terça-feira, 7 de junho de 2016

Impactos das mudanças climáticas em cidades no Brasil

Impactos das mudanças climáticas em cidades no Brasil

Wagner Costa Ribeiro
  • A divulgação do quarto relatório do Painel Internacional Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC AR4) em 2007 gerou muitas questões a serem discutidas e analisadas. Polêmicas à parte, a confirmação da provável contribuição da atividade humana para o aquecimento do planeta foi o aspecto mais relevante deste documento. 
Entretanto, permanecem as incertezas quanto às reais conseqüências do aquecimento global, não se sabe ao certo qual seria a variação positiva da temperatura e nem como ocorreriam alterações no regime de chuvas, por exemplo. 
  • Esses aspectos dependem da capacidade de regulação das emissões de gases de efeito estufa, isto é, do volume de redução de gases a ser definido nas rodadas de negociação da ordem ambiental internacional sobre o clima, como a Convenção de Mudanças Climáticas e o Protocolo de Kyoto. Independente do rumo da política internacional sobre mudança climática é preciso promover políticas nacionais e locais para preparar a sociedade às transformações em curso. 
Segundo o IPCC (2007), está prevista uma maior freqüência de ondas de calor em áreas urbanas, com maior intensidade e duração. Além disso, pode-se prever uma deterioração da qualidade do ar e o aumento de áreas de risco, em especial nas cidades tropicais, cada vez mais sujeitas às chuvas intensas que podem provocar escorregamentos de encostas e alagamentos. 
  • Não é possível aguardar certezas científicas para se adotarem medidas que atenuem os eventuais impactos gerados pelas mudanças climáticas. É fundamental organizar o país com base nos cenários elaborados até o momento, que resultam de pesquisas compiladas por pesquisadores de todo o mundo. 
É hora de aplicar o princípio da precaução e propor medidas que possam atenuar as implicações causadas pelas mudanças globais que resultariam da elevação das temperaturas na Terra, entre outros impactos. 
  • Este artigo, ao sugerir ações para a adaptação às mudanças climáticas em cidades do Brasil, procura contribuir para que as emissões em áreas urbanas possam ser reduzidas e, também, para diminuir os impactos socioambientais graves, que resultem em perdas de vidas humanas e de bens materiais. 
Para tal, o texto está dividido em três partes: 
  1. A urbanização brasileira, que apresenta uma síntese do peculiar processo de urbanização do país, marcado pela velocidade com que ocorreu, pela criação de vazios urbanos e pela concentração de riqueza em enclaves em meio à pobreza; 
  2. Adaptação, vulnerabilidade e risco socioambiental em cidades brasileiras, que discute conceitos que são úteis para organizar as ações a serem implementadas no curto, médio e longo prazos no país; e, 
  3. Situações de risco e adaptação em cidades brasileiras, que aborda os principais problemas socioambientais decorrentes das mudanças climáticas nas cidades do Brasil e sugestões para minimizá-los. Esse último item está dividido em três eixos de problemas relacionados às suas causas: aumento da temperatura; chuvas intensas; e elevação do nível do mar. 
Por fim, seguem as considerações finais, que sintetizam o trabalho. É preciso alertar desde o início que o quadro social do país agrava os impactos socioambientais das mudanças climáticas nas cidades brasileiras. 
  • Séculos de segregação social pesam na hora de dimensionar ações para combater as alterações previstas pelos cientistas do IPCC. Parte expressiva da população brasileira que vive em áreas de risco estará mais sujeita aos problemas que as camadas mais abastadas e melhor situadas na estrutura social do Brasil. 
Por isso, combater a exclusão socioambiental é a primeira medida para evitar o pior: a perda de vidas humanas decorrentes do aumento de eventos extremos nas cidades brasileiras.

A Urbanização brasileira:
  • O processo de urbanização no Brasil é singular, segundo demonstraram diversos autores, como os geógrafos Milton Santos (1990 e 1993) e Ana Fani Carlos (2001). Para o primeiro, esse processo é marcado pela aceleração e pelo ritmo intenso. 
A outra autora afirma que é produto da lógica especulativa, que resultou em vazios urbanos, concentração de áreas nobres em meio à pobreza e na ocupação de sítios urbanos indevidos, que se tornaram áreas de risco ambiental, analisadas por autores como Yvette Veiret (2007) e Ulrich Beck (1986). São nessas áreas de risco que se acomodam os mais pobres, que vivem em condições subumanas, conforme designa a ONU, morando em favelas à beira de córregos ou localizadas em encostas íngremes. 
  • Outros estão em ambientes degradados, sem manutenção e com elevada concentração populacional, dividindo serviços de água, como se caracterizam os cortiços. Em pior situação estão aqueles que não têm teto. São milhares de moradores de rua que vivem em brechas do sistema viário ou ocupam praças durante a noite, dentre outros lugares, em busca de abrigo. 
A concentração populacional brasileira se distribui na forma de metrópoles, cidades grandes e médias A urbanização do Brasil é um fenômeno recente se comparado ao que ocorreu em países centrais. A velocidade em que as cidades foram construídas, como, por exemplo, Maringá (PR), que atualmente chega a cerca de 320.000 habitantes, apesar de ter cerca de 60 anos de sua fundação, não pode ser justificativa para a exclusão social que encontramos nas áreas urbanas do Brasil. Ela decorre da produção do espaço urbano. 
  • Como bem apontaram o economista Paul Singer (1977) e Milton Santos (1994), a economia política da cidade trata o solo urbano como uma mercadoria. A transformação de vastas porções de ambientes rurais em zonas urbanas atende a interesses de mercado, que vêem a terra urbana como fonte de lucro e de valorização de capital. 
