sexta-feira, 29 de abril de 2016

Um estudo de desenvolvimento sustentável do nordeste semi-árido

Um estudo de desenvolvimento sustentável do nordeste semi-árido

Antônio R. Magalhães

  • O ciclo de políticas voltadas para o desenvolvimento do Nordeste, iniciadas com o GTDN Grupo de Trabalho para o Desenvolvimento do Nordeste, no final da década de 50, parece dar sinais de exaustão neste final de século. 
A fase dos planos diretores da Sudene, dos incentivos fiscais e dos programas de desenvolvimento rural integrado se extingue com a última experiência de grande envergadura, o PAPP Programa de Apoio ao Pequeno Produtor Rural. Junto com as políticas, também as instituições se enfraqueceram e perderam o fôlego para sua própria renovação. 
  • O Nordeste se encontra hoje sem uma estratégia de consenso, capaz de viabilizar ação política orientada para o desenvolvimento. 
As condições para um novo ciclo de políticas de desenvolvimento regional sujeitam-se às características especiais dos anos 90: 
  • O retorno do Brasil ao regime democrático, criando espaço para um amplo processo participativo na sociedade; 
  • A preocupação com a restauração do planejamento de longo prazo, que pode viabilizar-se com o desejado alcance da estabilidade econômica; 
  • O retorno da preocupação com as desigualdades regionais e sociais, materializado no Congresso Nacional com o Relatório Beni Veras sobre Desigualdades Regionais e, no nível da sociedade, com a Campanha pela Cidadania e Contra a Fome; 
  • A emergência do conceito de desenvolvimento sustentável, a partir do Relatório Brundtland e da Rio-92. 
Em 1992, os participantes da Conferência Internacional sobre Impactos Climáticos e Desenvolvimento Sustentável de Regiões Semi-Áridas (ICID) propuseram a adoção de políticas de desenvolvimento sustentável como a saída apropriada para as regiões semi-áridas. 
  • A partir de um processo participativo envolvendo organizações governamentais e não-governamentais, conduzido inicialmente por uma ONG, tornou-se possível a reunião de esforços para elaboração de estudo e proposta de política de desenvolvimento sustentável do Nordeste, com destaque para a região semi-árida. 
A principal preocupação diz respeito à incorporação do conceito de desenvolvimento sustentável ao processo de planejamento do desenvolvimento regional.

Planejando o Desenvolvimento Sustentável
  • Há inúmeras definições de desenvolvimento sustentável. Isso não impede que exista unanimidade em torno da idéia básica por trás do conceito, ou seja, desenvolvimento com eqüidade social intra-geração e entre gerações. 
O mesmo não é verdade, contudo, em relação à operacionalização do conceito. Todos são favoráveis ao desenvolvimento sustentável, mas pouco se aprendeu sobre como promovê-lo e, particularmente, como introduzi-lo em nível do planejamento nacional, regional ou local. 
  • Não há metodologias disponíveis para o planejamento do desenvolvimento sustentável. Evidentemente, trata-se de um conceito novo, que ainda não teve tempo de incorporar-se ao corpo das doutrinas de desenvolvimento econômico e planejamento. 
É ainda mais recente o interesse dos economistas pelo tema. Embora crescente esse interesse, a maioria dos economistas e dos políticos que tratam da questão do desenvolvimento ainda vêem com desdém ou desconfiança a idéia de sustentabilidade. 
  • Essa aparente falta de interesse pode ter algumas explicações: Primeiro, idéias novas geralmente levam algum tempo para seu pleno amadurecimento e aceitação. 
Se isso é verdade, deve-se esperar algum tempo até que o novo conceito seja plenamente incorporado; Segundo, o conceito de desenvolvimento sustentável surgiu a partir da preocupação com os problemas ambientais e os problemas globais, estando fortemente presente o viés ambiental. 
  • A maioria das pessoas, mesmo as mais esclarecidas, ainda pensam desenvolvimento sustentável como assunto exclusivo dos ambientalistas. Em boa medida, a corrente principal da política econômica continua ignorando a questão; 
Terceiro, a crise e as transformações econômicas dos anos 80 e início dos 90 fizeram diminuir o prestígio da atividade de planejamento em geral, tornando ainda mais difícil a introdução de novas dimensões no processo de planejamento. 
