desenvolvimento e complemento fundamental dos princípios da nova ética do desenvolvimento acima preconizada. 
Assim, por progressivamente espraiar-se em termos globais, influenciando as mais diversas áreas do pensamento e das atividades econômicas e sociais, esse processo de evolução conceitual permite a perspectiva de que, na defesa em torno da persecução do desenvolvimento sustentável na acepção ampla aqui proposta, pode-se assentar a construção social de uma nova ética para o desenvolvimento da humanidade, representando talvez uma nova utopia a ser perseguida.

Desafios do paradigma da sustentabilidade à economia:
  • Sempre houve na história do pensamento econômico autores que, de alguma forma, inter-relacionaram economia e natureza. Porém, tais iniciativas mostraram-se esparsas, incapazes de se estabelecerem como pontos de partida para desenvolvimentos teóricos sistemáticos e integrados nessa área. 
Assim, já no século XIX os fisiocratas franceses adotavam uma analogia a um organismo vivo para descrever a estrutura e o funcionamento do sistema econômico, com os agentes econômicos sendo representados pelos órgãos e os fluxos produtivos pela corrente sanguínea, oxigenando e alimentando todo o sistema. Entre os economistas clássicos,
  • David Ricardo celebrizou sua teoria da renda da terra, segundo a qual o contínuo processo de integração de terras progressivamente menos férteis e mais distantes necessárias ao crescimento da produção tendia a elevar a renda da terra e a comprimir, no longo prazo, as taxas de lucro no sistema. Malthus, por sua vez, teorizou sobre as limitações à continuidade de provimento de alimentos a uma produção e população crescentes numa perspectiva que se assemelha, mantendo-se as devidas proporções, à do relatório Limites ao crescimento, publicado em 1972 pelo MIT. Karl Marx, que também desenvolveu uma teoria da renda da terra, complexa, deixou como principal legado a concepção de que o capitalismo transforma tudo em mercadoria, sintetizada na idéia de “subsunção da natureza ao capital”. 
Se em linhas gerais há verdade nas prospecções marxistas, evidente também o é que a grande maior parte dos problemas ambientais não decorre de sua transformação em mercadoria. Para a maior parte deles, só agora se buscam desenvolvimentos similares à organização de mercados, a exemplo dos mecanismos financeiros no âmbito do mercado de carbono. 
  • Adicionalmente, a degradação ambiental também não se tem manifestado como problema exclusivo das sociedades capitalistas, conforme observável na crise ambiental também presente nas experiências do socialismo real, vide poluição na cidade de Pequim, por exemplo. Tal fato denota que a equação de um desenvolvimento econômico-social e humano qualitativamente melhor às experiências contemporâneas requer posturas e buscas de soluções diferentes e mais complexas que as até agora testadas. 
Em 1920, atendendo à demanda específica do governo dos Estados Unidos para o desenvolvimento de mecanismos de intervenção estatal visando à mitigação de efeitos negativos de atividades produtivas, o economista Arthur Pigou teorizou que as atividades econômicas podem gerar efeitos ambientalmente negativos a terceiros.
  • Ou seja, segundo Pigou, os custos marginais individuais (CMg individuais) podem ser diferentes dos custos marginais sociais (CMg sociais), configurando a existência de externalidades ambientais negativas, diferencial este que o mercado falha em solucionar. 
Assim, para Pigou cabe ao Estado a correção dessa falha de mercado, desenvolvendo mecanismos de internalização das externalidades negativas nos custos das atividades produtivas individuais.
  • Apenas décadas mais tarde, sob as pressões e desafios suscitados pela conscientização ambiental, é que as idéias de Pigou foram revisitadas, tornando-se, a partir dos anos 1980, referência para a emergente área do conhecimento da Economia da Poluição. Em 1931, o economista americano Harold Hotelling escreveu o clássico artigo “The economics of the exhaustible resources”, no qual elaborou o argumento central de que deve haver responsabilidade de uma geração para com as gerações subsequentes quanto ao uso dos recursos naturais que são exauríveis, a partir do que propõe métodos de cálculo para determinar o uso ótimo dos recursos naturais, considerando-se o período de tempo necessário à sua renovação. Décadas depois, Hotelling torna-se referência para o desenvolvimento da emergente área do conhecimento da Economia dos Recursos Naturais. 
A Comissão Brundtland também resgata de Hotelling a idéia de responsabilidade intergeracional na formulação do conceito de desenvolvimento sustentável publicado em 1987. Kenneth Boulding, já referido anteriormente, é o outro principal autor resgatado na literatura sobre economia do meio ambiente em desenvolvimento nas últimas décadas.