Esse modelo explosivo de acumulação de renda é o maior responsável pela segregação socioespacial que se identifica nas cidades brasileiras. Em outros países coube ao Estado induzir o crescimento urbano, segundo analisaram autores como o sociólogo Manuel Castells (1983) e o geógrafo Horacio Capel (2002 e 2003), entre outros. 
  • No Brasil, mesmo as poucas cidades planejadas ficaram à mercê de agentes urbanos, especuladores e empreendedores imobiliários, que muitas vezes driblaram planos diretores, como se verifica em Belo Horizonte ou em Goiânia. Em nosso país, a terra urbana é definida quase que exclusivamente como uma mercadoria e muito excepcionalmente foi abordada segundo sua função social. 
A aprovação do Estatuto da Cidade, em 20012 , pode alterar esse quadro desolador, mas pelo que se verifica até o momento, não é possível ser otimista. Esse importante instrumento de regulação da vida urbana carece de regulamentação, apesar de prever medidas interessantes como os estudos de impacto de vizinhança e a participação popular na gestão da cidade, ainda não ganhou capilaridade na sociedade brasileira. 
  • A relação entre industrialização e urbanização é fundamental para explicar parte dos problemas ambientais urbanos. Se no início as cidades tinham funções voltadas ao comércio e à distribuição de mercadorias, a presença de indústrias alterou esse quadro. A cidade passou a desempenhar também a função de produtora de mercadorias. 
Mas a indústria não é uma atividade econômica qualquer, ela exige uma série de serviços urbanos para poder instalar-se e operar, além de muita mão-de-obra, como foi o caso na Região Metropolitana de São Paulo, no século 20. Para receber uma instalação industrial são projetadas vias, integrados sistemas de distribuição de energia e construídos conjuntos habitacionais, inicialmente, pelas próprias indústrias para alojar trabalhadores. 
  • Eram as famosas vilas operárias, que restam como enclaves do patrimônio industrial nas mais antigas cidades industriais brasileiras. Até a década de 1980, as principais áreas industriais do Brasil estavam em São Paulo e em seu entorno, definido aqui em um raio de cerca de 100 km que abrangia Sorocaba, Campinas, São José dos Campos e Cubatão. 
Além disso, existiam núcleos industriais dispersos por Minas Gerais, em Belo Horizonte e Ipatinga; pelo Rio Grande do Sul, como em Caxias do Sul e Porto Alegre; em Santa Catarina, no vale do Itajaí; outras no Estado do Rio de Janeiro, como em Barra Mansa; e algumas cidades isoladas no Nordeste, como em Recife e Paulista, em Pernambuco, ou mesmo em Salvador, na Bahia. 
  • Também merece destaque Manaus (AM), devido à instalação da Zona Franca, que motivou a presença de um importante pólo montador de bens de consumo eletrônicos desde 1967, que ainda se mantém. Manaus passou de cerca que 200.000 habitantes, em 1960, para cerca de 600.000 em 1980 e, em 2000, atingiu cerca de 1.400.000 habitantes . Um crescimento populacional de cerca de sete vezes em menos de 40 anos não pode ocorrer sem resultar em dificuldades e impactos sociais, ambientais e econômicos graves. 
O crescimento rápido das cidades encareceu o preço do solo urbano. Como as unidades fabris necessitam de vastas áreas, muitas cidades deixaram de ser opção para plantas industriais pelo custo alto do terreno. 
  • Na década de 1990, a mudança do padrão produtivo e políticas de atração industrial alteraram o quadro da distribuição das indústrias no Brasil. Conhecida como guerra fiscal, resultou no crescimento industrial em Estados como Goiás, Ceará, Bahia, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e Paraná, e revigorou o setor secundário no país. 
A oferta de incentivos fiscais naqueles Estados da Federação permitiu a presença de indústrias, mas com menor geração de emprego que a verificada na industrialização dos Estados de São Paulo e Minas Gerais. 
  • A inevitável atração populacional que a indústria gerou não foi compensada pela arrecadação de impostos. Como resultado, mais gente precisou utilizar serviços públicos sem que os municípios estivessem preparados para oferecê- los, como indicou o economista Marcio Pochmann (2003). 
O resultado é a reprodução de processos sociais que se verificaram em metrópoles, como a favelização e ocupação de áreas de risco nas novas cidades industriais do Brasil. Paralelamente a esta segunda etapa da industrialização brasileira, ocorreu uma modernização conservadora no campo, para lembrar da expressão cunhada pelo sociólogo Renato Ortiz (1989). 
  • A introdução de máquinas agrícolas em áreas rurais, associada ao endividamento de pequenos agricultores, desempregou muitos trabalhadores que tinham sua ocupação na agricultura. A migração acentuada não teve o destino clássico das décadas anteriores observada nas principais metrópoles do Brasil – São Paulo e Rio de Janeiro. 
O destino dos que perderam postos de trabalho no campo ou a terra passou a ser metrópoles regionais, como Fortaleza, Salvador e Recife. O inchaço urbano, com as conseqüências sociais conhecidas, se multiplicou pelo país. Favelas e cortiços não são mais uma exclusividade de São Paulo e Rio de Janeiro. Brasília Teimosa, em Recife, ou mesmo a favela do Dendê, em Fortaleza, passaram a ser tão conhecidas quanto Paraisópolis, que fica em São Paulo, ou a Rocinha, no Rio de Janeiro. 
