sexta-feira, 13 de maio de 2016

Ecologia, capital e cultura: Racionalidade Ambiental, Democracia Participativa e Desenvolvimento Sustentável.

Ecologia, capital e cultura: racionalidade ambiental, democracia participativa 
e desenvolvimento sustentável. 

Guillermo Foladori
Professor Visitante no Doutorado em Meio Ambiente e Desenvolvimento da UFPR. E-mail: fola@cce.ufpr.br

  • Durante as décadas de setenta e oitenta, Leff era amplamente conhecido nos países hispano-falantes por sua posição teórica marxista. Na discussão sobre a questão ambiental, reconhecer-se marxista, naqueles anos, não era fácil. 
A maioria dos autores considerava o marxismo como produtivista, antropocêntrico e desinteressado pelo valor que a natureza per se podia ter. Certo é que em 1962, Alfred Schmidt (escola de Frankfurt) havia publicado 
  • O conceito de natureza em Marx, mas tratava-se de uma obra filosófica e sem relação direta com a moderna discussão ambiental. Talvez o primeiro artigo a dar uma resposta à discussão sobre a crise ambiental, de uma perspectiva marxista, tenha sido o de Hans Magnus Enzensberger 
"A critique of Political Ecology", publicado em 1974. Também em 1977, Howard Parsons publicou Marx and Engels on Ecology, um longo artigo acompanhado de uma seleção de textos de Marx e Engels. 
  • Durante os anos oitenta, Iring Fetscher, da Escola de Frankfurt, publicou Condições de sobrevivência da humanidade. É possível salvar o progresso? (1985), um livro importante, porém, lamentavelmente, pouco divulgado. É nesse contexto que Leff publicou a coletânea da primeira edição de Ecologia e Capital (1986). Todos esses autores colocavam-se numa situação de clara dissidência a respeito das correntes hegemônicas que tratavam da questão ambiental. 
A situação agravava-se, ainda, pelo fato do mundo ocidental conhecer, durante a década de oitenta, os graves problemas ambientais que estavam acontecendo nos países socialistas. A questão ambiental revelava-se uma praga da civilização moderna e não exclusiva do sistema capitalista. 
  • Os marxistas se vêem entre dois fogos. Por um lado, já havia diferentes propostas teóricas não-marxistas para entender e tentar solucionar a crise ambiental (ecologia profunda, economia ecológica, economia ambiental etc.) Por outro, o suposto respaldo numa realidade diferente (socialista) havia se desmoronado.
Não é por acaso que o marxismo "ecológico" tenha tido uma mudança na expressão de alguns de seus representantes durante a década de oitenta. 
  • Nessa década surge o "eco-marxismo", cujo melhor representante foi a revista norte-americana Capitalism, Nature and Socialism (primeiro número de 1988) dirigida por James O'Connor. Uma versão semelhante foi publicada na Itália, com o nome de Capitalismo, Natura, Socialismo, e a revista espanhola Ecología Política, assim como a francesa Ecologie Politique incluíram alguns trabalhos dessa perspectiva. 
Qual a novidade do eco-marxismo? Embora não seja fácil caracterizar uma corrente formada por diversos autores com posições nem sempre iguais, podemos dizer que o eco-marxismo caracteriza-se por: 
  • Uma interpretação do materialismo histórico como pouco eficaz para entender os problemas ambientais, por não incluir contradições não classistas, como as de raça, gênero e, em particular, ecológicas; 
  • O reconhecimento da existência de limites físicos naturais ao desenvolvimento humano; e, 
  • A leitura da teoria do valor de Marx como baseada exclusivamente no valor de troca, despreocupada pelo valor intrínseco da natureza virgem e dos resíduos da produção. 

Ecologia, capital e cultura: racionalidade ambiental, democracia participativa 
e desenvolvimento sustentável. 