  • É, pois, a partir dos anos 1990 que de fato começam a convergir esforços mais sistemáticos para o desenvolvimento da área do conhecimento da Economia do Meio Ambiente, constituída em linhas gerais em duas subdivisões principais: economia dos recursos naturais e economia da poluição. 
Os desdobramentos em agendas de pesquisa, reflexões teóricas e busca de instrumentos de intervenção espraiam-se progressivamente para todas as áreas de investigação e de intervenção em Economia: macroeconomia, microeconomia, economia internacional, economia da inovação, economia do bem-estar, economia institucionalista, dentre outras, exigindo atualizações e adaptações curriculares na formação e atuação profissional em Economia, numa perspectiva de desenvolvimento sustentável. 
  • De forma diferenciada, a questão ambiental está hoje internacionalizada e faz parte das agendas envolvendo estudos e tomadas de decisão nos âmbitos acadêmico, privado, público e está presente nas publicações e ações das mais diferentes inspirações ideológicas. 
Integrando a natureza na função agregada de produção: 
  • Interessante contribuição teórica para a integração da concepção de desenvolvimento sustentável na função agregada de produção foi desenvolvida por Binswanger, como segue: Tradicionalmente, o Produto Nacional Bruto sempre foi entendido como o resultado da combinação de capital (K) e trabalho (L), ou seja: Y = f (L, K) Em 1987, Robert Sollow, economista e professor do MIT, foi laureado com o prêmio Nobel em Economia pelo seu pioneirismo em novas teorias do desenvolvimento econômico. 
A conclusão central de seus trabalhos era a de que a mudança tecnológica é muito mais importante para o crescimento econômico do que os investimentos em capital financeiro e, em suas palavras, era a exemplos como o Vale do Silício que ele se referia.
  • Assim, segundo esse autor, o simples aprendizado nas universidades em pesquisa básica e aplicada foi de alguma forma mais importante para o desenvolvimento industrial estadunidense do que todo o capital financeiro jamais investido por Wall Street na economia dos Estados Unidos. Sollow argumentou, pois, que capital e trabalho não explicavam a totalidade do processo de desenvolvimento econômico e que a parcela não explicada era resultante da mudança técnica (A) introduzida no sistema produtivo. 
Mudança técnica é, então, conceituada como melhorias tecnológicas, melhoria de processos gerenciais, nos fluxos de informação, na educação e treinamento da força de trabalho, reescrevendo assim a função agregada de produção: Y = f (K, L, A)
  • Apesar do avanço de Sollow para uma discussão integrada entre economia e desenvolvimento tecnológico, por meio da ampliação da função de produção, a contribuição da natureza para o desenvolvimento permanecia excluída da equação, contemplada apenas parcialmente em sua função de fonte de recursos naturais, contabilizados como elementos de capital (insumos produtivos). 
A concepção de desenvolvimento sustentável amplia as funções da natureza, de fonte de insumos para também – e talvez o mais importante – fonte de qualidade de vida, as quais, em conjunto, compõem a riqueza da sociedade. Assim, a riqueza social (g) é composta pelo produto nacional (Y) e pela qualidade do meio ambiente (E): g = (Y, E)
  • Ressalte-se, ainda, que tanto na função de fonte de recursos quanto na função de qualidade de vida muitos são os processos naturais não-mediados pelo mercado, isto é, que não foram subsumidos pelo capital conforme preconizara Marx. Deriva desse raciocínio que, portanto, estão subestimadas as funções agregadas de produção em uso, propondo Binswanger sua reformulação, conforme explicitado a seguir: g (Y, E) = f ( K, L, N, A) 
Ou seja, a riqueza social (produto nacional mais a qualidade do meio ambiente) é uma função da combinação do capital, do trabalho, da natureza e da mudança técnica que compõem a sua produção.
  • Essa equação ampliada, ao apresentar a qualidade do meio ambiente como parte da riqueza social, contribui para a visão da natureza enquanto patrimônio, e do ser humano como ator mais complexo do que apenas um agente econômico produtor ou consumidor de bens e serviços mediados pelas relações de produção e pelo mercado. 
O caráter sistêmico do desenvolvimento tecnológico:
  • No Primeiro Seminário Internacional de Nanotecnologia, Sociedade e Meio Ambiente, norteamos nossos argumentos e a busca de contribuição ao debate integrado “inovações nanotecnológicas versus economia versus meio ambiente” em torno da pergunta: “Enquanto sociedades brasileira e mundial, estamos preparados para a emergência, em curso, do novo paradigma pautado no desenvolvimento integrado nas áreas de nanotecnologia, biotecnologia e tecnologias de informação?” 