  • Os problemas socioambientais urbanos se multiplicaram pelo território nacional, e é nessa escala que ele deve ser dimensionado, embora sua resolução ocorra em escala local. Em outras palavras, não será possível atenuar impactos socioambientais e propor medidas para adaptação às mudanças climáticas apenas por meio de políticas públicas municipais. 
Será preciso um esforço conjunto, que mobilize diversos ministérios, como o de Meio Ambiente, o de Cidades e o de Saúde, entre outros, já que muitas das novas cidades industriais ou mesmo as metrópoles regionais que incharam nos últimos anos não têm recursos técnicos e econômicos para financiar as alterações necessárias para se adaptarem às mudanças climáticas. 
  • Uma ação conjunta mobilizadora deve ser iniciada o mais rápido possível. Seria muito oportuno um Plano de Aceleração do Crescimento Sustentável (PACSUS), que deveria ter como foco a recuperação de áreas degradadas em cidades e a melhoria da qualidade de vida da população brasileira. O crescimento da atividade econômica deve ser diferente do que ocorreu até o século 20. 
É preciso estimular a revisão dos erros cometidos no passado e não sua reprodução. Simplesmente propor aumento da produção industrial de automóveis ou de outros bens de consumo não é mais suficiente para resolver os desafios do século 21. É necessário gerar trabalho para consertar o que o modelo hegemônico do século passado degradou. 
  • Esta mudança de paradigma é incipiente e o país que a aplicar antes que os demais vai levar vantagem, já que essa será necessariamente desenvolvida e implementada por meio de conhecimento científico e tecnológico. Gerar tecnologia de recuperação ambiental é um desafio a pesquisadores, empresários e governos responsáveis. 
Além da necessidade de tecnologias que reduzam as emissões de gases de efeito estufa e as que permitem uma adaptação às mudanças climáticas globais, temas abordados a seguir.

Adaptação, Vulnerabilidade:
E risco sócioambiental em cidades brasileiras:
  • Palavras de Desmond Tutu (2007), ainda que expressas para a escala mundial, ajudam a refletir sobre a situação no Brasil. Para ele, “A adaptação se converteu em um eufemismo de injustiça social a nível mundial. Enquanto os cidadãos do mundo desenvolvido estão a salvo, os pobres, vulneráveis e famintos, estão expostos todos os dias de suas vidas à dura realidade das mudanças climáticas”. 
No Brasil também encontramos parcela da população que pode se adaptar muito bem às conseqüências das mudanças climáticas nas cidades. Mas a ampla maioria está sujeita a riscos e não tem condições de enfrentar os desafios que os cenários indicam. 
  • Adaptação, nos termos deste artigo, é definida como investimentos em infra-estrutura para a proteção da população e, também, como a capacitação das pessoas para que saibam atuar diante das situações de risco que devem surgir em maior quantidade nas cidades brasileiras. O quadro social desigual do Brasil, mesmo que atenuado nos últimos anos, ainda está longe de uma situação de equilíbrio. 
Por isso é preciso aproveitar todas as oportunidades que surgem para resolução de problemas e implementar medidas socioambientais que corrijam paulatinamente as discrepâncias de renda e de acesso a serviços no país. Cidadania é também expressão de qualidade de vida (RIBEIRO, 2002). O Brasil ainda não foi democratizado nesse aspecto. 
  • Mesmo com as reformas em curso, o acesso a ambientes adequados é restrito a parcela minoritária da população brasileira, certamente a que mais colabora para emissão de gases de efeito estufa em cidades. São os que utilizam o transporte individual, têm abrigo decente e que serão menos afetados pelas mudanças climáticas. 
A mais difícil tarefa a ser negociada politicamente, tanto na escala nacional quanto na internacional , é convencer quem usufrui as vantagens que a sociedade de consumo e intensiva em recursos energéticos de base fóssil disponibiliza a mudar seus hábitos. 
  • O emprego de artifícios financeiros já conhecidos, como o aumento das taxas para o uso dos carros em cidades grandes, em especial, nas áreas centrais, pode ser lembrado como medida para alterar esse quadro. Também é preciso regulamentar o uso das motocicletas, cujas emissões são exageradas por falta de uma decisão federal, que precisa redefinir o volume de emissões dos motores de motocicletas para níveis mais condizentes com a realidade contemporânea. 
Mesmo que as emissões caiam rapidamente, o que é muito pouco provável, os efeitos do aquecimento global serão sentidos pela população das cidades e metrópoles brasileiras por muito tempo. Eles resultam de gases de efeito estufa lançados no passado, em especial pelos países que se industrializaram inicialmente. 
  • Não existe ainda consenso em relação aos efeitos do aquecimento global no Brasil., os modelos utilizados para simular o cenário para os próximos anos geram resultados em escala regional e nacional. Ainda não temos modelos consolidados que atestem o que realmente pode ocorrer no Brasil. 
Entretanto, já é possível encontrar bibliografia sobre alguns casos, como Nova Iorque (DEGAETANO, 1999), estudos preliminares comparativos de megacidades (MITCHELL, 1999) e análises mais gerais que podem ser úteis na elaboração de pesquisas futuras (ARNELL, 2004 e KOUSKY e SCHNEIDER, 2003). 
  • Esses trabalhos indicam dificuldades para qualificar os impactos socioambientais em cidades brasileiras decorrentes das mudanças climáticas. Por isso é necessária uma revisão conceitual que auxilie a classificar os possíveis impactos. 
