domingo, 24 de abril de 2016

Gestão Patrimonial de recursos naturais: Construindo o Ecodesenvolvimento em Regiões Litorâneas

Gestão Patrimonial de recursos naturais:
Construindo o Ecodesenvolvimento em Regiões Litorâneas

Paulo Freire Vieira

  • Como objeto de pesquisa interdisciplinar, a questão ambiental exprime uma realidade complexa e multifacetada. Essa questão tende a se apresentar como um somatório de aspectos extremamente diferenciados, onde nem sempre se torna visível a relação de interdependência que os une. 
Como articular num modelo analítico coerente com fenômenos tão díspares como, por exemplo, indícios de rarefação de recursos naturais essenciais à dinâmica das economias modernas, explosão demográfica em países em desenvolvimento, hiperurbanização, perda mais ou menos irreversível de biodiversidade, alienação consumista, alterações climáticas globais, desertificação crescente de áreas agricultáveis, e crise civilizatória expressa na continuidade das atuais assimetrias nas relações Norte-Sul? 
  • As dificuldades encontradas no enquadramento conceitual e teórico desses fenômenos correspondem talvez às limitações de uma organização ainda muito compartimentada do conhecimento científico, exprimindo a tão propalada crise do paradigma analítico-reducionista. 
Seja como for, de um ponto de vista pragmático, parece relevante associar as dificuldades de entendimento dos problemas ambientais às insuficiências das propostas avançadas nas últimas duas décadas para sua confrontação prática. 
  • Existe atualmente um sem número de representações sobre as causas e sobre as terapias possíveis para a crise ambiental, configurando um campo marcado por controvérsias conceituais e pela inexistência de um patamar mínimo de consenso que viabilize a definição de estratégias de ação corretiva politicamente negociáveis. 
O conceito de meio ambiente, tal como ele emerge já por ocasião das reuniões preparatórias da Conferência de Estocolmo, denota um conjunto de componentes físico-químicos e biológicos, associados a um conjunto de fatores socioculturais, suscetíveis de afetar direta ou indiretamente, a curto, médio ou longo prazos os seres vivos e a capacidade de adaptação humana numa escala global ou biosférica. 
  • Trata-se portanto de um conceito relacional: o desafio que se coloca à sua apreensão teórica consiste não tanto na compreensão das propriedades intrínsecas de um objeto de referência específico ( natureza , espaços naturais , paisagens , assentamentos ), mas fundamentalmente no esforço de explicitação de redes de interdependências dinâmicas envolvendo sociedades e seu substrato biofísico e construído. 
Mais especificamente, o novo campo de pesquisa científica voltado à elucidação da questão ambiental assume como seu objeto central os aspectos estruturais e processuais envolvidos naquelas transformações da ecosfera (sistema complexo integrando atmosfera, pedosfera, hidrosfera e geosfera) capazes de influenciar a manutenção das precondições de sobrevivência e qualidade de vida da espécie humana num horizonte de longo prazo e em relação de co-evolução com outras espécies vivas (Meadows, 1972; Mesarovic & Pestel, 1974). 
  • A ênfase colocada na escala planetária e no horizonte de longo prazo exprime o surgimento de um novo limiar de complexificação do inter-relacionamento entre os sistemas socioculturais e seu substrato biofísico, numa hierarquia de níveis de organização que se estende do local ou comunitário ao global ou ecosférico. 
Seria importante ressaltar, entretanto, que a ação antrópica, do ponto de vista aqui defendido, não deve ser considerada como fator exclusivo de desequilíbrio de uma suposta harmonia preestabelecida do mundo natural. 
  • A noção de equilíbrio é empregada aqui num sentido coerente com uma visão evolucionista, pressupondo a extensão dos postulados da termodinâmica clássica à análise dos sistemas vivos. Nesses sistemas, as inter-relações entre os elementos são mantidas em estado de equilíbrio dinâmico ou de fluxo (steady state) mediante um intercâmbio permanente de matéria, energia e informação com o meio. 
E na medida em que muitas perturbações do meio são de origem natural, o processo adaptativo está fundamentalmente marcado pelas variações espaciais e temporais, pela presença do aleatório, pelas incertezas na compreensão da dinâmica auto-organizadora e da resiliência dos sistemas vivos submetidos à entropia universal (Von Bertalanffy, 1968). 
  • Se na base da cosmovisão de fundo biológico encontra-se, portanto, a imagem de ecossistemas em permanente transformação, o desafio central da pesquisa sócio-ambiental gira em torno da construção de instrumentos eficazes para a análise sistêmica desses processos altamente complexos e para a concepção de estratégias de intervenção corretiva que favoreçam a emergência de dinâmicas co-evolutivas consideradas viáveis (Deutsch, 1977). 
Esta conceituação coloca em evidência uma temática dupla. Por um lado, a existência de fatores que condicionam maiores chances de preservação da viabilidade dos processos adaptativos no longo prazo no espectro de possibilidades que se estende dos ecossistemas locais ao nível global da biosfera. Por outro, a percepção da imensa variedade de estratégias de sobrevivência de grupos humanos ao longo do tempo. 
  • Da perspectiva de uma representação sistêmica dos problemas ambientais, essas duas temáticas se interpenetram, condicionando-se e fertilizando-se mutuamente. Podemos extrair dessa intuição um modelo de análise capaz de facilitar a confrontação prática das atuais ameaças à integridade das bases de sustentação biofísica da vida social, colocando questões pertinentes para o desenvolvimento da pesquisa interdisciplinar interessada em superar certos efeitos mediáticos criados pela veiculação superficial e oportunista da natureza da crise sócio-ambiental. 
O aspecto essencial a ser retido diz respeito à hipótese da existência de uma articulação orgânica entre os níveis local-comunitário e global-planetário, onde o sistema de referência determinante (do ponto de vista das precondições de regulação política do conjunto) passa a ser a própria ecosfera vista como um sistema complexo. 
  • No rol das diferentes formas de entendimento dos fatores responsáveis pela eclosão e aguçamento da crise sócio-ambiental podem ser encontrados vários eixos de argumentação. A revisão atenta da bibliografia reforça a impressão de que os diferentes argumentos tornam-se restritivos não tanto pelo que revelam, mas pelo fato de omitirem outros aspectos essenciais de uma problemática complexa e interdependente. 
Alguns enfatizam, por exemplo, a perda gradual de controle social dos rumos da evolução tecnológica (Commoner, 1971). Outros, a explosão demográfica alimentada pela ideologia do crescimento material ilimitado (Meadows, 1972; Ehrlich & Ehrlich, 1970). 
  • Muitas vezes, a lógica profunda e contraprodutiva que impulsiona a dinâmica perversa da sociedade industrial tecnológica (liberal ou socialista) é arrolada como fator causal decisivo (Gorz, 1978; Conti, 1978; Labeyrie, 1972; Illich, 1971 e 1973; Bahro, 1979). 
Uma proposta de entendimento capaz de reter todos esses aspectos e de projetá-los numa síntese superior deveria combinar, a meu ver, dois fatores essenciais: a persistência de um padrão reducionista de regulação da dimensão econômico-política da vida social e a natureza exponencial das curvas globais (ou planetárias) de crescimento demográfico. 
  • Em termos mais precisos, os diferentes estilos de desenvolvimento sócio-econômico predominantes em sistemas sociais de orientação liberal ou socialista não estariam favorecendo uma internalização efetiva das várias dimensões do conceito sistêmico de crise ambiental nas práticas de organização social. 
Essas dimensões incluem, por um lado, o meio ambiente pensado como fornecedor de recursos naturais, receptor de dejetos oriundos das atividades de produção e consumo, e espaço onde se dão as interações entre processos naturais e socioculturais. 
  • Além disso, cabe reconhecer também a dimensão do meio visto enquanto habitat , designando a infraestrutura física e sócio-institucional que influencia a qualidade de vida das comunidades. Dessa perspectiva, portanto, a crise ambiental configura uma crise gerada pelo esgotamento dos estilos hegemônicos de desenvolvimento em escala mundial. 
Por implicação, trata-se também de uma crise das condições externas materiais e sociais da atividade econômica pensada em termos de um subsistema mais ou menos fechado aos outros subsistemas sociais e ao meio ambiente biofísico. 