  • Para efeito deste trabalho, utilizamos uma definição operacional para desenvolvimento sustentável, capaz de permitir sua incorporação aos procedimentos do processo de planejamento.  A definição adotada é a seguinte: Desenvolvimento sustentável é o que tem capacidade de permanecer ao longo do tempo. 
Em outras palavras: é o desenvolvimento durável, em todas as suas dimensões. Além do aspecto global, destacamos quatro dimensões: 
  • Econômica: relativa à capacidade de sustentação econômica dos empreendimentos. Este é um conceito bem desenvolvido pelos economistas; 
  • Social: diz respeito à capacidade de incorporar as populações marginalizadas, reduzindo desequilíbrios sociais que desestabilizam a sociedade; 
  • Ambiental: relativa à necessidade de conservação dos recursos naturais e da capacidade produtiva da base física; e 
  • Política: relacionada com a estabilidade dos processos decisórios e das políticas de desenvolvimento. Outras dimensões podem ser acrescentadas. 
Por exemplo, a dimensão cultural, relativa à capacidade de preservação dos valores que asseguram a identidade cultural de um povo e permitem a introdução de novos valores necessários para dar suporte às transformações sociais e econômicas. 
  • Embora simplificadora, a definição acima mantém os ingredientes comuns às várias definições de desenvolvimento sustentável: qualifica o crescimento econômico, sujeitando-o à necessidade de manutenção, a longo prazo, da produtividade dos recursos naturais e conservação da base física do planeta; fortalece a idéia de eqüidade, tanto interpessoal (sustentabilidade social), como intertemporal (sustentabilidade ambiental). Desenvolvimento Sustentável para o Nordeste: o Projeto Áridas
O objetivo do Projeto Áridas é contribuir para criar um novo paradigma para o planejamento do desenvolvimento do Nordeste brasileiro. 
  • Nos últimos 45 anos, o desenvolvimento do Nordeste foi orientado pelo que podemos chamar hoje de paradigma do GTDN: um conjunto de orientações de caráter estratégico que foi internalizado pelos planejadores regionais e influenciou as políticas, planos e programas de desenvolvimento feitos ou adotados no Nordeste a partir da criação da SUDENE, em 1959. 
A doutrina GTDN foi um grande sucesso pela influência que teve e continua tendo entre os acadêmicos e planejadores. As políticas que nela se fundamentaram, entretanto, não deram os frutos esperados. Vivemos hoje uma situação de crise de identidade da política regional, pelo envelhecimento do paradigma do GTDN e pelo não surgimento de um substituto. 
  • Os paradigmas não se estabelecem apenas por causa do esforço intelectual ou político de um conjunto de pessoas. Resultam de um processo de transformação social que muitas vezes acontece à revelia dos governantes ou das elites intelectuais. 
Quando existe consciência, contudo, de que um processo de transformação social se encontra em andamento, é possível por meio de amplo esforço intelectual, político e de participação, exercer influência sobre esse processo e explicitar, e até mesmo influenciar, o novo paradigma. 
  • Foi assim em 1958, quando o GTDN se inseriu no processo de transformação social no Nordeste e conseguiu produzir uma resposta lógica aos anseios da época. 
As condições estavam criadas: as demandas das lideranças regionais, tendo à frente a igreja; as condições políticas nacionais, com Juscelino Kubitschek disposto a apoiar uma nova política para o Nordeste; o trabalho político-intelectual desenvolvido por Celso Furtado e sua equipe no GTDN e na Sudene; a mobilização política em torno da nova proposta. Pode ser assim agora, quando o velho paradigma se encontra em declínio e novas idéias surgem, enquanto se fortalecem as demandas sociais. 
  • A situação não é, entretanto, tão simples como em 1958. A sociedade se tornou mais complexa. Não temos a liderança de um Celso Furtado e de um Juscelino Kubitschek. As instituições envelheceram. Não há proposta hegemônica que tenha apelo suficiente para garantir viabilidade política. Por outro lado, o processo democrático não deixa mais espaço para soluções impostas de cima para baixo. 
De positivo, há o fato de que as oligarquias tradicionais se enfraqueceram, particularmente em alguns estados. Isso permitiu o surgimento de algumas experiências bem-sucedidas, em nível de estados e de municípios, de implementação de políticas públicas modernas. 