Seguem algumas definições de conceitos relacionados aos riscos socioambientais que podem ser utilizados para avaliar e propor medidas mitigadoras e de adaptação para enfrentar os problemas resultantes do aquecimento global em cidades do país. Eles foram extraídos da obra de Veiret (2007:24):
  • Risco – Percepção de um perigo possível, mais ou menos previsível por um grupo social ou por um indivíduo que tenha sido exposto a ele;
  • Incerteza – Possibilidade de ocorrer um acontecimento perigoso sem que se conheça a probabilidade;
  • Indeterminação – Situação em que um acontecimento desconhecido poderia acontecer. É, por exemplo, a situação de um homem de negócios que investe em uma inovação tecnológica sem avaliar todas as implicações de sua decisão;
  • Álea – Acontecimento possível; pode ser um processo natural, tecnológico, social, econômico e sua probabilidade de realização. O equivalente em inglês é hazard;
  • Perigo – Termo empregado também para definir as conseqüências objetivas de uma álea sobre um indivíduo, um grupo de indivíduos, a organização do território ou sobre o meio ambiente. Fato potencial e objetivo;
  • Alvo – Pessoas, bens, equipamentos, meio ambientes. Ameaçados pela álea e suscetíveis de sofrer danos e prejuízos;
  • Vulnerabilidade – Impacto previsível de uma álea sobre os alvos. A vulnerabilidade pode ser humana, socioeconômica e ambiental;
  • Crise – Ocorrência de um acontecimento cuja amplitude excede à capacidade de gestão espontânea da sociedade que sofre esse evento;
  • Catástrofe (do grego katastrophê, devastação) – Definida em função da amplitude das perdas causadas às pessoas e aos bens. Não há necessariamente correlação entre importância de uma álea e a magnitude dos danos.
O resultado das alterações climáticas nas cidades brasileiras pode ser expresso em termos de incerteza e de indeterminação, nos termos definidos acima. Incerteza diante da falta de maior precisão do aumento da temperatura nos próximos cem anos. 
  • Outro aspecto que apresenta indefinição é a alteração do regime de chuvas. Não se pode dimensionar ao certo o volume das chuvas torrenciais e concentradas em determinados períodos, embora os modelos indiquem estes fatos como prováveis. 
Ou seja, ainda não se pode aferir a probabilidade da ocorrência das conseqüências das mudanças climáticas nas cidades brasileiras dado que vetores importantes, como o aumento da temperatura e a variação das chuvas, ainda não são conhecidos com precisão. 
  • Por isso, existe uma indeterminação quanto aos impactos socioambientais, ou seja, as mudanças vão gerar acontecimentos em intensidade desconhecida, ainda que possam ser, de certo modo, estimados. Apesar disso, não resta dúvida que as cidades brasileiras podem ser afetadas pelas áleas, ou seja, são locais onde ocorrerão acontecimentos relacionados às mudanças climáticas. 
Trata-se de identificar os perigos e os alvos que eles afetam, para se evitar crises e uma catástrofe. Por isso, as medidas devem ser tomadas com base no princípio da precaução, que ganha ainda maior relevância quando envolve o risco de vidas humanas. 
  • Ou seja, na dúvida quanto aos impactos socioambientais nas cidades brasileiras, é preciso agir para enfrentar problemas antigos que resultaram do processo rápido e particular de urbanização no Brasil e atacar, com determinação, principalmente, a má condição de moradia da maioria da população que vive em grandes cidades e metrópoles brasileiras. 
O conceito de vulnerabilidade é fundamental nesse momento. É preciso reavaliá-lo frente às alterações derivadas do aquecimento global. Apesar de não existirem estudos conclusivos a respeito, isso não impede que se possam indicar alguns dos problemas que a população deve enfrentar e que vai exigir políticas públicas em escala nacional, estadual e regional. 
  • O perigo, como aponta VEIRET (2007), deve ser dimensionado segundo o resultado do intenso processo de urbanização do Brasil. Como vimos no início deste texto, ele gerou áreas com elevada concentração de população de baixa renda, que acabou tendo como opção viver em situações de risco, como fundos de vale, várzeas de corpos d’água e encostas íngremes, ou, em cortiços, em imóveis degradados pela falta de manutenção. 
Cada uma dessas situações expõe de modo peculiar seus habitantes aos perigos resultantes do aquecimento global e geram situações de risco que demandam adaptação.

Situações de Risco e Adaptação:
Em cidades brasileiras:
  • Existem diversas formas de riscos decorrentes das mudanças climáticas globais nas cidades brasileiras. Vamos organizá-los segundo três eixos de discussão: aumento da temperatura, chuvas intensas e elevação do nível do mar
Aumento da temperatura:
  • A elevação das temperaturas nas cidades, que devem ter dias e noites mais quentes em maior quantidade que o verificado até o momento, a confirmarem-se as previsões, repercute na qualidade de vida e exige uma revisão do uso das edificações, bem como seu redimensionamento. 
Outros aspectos a considerar são a poluição do ar e os efeitos da ilha de calor, estudados pela geógrafa Magda Lombardo (1985). Entre as conseqüências das emissões na escala local, a poluição do ar é uma das mais graves. Essa gera um aumento de internações de doentes por problemas respiratórios em períodos de estiagem, em especial no inverno nas cidades das Regiões Sudeste e Sul, quando se verifica com maior freqüência a chamada inversão térmica. 
  • A concentração de poluentes deixa os olhos irritados, acelera o desenvolvimento de tosse, gripe e resfriado. Esses são problemas graves porque afetam mais as pessoas dos extremos da pirâmide populacional: crianças até cinco anos e idosos. 