As ricas discussões daquele encontro explicitaram que a resposta àquela inquietante questão é que nem a sociedade mundial e ainda menos a sociedade brasileira estão preparadas para uma participação ativa e para o direcionamento desses desenvolvimentos tecnológicos, que já estão impactando de forma profunda (ora contribuindo para soluções, ora inquietando quanto à amplificação de possíveis efeitos nocivos), tanto no que se refere à reflexão acadêmica quanto, e principalmente, pelo enfrentamento dos desafios institucionais de diversos “matizes que influenciam e influenciarão o cotidiano em nossa sociedade.
  • Para este Segundo Seminário Internacional da Renanossoma, propomos a seguinte questão: como nos prepararmos, enquanto sociedade, de forma a gerarmos o máximo possível de resultados socialmente positivos e ao mesmo tempo prever, reduzir ao máximo ou eliminar os efeitos nocivos do novo paradigma para o desenvolvimento atual e futuro da humanidade e, em especial, do Brasil? 
Na busca de respostas a essa questão, as reflexões e argumentos que aqui apresentamos assentam-se fundamentalmente na necessidade urgente de uma “definição social” de princípios abrangentes e norteadores da evolução tecnológica, econômica e institucional pela sociedade contemporânea. Isto requer drásticas e urgentes mudanças nos entendimentos e ações que vêm historicamente norteando o desenvolvimento da Ciência e da Tecnologia, em termos de atores ou agentes e de funções econômicas e sociais.
  • Faz-se necessária a construção de uma nova ética para o desenvolvimento. Reiteramos que defendemos aqui a possibilidade de fazê-lo a partir da busca de generalização dos valores contidos na idéia de desenvolvimento sustentável na acepção ampla já evidenciada anteriormente, por entendermos que, apesar de polêmico, por ser já mais conhecida e parcialmente aceita em vários segmentos da sociedade, facilita a construção do complexo diálogo necessário à objetivada participação social nos rumos das nanotecnologias, mais do que sua substituição por outros conceitos menos conhecidos e igualmente polêmicos. 
Retornaremos a essa questão mais adiante, tornando-se primeiramente necessário explicitar, a partir de uma perspectiva de economista, as inter-relações fundamentais entre desenvolvimento tecnológico, ciência, inovação e economia para o desenvolvimento sustentável. Em decorrência da complexidade dessas questões, optou-se por refletir sobre elas aos poucos, interligando primeiramente as vertentes: ciência, tecnologia, inovação e economia, retomando a base teórica utilizada no primeiro seminário da Renanossoma, qual seja o enfoque da economia da inovação numa perspectiva evolucionista.
  • Posteriormente, buscar-se-á incluir nessas interligações o desenvolvimento sustentável em sua acepção restrita (ou seja, da ecoeficiência no uso dos recursos naturais) e, finalmente, avançar nas proposições do desenvolvimento sustentável em acepção ampla como pilar para a busca de uma nova ética para o desenvolvimento humano em geral.

As tecnologias incríveis que podem existir até o final da década

Ciência, tecnologia, inovação e economia:
  • Considerando desnecessária a “reinvenção da roda” quanto a essa discussão, o texto que segue reproduz reflexões explicitadas pelo economista inglês Cristopher Freeman e o economista holandês Luc Soete , reeditadas em 1997, porém já adiantadas em 1974 por Freeman, o que dava a errônea impressão entre alguns de nós, profissionais da área de economia da inovação, de já se tratar de entendimento generalizado e superado há décadas sobre as inter-relações-chave entre ciência, tecnologia e inovação (C, T & I). 
Especialmente nas discussões sobre nanotecnologia do primeiro seminário, percebeu-se que remanescem entendimentos muito diversos nas diversas áreas envolvidas. Embora para alguns autores, mesmo no século XIX, as relações entre ciência e tecnologia fossem bem maiores do que normalmente registra a literatura , aquele século ficou conhecido como o período da combinação entre invenção e empreendedorismo.
  • Exemplos daquela época são nomes como Eli Whitney – que era ferreiro, fabricante de pregos, inventor de máquinas-ferramentas para a indústria têxtil e inovador –, homens relativamente comuns entre os inventores nas sociedades britânica e estadunidense, aos quais é creditada grande parte do sucesso da Revolução Industrial inglesa, por exemplo. 
No século XX, vivenciou-se a transição da era dos “grandes individualistas” para a profissionalização de equipes e departamentos de pesquisa e desenvolvimento (P&D) e a necessidade de interações entre cientistas em universidades ou laboratórios com inventores e empreendedores.
  • Em muitos casos, programas especiais de guerra propiciaram financiamentos governamentais para o trabalho integrado de destacados cientistas de universidades para desenvolver tecnologias que não poderiam ser desenvolvidas sem bases em princípios teóricos complexos. 