  • Como em 1958, entretanto, quando foi preciso combater as idéias das elites agrárias do Nordeste, ainda agora essas elites se colocam como obstáculo para a modernização das políticas de desenvolvimento regional. 
A contribuição do Projeto Áridas está em buscar organizar esforços para explicitar os anseios da sociedade nordestina e, paralelamente, propiciar a verbalização de alternativas para uma nova fase de políticas de desenvolvimento regional. 
  • Em suma, colocar-se como instrumento para a construção do novo paradigma, procurando perceber e ao mesmo tempo influenciar, ainda que modestamente, na direção do processo social do qual resultará a consolidação de um corpo de idéias e princípios que fundamentarão as políticas regionais no futuro. A idéia de procurar influir no processo social pode parecer pretensiosa, e talvez o seja. 
Não se trata, contudo, de mudar o processo social, mas de procurar entendê-lo e oferecer alternativas que tenham uma força lógica e que possam ser, a partir desse momento, introduzidas como elementos do próprio processo. 
  • A idéia básica por trás do Projeto Áridas é que a explicitação de uma estratégia de desenvolvimento sustentável para a região pode se constituir num elemento importante para canalizar e disciplinar os diversos elementos, nem sempre convergentes, do processo social que questiona o paradigma atual mas ainda não conseguiu identificar o seu substituto. 
De modo específico, o objetivo é de propor uma Estratégia de Desenvolvimento Sustentável para a região. Duas características são inerentes à idéia de sustentabilidade, nas suas diversas dimensões: a visão de longo prazo e a participação da sociedade. Arcabouço metodológico 
  • O processo de elaboração da estratégia percorre dois caminhos paralelos, que freqüentemente se confundem: o do trabalho técnico, mediante esforço de um conjunto de pessoas incumbidas da preparação das propostas; o processo político-participativo, por meio do envolvimento de diversos segmentos representativos da sociedade. 
O caminho político envolve o esforço organizado de promoção da participação ativa da sociedade nas diversas fases do trabalho, por meio de seminários, workshops e reuniões específicas, ou da participação direta nos grupos técnicos
  • O trabalho de participação realimenta constantemente o caminho técnico e deve continuar após a conclusão dos estudos e propostas. 
O caminho técnico se desenvolve em quatro grandes fases, que compõem a moldura metodológica do trabalho: 
  1. Primeiro, a análise de sustentabilidade atual do desenvolvimento do Nordeste, considerando as dimensões econômicas, sociais, ambientais e políticas. 
  2. Segundo, a simulação da sustentabilidade futura, com base em cenários tendenciais. 
  3. Terceiro, a explicitação de cenário desejado de desenvolvimento sustentável. 
  4. Quarto, a elaboração da estratégia propriamente dita. 
Tanto em relação à sustentabilidade atual como no tocante à sustentabilidade futura, será feita análise de vulnerabilidade ao problema das variações climáticas e particularmente às secas que afetam a região. No caso da sustentabilidade futura, essa análise inclui a hipótese de mudança climática global, cujos efeitos poderão ser mais intensos em regiões marginais como o semi-árido nordestino. 
  • A questão da vulnerabilidade assume papel central, tanto em termos das diversas análises como no tocante às propostas de estratégias específicas. Um outro elemento importante da análise diz respeito ao exame das lições das experiências de políticas de desenvolvimento realizadas até hoje, particularmente no tocante à explicação das causas de sucesso e de insucesso. 
A incorporação desse conhecimento será útil não apenas na elaboração da proposta de estratégia geral, mas particularmente na definição das políticas setoriais. De modo simplificado, o arcabouço metodológico obedece ao seguinte raciocínio: 
  • Partindo da análise de sustentabilidade atual, da vulnerabilidade às variações climáticas e outras crises ambientais e do conhecimento das lições de sucesso e insucesso das políticas de desenvolvimento, constrói-se um cenário tendencial para permitir a simulação da situação de sustentabilidade no futuro, bem como da futura vulnerabilidade ao clima. 
O cenário tendencial leva em conta a situação atual, as tendências e o conhecimento disponíveis sobre as mudanças em andamento. Mostra para onde a região está caminhando, se tudo continua como está. Em seguida, constrói-se um cenário desejado, através de consulta organizada à sociedade. 
  • O cenário desejado leva em conta os anseios da sociedade e também as possibilidades de sua realização a partir de uma nova estratégia de desenvolvimento sustentável. 