  • A tarefa que o eco-marxismo se propunha era, precisamente, aprofundar o materialismo histórico com um viés ecológico. 
Para muitos, nunca ficou claro quanto o eco-marxismo conservava do marxismo, já que esses três elementos anotados acima eram compartilhados por praticamente todas as correntes ecologistas; e não foi senão até 1999 que dois livros (Burkett, Foster) vieram realizar estudos aprofundados do pensamento de Marx em relação à natureza e desvendar inúmeros equívocos. 
  • Leff se incorpora decididamente à corrente eco-marxista com sua segunda versão de Ecologia e Capital, publicado em 1994. Aí mostra uma mudança importante em relação ao texto de 1986. Essa mudança fica explícita entre o capítulo três (Natureza e sociedade no materialismo histórico), reeditado a partir da versão de 1986, e o capítulo 13 (O eco-marxismo e a questão ambiental), novo na edição de 1994. 
Enquanto o primeiro encontra-se dentro do paradigma "clássico" do marxismo, o segundo é clara expressão do eco-marxismo crítico. A citação a seguir resume esta última posição eco-marxista:
"As categorias teóricas do Marxismo tradicional —modos de produção e formação econômico-social— resultam demasiado esquemáticas para se compreender a sobreposição das esferas ideológica, política e econômica, assim como a articulação de processo ecológicos, tecnológicos e culturais, que constituem as bases e as condições de sustentabilidade da produção" (: 212-213).
Entretanto, a nova versão em português (2000) pouca coisa mantém daquela discussão marxista. Foram retirados aqueles capítulos e incluídos outros que dizem respeito ao papel da cultura, da democracia, e da participação social. E, embora metade do livro (5 capítulos de 10) conserva a redação de 1986, esta nova edição vai resultar muito menos conflituosa para o leitor. 
  • Uma compilação de artigos é sempre difícil de resenhar, já que cada um tem uma lógica e temática própria. Não obstante, poderíamos dizer que o livro tem um fio condutor e uma preocupação central: a busca de uma "racionalidade ambiental". 
O que é isso? Leff parte do pressuposto de que as sociedades "modernas", tanto capitalista quanto socialista, seriam produtivistas e antiecológicas. Tratar-se-iam de sociedades nas quais a natureza não é considerada dentro da racionalidade econômica e, portanto, seriam insustentáveis. 
  • A busca de uma racionalidade ambiental tem como objetivo detectar aqueles elementos que possam se constituir em base de uma estratégia produtiva alternativa, onde a natureza se integre à lógica produtiva. Essa preocupação não é nova em Leff, pelo contrário, talvez seja a constante desde a primeira edição de 1986 até esta em português de 2000. 
O que vai mudando é a ênfase, cada vez maior, dos últimos artigos, nos aspectos culturais e participativos.
  • A racionalidade ambiental caracterizar-se-ia pela reunião de três aspectos. Primeiro, e desde uma perspectiva técnica, a procura de uma eco-tecnologia, baseada nos ritmos e ciclos ecológicos. O exemplo que melhor ilustra isso seria, segundo o autor, a agro-ecologia (Altieri, 1999). 
Segundo, e desde uma perspectiva humanista, uma produção destinada à satisfação das necessidades básicas, a qual seria contrária a lógica do mercado. Por último, e é este o aspecto mais importante a ressaltar na posição de Leff, uma racionalidade social diferente da mercantil-produtivista. 
  • Essa nova racionalidade deveria basear-se numa reapropriação social da natureza a partir de formas de democracia participativa direta —não a tradicional democracia representativa. Por sua vez, essa gestão direta dos recursos naturais estaria baseada em práticas tradicionais resultantes das cosmovisões e culturas que têm um comportamento mais harmônico (sustentável) com a natureza.
Se alguma coisa une esses aspectos é o "localismo", a preocupação de que a economia se regule segundo as necessidades, as possibilidades e a participação local. Embora essa idéia não esteja suficientemente desenvolvida no livro, considero-a bastante próxima da proposta sintetizada na palavra inglesa "localization". 
  • Eu me pergunto se o quadro teórico apresentado no livro de Colin Hines (2000) Localization. A global manifesto não seria compatível com as idéias de Leff. Nesse livro, Colins explica a alternativa "localista" de desenvolvimento. O eixo estaria dado pela idéia central das comunidades, das regiões e das nações — nessa ordem, do menor ao maior— lograrem recuperar o controle sobre a economia. 
A prioridade seria a auto-suficiência. Tudo o que pode ser produzido no local deve sê-lo. Quando não houver condições locais, o regional tem prioridade, depois o nacional e, em última instância, o internacional.
  • O grande ausente do livro de Leff é o mercado. Embora o autor seja explícito na crítica da lógica de mercado como causa principal da insustentabilidade, não fica claro como a nova racionalidade ambiental vai se relacionar com o mercado. Leff não é nenhum partidário da ecologia radical, nem está pensando numa "volta atrás" na história. 
Então, como a participação social, o resgate das culturas tradicionais, a eco-tecnologia vão se desenvolver num mundo onde o mercado regula a produção? Leff acha que essa nova racionalidade ambiental vai além da alternativa dos economistas ambientais (neoclássicos) para quem os problemas ambientais se resolvem outorgando preços à natureza. 
  • É crítico, inclusive, do ecologismo, no sentido de guiar a economia segundo os princípios da ecologia. Ele fala da socialização da Natureza e de um manejo comunitário dos recursos baseados, isso tudo, em princípios de diversidade ecológica e cultural. 
Assim, ele escreve:
"...a democracia e a eqüidade redefinem-se no campo da sustentabilidade em termos dos direitos de propriedade e de acesso aos recursos, ou seja, das condições culturais e políticas de reapropriação do ambiente" (:210).
Socialização da natureza, reapropriação do ambiente, levam a pensar numa ordem na qual a propriedade privada e o mercado sejam marginais ou, pelo menos, governados por outras leis sociais.
  • Como tudo isso vai se levantar como uma alternativa à globalização, à economia corporativa mundial, à lógica do mercado? São todas perguntas de difícil resposta. E o que resulta ainda mais preocupante é pensar que dentro dessas novas formas de organização participativa, democráticas, auto-gestionárias, não vão surgir contradições e diferenciações internas derivadas da lógica do mercado. 
O autor é consciente dessas dificuldades. Na página 239, ele faz quatro perguntas que sintetizam tal preocupação:
  • Quais são as margens de "ajuste" e as possibilidades de "reconversão" do sistema econômico internacional....
  • O sistema capitalista pode expandir-se sem provocar um processo de crescimento econômico que ultrapasse as condições de equilíbrio e estabilidade dos ecossistemas....
  • É possível reconstruir uma ordem econômica mundial que se separe da lógica do mercado...
  • Que estratégias são possíveis para flexibilizar os mecanismos econômicos do mercado e transitar para uma Racionalidade Ambiental...
Essas perguntas, do capítulo 6, foram publicadas num artigo em 1990. No capítulo 9, possivelmente o mais recente (1996) da coletânea que compõe este livro, o autor acha haver encontrado os agentes sociais e os exemplos empíricos que seriam base dessa nova racionalidade ambiental. Ele escreve:
"As novas lutas sociais no campo —que podem ser definidas como ambientalistas, no sentido em que articulam demandas tradicionais com um processo emergente de legitimação de seus direitos à autogestão dos recursos produtivos e à transformação do sistema político e econômico dominante (a luta pela transição para uma democracia na produção)—, afastam-se do conservacionismo ecologista e dos projetos individuais de auto marginalização da ordem social dominante (as comunas ecológicas). Tampouco se inserem nos 'comportamentos sociais desviantes' pelo simples repúdio do modo de produção, por sua ruptura com a ordem política ou sua exclusão cultural, sem questionar e sem entrar em conflito com a ordem estabelecida.
Pelo contrário, os novos movimentos sociais do meio rural desafiam a hegemonia das forças políticas e econômicas, dos processos de decisão e governabilidade. Neste sentido, são lutas pela produção e pela Democracia, que trazem em si o germe da construção de uma nova racionalidade social produtiva.
Embora estes movimentos estejam fora dos esquemas de mudança do sistema político, da transformação do modo de produção e das lutas reivindicativas de classes (no sentido marxista tradicional), estabelecem novas solidariedades, alianças e efeitos simbólicos, que estão abrindo caminhos para a construção de uma nova racionalidade produtiva, através de um projeto de Democracia Direta" (:340-341).
Leff busca no espaço do município e da comunidade a participação democrática e direta para a gestão dos recursos ambientais. Resta ainda saber como esse germe vai se reapropriar, pela via da democracia direta, dos 70% da produção mundial em mãos de 300 corporações multinacionais.

