quinta-feira, 7 de abril de 2016

Educação e Desenvolvimento na contemporaneidade: dilema ou desafio?

Educação e Desenvolvimento na contemporaneidade: dilema ou desafio?

Elimar Pinheiro do Nascimento
Edições UNESCO Brasil

  • O cartesianismo, apesar de vilipendiado aqui e acolá, é um método respeitável. Para alguns, desculpável. E, às vezes, útil. 
Neste caso, não é possível proceder de outra forma. Para abordar a relação entre estes os dois termos do título — na contemporaneidade — é necessário proceder por etapas. No caso, isso significa: 
  • Fundar as bases da questão; 
  • Descrever seus os termos integrantes; e, 
  • Concluir com algumas indicações ou sugestões. 
Descartes, é conhecido, não tem muita guarida nos trópicos. Por isso mesmo, a ordem da exposição não será rigorosamente a acima sugerida. Arriscaria ficar burocrática ou desinteressante para um leitor tropical como o brasileiro. Para abordar o tema da relação entre educação e desenvolvimento, na contemporaneidade, é necessário, mesmo que rapidamente, iniciar por uma visita ao processo de gestação de um e outro termo. 
  • Para usar um paradoxo, educação e desenvolvimento são termos concebidos usualmente como distintos, mas sempre apresentados juntos. São, na verdade, dois fenômenos ou processos sociais pensados articuladamente, um remetendo ao outro. Sem, no entanto, deixarem de terem as próprias identidades. 
Ambos nascem, ou são inventados, no interior daquilo que denominamos normalmente modernidade. A educação, tal como a conhecemos hoje, e o desenvolvimento, tal como o concebemos hodiernamente, são frutos da sociedade moderna. Em sociedades pretéritas estes dois termos não representavam temas ou problemas. Enfim, não eram objeto de discussão. Simplesmente não existiam enquanto questões, menos ainda de forma relacionada. 
  • Pode-se contra-argumentar que os gregos antigos pensaram a relação. Ledo engano. Esquece-se de que os termos eram outros. A educação tinha uma concepção distinta, assim como a história. A educação, embora concebida de forma global, era uma questão de poucos: varões, livres e citadinos. 
E a noção de desenvolvimento, tal como a utilizamos hoje, era inexistente no pensamento e no dicionário dos gregos antigos. 