Da comparação dos três cenários o atual, o tendencial e o desejado é possível, de modo participativo, definir caminhos para uma nova estratégia capaz de desviar o atual caminho de insustentabilidade para um outro em direção ao cenário desejado. 
  • Na prática, esse arcabouço metodológico será operacionalizado através de nove tarefas, comuns a todas as atividades.
Em primeiro lugar, as condições de sustentabilidade atual da região nordestina são pouco satisfatórias. Do ponto de vista econômico, a economia do interior é altamente vulnerável às crises climáticas. Mesmo em tempos normais, não gera renda suficiente para sustentar sua população. 
  • Em nível microeconômico, muitos empreendimentos sobrevivem à custa de subsídios governamentais. Sob o aspecto social, os indicadores são dramáticos, ao mostrarem as condições de pobreza da maioria da população. As migrações rurais-urbanas e inter-regionais indicam que a região não oferece condições de sustentabilidade social. 
As grandes desigualdades sociais mostram uma situação insatisfatória. No tocante à questão ambiental, a contínua perda de produtividade da terra, a exaustão de recursos naturais não-renováveis e diminuição dos depósitos de água subterrânea são indicadores de insustentabilidade. 
  • Os processos de desertificação em várias regiões mais vulneráveis refletem as condições de uso insustentável dos solos, da vegetação, dos recursos hídricos e da biodiversidade. As atividades humanas e suas conseqüências sobre o uso do solo e da água são causa de grande pressão sobre esses recursos. 
Globalmente, as condições do desenvolvimento atual do Nordeste não são de sustentabilidade. Em segundo lugar, podemos especular sobre como será a sustentabilidade no futuro. Partimos de três situações conhecidas: Primeiro, a base física é dada; 
  • Segundo, os processos de uso do solo e da água atualmente utilizados, em sua maior parte, não são sustentáveis, e não há razão para supor que passem a sê-lo no futuro, com base nas tendências e no conhecimento atual; 
Terceiro, a população é crescente, assim como suas atividades, sendo também crescente a pressão sobre a base de recursos. Podemos supor que as condições de sustentabilidade serão ainda menos satisfatórias no futuro, com todas as suas conseqüências para a população. É preciso, com urgência, reverter essa tendência.
  • Organização A organização para elaboração do Áridas foi construída de forma espontânea, por adesão das várias instituições federais e estaduais, governamentais ou não, a partir de um esforço de promoção capitaneado por uma organização nãogovernamental. Durante dois anos foram realizados diversos seminários, reuniões e contatos, com a participação de grande número de representantes de instituições nacionais e estrangeiras. 
A partir das adesões voluntárias das várias instituições, chegou-se a uma espécie de consórcio informal que reúne órgãos do governo federal, dos estados e instituições internacionais ou estrangeiras. Cada instituição define independentemente a sua participação no projeto. 
  • O Áridas conta com dois grupos de equipes. Uma equipe regional, incumbida de realizar os estudos e elaborar a estratégia geral para a região. E uma equipe para cada estado participante, encarregada de elaborar a proposta específica para o respectivo estado. 
As equipes regional e estaduais interagem continuamente, para assegurar a coerência metodológica do processo. A equipe regional é composta por uma coordenação geral, localizada na Secretaria de Planejamento da Presidência da República, em Brasília, e por sete Grupos de Trabalho, a saber: 
GT I - Recursos Naturais e Meio Ambiente
GT II - Recursos Hídricos
GT III - Desenvolvimento Humano
GT IV - Organização do Espaço
GT V - Economia, Ciência e Tecnologia
GT VI - Políticas de Desenvolvimento
GT VII - Interação com a Sociedade Cada Grupo de Trabalho se incumbe de um conjunto de estudos básicos, em relação aos quais se realizam todas as tarefas do Áridas. 
Os estudos compreendem as principais áreas ou temas relativos a cada assunto do grupo respectivo. 
O GT I elabora estudos básicos sobre: clima, solos, água, vegetação, biodiversidade, zoneamento agro-econômico e ecológico. 
  • O GT II estuda as questões relativas às disponibilidades e usos de recursos hídricos, inclusive no tocante à política de águas. O GT III cobre os temas de população, educação, saúde, saneamento, emprego, pobreza. 