Assim, tecnologias como a bomba atômica e o radar, dentre tantas outras que dependem de conhecimentos científicos como química macromolecular, química física e eletrônica, jamais teriam como serem desenvolvidas apenas por intermédio da observação casual, da habilidade artesanal ou por tentativa e erro em adaptações de tecnologias pré-existentes.
  • O mesmo ocorre hoje com as tecnologias que estão servindo de base para a emergência do novo paradigma tecnológico: nanotecnologias, biotecnologias e tecnologias de informação e comunicação. Considera-se, pois, desnecessário repetir aqui os inúmeros exemplos que ilustram a base científica da grande maior parte das inovações na atualidade. 
Porém, se por um lado é consenso o entrelaçamento fundamental entre ciência e inovações tecnológicas, o mesmo não se pode dizer sobre os diversos entendimentos quanto ao papel da ciência e criatividade e das demandas da economia e sucesso mercadológico das inovações, o que gera desencontros e dificuldades de comunicação entre os cientistas em algumas áreas envolvidas com nanotecnologia, por um lado, e tecnólogos, engenheiros e economistas, por outro, com implicações diretas no sucesso da elaboração e implementação de políticas públicas de C&T pelo setor público e na implementação de estratégias empresariais pelos agentes econômicos. Relembrando Schmookler , inovação é essencialmente uma atividade de dois lados, comparados às lâminas de uma tesoura. 
  • Por um lado, inovação envolve o reconhecimento de uma necessidade ou, mais especificamente, utilizando-se os conceitos em economia, um mercado para um produto ou um processo. 
Por outro lado, inovação envolve conhecimento tecnológico, o qual pode estar disponível de forma generalizada, mas freqüentemente também inclui novos conhecimentos científicos e tecnológicos, o resultado de uma pesquisa original.  Na literatura sobre inovação há tentativas de construir uma teoria predominantemente em uma ou outra das “lâminas da tesoura”:
  • Alguns cientistas têm enfatizado o elemento da pesquisa original ou da invenção e negligenciado ou subestimado o mercado (teoria da inovação science push); 
  • Economistas têm freqüentemente enfatizado o lado da demanda com a máxima: “a necessidade é a mãe de todas as invenções” (teoria da inovação demand pull); 
Durante as décadas de 1970 e 1980, desenvolveu-se um longo debate relatando-se inúmeros exemplos isolados de inovações que podem ser usadas para dar suporte a uma ou outra dessas teorias, os quais não é do nosso interesse aqui reproduzir. Como desfecho desse debate, pareceu-se chegar ao consenso de que tais teorias, ao invés de excludentes, são em verdade complementares.
  • Assim, concluiu-se que, embora haja situações nas quais uma ou outra teoria pode aparentemente predominar, qualquer teoria da inovação satisfatória necessariamente tem de considerar simultânea e complementarmente as abordagens technology push e demand pull. 
Saliente-se, ainda, que, pelos economistas, inovação tecnológica é definida como a primeira aplicação comercial ou produção de um novo processo ou produto; conseqüentemente, nessa interpretação o papel do empreendedor é crucial para fazer a ligação entre as novas idéias (as invenções) e o mercado. Esse empreendedor pode ser uma empresa, uma cooperativa, um produtor familiar rural, enfim, aquele que faz com que haja a produção e a venda ou uso comercial. 
  • No extremo oposto, pode haver casos em que uma nova descoberta científica automaticamente comande um mercado, sem adaptações ou aperfeiçoamentos posteriores. Entretanto, a grande maioria das inovações situa-se entre esses dois extremos e envolve alguma combinação criativa de novas possibilidades técnicas. 
Assim, “a necessidade pode ser a mãe da invenção, porém a procriação ainda requer um pai”10. Seguindo essa linha de raciocínio, pode-se argumentar que inovações focadas em apenas um desses lados (ciência ou mercado) têm muito menos possibilidades de tornarem-se bem-sucedidas.
  • Os cientistas-inventores ou engenheiros que negligenciam os requisitos específicos de mercados potenciais ou de custos de seus produtos em relação ao mercado tenderão a falhar como inovadores (EMI e AEI em computadores e muitas firmas britânicas em radares). 
Por outro lado, empreendedores ou inventores que não têm a competência científica necessária para desenvolver de forma satisfatória seus produtos ou processos falharão como inovadores, apesar de dotados de ótima percepção de mercado e de potencial de venda.
  • Adicione-se a isso o fato de que o insucesso das firmas ou outros agentes em seus esforços em inovação advém tanto de incertezas técnicas inerentes às inovações quanto à possibilidade de julgamentos equivocados quanto aos mercados e à concorrência futuros, mesmo porque tecnologias e mercados estão continuamente mudando
Inovação é, pois, um processo sistêmico que exige a combinação, em primeiro lugar, de gente criativa com interações econômicas e institucionais que lhe permitam o sucesso mercadológico e, portanto, sua aceitação social é empreitada cada vez mais difícil de ser efetuada por atores sociais isolados, em decorrência da constante mutação de tecnologias e mercados exigindo conhecimentos, habilidades e institucionalidades cada vez mais diversificadas e complexas em conteúdo e abrangentes em termos geográficos.