Uma sociedade apaixonada por si mesma:
Uma das características centrais da sociedade moderna é a sua auto-reflexividade, sinaliza Giddens. 
  • Esta é a única sociedade que tem a obsessão de pensar sobre si mesma. De se interrogar constantemente. Em grande parte pelo tipo de saber que a constitui: as ciências humanas, uma invenção moderna, cujos resultados os homens partilham, comentam, se interessam. E se alimentam em seu dia-a-dia. 
A sua finalidade não é conhecer os homens tais como eles são, mas como eles se representam, diria Foucault. Elas não se cansam de perscrutar a sociedade, de inquirir os homens e as mulheres sobre os seus desejos e satisfações, sobre seus projetos e decepções, seus comportamentos e hábitos. 
  • Não se cansam de querer conhecer as relações que os homens estabelecem — ou imaginam estabelecer — entre si e com a natureza. Não se fatigam em diferenciar as estruturas sociais, sinalizar a diversidade e as mudanças. Fixar a forma como os homens as representam. E de tentar, permanentemente, perscrutar seu futuro. 
No íntimo, somos eternos apaixonados por nós mesmos. Em resumo, o que as ciências humanas fazem é se perguntar o que nós somos e para onde vamos, como a velha filosofia. Mas em outros termos. Com outras expressões. Com mais modéstia. E sem esquecer o seu lado prático, que é o de tentar responder questões banais: 
  • Onde e como podemos ganhar mais dinheiro? 
Ou questões vitais, em certos momentos de nossas vidas, como: 
  • Qual a melhor profissão ou o melhor curso a fazer? 
Ou questões fundamentais quando assumimos responsabilidades públicas: 
Qual a melhor decisão? 
  • Quais as conseqüências desta ou daquela decisão? 
As ciências humanas penetram e tecem, conosco, o nosso cotidiano. 
  • São teorias que nascem de nosso cotidiano e nele desaguam. Como resultado dessa característica das ciências sociais, nasceu a reflexão sobre o desenvolvimento. Relacionada, inicialmente, ao Iluminismo, no século XVIII, e ao Positivismo e à sua ideologia do progresso, no século XIX. Na sociedade moderna, os homens se perguntam: 
Como e em que condições um país se desenvolve mais que outro? Em que consiste o desenvolvimento? Quais suas distinções em relação ao simples crescimento? Por que os Estados Unidos tornaram-se a maior potência econômica do mundo, enquanto o Brasil, com dimensão e história tão próximas, não consegue sair da posição de médio desenvolvimento, segundo o último relatório do Desenvolvimento Humano divulgado pela ONU? De forma idêntica, nos interrogamos sobre a educação: Qual o papel que desempenha nas sociedades? Qual a sua função como fator de desenvolvimento? Encontra-se atualmente em declínio ou não? É claro que as questões não são, assim, tão simples. 
  • As próprias noções básicas de desenvolvimento e educação são mais complexas e múltiplas, possuem sentidos distintos. Conceitualmente podem ser abordadas de formas diferentes. Segundo a corrente do pensamento social que se considerar, desenvolvimento pode significar uma coisa ou outra e educação pode ter muitos significados. E, sobretudo, muitas justificativas e avaliações. 
Tem-se em conta, normalmente, que a educação é fundamental para o desenvolvimento. Sem uma preparação adequada de seus membros, uma comunidade não pode progredir, se desenvolver. Sem uma educação de qualidade, não tem como o indivíduo inserir-se favoravelmente no mercado de trabalho. Essas são idéias do senso comum. 
  • A educação cria condições indispensáveis ao desenvolvimento. Por sua vez, este obriga a que o processo de aprendizagem se modifique. Enfim, uma e outro podem desempenhar papéis vitais na relação, segundo as circunstâncias e o momento. Mas, antes de nos afogarmos nas idéias comuns, vale a pena perguntar um pouco sobre as suas bases, sobre a sua gestão. 
A escola como invenção da sociedade moderna:
  • Não restam dúvidas de que a escola, como instrumento central de educação, tal como a conhecemos hoje, é uma invenção da sociedade moderna. 
E sua definição mais consensual pode ser assim expressa: espaço generalizado de socialização e transmissão de conhecimento, separado da produção. É claro que ela é também o espaço de produção de conhecimentos. 
  • Mas este aspecto é mais específico e, ao mesmo tempo, mais complicado. É preferível, pelo menos inicialmente, separá-lo. Essa definição significa que apenas na sociedade moderna a educação passa a ter um espaço próprio e uma separação do processo produtivo. Antes, os conhecimentos eram transmitidos no âmbito da família ou nas oficinas de trabalho. 
Raramente, no interior das igrejas e dos monastérios. Não existia a condição de estudante, mas a de filho e aprendiz. Salvo exceções: os filhos da aristocracia podiam ter preceptores de música, de filosofia, língua, etc. Tinham, o que chamaríamos hoje, aulas particulares. Portanto, não existia escola como espaço generalizado, para todos. 
  • Assim, o processo de aprendizagem era familiar e profissional, e os conhecimentos transmitidos dependiam do papel que o indivíduo esperava exercer, tanto social quanto profissionalmente. Por isso, não havia, com raras exceções, preocupação com a aprendizagem profissional das mulheres, normalmente pensadas como agentes externos à produção. E muito menos com os escravos, destinados ao trabalho pesado e braçal. Na sociedade moderna, aos poucos, foi ganhando corpo a idéia de uma escolaridade de massa. 
Na passagem do século XIX para o XX, ou apenas neste século, como entre nós, a escola generalizou-se. Os argumentos para defender o direito da escolaridade para todos eram três: 
  • Econômico: as novas formas de produção — basicamente a industrialização — que nasciam no século XIX — necessitavam de um número crescente de homens alfabetizados; 
  • Político: o processo de construção dos direitos inerentes à moderna noção de cidadania requeria indivíduos cônscios de seus deveres e direitos; e, 
  • Nacional: a escola foi um instrumento central na construção da nacionalidade, na divulgação de uma língua comum, de uma tradição, de uma identidade. 
Os indivíduos, para serem cidadãos e nacionais, tinham de conhecer, além de seus direitos e deveres, as leis e a história de seu país, suas tradições e costumes. Estávamos, então, em plena época do nacionalismo, da urbanização e da industrialização. 
  • As cidades se tornavam o centro da comunidade, administrativa, política, econômica e culturalmente. A indústria tornava a forma mais avançada e mais rica de produção. As nações se constituíam em Estados, e estes assumiam os papéis de instrumento de regulação econômica, de segurança comunitária e de defensoria dos direitos individuais. 
Época do nascedouro e da vitória do pensamento liberal contra o conservador, mas também da invenção da democracia universal. Não mais a grega, restrita e obrigatória. Mas geral e irrestrita. Época da construção de direitos: civis, políticos e sociais. Da proclamação da lei única: “Todos os homens são iguais perante a lei”. 
  • A generalização da escola nasce da modernidade. Mas, ao mesmo tempo, é construtora da sociedade moderna. 
Três leituras interpretativas da escola: 