A população costuma adotar soluções práticas para amenizar as dificuldades que a elevada concentração de poluentes gera como evitar ambientes fechados, dormir junto a um recipiente com água, não realizar atividade física ao ar livre depois das 10 h:00, entre outras. Porém, nenhuma delas implica em alterar o padrão que o sistema de transporte aplicado impôs: a predominância do uso do carro. 
  • Já em relação à ilha de calor urbano, as metrópoles e grandes cidades brasileiras sofrem com essa situação, que agrava o quadro de saúde de hipertensos e pode aumentar o número de mortes. Uma solução para esse problema passa pela regulamentação das construções, uma atribuição municipal, por meio do Código de Obras e do Plano Diretor. 
Por isso é preciso um trabalho de sensibilização junto à população para que pressione prefeitos e vereadores para que revisem os gabaritos de novas obras e as adaptem às condições climáticas projetadas para o futuro. 
  • O maior entrave às alterações no Código de Obras é o setor imobiliário que mantém, em geral, estreitas relações com o poder executivo, como bem demonstrou Santos (1990). Em sua obra, ele indicou como a pressão do setor da construção civil levou à adoção de soluções técnicas que privilegiaram as grandes obras e o adensamento populacional em áreas consideradas nobres em São Paulo. Em muitas cidades e metrópoles, mantidas as edificações de dimensões reduzidas que temos hoje, vai aumentar a parte da população que instala um condicionador de ar em residências e no local de trabalho para obter conforto térmico interior. 
O aumento do uso de energia para esfriar ambientes urbanos também deve ser considerado. Não será possível reduzir a temperatura de cada cômodo de cada edifício com a instalação de condicionadores de ar. Será preciso renovar edificações para permitir uma maior circulação de ar e o resfriamento dos ambientes interiores e, além disso, estabelecer normas para a construção civil que expressem claramente a necessidade de projetar ambientes mais amplos e com maior circulação de ar. 
  • O aumento da temperatura vai afetar diretamente o conforto térmico das edificações. As absurdas torres de vidro, que podem ser indicadas a países de clima temperado mas são inadequadas para países tropicais, devem ser evitadas. Atualmente, elas são habitáveis graças a poderosos sistemas de refrigeração, que regulam a temperatura ambiente a cerca de 22 graus Celsius. 
Medidas, como as adotadas no município de São Paulo, que impôs aos investidores e construtores urbanos a instalação de aquecimento da água por meio do aproveitamento da energia solar, devem ser ampliadas em larga escala e podem também ser aplicadas para a geração da energia usada na edificação. 
  • No médio prazo, porém, a construção de novos edifícios envidraçados deve ser desestimulada. Além de demandar mais energia para nutrir os sistemas de refrigeração, elas também lançam ao entorno o ar quente que retiram do interior dos prédios, contribuindo para a formação das ilhas de calor nas cidades brasileiras. 
Outra conseqüência das mudanças climáticas será a maior freqüência de chuvas de elevada intensidade. A explicação para isso seria a elevada temperatura da superfície da metrópole, que aumenta pelo aquecimento global mas também devido à presença de veículos que irradiam calor dos motores e dos sistemas de refrigeração que lançam para fora dos edifícios o ar quente que retiram de seu interior (LOMBARDO, 1985). 
  • Como resultado, as massas de ar frio se precipitam com mais intensidade e em pontos localizados, o que resulta em transtornos locais muito intensos, como alagamentos de vias, congestionamentos, perda de moradia de população de baixa renda, prejuízos materiais e, o mais grave, mortes, em geral de moradores de áreas de risco que não têm outra alternativa para morarem senão a de ocupar a beira de rios ou encostas íngremes que acabam escorregando com a saturação do solo que presença intensa das águas pluviais. 
Mais uma causa do aquecimento é a produção do espaço urbano, que no Brasil atende a demandas privadas e de acumulação sem qualquer sentido público . Os prédios formam verdadeiras barragens à circulação dos ventos. Isso altera o fluxo natural e desvia as correntes de ar o que afeta a ocorrência e intensidade de chuvas (LOMBARDO, 1985). 
  • Esses problemas indicam que será preciso atenuar a temperatura da superfície das cidades e metrópoles brasileiras. Para isso, é fundamental estimular o abandono dos veículos ou alterar rapidamente o padrão dos motores para que deixem de emitir calor, tarefa que vai levar tempo para ser cumprida. 
Além disso, regulamentar a retirada de calor de ambientes fechados e evitar a construção de novos edifícios que necessitem dessa alternativa técnica para serem habitáveis estão entre as medidas corretas a serem aplicadas. Também seria necessário barrar a construção de torres elevadas, que chegam a ultrapassar vinte andares em alguns casos, tanto para uso residencial quanto para instalação de escritórios. 
  • Nesse caso, uma alternativa é promover seminários junto a arquitetos e engenheiros para que discutam alternativas de projetos de prédios adequados aos padrões tropicais e que passassem a dispor de iluminação e circulação naturais, de acordo com a oferta de iluminação típica de países tropicais. Por fim, é urgente estimular a adoção de novas técnicas construtivas que se adaptem às temperaturas mais elevadas que devem afetar o país. 
O plantio de árvores, medida que pode ser realizada em larga escala e rapidamente, pode atenuar a temperatura da superfície terrestre das áreas urbanas no Brasil. A consulta a especialistas é fundamental para indicarem o plantio de espécies originais de acordo com o tamanho das vias e calçadas do sistema viário. 