  • Seu diagnóstico efetivo deve implicar uma consideração a mais rigorosa possível das características de um longo processo de imbricamento entre fatores geobiofísicos e socioculturais. Além disso, o enfrentamento conseqüente da crise dependerá do êxito das iniciativas capazes de superar as limitações de abordagens ex post e setorializantes. 
O desafio central reside na adoção de uma linha diretriz decididamente preventiva e apta a balizar a concepção e a viabilização política de estratégias de focalização integrada dos objetivos simultaneamente sócio-econômicos, político-institucionais, culturais e ambientais da evolução planejada dos sistemas ecossociais

Ecodesenvolvimento como Política Ambiental Preventiva:
  • O termo política ambiental pode ser avançado, para as finalidades deste trabalho, como o conjunto de objetivos prioritários e medidas designadas para regular as interações dos sistemas sociais com o meio ambiente biofísico e construído. Esse conjunto de metas estratégicas e instrumentos de política abrange as dimensões da conservação, restauração e gestão ambiental. 
Partindo do pressuposto de que a reprodução dos sistemas ecossociais depende, num horizonte de longo prazo, das limitações e das potencialidades do meio natural, uma política ambiental tomada em sentido amplo implica a consideração do amplo conjunto de regras sociais que governam a apropriação e os usos que diferentes atores sociais fazem da base de recursos naturais, do espaço e do habitat, em contextos históricos específicos. 
  • De maneira geral, para além das declarações formais e informais de (boas) intenções, as práticas usuais em nível de Estados-nação não têm correspondido a essa expectativa. Via de regra, apenas uma faixa limitada do conjunto potencial de relações entre sociedade e natureza vem sendo considerada nos procedimentos de formulação de políticas públicas e essa constatação permanece válida tanto para o caso dos países industrializados quanto para aqueles em desenvolvimento. 
Nas últimas décadas, a concepção e implementação de políticas ambientais têm se restringido a um conjunto de medidas com perfil setorial, raramente articuladas às ações de desenvolvimento regional e urbano, e voltadas principalmente para o controle de índices excessivos de poluição, para a gestão da qualidade do ar, das águas e dos níveis de ruído, e para a criação de áreas de preservação. Esse quadro começa, entretanto, a se transformar a partir do final da década passada. 
  • Num certo sentido, o agravamento das mudanças ambientais no nível global tem contribuído de forma preponderante para o reenquadramento de políticas ambientais em vários países. Se as alterações do meio ambiente induzidas pela modernização dos sistemas produtivos constituem certamente uma constante da dinâmica civilizatória, a globalização e o ritmo atual de evolução do progresso tecnológico conjugam-se para amplificar o fenômeno de forma inédita na história. 
Os impactos globais começam a pesar negativamente na avaliação da eficácia dos processos produtivos num horizonte de longo prazo. Some-se a isso a constatação de que, mudando de grau, a questão ambiental muda também de natureza. 
  • A complexidade das alterações de origem antrópica não tem precedentes históricos. Implica modificações dos equilíbrios geobiofísicos para os quais somos ainda virtualmente incapazes de antecipar respostas precisas, mesmo se fizermos uso de sofisticados instrumentos de análise científica. 
Os riscos de irreversibilidade emergem como tema politicamente relevante, associando-se a uma percepção mais lúcida das dificuldades operacionais de avaliação criteriosa de impactos possíveis das atuais opções de desenvolvimento sobre as chances de sobrevivência e de garantia de qualidade de vida no longo prazo. 
  • O uso do conceito de ecodesenvolvimento para exprimir uma modalidade de política ambiental preventiva torna-se oportuno num contexto de interpretações controvertidas sobre seu significado. Essa opção tende a favorecer uma imagem mais nítida da globalidade de sua proposta, da sofisticação da estrutura teórica que lhe dá suporte e da radicalidade dos mecanismos de intervenção e regulação social que decorrem de seus pressupostos metodológicos. 
O enfoque de ecodesenvolvimento pode ser visto como uma tentativa de focalizar a relação sociedade natureza de uma perspectiva sistêmica consistente. Sua motivação central equivale a uma reestruturação pela base dos padrões vigentes de relacionamento entre sistemas sociais e ecossistemas, visando instituir um efetivo jogo de soma positiva . 
  • Sua linha de crítica à dicotomia antropocentrismo biocentrismo baseia-se no princípio de co-evolução, acima esboçado. Este princípio, aplicado a uma teoria da internalização da dimensão ambiental nos sistemas de planejamento do desenvolvimento regional e urbano, estipula que homem e natureza não se encontram tão separados como a filosofia ocidental e os enfoques tradicionais de governo haviam suposto. De fato, todas as culturas humanas têm alterado os ecossistemas há milênios, enquanto a natureza exerceu simultaneamente pressões evolutivas sobre a biologia humana e os sistemas sociais. 
Nas últimas décadas, porém, os seres humanos conseguiram alterar os ecossistemas numa escala muito mais significativa, começando a degradar assim, durante este processo, a capacidade dos mesmos de funcionar efetivamente (Colby, 1992:145). 
  • O planejamento democrático de estratégias integradas de desenvolvimento sensíveis à questão ambiental é entendido, dessa perspectiva, como uma modalidade de gestão patrimonial da relação sociedade-natureza, onde a natureza constitui, num sentido figurado, um espelho através do qual os seres humanos aprendem a se conhecer melhor e a reconstruir seu senso de identidade. 
Dessa forma, não se trata de situar a condição humana nem acima e nem abaixo da natureza. Para a posição eco-desenvolvimentista, o comportamento humano surge como a expressão de um conjunto de interdependências tecidas entre a base biológico-genética dos sistemas orgânicos e seu processo de aprendizagem social, adquirida historicamente em contextos sócio-ambientais específicos. 
  • A ênfase é colocada no aspecto da inserção dos fatores biológico-evolucionistas no tecido do desenvolvimento sociocultural e na percepção dos limites impostos à dinâmica de funcionamento de cada nível de complexidade hierárquica da natureza (Corning, 1976; Morin, 1973, 1977; Laborit, 1974; Vieira, 1991). O principal parâmetro para a conceituação do termo atualmente é dado pelo famoso relatório 
Nosso futuro comum, elaborado pela Comissão Brundtland (WCED, 1987). Entretanto, uma revisão mais atenta da bibliografia técnica revela que as versões iniciais do enfoque de ecodesenvolvimento emergem já no contexto das reuniões preparatórias da Conferência de Estocolmo e como parte da estruturação do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente. Coube a Ignacy Sachs (1974) uma primeira proposta de elaboração conceitualmente precisa do enfoque, num artigo hoje considerado como um clássico da literatura ecológico-humana. 
  • Buscando configurar uma plataforma para o desenvolvimento da pesquisa nessa área, a versão de Sachs caracteriza, num primeiro momento, um estilo de desenvolvimento orientado prioritariamente pela busca de satisfação de necessidades básicas (materiais e psicossociais) e pela promoção da autonomia (self-reliance) das populações envolvidas no processo. 
A integração da dimensão ambiental é pensada não só como o reconhecimento de limites adicionais à ação planejadora, visando legar às gerações futuras um planeta habitável, mas também como abertura à pesquisa de um leque o mais amplo possível de recursos atual ou potencialmente existentes em cada contexto sócio-ambiental. 
  • A percepção do meio ambiente como potencial ainda desconhecido ou pouco explorado de recursos mobilizáveis para a satisfação de necessidades básicas, a começar por aquelas relativas às camadas desfavorecidas, condiciona, portanto, a formação de uma base social de apoio ao direito universal de todos os seres humanos, hoje e no futuro, a uma vida digna. 
Num segundo momento, o conceito designa também um enfoque de planejamento participativo e contextual de estratégias de desenvolvimento integrado. O conceito de estratégia é assumido aqui num sentido mais geral do que o conceito de plano de longo prazo ou programa operacional, que incluem geralmente o detalhamento da base quantitativa de dados empíricos.
  • Nesse sentido, a definição de uma estratégia precede a elaboração de planos, delimitando os pressupostos fundamentais (sobretudo os ético-políticos) e os fatores limitantes a partir dos quais os objetivos gerais do processo de desenvolvimento e os instrumentos necessários ao seu alcance serão discutidos, legitimados e colocados posteriormente em prática. 
O modelo inicial sofre reformulações sucessivas no contexto das pesquisas desenvolvidas no período de 1973 a 1986 pela equipe interdisciplinar sediada no Centre International de Recherche sur l'Environnement et le Développement (CIRED) e em decorrência das ações de networking promovidas pela Fondation Internationale pour un Autre Développement (FIPAD). 