Outra forma de traduzir essas mesmas idéias pode ser encontrada nas três leituras seguintes, que se tornaram lugar comum no pós-Segunda Guerra Mundial: 
  1. Instrumento de mobilidade social.: É por meio da educação que os pobres podem ascender socialmente, os indivíduos podem melhorar de vida, romper com a pobreza, mudar de papéis e de status para outros considerados hierarquicamente superiores pela sociedade.
  2. Condição do crescimento econômico. A educação qualifica a força de trabalho necessária ao processo de crescimento econômico, tornando-se, assim, indispensável; os homens partilham a idéia comum de que quanto mais educado e profissionalmente qualificado é um povo, mais desenvolvido é o país. 
  3. Dever cidadão. A educação em massa não é apenas necessária economicamente, nem serve apenas para a ascensão social, é imprescindível para formar cidadãos: indivíduos revestidos de direitos com noção de pertencer a uma comunidade maior, à pátria. 
Esta “identidade das identidades”, que nos reúne a todos, independentemente de sexo, religião, cor, profissão, riquezas ou time de futebol. Por isso, Vargas fecha as escolas alemãs e japonesas e obriga os filhos dos imigrantes a frequentar as escolas brasileiras.
  • E os países europeus perseguem as línguas de dialetos locais. A primeira leitura foi objeto de grandes discussões nas décadas de 1960 e 1970. Uma corrente de intelectuais, no mundo inteiro, considerou-a como uma falácia. 
Nos termos mais correntes: a estrutura educacional servia apenas para reproduzir a alocação hierárquica dos indivíduos. Em lugar de permitir a sua ascensão, ensinava-lhes os seus lugares. Bourdieu, na França, e Luiz Antonio Cunha, entre nós, foram dois dos maiores expoentes dessa leitura crítica do papel da educação como instrumento de ascensão que os americanos, antes de outros, pregavam com o seu tradicional pragmatismo e conhecida superficialidade.
  • A segunda leitura — por longo tempo consensual — perdeu parte de sua força argumentativa por duas razões relacionadas ao processo recente de inovação tecnológica e reestruturação da produção. As mudanças marcantes na economia mundial, sobretudo a partir da década de 1980, mostram que a necessidade de força humana para a produção é cada vez menor. 
A produção e a produtividade hoje não necessitam, para crescer, de aumento do contingente de força de trabalho envolvido. Em alguns setores, como o automobilístico, tem ocorrido uma exacerbação desse fenômeno. 
  • O setor tem dispensado trabalhadores para garantir o aumento da produção e da produtividade. Um novo padrão técnico-econômico, aparentemente, estaria em gestação, no qual a dispensabilidade crescente da força de trabalho seria a característica mais marcante. 
Por outro lado, há maior exigência de qualificação para os trabalhadores de qualquer setor. Qualificação à qual o ensino básico não mais corresponde.5 Isso não significa que só terão lugar no mercado de trabalho futuro — por exemplo, nos próximos 25 anos — trabalhadores altamente qualificados. Não se trata disso.
  • A sociedade moderna sempre se caracterizou pela convivência de mercados de natureza distinta e níveis tecnológicos altamente diferenciados. Haverá, durante muito tempo, lugar para trabalhadores com baixa ou média qualificação. Na agricultura. Na construção civil. Nos serviços de limpeza e de manutenção. Entre outros. 
Mas os postos de trabalho de pouca qualificação serão cada vez em menor número, cada vez mais exigentes em escolaridade, a remuneração cada vez mais baixa, relativamente, e os direitos trabalhistas cada vez mais restritos, tendendo, simplesmente, a desaparecer em alguns lugares da Terra. Noutros, não haverá problemas, porque estes direitos nunca existiram. 
  • No caso do Brasil, o número de trabalhadores fora do abrigo da lei, que já é a maioria, tenderá a crescer ainda mais. Ou melhor, a maioria dos trabalhadores estará sob o abrigo de uma lei que não o protege, mas apenas ao capital.
A perda da força argumentativa que relaciona educação e desenvolvimento é ainda maior entre os intelectuais que acreditam na irreversibilidade das atuais tendências econômicas e, mais, que creem que o mundo do trabalho, tal como foi criado no século XIX, desaparecerá no século que se inicia.