  • É comum encontrar árvores impróprias em calçadas que se rompem e dificultam caminhar, que dirá o seu uso por cadeirantes. As espécies podem ser combinadas de modo a oferecer um colorido natural no período de floração. Cidades com mais árvores reduzirão a temperatura da superfície, o que pode diminuir as chuvas de elevada intensidade que se registram nos últimos anos, além de ser muito mais aprazível de se viver. 
Outro efeito do aquecimento global será a incidência em maior freqüência das chamadas pragas urbanas. As temperaturas mais elevadas propiciarão a ocorrência em maior escala de insetos como cupins e pernilongos, entre outros, que afetam a qualidade de vida dos habitantes. 
  • Mesmo em nossos dias não é raro o relato de habitantes que têm suas casas invadidas por cupins, que destroem estruturas, telhados e móveis, algumas vezes a ponto de colocar em risco a habitabilidade do imóvel. 
Será preciso criar uma campanha de combate às pragas urbanas para evitar que se propaguem a ponto de gerarem dificuldades aos moradores das cidades brasileiras ou que se transformem em vetores de propagação de doenças.

Impactos das mudanças climáticas em cidades no Brasil

Chuvas Intensas:
  • O aumento das chuvas intensas pode acarretar no agravamento de problemas já conhecidos dos brasileiros: alagamentos e escorregamentos de encostas. Os que vivem em fundos de vale, em geral junto a córregos, ou mesmo em áreas de expansão natural dos corpos d’água são alvos potenciais de alagamentos. 
É fundamental promover políticas para retirar a população dessas áreas, tarefa complexa, já que em alguns municípios isso foi realizado sem eliminar o problema. A clássica retirada da população não basta. Além disso, é preciso ocupar a área com serviços e equipamentos, ou mesmo mantê-las como áreas naturais, mas com muita fiscalização para evitar que após sua desocupação novas famílias a utilizem para morar, criando uma nova situação de risco aos ocupantes. 
  • Cabe destacar aqui os parques lineares, projeto em implementação no município de São Paulo, que consiste na retirada da população e recuperação ambiental da área. A população é deslocada para outro local, em condomínios populares. Deve-se atentar que a nova localização deve propiciar aos moradores manter os vínculos com a área anterior, já que é nela que eles encontram trabalho e possuem vínculos culturais e afetivos.
Do ponto de vista ambiental, os parques lineares se caracterizam pela reintrodução de espécies que lá viviam. Além disso, eles recebem equipamentos que os tornam aprazíveis e utilizáveis como centros de lazer pela população do entorno. 
  • Outra vantagem ambiental é a recuperação da mata ciliar, que mantém a função de reter água e pode propiciar maior oferta hídrica para o município no médio prazo, além de evitar o escorregamento das margens dos corpos d’água e seu assoreamento, o que amplia sua capacidade natural de assimilar a água proveniente das chuvas. Esta é mais uma alternativa que pode ser aplicada em outras realidades do país. 
Em relação à ocupação de encostas, a situação é mais grave. Metrópoles como São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Salvador e Recife, para citar alguns exemplos, apresentam elevada concentração populacional em vertentes com mais de 70 graus de declividade, o que é absolutamente inadequado. As edificações não obedecem a critérios técnicos e podem, muitas vezes, colocar em risco seus habitantes. 
  • A autoconstrução agrava esse cenário difícil, dado que a obra avança de acordo com a disponibilidade financeira da família, que acaba vivendo permanentemente no improviso e, pior, sujeita a queda de lajes e outras partes da habitação, que, exposta às intempéries, desgastam-se de modo precoce. 
O ciclo parece não ter fim: a falta de dinheiro não permite concluir a obra, que resulta em uma moradia inacabada, edificada sem critérios técnicos definidos nas normas e em um lugar de risco. Um dos fatores de risco que deve aumentar com as mudanças climáticas é a erosão nas vertentes. 
  • Como as chuvas devem ser mais intensas em algumas regiões, a água terá mais velocidade e força para gerar sulcos e transportar sedimentos, causando e/ou acelerando processos erosivos. 
A erosão pode colocar em risco habitações, ou pior, ocorrer em meio a uma chuva forte, levando o que estiver na superfície, inclusive pessoas e suas moradias. Além disso, uma erosão mais intensa contribui ainda mais para o assoreamento dos corpos d’água, o que aumenta a possibilidade de alagamentos nos fundos de vale. 
  • Para oferecer alternativa à população que vive em encostas íngremes cabe lembrar o projeto desenvolvido em Santos, no Estado de São Paulo, no início da década de 1990. Naquela ocasião foi realizado um mapeamento das áreas de risco em detalhe, salvo engano em escala de 1:5000, a ponto de se localizarem as edificações em risco de cada encosta. 
A população foi esclarecida, por meio de uma comunicação direta, do perigo que sua moradia representava à sua vida, o que diminui muito a resistência à transferência para outro local. Além disso, por meio da defesa civil, foi realizado um intenso treinamento para desocupação dos morros em caso de chuvas fortes. 
  • O resultado foi expressivo: durante anos não foram registradas mortes em Santos por escorregamento das encostas da Serra do Mar. Situação semelhante foi desenvolvida em Angra dos Reis, no Estado do Rio de Janeiro, no final dos anos 1990 e início do século 21. 
Porém, o abandono dessa estratégia, infelizmente, levou a várias mortes em Angra por ocasião de chuvas torrenciais em meados de 2000. A desocupação das encostas não será realizada sem resistência. Apesar de necessária, é cara e demorada. Medidas paliativas, como oficinas junto à população para treinar a evacuação da área em caso de chuva forte, são facilmente executáveis e podem evitar a perda de vidas. 