  • O horizonte da reflexão torna-se mais amplo e diversificado. Mediante o refinamento de uma estrutura conceitual consistente, caracterizam-se com mais precisão os pontos de referência para uma compatibilização efetiva, nas práticas de planejamento, das múltiplas dimensões do processo de desenvolvimento. Ao mesmo tempo, tornam-se melhor explicitadas no modelo de análise as variáveis estratégicas pelas quais pode ser captado o conteúdo material de um estilo de desenvolvimento. 
Essas variáveis operacionais incluem, relativamente ao contexto da demanda social, a regulação dos padrões de consumo e dos estilos de vida das populações; e, relativamente ao contexto da oferta de bens e serviços, a regulação de um conjunto de funções produtivas associadas à gestão da inovação tecnológica, às opções sobre distribuição espacial de sistemas produtivos e dos assentamentos, e às modalidades de apropriação, uso e gestão de recursos naturais e do suprimento energético a serem adotadas. 
  • Numa fase posterior, o trabalho de pesquisa no CIRED desloca-se para temáticas mais ligadas aos condicionantes sociais do mau-desenvolvimento (Ignacy Sachs) e às inovações institucionais capazes de favorecer, em princípio, a implementação de estratégias alternativas. 
A problemática de base evolui para uma focalização mais intensa na análise das precondições de viabilidade político institucional do enfoque, sob o pano de fundo da intensificação dos problemas ambientais globais (global environmental change) (CIRED, 1986; Sachs, 1986, 1986a, 1993; Fundação Dag Hammarskjold, 1975; Galtung, 1977). 
  • O Relatório Brundtland, proposto como um indicador suplementar da fragilidade política das tentativas de inflexão das tendências pesadas do industrialismo e do consumismo, não acrescenta modificações substantivas a este modelo. Teve, entretanto, o mérito de induzir uma reflexão mais profunda sobre o critério de sustentabilidade. 
Além disso, enriqueceu a controvérsia (que ainda persiste) quanto aos espaços de manobra atualmente existentes para o exercício de modalidades de controle supranacional de ameaças ao meio ambiente e à qualidade de vida das populações. 
  • Como ressalta Maimon (1993:60), as categorias de responsabilidade comum e de globalização da crise ambiental são avançadas como fundamento do direito de ingerência , considerado como prerrogativa da comunidade internacional em casos de ameaças concretas à integridade do patrimônio comum da humanidade (WCED, 1987).
Ecodesenvolvimento como Enfoque de Planejamento:
  • Como enfoque de planejamento participativo, o ecodesenvolvimento pode ser entendido como uma posição equidistante tanto da tradição racional compreensiva quanto da incremental-disjuntiva , aproximando-se mais da proposta preventiva-adaptativa difundida por autores como Ozbekhan (1971), Ackoff (1979), Simon (1969), Sachs (1986 e 1986a), 
Simmonis (1984), Montgolfier & Natali (1987) e Godard (1980). Para a posição preventiva-adaptativa, como sugere Melo (1981 e 1986), a discussão sobre sistemas alternativos de valores sociopolíticos, num contexto de globalização econômica e cultural, carência de indicadores sócio-ambientais fidedignos, incertezas científicas, riscos de irreversibilidade dos danos ambientais num horizonte de longo prazo e conflitos de percepção e de interesses envolvendo atores sociais diferenciados, constitui o ponto de partida para a construção contratual de novos arranjos institucionais e novos projetos de sociedade. 
  • Os experts científicos intervêm na fase de diagnóstico participativo e de sensibilização, visando facilitar não somente a tomada de consciência dos atores de seus interesses patrimoniais , mas também para contribuir na seleção de procedimentos de negociação, na coleta de informações, e na dinâmica das interações envolvendo diferentes percepções, representações cognitivas e linguagens. 
Isto significa experimentar com novos instrumentos de política que favoreçam a interação politicamente eficaz entre a esfera da pesquisa científica e a esfera da ação planejadora de corte participativo nos moldes da abordagem de pesquisa-ação expressa, por exemplo, nos trabalhos de Thiollent (1985) e de autores franceses direta ou indiretamente associados ao chamado enfoque patrimonial da gestão dos recursos naturais e da qualidade do meio ambiente (Ollagnon, 1984 e 1985; Montgolfier & Natali, l987; Godard, 1980; Weber, 1990). 
  • A experiência acumulada nas últimas duas décadas mostra que, apesar da incipiência da proposta e dos obstáculos político-institucionais ao seu exercício, parece plausível admitir-se a hipótese de que existiriam espaços de manobra para a criação gradual de projetos-piloto dotados de efeito demonstrativo. No nível microeconômico, resultados promissores têm sido obtidos sobretudo com sistemas integrados de produção alimentar e energética (FINEP/UNDP/UNESCO, 1986; Moulik, 1988; Sachs & Silk, 1990). 
Tentativas de aplicação competente do enfoque podem ser rastreadas mediante a revisão de estudos de caso empreendidos em vários países em desenvolvimento nas últimas duas décadas: Brasil, Peru, Colômbia, El Salvador, Nicarágua, México, Índia, Irã, China, Tanzânia, Nova Guiné, Senegal, Moçambique, entre outros além de experiências junto aos países do hemisfério norte. Dois periódicos devem ser destacados como fontes substanciais de informação sobre essas experiências: Nouvelles de l'Ecodéveloppement (CIRED) e IFDA Dossier (FIPAD). 
  • Os estudos ali recenseados cobrem diferentes níveis territoriais (comunidades urbanas e rurais, micro<%0>regiões, regiões, estados, nações) e diferentes setores produtivos e de serviços (produção de alimentos e energia, industrialização, saúde, educação, habitação, saneamento básico, conservação de recursos naturais, criação de áreas de preservação permanente, recuperação de áreas degradadas etc.). 
Uma reprodução mesmo que sumária da metodologia de planejamento de estratégias de ecodesenvolvimento sugerida na bibliografia disponível extravasaria os limites deste trabalho. Apresento a seguir apenas os elementos considerados essenciais para o enquadramento da temática da gestão patrimonial de recursos naturais. 
  • A démarche do trabalho de planejamento começa pelo diagnóstico participativo de necessidades, potencialidades e aspirações das populações relativas à unidade de análise escolhida. Isto inclui o registro de estilos de vida; percepções, valores e atitudes; características geo-biofísicas; e o potencial de recursos existente. 
O espaço recortado para fins de planejamento deve ser, em princípio, suficientemente amplo e homogêneo do ponto de vista ecológico, de forma a assegurar uma gestão a mais integrada possível da potencialidade de recursos existentes. Por sua vez, a presença de uma certa identidade sociocultural pode permitir a visualização de padrões regulares nas interações entre comunidades e seu meio ambiente, ou seja, de formas específicas pelas quais essas interações marcaram a paisagem e as atividades tradicionais na eco-região considerada. 
  • Se por um lado a unidade de gestão deve ser a mais local possível e aqui o espaço microrregional parece representar uma opção fértil para fins de experimentação-piloto vale a pena reconhecer que a escolha da unidade deriva da questão específica com a qual a equipe de planejadores se defronta, e não o inverso: a biosfera no caso das alterações climáticas, uma comunidade no caso de um processo de contaminação de uma sub-bacia hidrográfica, o litoral de um estado para o caso da rarefação de estoques pesqueiros, um consórcio municipal para o caso da valorização da bio-industrialização descentralizada etc. 
Um processo o mais sistemático possível de avaliação de impactos sócioambientais da dinâmica de desenvolvimento vigente no espaço de planejamento suplementa o diagnóstico participativo. O termo avaliação de impactos ambientais tem sido utilizado de forma ambígua e controvertida na bibliografia das ciências sociais e das ciências ambientais. 
  • Além disso, seu papel, como possível instrumento de aconselhamento científico de processos decisórios na área do desenvolvimento integrado, permanece difuso, apesar do reconhecimento de sua relevância potencial para a concepção de políticas ambientais (Munn, 1975). 
Trata-se a meu ver de um instrumento que integra a metodologia mais antiga de avaliação de impactos ambientais (environmental impact assessment) com a metodologia mais recente de avaliação de impactos sociais (social impact assessment), ajustando-se assim à percepção da complexidade envolvida no conceito de política ambiental preventiva (Carley & Bustelo, 1984). 