  • Inovação não é apenas um processo sistêmico e social por envolver agentes econômicos, setor público e indivíduos, mas também é historicamente dada, na medida em que as instituições e a cultura (os valores) vigente em cada época e lugar “sancionam” ou viabilizam seleções específicas quanto ao ritmo e direcionamento do progresso técnico.
O que significa integrar o desenvolvimento sustentável em sentido estrito nas interações C, T, I e economia até aqui desenvolvidas? O uso da ciência e da tecnologia para o atingimento de metas ambientais constituem um novo foco para a política de CT & I.
  • Políticas de inovação podem buscar, então, desempenhar um papel fundamental aos desafios de mudança de padrões de produção e de consumo. Freeman e Soete ressaltam, ainda, fatores adicionais de por que o foco em questões ambientais é uma forma útil de ressaltar os desafios que emergem da mudança técnica e da inovação, 
Quais sejam:
  • Desenvolvimento ambientalmente sustentável é tipicamente um objetivo de política pública de longo prazo, requerendo talvez mais 30 ou 40 anos para se generalizar; 
  • A complexidade do tema requer abordagem sistêmica, envolvendo uma miríade de tipos de políticas, atores econômicos e mudanças nas instituições econômicas, sociais e culturais existentes; 
  • Uma razão final e de peculiar interesse em tecnologias ambientais e em desenvolvimento sustentável é a íntima relação entre interesses públicos e privados. 
O objetivo do desenvolvimento sustentável é primeiramente um objetivo público; porém, ele não pode ser atingido sem que se assegure que o setor privado, terceiro setor e indivíduos sejam capazes e que seja viável seu ajustamento às mudanças requeridas. Além disso, os Estados em si também precisam capacitar-se técnica e culturalmente para esses novos papéis que os desenvolvimentos contemporâneos lhes impõem.
  • O grande desafio passa a ser, pois, a busca do equilíbrio entre interesses públicos e privados, econômicos e socioambientais. Superficialmente, as afirmações acima poderiam aparentar um retorno à ênfase de programas de desenvolvimento de C&T efetuados nos Estados Unidos e Inglaterra nas décadas de 1950 e 1960, como, por exemplo, programas de defesa nuclear e programas aeroespaciais. 
Entretanto, os novos projetos para dar suporte ao desenvolvimento sustentável são fundamentalmente diferentes, pois exigem a combinação de demandas com muitas outras políticas de modo a promover um efeito abrangente em toda a estrutura de produção e consumo na sociedade. Isso requer uma abordagem mais sistêmica para a definição de políticas.
  • Assim, mesmo considerando-se apenas o desenvolvimento sustentável em sentido estrito, a escolha de quais opções de políticas usar depende menos de sua força ou fraqueza teórica e sim da habilidade de construir um “consenso social” para a adoção de opções específicas, o que abre espaço para a busca de construção de uma nova ética para o desenvolvimento, como preconizamos. 
Desafio que se amplifica de forma sem precedentes se incluímos um novo conceito de natureza, além de democracia, respeito à diversidade e preocupações quanto à espacialização das atividades humanas.
Reiteramos, pois, que qualquer tecnologia de per se não é nem boa nem má; entretanto, também nunca é neutra em termos socioeconômicos e seu caráter ou resultado dependerá do “pacto social” que orientou seu desenvolvimento e uso.
  • Encaminhando-nos para o final das reflexões propostas para esse artigo, faremos menção a alguns desenvolvimentos recentes em nanotecnologias, à forma como vêm sendo desenvolvidas no Brasil, referenciando-a às “lâminas da tesoura” das teorias de inovação e culminando com a explicitação das conclusões a que nos propomos. 
Inovações nanotecnológicas e desenvolvimento sustentável:
  • A histórica palestra de Feynmann, em 195911, explicitou com clareza ímpar o ímpeto do cientista de busca do desconhecido, numa perspectiva que ia muito além de sua área específica de investigação, prospectando múltiplas possibilidades de aplicação técnica para os inventos, a necessidade da interação entre diferentes áreas do conhecimento para sua obtenção, possíveis impactos em atividades profissionais, influências na economia, enfim, elementos típicos da visão de indivíduos especiais, dotados do invejável toque de genialidade que lhes permite verem muito além de seu próprio tempo. 