O GT IV estuda a organização do espaço, os sistemas de produção agrícola irrigada e de sequeiro, a agroindústria, os processos de ocupação do espaço urbano. O GT V cobre as áreas de macroeconomia, desenvolvimento endógeno, infra-estrutura de transportes e energia, segurança alimentar e financiamento de desenvolvimento. 
  • O GT VI avalia as políticas de desenvolvimento regionais, estaduais e municipais, bem como as políticas comunitárias. Este Grupo também analisa várias experiências exitosas de desenvolvimento em nível municipal e comunitário, inclusive a cargo de organizações não-governamentais. 
O GT VII desenvolve os estudos de participação e de cenarização. Complementarmente aos estudos, um conjunto de eventos procura reunir um maior número de pessoas, entre especialistas, policy-makers e representantes da sociedade civil, para alargar a contribuição para o conhecimento do assunto e para a formulação das propostas. 
  • O Áridas regional conta com três órgãos colegiados: um Conselho Superior formado pelos dirigentes das Instituições Federais, Estaduais e da Sociedade Civil que de alguma forma participam ou apóiam o trabalho; um Comitê Regional constituído pelas instituições que de alguma forma aportam recursos ao projeto; e um Comitê Técnico composto pelo Coordenador Geral, os Coordenadores dos Grupos de Trabalho e dos Estados e Representantes Técnicos das Instituições participantes. 
No nível dos estados, cada estado definiu uma forma específica de organização do trabalho, que no geral procura seguir o modelo regional. Integração ascendente O caminho técnico segue um conjunto de etapas. 
  • O fato de que as diversas atividades obedecem às mesmas tarefas possibilita a integração ascendente das etapas, mediante agregação de dados e informações e, eventualmente, da construção de indicadores agregados. 
A primeira fase corresponde à elaboração dos estudos básicos, seguindo as nove tarefas. Na segunda fase, uma primeira agregação se faz no nível de cada Grupo de Trabalho. A terceira fase corresponde à agregação do relatório geral do Projeto Áridas. 
  • Na quarta fase é elaborada a estratégia geral de desenvolvimento sustentável para a região. Na quinta fase são propostas as políticas, programas, projetos, atividades, ações legais e institucionais específicas.

Um estudo de desenvolvimento sustentável do nordeste semi-árido

A estratégia geral:
  • A elaboração da Estratégia Geral é a quarta fase do Projeto. Incorpora, além dos resultados dos Estudos, as recomendações recolhidas no processo de participação. Esta questão é essencial para a construção da viabilidade política. 
Como ficou claro antes, a proposta de Estratégia não deve ser exógena à sociedade. Ao contrário, deve ser uma proposta alicerçada no processo social que condiciona o entendimento da questão nordestina atualmente, e nas perspectivas desse processo a partir dos cenários construídos de forma participativa. 
  • Apesar dessas considerações, alguns aspectos já despontam como prováveis componentes da estratégia. Evidentemente, a preocupação com a sustentabilidade, a perspectiva de longo prazo e o compromisso com a participação da sociedade são características inerentes. 
Há três aspectos relevantes que deverão fazer parte da estratégia: 
  1. A idéia de desenvolvimento endógeno; 
  2. A descentralização para o município e a comunidade; e 
  3. O novo papel do governo. 
A idéia de desenvolvimento endógeno se fundamenta na mobilização da capacidade de iniciativa local, estadual ou regional. 
  • Em vez do investimento exógeno, que muitas vezes produz o enclave desvinculado da realidade regional, freqüentemente destruindo atividades locais e depredando o meio ambiente, o investimento endógeno mobiliza recursos locais, cria mais empregos e produz mais efeitos de cadeia na economia regional. 
A partir da mobilização da iniciativa local, quer do setor público, quer do setor privado e da comunidade, como motor para o desenvolvimento regional ou local, torna-se possível alavancar recursos externos à região. No tocante à descentralização para o município e a comunidade, esta parece ser uma tendência que merece ser estimulada. 
  • As políticas sociais, em particular, são mais custo-efetivas quando coordenadas em nível local, com a participação comunitária. A participação local é capaz de encontrar formas criativas e baratas para resolver problemas que, vistos de Brasília ou da capital do estado, se tornam muito mais complexos. 
Para isso, deveria existir uma única estratégia de política social executada no nível do município e da comunidade, somando, entretanto, todos os recursos estaduais, federais e municipais. Da mesma forma, estratégias relativas ao desenvolvimento local deveriam ser consolidadas, coordenadas e executadas em nível local, somando os recursos das várias fontes. 