  • Constitui um conjunto de operações designadas para identificar, predizer, analisar e comunicar informações relevantes sobre impactos relativos ao estado do meio ambiente e sobre a saúde e a qualidade de vida das populações. Assim conceituada, ela não se identifica apenas como componente de um procedimento de licenciamento ambiental que depende, por sua vez, da presença de um relatório de impacto ambiental (RIMA). 
Sua relevância advém, antes, do fato de abranger um conjunto mais amplo de demandas sociais. Segundo Sánchez (1991), a avaliação de impacto ambiental só poderia ser considerada eficiente se desempenhasse quatro papéis complementares, a saber: como instrumento de ajuda à tomada de decisão política, como instrumento de concepção de projetos e de planejamento, como instrumento de negociação social e como instrumento de gestão ambiental. 
  • O mesmo autor argumenta que sua credibilidade atual como expressão de um processo de aprendizagem social e mudança tornou-se dependente do processo ainda em curso de fortalecimento de mecanismos de controle político-institucional, jurídico e científico de sua aplicação. 
Da perspectiva dos desafios que cercam a arquitetura de um novo sistema de planejamento do desenvolvimento, a avaliação de impacto sócio-ambiental surge como instrumento virtualmente indispensável à garantia de sistematicidade da coleta e análise de um conjunto excessivamente denso e variado de dados no espaço regional. 
  • Para Wolf (1974) este padrão de análise avaliativa é associado a um campo emergente e autônomo de especialização acadêmica: uma versão de pesquisa social interdisciplinar orientada para a formulação de políticas públicas que se identificaria com um projeto de reestruturação sistêmica da ecologia humana. 
Segundo Wolf, o processo integral de avaliação iria, dessa perspectiva, além da preocupação pelos diversos tipos possíveis de degradação do meio biofísico e construído. Incluiria também em sua agenda a dimensão do quem ganha e quem perde , bem como das condições políticas que cercam o trabalho de mitigação dos processos destrutivos num horizonte de transição rumo a uma cultura política democrático-participativa. 
  • O processo de análise dos problemas estruturais a serem confrontados na unidade de planejamento depende, portanto, de uma reconstituição a mais pormenorizada possível da gênese e da dinâmica de agravamento dos processos destrutivos ali verificados. Para além dos recursos de análise sistêmica via modelagem descritiva, simulações de impactos estimados dos cursos de ação alternativos poderão ser incorporados no decorrer das etapas seguintes (Palinkas, 1985; Cramer et al. 1980). 
As diretrizes que o enfoque de ecodesenvolvimento oferece para a fase seguinte, voltada para a prospecção de estratégias específicas de intervenção, podem ser esquematizadas com base nas três dimensões do conceito de meio ambiente a que me referi acima: recursos naturais, espaço e qualidade do habitat. 
  • Relativamente à base de recursos, o enfoque insiste no controle das margens de desperdício na produção e no consumo, além da reorientação no sentido de se priorizar a produção de bens de consumo duráveis e a programação da pesquisa visando a adoção de substituições possíveis que permitam atenuar as pressões exercidas sobre as reservas de recursos não-renováveis. 
O interesse recai portanto na valorização econômica de recursos renováveis, passíveis de serem usados diretamente para consumo local. 
  • Nesse caso, a concepção de um novo sistema de economia comunitária emerge como tema privilegiado de pesquisa interdisciplinar orientada para a ação. As lições oferecidas por algumas sociedades tradicionais no que tange ao funcionamento de sistemas viáveis de apropriação, uso e gestão de recursos renováveis podem ser tomadas como pontos de referência importantes. 
A absorção de resultados de pesquisas realizadas em vários países em desenvolvimento nas últimas duas décadas, sob a rubrica de sistemas de gestão de recursos em propriedade comum (common property resource management systems), torna-se aqui particularmente digna de atenção. 
  • Esta linha de investigação tem mostrado que, se o respeito pelo uso sustentado dos recursos tornar-se algo compartilhado pela comunidade, aumentam as chances de êxito de formas de gestão capazes de favorecer o alcance simultâneo de uma distribuição mais equitativa da riqueza gerada e de aumento das margens de sustentabilidade dos recursos da comunidade (Ostrom, 1990; Berkes et al., 1989; Farvar, 1991; Diegues, 1994). 
A participação das populações constitui um pressuposto decisivo para o fortalecimento de sistemas comunitários de gestão de recursos naturais renováveis. Na especificação do conceito de participação, entretanto, o ecodesenvolvimento recomenda a distinção entre participação ampla em todos os estágios do processo de planejamento, implementação e controle de ações de desenvolvimento, e a simples manipulação de recursos humanos para a implementação de projetos, programas ou planos de ação concebidos de fora e impostos à população de forma mais ou menos autoritária. 
  • No que concerne à gestão do espaço, o princípio de prudência ecológica sugere a pesquisa de formas de organização produtiva que favoreçam a busca de complementaridade máxima das várias opções de dinamização econômica. Além disso, em função da rigidez dos atuais padrões de ocupação do espaço, recomenda-se preservar sempre que possível a preocupação pelas implicações de longo prazo no momento de se avaliar a conveniência da implantação de novas atividades. 
No que se refere finalmente à qualidade do habitat, o enfoque orienta a definição de modalidades de gestão integrada do controle da poluição e do tratamento de dejetos via reciclagem permanente. 
  • Diversos autores têm contribuído para expandir as pautas do trabalho de gestão ambiental urbana, situando em relação de complementaridade as dimensões da conservação (controle da poluição, recuperação de áreas degradadas, criação ou expansão de áreas verdes) e do desenvolvimento, associando a esta última a valorização dos ecossistemas urbanos vistos como fonte de recursos geralmente pouco conhecidos e potencialmente aproveitáveis do ponto de vista da economia comunitária (Sachs, 1986, 1986a, 1993; Boyden, 1981). 
Do exposto até aqui, torna-se nítido que a aplicação dessas diretrizes pressupõe modificações estruturais na dinâmica dos sistemas produtivos e a eleição de um novo estilo tecnológico. Os teóricos do ecodesenvolvimento recomendam que se resguarde o mais amplo espectro possível de possibilidades tecnológicas. Estas podem incluir desde as mais simples e intensivas em mão-de-obra até as mais sofisticadas e intensivas em capital e conhecimento. 
  • Os critérios de seleção enfatizam a utilização integral do potencial de recursos existente, em consonância com a lógica das necessidades sociais e com a busca de soluções descentralizadoras. 
A viabilização das alternativas selecionadas passa por um esforço de coordenação institucional, tanto entre diferentes setores de ação social, quanto entre diferentes níveis de organização territorial. Ao mesmo tempo em que se busca reequilibrar os fluxos de comunicação e transferência de poder decisório entre os níveis local, microrregional, regional e nacional, cabe promover a integração das várias dimensões sociocultural, econômica e ambiental do processo de desenvolvimento. 
  • Isto na medida em que a internalização da dimensão ambiental no planejamento não se restringe à tentativa de se adicionar mais um setor suplementar de política pública a um dispositivo institucional já enrijecido em seus objetivos estratégicos e em seus métodos de análise e intervenção. 
Na realidade, o que está em jogo é algo mais profundo e inclusivo, que implica um redirecionamento da própria organização dos sistemas produtivos e distributivos em sua relação com outras dimensões da vida social. 
  • Como já foi sugerido acima, o esforço de pesquisa científica sobre ecodesenvolvimento vem se concentrando nos últimos anos no questionamento da viabilidade da proposta, no quadro colocado pela intensificação dos processos de globalização e sob a hegemonia do ideário neoliberal. 
Para tanto, os temas da recriação dos sistemas de planejamento e do aperfeiçoamento das técnicas de negociação política encontram-se na ordem do dia. Insistindo na busca de compatibilização entre as esferas da autonomia local e da intervenção estatal, o ecodesenvolvimento pressupõe o fortalecimento do planejamento centralizado, abrindo entretanto a discussão sobre a necessidade de uma transformação qualitativa de suas formas de intervenção. 
  • Sugere para isso que esta transformação deve ir de encontro à consolidação dos princípios de subsidiaridade e de interdependência negociada , associando os diferentes atores envolvidos na tríade do modelo democrático-participativo: Estado, setor econômico e sociedade civil. 
Como sugere Godard (1980), essa maneira de se considerar o processo de descentralização contrasta com as abordagens tecno burocráticas, que se caracterizam pela negligência no reconhecimento da especificidade de cada nível de organização territorial, além de subordinarem os interesses dos níveis inferiores às aspirações hegemônicas dos níveis superiores. 