Ali, o que ele queria falar era sobre o problema de manipular e controlar coisas em escala atômica. Iniciava com o questionamento: por que não podemos escrever os 24 volumes da Enciclopédia Britânica na cabeça de um alfinete?
  • E, apenas descrevendo técnicas simples, disponíveis à época, sugeria formas de fazê- lo. Prosseguia, então: “E como escrever tão pequeno?” Da mesma forma, conjecturando sobre diversas adaptações de técnicas e instrumentos existentes, afirmava ser possível. Insistia: “Por que, então, ninguém ainda o fez?” 
De forma instigante, prosseguia: “E quanto de espaço seria necessário para reproduzir todos os livros do mundo?”, calculando para um total de 24 milhões de volumes a necessidade de uma área de apenas 2,5 metros quadrados. Interrompia o raciocínio para especular como ficaria o trabalho de uma bibliotecária nessa realidade e nas possibilidades de armazenamento e recuperação de informações perdidas ou danificadas.
  • O até aqui exposto, entretanto, situava-se ainda na dimensão de que há espaço lá em baixo; porém, sua questão era bem mais profunda e partia da afirmação de que há muito espaço lá embaixo e de que isso muda tudo.
Ou seja, se a reprodução da enciclopédia fosse efetuada não pela recuperação de imagens, mas por intermédio de códigos, de bits, para a reprodução dos 24 milhões de volumes de livros seria necessário apenas um cubo de material com um ducentésimo de polegada de largura, o que é menor do que uma partícula de poeira, possível de ser visualizada pelo olho humano. Completando: não me falem de microfilmes.
  • Para Feynmann, essa visão já era familiar aos biólogos em seus estudos sobre a estrutura e manipulação do DNA (biotecnologia). 
Para viabilizar tais avanços na física, Feynman desafiava seus colegas a aperfeiçoarem o microscópio eletrônico. Os teoremas da época o atestavam como impossível. Insatisfeito, questionou: “por que não mudar os teoremas?” A partir da biologia, enfatizava que não basta simplesmente armazenar informação, seria necessário saber o que fazer com ela (noção atual de conhecimento).
Haveria aspectos econômicos relevantes na criação das coisas muito pequenas (o feeling das duas lâminas da tesoura)?; quais as implicações de miniaturizar o computador com circuitos de apenas alguns angstrons de largura (antevisão do entrelaçamento das nanotecnologias com as tecnologias de informação)?;
quais as possibilidades para máquinas diminutas, porém móveis?
Como seria a lubrificação dessas máquinas?
Talvez fosse desnecessária. Qual seria sua utilidade?
Talvez pudessem ser úteis em cirurgias.
Outras poderiam ser permanentemente incorporadas aos organismos para assistir algum órgão deficiente (visão cósmica das bionanotecnologias de fronteira em desenvolvimento nos dias atuais). Como fazê- las?
E sistemas servo-mestre (nanorrobôs)?
Como fazer e usar? 
Essas primeiras reflexões referiam-se aos métodos hoje denominados de top-down. Porém, a ousadia de Feynmann sintetizava-se em sua afirmação: “não tenho medo de considerar no futuro longínquo a possibilidade de podermos arranjar os átomos da maneira que queremos”. O que isso significaria? Seria possível, portanto, emitir luz de todo um conjunto de antenas como emitimos ondas de rádio para a Europa? Se sim, seria possível transmitir luz em intensidade muito alta em direção definida.
  • A manipulação do átomo cria oportunidades completamente novas para design porque, conforme a mecânica quântica reduz a dimensão da escala, trabalha-se com leis da mecânica quântica, diferentes. É possível tal produção em massa. Na física, pode-se também fazer síntese química. Siga as orientações do químico e o físico sintetiza (visão de interação interdisciplinar). 
Por diversão, Feynmann propunha uma competição escolar: uma escola de ensino médio em Los Angeles enviar para um aluno em Veneza uma mensagem numa cabeça de um alfinete perguntando: “Como vão as coisas aí?”, e receber de volta o alfinete, e no pingo do i escrito: “Está muito quente”. Porém, apenas a economia poderia motivá-los a participar da competição; propunha, então, dois prêmios em dinheiro para os desafios em nano invenções, introduzindo, assim, o fator econômico (percepção da duas “lâminas da tesoura”). 
  • Embora Feynmann não tenha lidado explicitamente com o meio ambiente nem com questões relativas à ética aqui discutidas, sua palestra, além de representar um marco para o desenvolvimento da nanotecnologia, também cumpre aqui a missão de revelar a visão de um cientista-inventor com sensibilidade interdisciplinar e a interação necessária entre invenções-oportunidades econômicas e implicações abrangentes, elementos que, embora não sejam suficientes, são, em nossa visão, fundamentais na busca de uma nova ética para o desenvolvimento da humanidade. 