  • Mas para enfrentar e resolver esse problema seria preciso retirar a população e oferecer alternativa de moradia, sem deixar de lado os vínculos sociais, culturais e de trabalho que os envolvidos desenvolveram onde vivem. 
Uma possibilidade seria a transferência de diversas famílias para um mesmo conjunto, o que manteria ao menos as relações de vizinhança, laços culturais e afetivos. Além disso, seria preciso criar postos de trabalho nas novas áreas de modo a oferecer alternativa para geração de renda dos removidos. 
  • Em relação aos cortiços, a situação é igualmente grave. A presença de muitas famílias em uma única edificação, em si, colabora para sua degradação, dada seu uso intenso e para além do que foi dimensionada. Pior que isso, em geral os cortiços são ilegais, ou seja, alguém aluga o imóvel e o subloca a outras famílias. 
Por isso, não é freqüente realizar manutenção nas casas, na maior parte das vezes antigas e grandes. A má condição de conservação torna o imóvel uma área de risco. Chuvas intensas, associadas a ventos fortes, por exemplo, podem destelhar a casa. Além disso, ocorre a penetração da água na estrutura da casa, que pode danificá-la e acarretar no desmoronamento do edifício. 
  • Não são raros os casos de mortes e ferimentos graves de habitantes de cortiços pela queda de elementos construtivos, como tetos, parte de lajes ou mesmo do telhado, após ou durante chuvas intensas. Essa situação exigiria também a retirada das famílias. 
Devem ser enfrentados os mesmos problemas que nas encostas íngremes: realocar famílias sem representar perdas de laços culturais, afetivos e de trabalho. Porém, existe um aspecto que distingue os habitantes de cortiços dos que vivem em encostas. Em geral, eles estão no centro da cidade, ou em seu centro expandido, o que permite mais oferta de postos de trabalho a seus moradores. 
  • Por isso, pode-se esperar maior resistência à saída do que dos habitantes de morros em áreas periféricas. Por fim, é importante lembrar que em muitas cidades do país ocorreu, de modo errado, a impermeabilização de corpos d’água e a ocupação de várzeas para instalação do sistema viário. 
As chuvas fortes devem agravar as já conhecidas enchentes em vias públicas, que geram prejuízos e perdas humanas todos os anos no país. Nesse caso, a recomendação é radical: desocupar as áreas de várzea e avenidas instaladas em corpos d’água, tal qual já se verificam em cidades como Denver, nos Estados Unidos, e em algumas da Alemanha. 
  • Além disso, é fundamental ampliar as linhas de trens e de metrô de modo a oferecer alternativa para o transporte e desestimular o uso de carros. O patrimônio edificado também será afetado pelas mudanças climáticas. Chuvas intensas e temperaturas mais elevadas vão exigir ainda maior atenção para a manutenção do patrimônio arquitetônico das cidades e metrópoles do Brasil. 
A triste situação em que se encontra Ouro Preto (MG), patrimônio da humanidade, não pode se repetir e também não deve ser seguida como exemplo. A degradação dos edifícios históricos, aliada aos poucos recursos para sua conservação, resultou no abandono de quadras, com a conseqüente mudança do uso e retirada da população que vivia na área. 
  • O mesmo se verificou no Pelourinho, em Salvador, cuja intervenção do governo estadual expulsou moradores e destinou a área para fins turísticos (ZANIRATO, 2004), deixando aquela área, também definida como patrimônio da humanidade pela Unesco, sem a presença da população que dava vida àquele lugar. 
Como resultado, houve uma redefinição do uso do solo com a instalação de serviços comerciais, de alimentação e de hospedagem para turistas que visam conhecer o lugar. Chuvas fortes podem afetar o patrimônio edificado tombado e, sem trocadilho, tombá-los. 
  • Como decorrência, tem-se um vácuo da memória dos brasileiros que representa o esquecimento do passado do país e a perda de referências históricas, de técnicas construtivas e de beleza. Outro aspecto a considerar é o fim de uma atividade econômica muito em voga e voltada a explorar o patrimônio cultural: o turismo, que perderia sua razão de ser.
Elevação do nível do Mar:
  • As cidades localizadas à beira-mar terão outros focos de vulnerabilidade. Elas devem merecer atenção especial para evitar mortes e prejuízos materiais relevantes. Uma característica freqüentemente encontrada nas cidades costeiras é a intensa verticalização, que pode ser apreendida em Santos e São Vicente, para citar um aglomerado urbano importante no Estado de São Paulo, e em metrópoles regionais como Fortaleza e Recife, além do Rio de Janeiro, entre outras. 
Além disso, é comum o uso da orla para circulação de veículos, com vias expressas junto ao mar. O uso da costa terá que ser reavaliado à luz das mudanças climáticas. A elevação do nível dos oceanos em cerca de 1 metro já seria suficiente para impedir a circulação de carros em grande parte das vias construídas em “aterros” da faixa de praia. Interiorizar as vias não é simples, já que implicaria em desapropriações onerosas em áreas com elevado preço. 
  • Será preciso rever o plano de circulação de veículos das cidades litorâneas e reformular o sistema viário. Esse problema deve ficar à cargo do Estado, que tradicionalmente gerencia o fluxo de veículos bem como o planejamento do transito. A elevação do nível da água pode levar ao abandono de edifícios e ao deslocamento de população que vive junto à costa e de centros de serviços instalados em praias. Nesse caso, cabe perguntar quem vai pagar a conta. 