  • Se admitirmos, segundo ele, que a questão ambiental permeia em maior ou menor grau todos os níveis de organização, no processo descentralizador devem ser embutidos mecanismos que promovam sua internalização efetiva em todos eles simultaneamente. Nesse caso, torna-se necessário, entretanto, reconhecer e legitimar, em cada nível, a presença de motivações e interesses específicos.

Gestão Patrimonial de recursos naturais:
Construindo o Ecodesenvolvimento em Regiões Litorâneas

Gestão Patrimonial de Ecossistemas Litorâneos no Brasil:
  • O reconhecimento da potencialidade econômica dos ecossistemas litorâneos para a criação de alternativas social e ecologicamente sustentáveis em nosso país oferece uma instância privilegiada de reflexão e ação política ainda muito pouco explorada na literatura técnica sobre o ecodesenvolvimento. 
Trata-se de ecossistemas que integram baías, estuários, manguezais e lagoas costeiras, oferecendo nichos de elevada fertilidade para inúmeras espécies de peixes, crustáceos e moluscos que alimentam, por sua vez, a pesca artesanal e industrial. 
  • Como tem salientado com propriedade Diegues (1987), em termos sociais e espaciais, esses ecossistemas podem ser considerados como aqueles que vêm sofrendo mais intensamente os impactos de modelos recentes de ocupação urbano-industrial e da transferência de tecnologias pouco adaptadas às características sócio-ambientais das comunidades neles sediadas. 
O setor pesqueiro parece exprimir, deste ponto de vista, a dinâmica contraditória do modelo brasileiro de desenvolvimento nas últimas décadas. Segundo estimativas constantes do anuário estatístico da FAO (1988), já no final da década passada o conjunto da produção nacional havia alcançado um limiar de aproximadamente 800.000 t/ano. 
  • Cerca de 70% deste total foi alcançado através da pesca marítima. Este índice situa o país no modesto ranking de vigésimo terceiro produtor mundial, contrastando expressivamente com os resultados que vêm sendo obtidos por outros países latino-americanos. O Chile, por exemplo, ocupa o quinto lugar, com 5.000.000 t/ano; e o Peru, o sexto lugar, com 4.600.000 t/ano. 
Como parte das iniciativas governamentais de modernização industrial da atividade pesqueira, foi criada em 1962 a Superintendência do Desenvolvimento da Pesca (SUDEPE), dotada do estatuto de autarquia vinculada ao Ministério da Agricultura. Buscava-se naquela época alcançar um padrão mais racional de uso dos imensos recursos renováveis oferecidos por uma faixa litorânea de dimensões continentais e por uma expressiva rede de bacias hidrográficas. 
  • O país passou dessa forma a dispor de uma política de incentivos econômico-financeiros e fiscais a atividades classificadas como indústria de base . Essa preocupação pelo fomento da indústria pesqueira, vista como alavanca de fortalecimento da oferta de alimentação básica através dos chamados Planos Nacionais de Desenvolvimento Pesqueiro, colide todavia com a ênfase concedida à exportação de congelados e enlatados. 
Inserindo-se na dinâmica da modernização conservadora, a SUDEPE acaba, em última instância, servindo ao processo de agravamento dos índices de marginalização sócio-econômica e político-cultural de expressivos segmentos da população sediada ao longo da costa.
  • Aliando a atuação deficitária na área da formação técnica especializada à insistência na manutenção de linhas de crédito voltadas para investimentos em projetos de grande porte e ao desinteresse pela concepção de tecnologias apropriadas ao nosso contexto, o modelo acabou também, finalmente, direcionando o esforço produtivo para o cultivo de um número restrito de espécies biológicas, destinadas prioritariamente ao atendimento da demanda internacional. 
Ao que tudo indica, inexistiu um processo criterioso de identificação da disponibilidade de biomassa, articulada a um programa coerente de gerenciamento ecológica, espacial e socialmente sustentável dos recursos naturais existentes. 
  • As flagrantes disparidades regionais contribuíram para aguçar a complexidade envolvida no projeto de se dotar o país de um padrão mais adequado de gerenciamento costeiro, baseado num uso racional (do ponto de vista da questão ambiental) da base de recursos renováveis ali existente. Enquanto as regiões Norte e Nordeste conservam importantes bolsões de pesca artesanal, a região Sul-Sudeste alcançou gradativamente o patamar da semi-industrialização. 
A maioria das usinas de transformação do pescado e de construção de embarcações concentra-se atualmente nos estados meridionais. 
  • Colaboram para isso tanto a presença de infra-estrutura industrial e financeira quanto a abundância de espécies consideradas, por razões climáticas, economicamente privilegiadas como a sardinha e o camarão. 
Estima-se atualmente o índice de consumo per capita de pescado no Brasil em cerca de 6,7 kg/ano, dado que exprime um contexto claro de subutilização deste recurso. Em termos de comércio exterior, as metas de intensificação das exportações e redução de importações têm contribuído para a geração de excedentes da ordem de 39,7 milhões de dólares em 1987. 
  • O Brasil tornou-se recentemente o segundo exportador mundial de lagosta e o décimo oitavo exportador de camarão (Caire, 1990). Finalmente, o contingente de cerca de 400 mil famílias que extraem da atividade pesqueira sua principal fonte de sobrevivência na orla litorânea tem se confrontado nas últimas décadas com as duras realidades da perda progressiva de espaço vital e de acesso ao mar. 
Além disso, deve ser ressaltado o avanço implacável da especulação imobiliária induzida pelo turismo de massa e pela urbanização descontrolada, fato que se conjuga à intensificação dos índices de poluição urbano-industrial e à competição desigual com os atuais monopólios do setor da pesca industrial. 
  • Esse processo tende a forçar o deslocamento das comunidades pesqueiras para os centros urbanos, induzindo alterações drásticas em seus estilos de vida e minando pela base suas chances de sobrevivência. 
Para os grupos remanescentes resta a perda gradual de controle do setor de comercialização, em ambientes que oferecem paradoxalmente nichos ecológicos de alta fertilidade. As estratégias possíveis de sobrevivência acabam se traduzindo no desrespeito às exigências de sustentabilidade ecossistêmica. Formas predatórias de exploração dos recursos existentes acabam se tornando a regra geral (Diegues, 1976 e 1987; Oliveira & Ribeiro Neto, 1989; Caire, 1990).

 Aquicultura como Instrumento de Ecodesenvolvimento:
  • O redirecionamento das políticas públicas para o setor pesqueiro deverá pressupor a consecução de reformas estruturais que viabilizem, no contexto de um sistema consistente de gerenciamento costeiro, a institucionalização de um novo padrão de apropriação, uso e gestão do potencial de recursos naturais ali existente. 
Considerando-se que a própria FAO reconhece na produção de pescados atualmente a maior fonte de proteínas de origem animal, por várias razões a aquicultura representa hoje um recurso de inegável importância estratégica para a revitalização econômica de ecossistemas litorâneos em nosso país. 
  • Pelo fato de incluir a exploração e o cultivo simultâneo de uma extensa gama de espécies peixes, crustáceos, moluscos e plantas aquáticas, trata-se de uma atividade incipiente em nosso país. Seu desenvolvimento vem suscitando nos últimos anos expressivos investimentos em pesquisa, tanto no contexto de agências governamentais quanto no âmbito do sistema de ensino superior. 
Esse esforço de geração de conhecimento técnico tem se concentrado, entretanto, principalmente em problemas ligados ao domínio da biologia de espécies nativas e ao refinamento de tecnologias de cultivo para a adaptação de espécies exóticas às condições vigentes em nosso território (FAO, l989; Morales, 1975). 
  • Algumas décadas atrás, os oceanos eram considerados como fontes virtualmente inesgotáveis de alimentos. Como ressalta Raud (1994), de 1950 a 1970 o índice global de captura em nível mundial aumentou de 21 para 66 milhões de t/ano. Após 1970, apesar da intensificação da atividade pesqueira, esses índices apresentam-se em queda. 
De 1970 a 1985, por exemplo, verificou-se um incremento de apenas 29,4%, em nítido contraste com o acréscimo de 33,2% da população mundial no mesmo período. Em face desta tendência, a FAO projetou uma demanda global de produtos do mar da ordem de 114 milhões de toneladas para o limiar do ano 2000. 