Educação e Desenvolvimento na contemporaneidade: dilema ou desafio?

Necessidade x desnecessidade da educação de massa: 
  • Assim, duas interpretações persistem, convivem e se digladiam na abordagem da relação educação e desenvolvimento. A primeira afirma o tradicional: a educação de massa é condição indispensável ao desenvolvimento econômico. 
A segunda afirma que a educação de massa não é mais necessária, pois a produção moderna não necessita de mais mão-de-obra. Necessita de menos, porém melhor. Todo o esforço que os organismos internacionais fazem atualmente no sentido da universalização da escola é apenas o sintoma da sua crescente desnecessidade econômica. 
  • No mundo atual, segundo esta interpretação, a função central da escola seria outra, pertencente ao mundo do controle e da socialização, e não mais da preparação para a produção. Dessa forma, a terceira leitura ganhou relevância, e justamente na medida em que a primeira e a segunda perdiam seu charme. 
Não no sentido de uma necessidade de introduzir o sentimento nacional, mas no sentido de introduzir noções de civilidade e conformidade social. Em face dessas três leituras há, de forma simples, duas posturas: a primeira afirma que elas são opostas, o que significa que cada pessoa teria de optar por uma delas; a segunda afirma que o caráter excludente entre elas é falso. As duas proposições são conciliáveis.
  • O que predominou entre nós foi a primeira postura, a da exclusão.  É possível pensar diferentemente e identificar, nas três leituras, uma certa complementaridade. Neste caso, é necessário explicar. Para isso, é preciso realizar uma digressão interessante e útil. Uma revista a velha discussão sobre a natureza da sociedade moderna. 
A alma da modernidade: 
  • A sociedade moderna pode ser definida de diversas formas. Aqui quero enfatizar alguns poucos traços que, além de centrais, são relativamente consensuais. Em primeiro lugar, é uma sociedade revestida de mobilidade social, portanto, aberta. 
Não há uma cristalização institucionalizada. A igualdade perante a lei é um imperativo essencial, sem o qual uma sociedade não é reconhecida como moderna. Mesmo que não assuma formas claras de regime democrático. 
  • O poder político é concebido como impessoal. Trata-se de um lugar e de uma função, que podem ser ocupados ou exercidos, teoricamente, por qualquer membro da comunidade política. Supondo, portanto, a alternância do poder. Sobretudo que, nos tempos modernos, democracia significa não apenas a expressão da vontade da maioria, mas o respeito aos direitos fundamentais da minoria. 
O Estado nacional é a forma de organização, implicando noções de territorialidade e soberania. O conflito é parte integrante e constituinte da sociedade, e ela constrói e detém mecanismos que permitem sua resolução, extinguindo, assim, com a noção de exterioridade. O indivíduo é o suporte básico da sociedade moderna, e a racionalidade sua forma superior de conhecimento. É por isso que a ciência é, sobretudo, uma invenção da modernidade. 

As tensões da modernidade: 