Ela será assumida somente pelos proprietários privados? Já para a população de baixa renda, que, por exemplo, vive em palafitas, será necessária uma intervenção de governos estaduais, municipais e federal. A falta de recursos deste segmento social vai exigir uma ação governamental para sua transferência para locais adequados e sem risco.
  • Outra dificuldade a ser enfrentada pelas cidades costeiras será o destino do esgoto. Lamentavelmente em muitas situações, como no Guarujá, no Estado de São Paulo, o esgoto é coletado e transportado ao mar através de emissários submarinos sem qualquer tratamento prévio. 
Os cálculos de vazão desse material foram realizados para níveis do mar mais baixo que os projetados pelas mudanças climáticas. Será preciso redimensionar esses dutos, sob pena de ocorrer refluxo do material à cidade, que pode agravar ainda mais a ocorrência de doenças na população. A presença de indústrias na costa brasileira terá que ser protegida. Centros industriais como Cubatão, em São Paulo, terão dificuldades em manter as unidades fabris com a elevação da água do mar. 
  • A retirada de população ribeirinha pode vir a ser necessária caso não se contenha a água do mar que venha a ser elevar. No Brasil, não são raros os pescadores tradicionais que vivem da pesca e que também terão mais dificuldades para capturar os peixes. 
Muitos deles devem abandonar sua atividade tradicional e migrar para as áreas urbanas, agravando a demanda por serviços sociais. Sistemas de contenção das águas do mar serão fundamentais para solucionar as dificuldades citadas acima. É de se registrar que muitos países pobres já possuem planos nacionais de adaptação às mudanças climáticas globais, como é o caso de São Tomé e Príncipe. 
  • Nesses casos, com muito enfoque na contenção das águas do mar, que podem servir como orientações para problemas comuns a serem enfrentados no Brasil.
Considerações Finais:
  • Não resta dúvida que é “melhor prevenir que remediar”, para lembrar de uma expressão popular. Essa máxima deve ser aplicada às cidades brasileiras quando se analisam as projeções de aquecimento e de alteração no regime de chuvas. O principal problema decorrente da acelerada urbanização que ocorreu no Brasil foi a concentração da riqueza. 
Disso resultaram áreas de risco socioambiental que afetaram sobremaneira a população de renda baixa, muito mais sujeita às implicações das mudanças climáticas que qualquer outro segmento.Por isso, as sugestões centrais deste texto podem ser traduzidas na busca de alternativas para moradia da população de baixa renda do país. 
  • Somente com habitação segura, bem edificada e em local correto serão eliminados os efeitos mais perversos das mudanças climáticas no Brasil: a morte de pessoas pobres. A retirada de população de áreas de risco é a principal recomendação deste trabalho. Cabe ao governo federal sugerir aos países ricos, em especial aos que emitiram mais gases de efeito estufa no passado, que destinem recursos para a construção de moradia popular. 
Além, é claro, destinar recursos a essa finalidade, assim como os demais níveis de governo. Outras medidas também serão fundamentais, como as indicadas para atenuar a elevação da temperatura. Cidades mais arborizadas serão mais agradáveis para viver e amenizarão parcialmente o calor. Edifícios adequados às condições tropicais que encontramos em grande parte do território brasileiro é outra recomendação importante que será realizada apenas se houver uma nova regulamentação do Código de Obras, atualmente sob a égide do poder municipal. Reformular o sistema viário e de coleta de esgotos, em especial nas cidades litorâneas, também será importante. 
  • A mudança do uso do solo das avenidas beira-mar e a devolução ao mar de áreas apropriadas por meio de “aterros” também são recomendações importantes. Do contrário, o mar poderá “retomar” seu território de modo “ríspido e sem aviso prévio”. 
Outra importante recomendação é que não se deve criar mais uma estrutura burocrática destinada a tratar dos problemas decorrentes do aquecimento global. As dificuldades precisam ser analisadas diante da estrutura administrativa existente e devem envolver ações integradas de diversos ministérios, secretarias estaduais e municipais. 
  • Outro aspecto a considerar é a cooperação internacional, que deve ser buscada dentro dos parâmetros estabelecidos na Convenção sobre Mudanças Climáticas, no Fundo para os Países Menos Adiantados e no Fundo Especial de Mudança Climática. Essas e outras fontes podem indicar alternativas técnicas e apoio financeiro para implementar as medidas para adaptação às mudanças climáticas nas cidades brasileiras. 
Outra recomendação é atentar à diversidade de sítios urbanos e escalas dos aglomerados urbanos brasileiros. Tal variedade de situações não permite propor políticas rasas que possam ser aplicadas a todo o país. Cada caso terá que ser estudado considerando suas peculiaridades. 
  • A busca de tecnologias que atenuem as alterações previstas é outro aspecto relevante e que também pode resultar em divisas ao país. Exportar conhecimento e alternativas técnicas para mitigar e adaptar a população e as cidades às mudanças climáticas é outra meta a ser alcançada. Recomenda-se a elaboração de editais de pesquisa e desenvolvimento de tecnologias com estes fins. 
Porém, como as técnicas não são neutras, elas têm de ser induzidas para a resolução de problemas socioambientais. Do contrário, perderemos mais uma chance de melhorar as condições de vida de parte expressiva da população do país, que ainda está alijada dos benefícios que o consumo de combustíveis fósseis geraram, mas que será a mais afetada pelas mudanças climáticas em nossas cidades. 
  • Estamos diante de mais uma oportunidade para enfrentar problemas resultantes da urbanização desigual do Brasil. Com ou sem mudanças climáticas eles terão que ser solucionados.
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Impactos das mudanças climáticas em cidades no Brasil