  • Ao mesmo tempo, este órgão prevê que, se forem mantidos os índices vigentes atualmente, a produção estimada será da ordem de apenas 94 milhões de t/ano. O déficit provável deverá atingir, portanto, cerca de 20 milhões de toneladas. Essas cifras, apesar de aproximadas, indicam que a disponibilidade dos produtos do mar necessitaria crescer a uma taxa bem acima daquela observada nos últimos anos. 
Considerando-se ainda que a exploração dos estoques naturais através da captura encontra-se próxima de seus limites biológicos fato que vem sendo agravado pela intensificação dos níveis de degradação ambiental, caberá possivelmente à aquicultura um papel mais e mais relevante na fase de transição para a sustentabilidade dos sistemas ecossociais que ora se inicia (FAO, 1989). 
  • A exploração de espaços litorâneos mediante técnicas de aquicultura tem apresentado uma curva positiva de evolução no cenário internacional. Além de sua função de dinamização sócio-econômica, gerando empregos diretos e indiretos junto a comunidades de pescadores artesanais, produzindo alimentos de alto teor protéico e criando divisas para o país via exportação, esta atividade pode contribuir de forma expressiva para a limitação dos processos de degradação dos ecossistemas litorâneos. 
Por sua vez, os ganhos obtidos por meio de um manejo ecologicamente prudente dos recursos renováveis nessas áreas acabam retroagindo sobre o potencial de regulação das atividades pesqueiras. Isto na medida em que se protege a sustentabilidade dos criadouros naturais, ou seja, o repovoamento e a reposição dos principais estoques. Inúmeros países têm obtido resultados impressionantes através do fomento à revolução azul. 
  • Dotado de uma orla litorânea restrita, o Equador conseguiu alcançar em curto espaço de tempo o status de maior produtor mundial de camarões em cativeiro (90.000 t/ano). O Chile, por sua vez, vem se destacando pelo cultivo de moluscos e algas marinhas. 
No contexto latino-americano (incluindo-se o Caribe), a produção representa atualmente apenas 1,8% do total mundial, constatando-se um ritmo de crescimento de 16,3% ao ano no decorrer do período de 1985 a 1990 (Raud, 1994). Já nos países asiáticos, a aquicultura tornou-se uma atividade tradicional, respondendo em alguns casos pela principal fonte de proteína animal para as populações. A China continua usufruindo, nesse particular, o status de maior produtor, com cerca de 47% do total mundial. 
  • O litoral brasileiro apresenta uma extensão de 7.400 quilômetros, estando dotado de uma gama impressionantemente diversificada de ecossistemas. Se ali não se constata uma abundância natural de peixes, excetuando-se a faixa sudeste-sul, esta premissa não se aplica às potencialidades oceânicas e das águas interiores para a prática da aquicultura. 
Com efeito, as duzentas milhas marítimas que constituem a Zona Econômica Exclusiva, somadas aos arquipélagos, representam dimensões correspondentes ao Brasil territorial. Apesar disso, o país ocupa atualmente apenas o quinto lugar dentre os maiores produtores da região, gerando 5,3% da sua produção aquícola. 
  • Encontra-se assim abaixo do Equador (28%), do Chile (25,5%), do México (21,9%) e de Cuba (8,2%). Convém ressaltar ainda que, até a década de 70, a aquicultura não era considerada como um tipo de atividade econômica essencial, na medida em que as reservas dos oceanos pareciam em princípio inesgotáveis. 
Com o choque do petróleo e o conseqüente encarecimento dos custos com as embarcações a motor, no processo de ganho de consciência do esgotamento das reservas em nível global, tem início uma fase de investimentos crescentes no setor, mesmo que as pesquisas continuem travadas por falta de estímulo creditício (Raud, 1994). 
  • Em nosso país a carcino cultura vem despontando como alternativa viável de ocupação de áreas litorâneas devolutas, colocando-se como estratégia que poderá vir a induzir a geração de benefícios econômicos expressivos às comunidades pesqueiras. O atual monopólio do cultivo de camarões por empresas de médio e grande portes poderia, em princípio, ser contrabalançado por meio do aprimoramento e da difusão ampla de novas técnicas de cultivo junto àquelas comunidades. 
O desenvolvimento progressivo de técnicas de larvino cultura e repovoamento de ambientes naturais desponta como eixo diretor do esforço de dinamização produtiva, pressupondo-se o fortalecimento do movimento de auto-organização da sociedade civil. A ostreicultura e a mitilicultura representam também inovações importantes. 
  • Às elevadas taxas de crescimento das espécies somam-se os resultados positivos já alcançados em cultivos experimentais. Ambas as atividades caracterizam-se pelo baixo custo de implementação dos projetos e pelas facilidades de gerenciamento dos sistemas produtivos. Quanto ao cultivo de algas, sua expressão econômica ultrapassa o nível do consumo alimentar direto e alcança a produção agroindustrial. 
Por meio delas pode ser viabilizado o preparo de gelatinas, iogurtes e produtos químicos os mais diversos a exemplo de gomas vegetais e emulsificantes. O fomento dessa atividade em fazendas marinhas integradas apenas começou a ser vislumbrado como alternativa economicamente rentável. 
  • Apesar dessas expectativas positivas, as atividades baseadas na valorização da aquicultura correm atualmente o risco de serem progressivamente apropriadas pela lógica perversa do estilo dominante de desenvolvimento vigente no país. 
A aquicultura parece estar se orientando pelos mesmos pontos de referência que guiaram o processo de modernização capitalista do setor agrícola no Brasil. Isto significa: dependência em face das pressões ambiental e social (Caire, 1990). 
  • Caberia em princípio ao enfoque de ecodesenvolvimento o desafio de proporcionar um balizamento seguro para o esforço de reversão dessa tendência, por meio da concepção e da negociação política de estratégias de transição rumo a um novo modelo. Isto significaria injetar mecanismos inovadores na atual dinâmica dos sistemas produtivos vigentes no setor pesqueiro. 
Na medida em que se objetive garantir um ajuste mais harmonioso do processo de crescimento econômico às particularidades de cada ecossistema, impõe-se, entretanto, considerar de maneira flexível e criativa o princípio básico de pluralismo tecnológico. 
  • Várias opções devem ser cogitadas, incluindo-se desde aquelas técnicas consideradas mais simples e intensivas em mão-de-obra até as mais sofisticadas e intensivas em capital e conhecimento de ponta. 
Os critérios básicos sugerem como já foi ressaltado acima uma utilização integral do potencial de recursos disponíveis e ainda pouco conhecidos, em consonância com a lógica das necessidades sociais e com a busca de soluções descentralizadoras, redutoras de poluição e sensíveis à prospecção de fontes energéticas alternativas (Sachs, 1986; Morales, 1975). 
  • A viabilização deste novo estilo tecnológico carrega em si o potencial de deflagrar um efeito pedagógico expressivo nas comunidades litorâneas, efeito este que se resume na criação de hábitos individuais e normas de comportamento grupal voltadas para a experimentação ativa com o potencial de recursos existente em cada uma delas. 
Isto envolveria a formação de uma consciência crítica tanto do potencial inexplorado de certos elementos do meio (natural e construído), quanto das chances de se obterem soluções criativas para problemas percebidos geralmente segundo a ótica restritiva dos paradigmas culturais dominantes (Sigal, 1976). 
  • Em termos mais concretos, caberia empreender, num primeiro momento, a diversificação do potencial de recursos existente em cada microrregião litorânea, em sintonia com a valorização de formas tradicionais de conhecimento detidas pelos pescadores.
A ampliação do leque de recursos geralmente utilizados como fontes de alimentação deverá incorporar, por sua vez, uma mobilização mais intensa e coordenada da pesquisa e da conscientização popular visando um questionamento mais profundo de aspectos ligados à qualidade nutricional dos nossos regimes alimentares. 
  • Num segundo momento, a adoção de princípios de ecodesenvolvimento acentua a necessidade de se preservar a dimensão da sustentabilidade de longo prazo dos sistemas produtivos. Na prospecção de formas alternativas de cultivo, a busca de complementaridade máxima de atividades e funções produtivas e distributivas passaria assim a ser assumida como diretriz central de uma estratégia de transição consistente.