Com essas características estruturantes, a sociedade moderna é atravessada por três ordens de tensão, entre outras 
  1. A tensão entre o espaço da igualdade (política, democracia, cidadania) e o da desigualdade (mercado, legitimidade dos ganhos diferenciados); 
  2. A contradição entre o instrumento pelo qual se gesta, o Estado Nação, implicando a definição de soberanias nacionais, e uma base econômica sustentada em um sistema vocacionado ao internacional; 
  3. A tensão que constitui a sociedade moderna, referente ao processo de integração e exclusão social. 
Duas lógicas opostas que regem, em sua simultaneidade, o movimento de expansão da sociedade moderna como invenção européia.7 Excluindo o fato de que essas características da sociedade moderna sempre se realizaram de maneira imperfeita e restrita, alguns fenômenos recentes têm colocado em xeque parte destes fundamentos, redefinindo-os. 
  • Cito três, a título de exemplificação. O primeiro fenômeno é o de que a desigualdade social têm crescido de tal maneira que tende a redefinir, gradativamente, a concepção do espaço da igualdade, caso a tendência persista e se agrave. 
Pois agora não só tem crescido em seu lugar tradicional, os países denominados antigamente subdesenvolvidos, mas também em lugares novos, como os países europeus e os Estados Unidos, embora este seja distinto dos anteriores. 
  • A terceira onda de democratização, aparentemente, inicia o seu esgotamento. E não citamos a África, onde o espaço da igualdade mal chegou. Sem esquecer que há sinais claros de “cansaço democrático” na América Latina, embora pareçam passageiros. Porém, em vista da tradição latino-americana, é preferível não se arriscar.
O segundo fenômeno é o de que o processo de internacionalização do sistema econômico, após um longo refluxo que durou mais de meio século — dos anos 1930 aos 1960 — voltou a crescer neste final de século de forma surpreendente. Este fenômeno, que terminou por ganhar o nome de globalização, tem ameaçado a capacidade reguladora dos Estados. Independentemente da ideologia corrente de que os Estados nacionais não têm mais sentido. 
  • Aliás, uma grande bobagem, boa para ser vendida aos países pobres ou emergentes, e seus “intelectuais papagaios”, como provavelmente diria o saudoso Darci Ribeiro. O terceiro e último fenômeno, para ficarmos restritos aos principais: a lógica da exclusão social, aparentemente, tem prevalecido sobre a da integração. 
Pelo menos no mundo ocidental. O que, a longo termo, não deixa de ser uma ameaça aos fundamentos da modernidade. Revisitando as interpretações sobre educação Agora podemos retornar às três leituras da relação educação e desenvolvimento, da seguinte forma:. 
  • A mobilidade social não é necessariamente individual, mas do conjunto da sociedade; a estrutura educacional permite que um número crescente de indivíduos acompanhe as mudanças estruturais, o deslocamento dos eixos da economia. 
Por exemplo, a maior concentração de trabalhadores, residindo no setor primário no século XIX, movimenta-se, no início do século, para o secundário e, a partir de meados deste, para o terciário. Simultaneamente, as massas trabalhadoras deslocam-se do campo para os espaços urbanos. E isso é possível porque vivemos em uma sociedade aberta. 
  • A mobilidade social, apesar de menor do que se propala, existe. É uma realidade, embora menos intensa do que uma certa ideologia pretende pregar. Porém, nos dias atuais, ela tende a se arrefecer com o crescimento da exclusão social. E, na ausência da mobilidade social, a sociedade moderna se extingue. 
Com a “fossilização” ou o enrijecimento da mobilidade, a ruptura do círculo da pobreza torna-se mais difícil e a escola perde parte de seu atrativo para os setores sociais mais carentes. Soa estranha esta afirmação no Brasil, quando a universalização do ensino fundamental parece ter sido, finalmente, obtida, ou estar próxima, com a presença de 97% das crianças entre 7 e 14 anos na escola. 
  • Esta afirmativa, constante de nossos últimos indicadores sociais, é verdadeira, mas a estatística nunca diz tudo. Inscrição, freqüência e aproveitamento são três fenômenos distintos. 
A defasagem escolar ainda é muito grande no Brasil — apesar das mudanças que buscam impedir a repetência —, e a qualidade do ensino é sofrível. Além do mais, apenas cerca de 73% dos jovens encontram-se no ensino médio, e concluem o ensino superior pouco mais de 6%. É ainda um enorme funil a estrutura escolar brasileira. 
  • A intervenção do Estado e a demanda pelo mercado de mais qualificação, em parte retiveram o processo de perda de centralidade da escola no âmbito das populações mais pobres. A questão é: Por quanto tempo?. 
O crescimento econômico requer uma qualificação diferenciada e múltipla da força de trabalho, quanto mais qualificado o trabalhador melhor será realizado o trabalho, não importa em qual setor, e a forma de inserção é necessariamente diversas. 
  • Sob o ponto de vista individual, recusar a educação de massa é desclassificar-se antes de a corrida começar. 
Desenvolvimento significa, necessariamente, mudanças de padrão: de produção, de consumo, de cultura, de valores... e instrumentos cada vez mais hábeis para permitir ao cidadão compreender e enfrentar essas mudanças, direcionando-as no sentido que mais desejar. 
  • O problema consiste em saber até que ponto a escolaridade de massa é uma condição sine qua non para o crescimento econômico, e se este pode ser realizado com a exclusão de parte significativa da população. A educação como dever ético é evidente em si. Sem ela não há vida política, não há o espaço da igualdade, nem o da gestão dos bens comuns. 
Não existiria a democracia. Nem os direitos humanos, nem os direitos civis. Nem a sociedade moderna. Deste ponto de vista, é um princípio constituinte da própria modernidade, e abdicar dela seria o mesmo que abandonar o ideário iluminista, que se encontra na base de nossa contemporaneidade. A minha conclusão é que essas três leituras, antes de excludentes, são, no fundo, complementares. 
  • E indispensáveis. Poderíamos nos perguntar agora por que não as realizamos. Por que não se dá a devida importância à educação como fator de mudança e mobilidade social, de integração nacional, de democratização da sociedade e de melhoria da qualidade de vida geral. 
E se não estaria em sua ausência uma das razões maiores de nosso atraso, de nossa desigualdade, de nossas mazelas enquanto país e povo. Hoje, na esteira do relativo fracasso da escola, são as igrejas evangélicas que realizam o trabalho da introdução da civilidade no âmbito da população mais pobre.
  • O maior desafio da educação: antecipar o futuro A educação de massa para as crianças e os jovens, hoje, significa construir as condições de um futuro sem exclusão social amanhã. Porém, transmitir conhecimento é pouco: a grande questão é operacionalizar informações numa direção ética e solidária. O maior desafio da educação, todavia, ainda não está posto. 
Consiste em se perguntar se poderá, nos tempos próximos, desempenhar o papel que tem, mal ou bem, realizado até hoje. Se as mudanças no interior da sociedade moderna não vão terminar por elitizar a educação e forçar os pobres a abandonar a escola, em troca de outras formas de ascensão social, de outros modos de afirmação de identidade, de outras maneiras de criação da auto-estima. 
  • Qualquer que seja o caso, de retorno da lógica da integração ou de supremacia da lógica da exclusão, a escola não tem condições de desempenhar os papéis que tem desempenhado até o momento, conservando sua atual forma.
Pois com os novos meios de comunicação, a socialização se dá cada vez mais por outros mecanismos, e a apropriação dos conhecimento se faz apenas parcialmente na escola. Em contrapartida, a escola, nos moldes existentes, torna-se cada vez mais anacrônica. O processo de globalização não é estranho a esse crescente anacronismo, muito pelo contrário.
  • Uma reforma torna-se, assim, indispensável, diz Morin, entre muitos outros. Uma reforma educacional implica, necessariamente, visualizar como será, provavelmente, o futuro. Afinal, é para ele que se dirige o esforço educacional dos adultos, mas, sobretudo, a expressão madura das hoje crianças e adolescentes. 
Façamos, por isso, uma rápida navegação pelo futuro. Os cenários são imagens de futuro plausíveis (ou desejáveis), montados a partir de hipóteses mais ou menos consistentes. Sob este ponto de vista, a literatura mundial específica tem-se concentrada em três cenários mundiais. Embora os seus títulos variem muito de um autor para outro, eles podem ser assim denominados e descritos sumariamente: 
  • O mundo global: Hegemonia unipolar, integração econômica avançada, sistema de regulação internacional eficiente, inovações tecnológicas aceleradas, impactos ambientais baixos mas persistentes, conflitos e tensões regionais e maiores desigualdades sociais. 
Nesse caso, o mundo será mais rico, mais diferenciado, mais integrado, porém, mais desigual. 
  • O reino dos blocos: Leve disputa hegemônica, integração econômica regional, débil sistema internacional de regulação, inovações tecnológicas em médio crescimento, redução da degradação ambiental e menores desigualdades sociais. 
O mundo será mais dividido, mais conflituoso, diferente, mas menos degradado e desigual. 
  • O império da fragmentação: Hegemonia em disputa, intensos conflitos regionais, reversão do movimento de integração econômica, instabilidade e crise financeiras, inovações tecnológicas em baixo crescimento, aumento da degradação ambiental e das desigualdades sociais.
O mundo será conflituoso, mais degradado, mais inseguro e mais desigual. 
  • As tendências de força que regem esses cenários são mais ou menos evidentes: reestruturação econômica; inovações tecnológicas; integração econômica mundial; sistema de regulação econômica; valor da conservação ambiental e aumento ou diminuição da desigualdade social.
Ora, se estas são as tendências de força do futuro que nos aguardam, não há como deixar de realizar uma profunda reforma educacional, pois em todos os cenários as inovações persistirão, embora em ritmos diferenciados. 
  • Mudar radical e rapidamente não apenas a estrutura escolar, mas também seus métodos de funcionamento. O que, em parte — mas apenas em parte, e muito timidamente —, o MEC vêm tentando fazer ou sugerir, se bem não saibamos se pelo bom caminho ou na boa direção.
O consenso dos reformadores e a experiência de Brasília:

Dois pontos são relativamente unânimes entre os reformadores nacionais ou internacionais: 
a) A implantação de uma escola de qualidade e para todos: não é mais possível termos crianças e jovens sem escola, como também em escolas que não servem para nada; a escola tem que ser pensada, sobretudo, como um espaço de ensino de linguagens, não de conteúdo — como pensar; como ter acesso às fontes de informações realmente importantes; como operar eficientemente com informações distintas e múltiplas; como criar, inventar, inovar;
b) O processo de aprendizagem profissional tem de ser pensado como um espaço integrado, aberto e flexível. 
O que nos conduz a uma conclusão: é indispensável pensar a escola como um espaço generalizado socialmente, porém sem a anterior separação da produção. Centrada na linguagem e no estudante, transformando o professor em um facilitador. 
  • O governo Cristovam Buarque, no Distrito Federal, entre 1994 e 1998, é um exemplo singelo de como se pode caminhar nesse sentido. Em quatro anos de governo, foi possível construir, praticamente, uma sala de aula por dia útil. Recuperar os centros de treinamento e aperfeiçoamento docente. Quase que dobrar o salário dos professores. Aumentar o seu número em mais de 15%. 
Extinguir o chamado “turno da fome” — duas horas de aula justo no horá- rio do almoço, em que as crianças praticamente iam para a escola, comiam e voltavam. Iniciar uma experiência de jornada de seis horas diárias. Implantar, de forma pioneira, os Programas Bolsa Escola e Poupança Escola.15 E iniciar a criação de um projeto pedagógico novo. Nada de extraordinário. Tudo muito simples e concreto. 
  • E, sobretudo, factível dentro de orçamentos escassos, como são os do Estado, hoje, no Brasil. Como diz o povo: é tudo uma questão de vontade política. Basta inverter as prioridades. Colocar o bem-estar da população, e sua formação, na frente do pagamento dos juros, de dívidas pouco claras e, sobretudo, tapar os ralos da corrupção, do superfaturamento.
Referências bibliográficas:

BERGER, Manfredo. Educação e dependência. Rio de Janeiro, Difel, 1977. 
BOURDIEU, Pierre e PASSERON, Jean-Claude. A reprodução. Rio de Janeiro, Francisco Alves, 1975. 
BROCOLLI, Angelo. Ideologia e educazione. Firenze, La nouva Italia, 1974. 
BUARQUE, Cristovam. A revolução nas prioridades. São Paulo, Paz e Terra, 1995. 
CASTELLS, Manuel. A era da informação. São Paulo, Paz e Terra, 1998/1999, 3 v.
CLAUSSE, Arnould. A relatividade educativa. Coimbra, Livraria Almedina, 1976. 
DE MASI, Domenico. O futuro do trabalho: fadiga e ócio na sociedade pós-industrial. Rio de Janeiro, José Olympio, 2000. 
FOUCAULT, Michel. As palavras e as coisas. São Paulo, Martins Fontes, 1990. GIDDENS, Anthony. As conseqüências da modernidade. São Paulo, Unesp, 1991.
HUNTINGON, Samuel. A terceira onda: a democratização no final do século XX. São Paulo, Ática, 1994. MORIN, Edgar. Tête bien faite. Paris, Seuil, 1999. 
NASCIMENTO, Elimar P. do. Globalização e exclusão social: fenômenos de uma nova crise da modernidade? In: DOWBOR, L. et al. Desafios da globalização. Petrópolis, Vozes, 1997. 
ROITMAN, Ari (org.). O desafio ético. Rio de Janeiro, Garamond, 2000. 
SALM, Claudio. Escola e trabalho. São Paulo, Brasiliense, 1980. 
SORJ, Bernardo. A nova sociedade brasileira. Rio de Janeiro, Zahar, 2000.

Educação e Desenvolvimento na contemporaneidade: dilema ou desafio?