  • As experiências mostram que, quando isso ocorre, torna-se possível obter resultados muito significativos em questões relevantes como a educação, a saúde e a criação de empregos. Particularmente, o Áridas deverá desenvolver métodos para implementação de políticas de desenvolvimento sustentável em nível local e municipal, incluindo modelos de gestão participativa. 
A questão da redefinição do papel do governo é fundamental neste momento, no contexto do Brasil. De um lado, há uma crise nas instituições públicas brasileiras, cujas causas não cabe discutir aqui. De outro, há uma mudança no tocante à capacidade do Estado federal e dos estados federados de serem agentes diretos do processo de investimento. 
  • Em qualquer hipótese, o Estado federal, estadual ou municipal conserva um grande poder indutor do desenvolvimento. Esse papel pode ser multiplicado, entretanto, se o Estado for usado para alavancar recursos e iniciativas do setor privado e da sociedade em geral, em vez de concentrar-se apenas em investimentos públicos diretos. 
A idéia de reinvenção do governo, como vem sendo discutida no Brasil e em outros países, deve ser inserida como estratégia fundamental para a promoção do desenvolvimento sustentável. 
Do ponto de vista de conteúdo, as políticas serão agrupadas em três grandes grupos: 
  1. O primeiro, relativo à necessidade de conservação e uso racional da base física; 
  2. O segundo, relativo ao aperfeiçoamento da qualidade física e intelectual da população; 
  3. O terceiro, relativo às estratégias econômicas e sociais e aos processos de ocupação e uso do solo. 
Pela primeira vez uma estratégia de conservação da natureza e uma política de recursos hídricos abrangente (não apenas de construção de açudes e poços) são colocadas no contexto de uma política de desenvolvimento regional. 
  • No tocante ao desenvolvimento humano, a estratégia mostrará a urgência de resolver-se no Nordeste a questão da educação, particularmente da educação básica. Para que as crianças de hoje tenham, quando atingirem a idade de entrar no mercado de trabalho, pelo menos a formação do primeiro grau completo, é necessário que a sociedade brasileira implemente de imediato a grande prioridade da educação.
Este exemplo mostra a importância de pensar-se o longo prazo: não apenas para definir metas para o futuro, mas para indicar com clareza as prioridades do presente. O mesmo é válido para a questão de saúde, de nutrição, de saneamento, de combate à pobreza. 
  • No tocante às atividades econômicas e sociais, várias políticas serão orientadas para viabilizar o aproveitamento de oportunidades com base na mobilização da capacidade de iniciativa da região, segundo a estratégia de desenvolvimento endógeno antes mencionada. 
Um dos maiores desafios é o de identificar estratégias sustentáveis para reestruturar as políticas de desenvolvimento rural, em particular da agricultura, pecuária e agroindústria. Preocupação especial diz respeito à definição de estratégias de desenvolvimento comunitário e o papel dos pequenos produtores. 

Considerações Finais:
  • O Projeto Áridas faz parte de um esforço colaborativo de várias instituições federais, estaduais, internacionais e não-governamentais. Em nível federal incluem-se a Secretaria de Planejamento da Presidência da República, a SUDENE, a EMBRAPA, o IBGE, o IPEA, o Banco do Nordeste, a Secretaria de Irrigação, a CODEVASF. 
Em nível estadual, os governos do Maranhão, Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco, Sergipe e Bahia. Em nível internacional, o Banco Mundial, o IICA e o HARC Centro de Estudos Avançados de Houston, Texas. 
  • Em nível não governamental, a Fundação Esquel Brasil. Outras instituições poderão agregar-se, uma vez que a participação é voluntária. Para viabilizar os estudos, o financiamento provém das instituições participantes, quer em termos de contribuição técnica, quer no financiamento dos estudos ou eventos específicos. 
A maior parte dos estudos se realiza no âmbito do PAPP Programa de Apoio ao Pequeno Produtor, que conta com financiamento do Banco Mundial. Espera-se que o Projeto Áridas contribua para a identificação de estratégias específicas para o apoio aos pequenos produtores e para o desenvolvimento comunitário, que se constituem em áreas de atuação do PAPP.

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Um estudo de desenvolvimento sustentável do nordeste semi-árido