Contrariando a tendência à especialização excessiva, que traz consigo a relação de dependência em face das pressões políticas e oscilações do mercado, além da adoção homogeneizadora de tecnologias importadas e intensivas em capital, defende-se o redirecionamento da pesquisa interdisciplinar e interinstitucional visando a concretização de sistemas integrados de produção, capazes de atender aos critérios interdependentes de maior eqüidade social, autonomia regional, eficiência econômica e prudência ecológica.

Sistemas Integrados: Rumo a um Novo Estilo Tecnológico:
  • O teste experimental de iniciativas pioneiras em nosso país corresponde ao movimento de reação aos impactos sócio-econômicos e ambientais negativos do Programa Pro-Álcool, já no final dos anos 70. 
Objetivou-se nessa época a adoção de um complexo esquema de co-produção de alimentos e energia, capaz de superar as insuficiências da mera justaposição de grandes projetos intensivos em capital, que se tornaram a norma das políticas de modernização capitalista da agricultura brasileira. 
  • O novo padrão de planejamento envolvia medidas favoráveis à descentralização na produção de álcool, uso de tecnologias apropriadas para a reciclagem permanente de dejetos via biodigestão e o reaproveitamento sistemático de resíduos agrícolas, florestais e aquáticos para fins agroindustriais (LaRovere & Tolmasquim, 1984). 
Na estação experimental da EMBRAPA em Capela de Santana, RS, conseguiu-se agregar ao funcionamento de microdestilarias de cana e mandioca tanto biodigestores para produção de gás e fertilizantes quanto tanques para a criação conjunta de peixes e plantas aquáticas (jacintos). 
  • A dinâmica do sistema previa a associação ao álcool produzido na microdestilaria o uso do bagaço de cana como suplemento da ração animal. O biodigestor produzia, por sua vez, fertilizantes a partir de dejetos humanos e animais, contribuindo assim para a melhoria da fertilidade dos solos, para a alimentação de peixes e para a liberação de gás capaz de acionar geradores elétricos e servir ao suprimento da demanda de combustível para cozinha. 
Uma parte do bagaço acumulado poderia ser também utilizada como combustível ou mesmo como matéria-prima para outras atividades produtivas. O reaproveitamento do vinhoto no cultivo de jacintos contribuía finalmente para a produção de proteína animal e vegetal, minimizando ao mesmo tempo os índices de poluição associada à destilação do álcool. 
  • O projeto de comunidades agro-energéticas da FINEP, em 1982, favoreceu a generalização dessa concepção de sistemas integrados no contexto de uma proposta mais claramente identificada com os princípios básicos de planejamento de estratégias de ecodesenvolvimento microrregional. 
A criação de complexos agroenergéticos passa assim a incluir um levantamento minucioso do potencial de recursos naturais disponíveis e do próprio contexto sócio-econômico e político+cultural de cada eco-região, envolvendo de maneira realista a participação comunitária neste processo. 
  • Visando minimizar os riscos tecnológicos para o pequeno produtor, recomendava-se um controle rigoroso e cientificamente informado das diversas etapas de instalação, monitoramento e avaliação de rendimento dos sistemas. 
Além disso, tentou-se compatibilizar com mais acuidade o grau de sofisticação tecnológica dos equipamentos com a preservação de um nível máximo de autonomia na manufatura, operação e manutenção dos mesmos. 
  • Exemplos expressivos dessa nova etapa na concepção de sistemas integrados podem ser encontrados nas experiências das comunidades agro-energéticas de Tabuleiros de Valença e Itabuna, na Bahia. Em Tabuleiros de Valença, o projeto de base incluía o desenvolvimento de tecnologias combinadas para extração em pequena escala de óleo de coco, consorciamento de culturas no espaço dos coqueirais (feijão, milho, mandioca e frutas diversas) e uso intensivo de resíduos agrícolas. 
No caso de Itabuna, por sua vez, viabilizou-se experimentalmente um tipo de integração entre produção agrícola, aquicultura (camarões, carpas e tilápias), pecuária, criação de pequenos animais e atividades agroindustriais em pequena escala, num módulo de aproximadamente quarenta hectares. 
  • Da análise crítica das experiências já acumuladas que incluem avanços mais recentes em unidades produtivas no setor privado depreende-se que o efeito de sinergia assim obtido pode aumentar significativamente os índices de produtividade global da atividade modernizadora, a partir do emprego de uma mesma base de recursos naturais. 
Vantagens suplementares podem ser obtidas em termos de maior descentralização dos processos produtivos, redução de margens de desperdício no uso dos recursos e de pressões excessivas sobre os mesmos, além da busca de um padrão socialmente mais equitativo de redistribuição dos benefícios econômicos auferidos (Sachs, 1986 e 1986a). 
  • O momento atual exprime a necessidade de se intensificar a passagem do estágio experimental para o campo das aplicações concretas a contextos regionais específicos. A análise comparativa de situações similares viria, além disso, enriquecer o conhecimento aplicado para a identificação de soluções melhor ajustadas a cada caso. 
O know-how acumulado por organismos do porte do ICLARM nas Filipinas, IFREMER na França, ou Cialgas Andinas no Chile, além daquele de países com tradição centenária neste campo, como a China e a Índia, abre oportunidades suplementares de reflexão orientada para a formulação de políticas e para a ação comunitária. 

O Potencial da Região Sul do Brasil:
  • No contexto dos três estados da região Sul, os esforços de pesquisa para a definição de estratégias regionais de ecodesenvolvimento, com ênfase na valorização simultânea da aquicultura e do turismo ecologicamente consciente, encontram-se ainda em seus primórdios. A reflexão crítica deve nutrir-se basicamente de alguns estudos pioneiros realizados nos últimos anos. 
Num desses trabalhos exploratórios, levado a cabo em Guaraqueçaba, no litoral paranaense, considerado parte de um dos mais importantes ecossistemas lagunares do mundo em termos de produtividade primária (o de Iguapé- Paranaguá), foram analisados três níveis de integração envolvendo atividades agropecuárias, aquicultura, industrialização em pequena escala e turismo (Caire, 1990). 
  • Na dinâmica de funcionamento deste complexo estuarino-lagunar, a presença de importante extensão de mangues (cerca de 1.800 ha) ainda bem preservados constitui um exemplo de potencial latente de recursos para o ecodesenvolvimento, em que pese o incremento gradual das práticas de desflorestamento e do turismo predatório. 
Neste estudo, a integração das práticas produtivas traduz-se na geração de fertilizantes para aumentar os índices de produtividade primária e para assegurar um melhor suprimento de alimentação animal, dotando as comunidades locais de pescadores de maior autonomia de energia combustível e estimulando o processamento micro-industrial de alimentos via formação de cooperativas e incorporação de insumos biotecnológicos. 
  • Na relação com as atividades de incentivo ao turismo, o estudo destaca a necessidade de um tipo de planejamento espacial que consiga contrabalançar as tendências predatórias embutidas no modelo produtivista dominante, explorando seu potencial de dinamização da infraestrutura de transportes, bem como de abertura das comunidades a um intercâmbio com espaços exteriores capaz de compatibilizar a absorção de mão de obra, um melhor escoamento da produção, oxigenação cultural e impulsos para a disseminação de projetos de educação ambiental para o ecodesenvolvimento. 
A atividade turística passa assim a ser concebida como uma dimensão complementar dos objetivos de mudança de estilos de vida defendido pelo enfoque de ecodesenvolvimento. A generalização deste modelo, desde que submetido a um processo criterioso de refinamento metodológico, poderia vir a subsidiar um programa inter-regional de pesquisas integradas, enfatizando-se os casos de microrregiões fortemente degradadas do ponto de vista de impactos sócio-ambientais. 
  • No caso específico do litoral catarinense, destaca-se a presença de comunidades tradicionais de pescadores espalhadas numa faixa de 531 quilômetros de extensão, especialmente em ambientes estuarino-lagunares. Os pescadores artesanais participam com 45% do valor total da captura de peixes e com 85% de crustáceos (desconsiderando-se os moluscos). 
Dados estatísticos sobre o desembarque controlado mostram que, nos últimos anos, a produção anual de pescado tem oscilado entre 70 e 85 mil toneladas, prevalecendo a produção de peixes com 85% das capturas. A produção de crustáceos vem sendo avaliada em média em 7.000 t/ano, e o esforço de captura da pesca industrial alcança aproximadamente 70% do conjunto da biomassa (Lago, 1988, Teixeira & Teixeira, 1986). 