Antes dele, como já amplamente difundido, vários foram os que utilizaram princípios nanotecnológicos sem o saber, para usos diversos, como os chineses, com o fabrico da tinta nanquim, de utilidade indiscutível, e os vidreiros da Idade Média que, ao alterarem os níveis de retenção da luz e a coloração do objeto, criaram vitrais de grande beleza, visíveis até hoje, especialmente em igrejas.
  • Ou seja, sem conhecimento científico, esses dois exemplos revelam a criação de utilidades e de beleza. Antagonicamente, muitas foram as invenções eivadas de base científica que a um só tempo não trouxeram nem beleza nem felicidade, deixando marcas indeléveis de destruição. 
Exemplo extremo à época: a bomba atômica. O argumento basilar aqui é que o desenvolvimento da ciência e da tecnologia de per se não garantem maior beleza, afluência material ou bem-estar; se não houver um direcionamento, provavelmente prévio, para o seu desenvolvimento, apenas como exemplos isolados ou obra do acaso isso ocorrerá.
Assim sendo, considerando os rápidos e profundos avanços em nanotecnologia, no Brasil o que queremos?
Sermos vidreiros medievais abençoados por Deus?
Cientistas renomados que, depois de espalhar a destruição, apenas se desculpam e permanecem laureados pelo avanço científico?
Ou exploramos uma infinidade de outras opções, que sem dúvida existem entre esses extremos opostos? 
Do sonho de Feynmann aos avanços atuais em nanotecnologia: refletindo a experiência brasileira num mundo em mutação
  • Sem o intento de reproduzir o já exposto no primeiro seminário da Renanossoma sobre os trabalhos das redes de nanotecnologia no Brasil, refletiremos um pouco sobre o principal desafio para o Ministério de Ciência e Tecnologia, que é de que maneira integrar a nanotecnologia na política industrial, tecnológica e de comércio exterior. 
Ou seja: como a nanotecnologia pode contribuir para o desenvolvimento industrial? Como fazer com que esteja presente nos novos processos e produtos? 
  • Como fazer com que contribua para os setores tradicionais e para o agronegócio? Ousamos deixar aqui questões para uma reflexão crítica quanto às possibilidades dessas proposições governamentais. 
Em primeiro lugar, a forma de estruturação e funcionamento das redes de nanotecnologia hoje em funcionamento no Brasil e a política de C&T a ela subjacente não estariam ainda pautadas no velho modelo linear ciência-tecnologia-inovação economia (desenvolvimento industrial, competitividade, etc.)?
  • Será que com essa visão de mundo e modelos lineares consegue-se efetivamente o sucesso da inovação desejado? Ou as planejadas rodadas de discussão entre cientistas e empresários criarão apenas “pontes ilusórias” entre eles, ecoando como um decepcionante diá- logo entre surdos? O que está sendo feito internacionalmente? 
O que fazermos para melhor influenciarmos o desdobramento desses jogos na sociedade brasileira? Sem ser redundante, é urgente generalizar a informação no Brasil do que já se sabe internacionalmente: do simples ao complexo. Assim, repitamos:
a) há dois métodos de obtenção de nano-invenções:  De cima para baixo (top - down, tecnologias de etching), por meio de corrosão dos materiais, litografia; e de baixo para cima (bottom-up ou nanotecnologia molecular), manipulação de átomos e moléculas e reações químicas, propiciando a criação de estruturas inorgânicas, orgânicas ou híbridas, átomo por átomo, molécula por molécula.
b) a redução à escala nanométrica altera as propriedades da matéria:
  • Propriedades mecânicas: os materiais tornam-se mais resistentes, mais fortes e mais leves; 
  • Propriedades óticas: possibilitam o controle da cor da luz pela escolha seletiva do tamanho do nano-objeto (lasers, diodos com frequências diferentes e apropriadas a diversos usos); 
  • Propriedades magnéticas: mudam conforme o tamanho. Exemplo de aplicação: cabeçotes de leitura e gravação de discos de computadores. 
Trabalhando nessas propriedades, tem-se efetuado a síntese de novos materiais envolvendo, até agora, as áreas de Química, Física, Biologia e Engenharia. Até recentemente, as nanotecnologias concentravam-se em eletrônica, computadores, telecomunicações e novos materiais; atualmente, a principal fronteira da nanotecnologia é a biomédica (diagnóstico, terapêutica, biologia molecular e bioengenharia).
  • Se por um lado, como já enfatizado, o desenvolvimento cientifico e tecnológico em si não é capaz de automaticamente resolver os problemas dos países em desenvolvimento (podendo até agravá-los) nem reduzir a distância entre pobres e ricos, por outro, acreditamos que as inovações, com ênfase nas nanotecnológicas, objeto desta discussão, podem ser usadas para a promoção desse desenvolvimento. 