Bibliografia:

ALTIERI, M. A. Agroecología. Bases científicas para una agricultura sustentable. Nordan Comunidad, Montevideo, 1999.
BURKETT, P. Marx and Nature. A Red and Green Perspective. St. Martin's Press. New York, 1999.
ENZENSBERGER, H.M. "A critique of Political Ecology". New Left Review No. 84, 1974.
FETSCHER, I. Condiciones de supervivencia de la humanidad. ¿Es posible salvar el progreso? Editorial Alfa. Barcelona, 1988.
FOLADORI, G. "O metabolismo com a natureza". Critica Marxista. No. 12. Boitempo. São Paulo, 2001.
FOSTER, J. B. Marx's Ecology. Materialism and Nature. Montlhy Review Press. New York, 1999.
HINES, C. Localization. A global manifesto. Earthscan. London, 2000.
LEFF, E. Ecología y Capital. UNAM. México D.F., 1986.
LEFF, E. Ecología y Capital. Racionalidad ambiental, democracia participativa y desarrollo sustentable. Siglo XXI-UNAM. México D.F., 1994.
PARSONS, H. Marx and Engels on Ecology. Greenwood Press. London, 1977.
SCHMIDT, A. El concepto de naturaleza en Marx. Siglo XXI. México D.F., 1976.

Ecologia, capital e cultura: racionalidade ambiental, democracia participativa 
e desenvolvimento sustentável.