  • O padrão de pesca artesanal caracteriza-se pelo uso de embarcações abertas e dotadas de tecnologia rudimentar, circulando nas proximidades da orla marítima e carecendo de formas de organização que assegurem uma conservação ecologicamente refletida dos mananciais e o aumento da produtividade global. 
Além disso, o crescimento vertiginoso das atividades turísticas, aliado ao processo de especulação imobiliária por ele induzido, atua como poderoso fato de desestruturação do tradicional acoplamento entre agricultura e pesca de subsistência praticado desde os primórdios da ocupação do território. 
  • A exploração predatória dos mananciais disponíveis, somada à poluição crescente das águas, constitui os principais pontos de estrangulamento atualmente sentidos na esfera das ações de planejamento. 
No contexto de produção de peixes de água doce, as principais espécies cultivadas são a carpa (comum e chinesa), a tilápia e a truta. Os dados existentes nos setores de extensão do Estado (ACARPESC e EPAGRI) indicam um aumento relativamente pequeno do número de piscicultores assistidos e das áreas de cultivo. Apesar disso, pode ser constatada uma elevação importante dos índices de produção e da produtividade das técnicas que vêm sendo utilizadas. 
  • Segundo estudo recente elaborado por Raud (1994), entre 1983 e 1991 houve um aumento do número de piscicultores de 4.768 para 6.700 (mais de 40%). A área de cultivo total passou também de 642 a 1.670 ha (mais de 160%), e a produção, de 63 a 1.680 t/ano. Atualmente, mais de 7.500 piscicultores seriam responsáveis pela produção estadual, calculada em cerca de 2 mil toneladas de peixes, localizados principalmente na região Oeste, mas também na região do Vale do Itajaí. 
O cultivo de camarões de água doce foi introduzido no estado apenas em 1985, por iniciativa do Departamento de Aquicultura da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). As pesquisas vêm priorizando o tipo gigante, oriundo da Malásia. Mas a instabilidade ocorrida na produção de pós-larvas tem impedido o desenvolvimento cumulativo desta prática, que ocupa atualmente apenas cerca de dez hectares. 
  • Já no setor de camarões marinhos, persiste o monopólio das empresas de grande porte. A situação pode ser melhorada no quadro de novas perspectivas de investimento em pesquisas para inovação tecnológica. Em 1985, a UFSC implantou um laboratório para a produção de pós-larvas de espécies nativas. Atualmente o estado conta com cerca de nove fazendas, das quais cinco estão desativadas. 
A produção alcançou 130 toneladas em 1991, 80 em 1992 e em sua maior parte é vendida diretamente à rede hoteleira (Raud, 1994). Em baías e enseadas, a ostreicultura e a mitilicultura representam, por sua vez, importantes alternativas ocupacionais para as comunidades tradicionais. 
  • O cultivo de mexilhões foi iniciado apenas em 1986. Atualmente o estado dispõe de cerca de 110 produtores artesanais, sediados nas imediações da capital. A produção tem aumentado gradualmente: 190 toneladas na safra de 1990-91, 500 em 1991- 92 e 1.100 em 1992-93. Além disso, os custos de produção são considerados muito baixos, permanecendo inferiores a 10% do valor médio de comercialização, tanto para produtores artesanais quanto para aqueles ligados à rede industrial. 
A exploração eco-desenvolvimentista das lagoas costeiras configura, finalmente, um eixo prioritário de investigação orientada para a ação, e isto por várias razões. Além de servirem como criadouros naturais de certas espécies marinhas, elas concentram atualmente uma parcela significativa da pesca artesanal no estado. 
  • Inserem-se ao mesmo tempo em microrregiões de elevado potencial turístico, apesar de o importante complexo de Laguna, no Sul, sofrer os reflexos ecologicamente destrutivos da indústria carbonífera. 
O complexo lagunar de Laguna, pelo fato de situar-se na décima quarta área de maior degradação sócio-ambiental do país, representa um laboratório interessante para ações de ecodesenvolvimento. Em cerca de 20 mil ha de área inundada, abriga 20 mil famílias que dependem direta ou indiretamente da pesca. 
  • Visando a formulação de uma política de manejo centrada na valorização da aquicultura, intensificam-se as iniciativas de articulação institucional envolvendo agências do setor público, associações da sociedade civil, empresas e núcleos de pesquisa acadêmica e tecnológica. 
No contexto de uma reestruturação do sistema de pesquisa agropecuária do estado, realizada no início de 1991, como parte de uma preocupação pela busca de alternativas aos impasses dos programas de pesquisa por produto segundo enfoques disciplinares/setoriais típicos do sistema EMBRAPA, começaram a surgir indícios promissores de valorização do enfoque sistêmico. 
  • Um dos mais significativos, a meu ver, está representado pela tentativa de viabilização de um programa de longo prazo de investigações de sistemas integrados de produção em pequenas propriedades, com aportes biotecnológicos (EMPASC, 1991). 
Além do complexo de Laguna, caberia ainda ressaltar o potencial da Lagoa da Conceição, situada na Ilha de Santa Catarina, atualmente alvo de fortes impactos predatórios decorrentes da expansão urbana e das sobrecargas sazonais do turismo de massa. A perspectiva de torná-la um protótipo de fazenda aquicultora vem sendo gradativamente promovida. 
  • A UFSC dispõe de um programa de pós-graduação em aquicultura, e a Universidade do Vale do Itajaí implantou em 1992 um curso de graduação em oceanografia, que inclui em seu currículo disciplinas relacionadas à aquicultura. 
Além disso, a maioria dos colégios agrícolas da rede federal e estadual, que forma técnicos de nível médio em agropecuária, mantém uma disciplina de introdução à piscicultura. O treinamento informal de produtores é ministrado por técnicos da EPAGRI e professores da UFSC (Raud, 1994). 
  • A EPAGRI desenvolve pesquisas sobretudo em piscicultura. Isto inclui o desenvolvimento e/ou adaptação de tecnologias de reprodução e de produção de espécies nativas ou exóticas, maricultura e estudo de viabilidade econômica dos sistemas de produção e do impacto na renda dos produtores. 
Já o Departamento de Aquicultura da UFSC atua sobretudo na área da maricultura, dispondo de um laboratório de reprodução e nutrição de camarões marinhos, um de piscicultura marinha, um de mexilhões e um de ostras todos eles localizados em Florianópolis. 
  • No que diz respeito à aquicultura de água doce, a UFSC realiza pesquisas em piscicultura conjuntamente com a EPAGRI, mantendo um laboratório de camarões de água doce também em Florianópolis. 
A aquicultura em Santa Catarina é considerada atividade estratégica para o desenvolvimento da agropecuária, tendo sido contemplada na Política Estadual de Desenvolvimento Rural e Pesqueiro (Lei nº 8.676/92). A coordenação dessas atividades de pesquisa foi delegada à EPAGRI, através de uma gerência específica. 
  • Esta detém a autonomia para definir prioridades, planos de desenvolvimento e formas de transferência dos resultados obtidos. Mas não se dispõe ainda de uma legislação específica para as atividades aquícolas, fato que prejudica o desenvolvimento do setor, notadamente a maricultura (Raud, 1994). 
Quanto ao litoral do Rio Grande do Sul, pode-se destacar o complexo da Lagoa dos Patos, onde a ictiofauna induz a persistência de importante segmento de pesca artesanal justaposta à cultura do arroz e à prática da pecuária. 
  • Trata-se de um criadouro natural de inúmeras espécies de valor econômico já comprovado, como a tainha, o peixe-rei e o camarão rosa. O ecossistema já sofre entretanto as pressões destrutivas advindas da indústria petroquímica e de celulose, além do uso de insumos químicos na agricultura (Diegues, 1987). 
Aqui, como no Paraná e em Santa Catarina, abrem-se espaços pioneiros para a aplicação de inovações tecnológicas de ponta visando a valorização integrada dos recursos do mar. Em consonância com a filosofia do NUPAUB (Núcleo de Pesquisas em Áreas Úmidas no Brasil), sediado na USP e coordenado por Antônio Carlos Diegues, deveria caber a um Centro Regional de Ecodesenvolvimento a tarefa de coordenar a concepção e a gestão de projetos integrados e interinstitucionais, baseados num diagnóstico mais preciso e confiável daqueles ecossistemas dotados de reconhecido potencial para experimentações criativas rumo a uma sociedade social e ambientalmente viável.

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Gestão Patrimonial de recursos naturais:
Construindo o Ecodesenvolvimento em Regiões Litorâneas