Para isso, faz-se necessário que seu desenvolvimento se dê por meio desses objetivos (targeted development). Sallamanca -Buentello e outros sintetizaram numa reportagem seus resultados em um estudo elaborado pelo Canadian Program in Genomics and Global Health (CPGGH) do Joint Center for Bioetics da Universidade de Toronto, o qual visava estudar e propor uma agenda para o uso de nanotecnologias para a solução dos problemas mais urgentes nos países em desenvolvimento, quais sejam pobreza extrema e fome, mortalidade infantil, degradação ambiental e cura de doenças como malária e Aids.
  • Os autores relacionaram, ainda, os impactos das nanotecnologias com as Oito Metas do Milênio para 2015, acordadas em 2000, identificando as dez principais aplicações da nanotecnologia com maiores possibilidades de impacto nos países em desenvolvimento nos próximos dez anos, nas áreas de água, agricultura, nutrição, saúde, energia e meio ambiente. A reportagem começa de forma instigante: 
Um dia, numa vila remota no mundo em desenvolvimento, um profissional de saúde colocará uma gota de sangue em um pedaço de plástico de tamanho aproximado ao de uma moeda. Em minutos, um diagnóstico completo estará pronto incluindo a bateria usual dos exames de sangue, mais análise de doenças infecciosas como a malária e a Aids, desequilíbrios hormonais e mesmo o câncer.
  • O plástico é denominado “lab-on-a-chip” e é um dos mais revolucionários produtos e processos atualmente emergindo das pesquisas em nanotecnologia, com o potencial de transformar a vida de bilhões dos habitantes mais vulneráveis do planeta. 
As dez prioridades de aplicação das nanotecnologias propostas pelo estudo são:
  1. Produção, estocagem e conversão de energia: área considerada como a de maior e mais rápida aplicação. Material nanoestruturado tem sido usado para construir uma nova geração de células para energia solar, células para hidrogênio combustível e novos sistemas de armazenagem de hidrogênio que gerarão energia limpa para os países que ainda baseiam suas matrizes energéticas em combustíveis poluentes e não-renováveis; adicionalmente, avanços na criação de nano-membranas sintéticas assentadas em proteínas são capazes de transformar luz em energia química; 
  2. Aumento da produtividade na agricultura; 
  3. Tratamento e melhoria da qualidade da água: nano-membranas e nano-barro são baratos, portáteis e facilmente limpam sistemas de purificação, desintoxicação e dessalinização da água de forma muito mais eficiente que os tratamentos convencionais com filtros à base de bactérias e vírus. Os pesquisadores também já desenvolveram um método de produção em larga escala de filtros de nanotubos de carbono para a melhoria da qualidade da água. Há, ainda, a tecnologia de sistemas de tratamento de água baseados em dióxido de titânio em partículas nano-magnéticas. Foco de extrema importância e urgência em diversos países do globo e fundamental para o enfrentamento da crônica e indefensável insuficiência de tratamento de esgotos no Brasil, com conseqüências desastrosas de saúde pública. Hoje, mesmo sem o uso de qualquer nanotecnologia, o tratamento de esgoto no Brasil é um problema urgente e de solução imediata. Se a fronteira tecnológica recoloca esta questão na agenda internacional, tanto melhor; 
  4. Diagnóstico de doenças; 
  5. Sistemas de administração de remédios; 
  6. Processamento e estocagem de alimentos; 
  7. Poluição atmosférica; 
  8. Construção; 
  9. Monitoramento da saúde; 
  10. Detecção e controle de vetores de doenças. 
Outras Considerações:
  • Os avanços em nanotecnologia têm sido muitos e rápidos. Os riscos – em especial nas áreas militares e nos sistemas agroalimentares, aqui não mencionados – também o são, porém no âmbito deste artigo e numa perspectiva construtiva propomos como conclusão: nem vidreiros medievais, nem cientistas produtores de the mother of all bombs, e sim uma sociedade agindo em prol de uma nova ética para o desenvolvimento, para a qual o desenvolvimento sustentável em sentido amplo seja o pilar principal. 
Porém, o conceito que cada um adotar é o que menos importa. Importante mesmo é que de fato desencadeemos ações convergentes, com princípios éticos norteando as ações individuais de cada agente, única forma, em nossa visão, de colocar as nanotecnologias como instrumentos de obtenção da ampliação da produção material, equidade social, harmonia com a natureza, democracia, respeito pela diversidade cultural e harmonia na distribuição espacial das atividades humanas, produtivas ou não. Utopia? Quem sabe? Cabe a nós aceitarmos ou não esse desafio!

Inter-relações para o desenvolvimento sustentável