sexta-feira, 17 de junho de 2016

O papel do Estado na Gestão de Recursos Hídricos

O papel do Estado na Gestão de Recursos Hídricos

Raul Dorfman 
Professor Adjunto da UFRGS. Pesquisador do CNPq. (Endereço: Av. Bento Gonçalves, 9500 - Cx. P. 15029 - CEP: 91501-970 - Porto Alegre - Rio Grande do Sul)
  • A caracterização do papel do Estado nas relações humanas existentes nas sociedades capitalistas é fundamental no entendimento do modo de gestão dos recursos hídricos, pois essas relações inevitavelmente condicionam os paradigmas da gestão. Essa caracterização pode ocorrer por duas vertentes: a de instrumentalização e a de motivação. 
A instrumentalização seria o conjunto de processos pelo qual o Estado obtém recursos e administra a saúde, a educação e a qualidade de vida em geral. Seria, portanto, a aplicação de técnicas, e isto se aprende no colégio. É assunto científico e de discussão acadêmica. 
  • Mesmo reconhecendo a importância da instrumentalização, creio haver sobre o assunto discussão suficiente que justifique um pouco do meu silêncio no processo. A motivação seria o conjunto de causas que condicionam o planejamento e a gestão estatais. Em outras palavras, seria a prática político-social, o grau de democratização e rateio de poder no Estado. o presente trabalho analisa a motivação, usando técnicas de alto grau de abstração. É uma tarefa bastante árdua no setor das ciências exatas, que só trabalha com fatos. 
Por esse motivo, concentrarei a analise na apresentação de fatos concretos para provar a tese de que é na motivação e não na instrumentalização que residem os principais condicionamentos dos paradigmas de planejamento e gestão dos recursos hídricos.

O Estado capitalista:
  • Gerir é sinônimo de uma ação humana de administrar, de controlar ou de utilizar alguma coisa para obter o máximo de beneficio social por um período indefinido, para além da nossa história pessoal e única. 
A pratica nos mostra que sempre ha algum tipo de gestão em qualquer situação da vida humana. Nas sociedades mais simples vemos essa gestão se manifestar de forma objetiva na qualificação das tarefas, na repartição da alimentação, na forma de cultivo da terra, exemplos estes que proliferam entre nossos índios remanescentes, os caiamamis, os ianomâmis, e proliferaram entre os tupi-guaranis, charruas e tapuias, ja extintos. 
  • Esses exemplos têm em comum o fato de que a natureza é respeitada, a posse da terra não é disputada, a riqueza (em formula de mercadoria) inexiste e o Estado não tem uma fronteira definida, isto é, não existe o Estado na pratica. 
A noção de Estado como um território definido, com uma legislação comum a todos os seus membros, desligado ou não de crenças religiosas, é uma invenção da estrutura da economia capitalista de livre mercado e propriedade privada, não só dos bens de produção, como da terra e do produto adquirido pelo comércio. É a antítese das sociedades primitivas, da propriedade comunal. 
  • A gestão do moderno Estado capitalista é exercida por um conjunto de indivíduos que governam, mas não têm o poder, porque o poder efetivo, numa sociedade de propriedade privada, é dado pela posse do capital. O governo (teoricamente) só possui riqueza e o dever de policia de defesa do sistema. 
A inexorável contradição do papel do gestor público é que, se ataca a iniciativa privada, não está no papel correto. Esta contradição leva o gestor público a um discurso em defesa daqueles elementos da sociedade que não possuem capital (como isso é possível?) e a uma prática de defesa do capital, através de duas ações: 
  • Ação do "deixe acontecer"; aqui, o Estado não intervém de modo algum no mercado. 
Esta linha de ação é baseada no pressuposto de que existe uma mão invisível que controla a produção de mercadorias em função da procura, a famosíssima "lei da oferta e da procura". O preço justo se fará na quantidade justa que os consumidores comprarão.  Como o produtor obedecerá a esta lei, mesmo que seja egoísta e mau, o preço do seu produto será o preço justo; 
  • Ação "tapa-buraco"; a lei da oferta e da procura pode apresentar vazamentos no processo mercadoria/dinheiro+lucro. 
Estes vazamentos, devidos às poupanças, impostos e importações, fariam com que as empresas vendessem menos e obtivessem, assim, lucros insatisfatórios. Seria esse o momento de intervenção estatal: o governo recolheria o excesso de poupança e investiria em projetos de utilidade pública que não ampliassem a capacidade produtiva já saturada. 
  • Assim, conseguiria o pleno emprego, injetaria capital novo no mercado e reativaria os negócios. O drama é onde investir: talvez na construção de escolas, hospitais, parques ou coisas do gênero (o que favoreceria as classes pobres e médias-baixas); talvez em grandes obras públicas, tais como barragens, pontes, estradas, ou talvez em material estratégico, tais como armas, veículos bélicos, usinas atômicas, aviões, tanques (o que favoreceria grandes indústrias ou conglomerados econômicos).
Qualidade de vida e internalização de custos:
  • Voltando para o início desta análise, onde gestão foi definida como a "ação humana de controlar alguma coisa para obter o máximo de benefício social", seria importante agregar, neste ponto, os conceitos sobre "qualidade de vida", eis que "benefício social" se refere à qualidade de vida da população. 
A maximização do bem-estar humano pode estar representada pelo consumo de bens materiais, mas deve também incluir a satisfação de suas necessidades culturais e a preservação ambiental. Isto porque o homem é parte integrante da Natureza; não está abaixo ou acima da sua escala. Assim posto, a qualidade de vida representaria a satisfação de três conjuntos de necessidades: 
  • Padrão de consumo: medido pela capacidade de adquirir bens materiais, tais como alimentos, vestuário, habitação, eletrodomésticos; 
  • Condição sócio-cultural: definida pelo acesso a educação, cultura, lazer, saúde e segurança; e 
  • Qualidade ambiental: posicionada por índices de zonas verdes e espaços livres disponíveis, qualidade do ar, qualidade e quantidade de água. 
Note-se que nem há necessidade de fazer a defesa paternalista da flora e fauna, porque elas não seriam ameaçadas num ambiente bem gerido. Porém, quando a produção de certo bem para atender às necessidades (a) ou (b) leva à degradação de (c) - por exemplo, da água de um rio - então temos uma redução na qualidade de vida. 
  • Parece virtualmente impossível controlar a poluição se os poluidores não pagarem os custos do tratamento. Incluir o custo dos tratamentos nos custos de produção aparentemente provocaria uma elevação no preço final do produto, com conseqüente redução de consumo e de lucros. 
Não tratar provoca uma deseconomia externa; ou seja, para que se continue produzindo a baixo custo, cria-se um rateio de custo entre indivíduos não-associados à obtenção do lucro. Assim, tanto do ponto de vista da qualidade de vida quanto do ponto de vista da análise econômica marginal, deve haver uma solução de compromisso que não pode ser rompida, sob pena de que alguém ou algum grupo social esteja sendo prejudicado em favor da qualidade de vida de outro indivíduo ou grupo social. 
  • Teoricamente, quem deveria arbitrar essas questões seria o governo, representando o Estado. O governo, no sistema capitalista, além de legitimar o direito de propriedade privada, fonte de onde emana o poder econômico de quem a possui, realiza outras tarefas indispensáveis ao bom andamento dos negócios, tais como construir rodovias e ferrovias, manter serviços postais, gerar energia elétrica, manter ou subsidiar o sistema de ensino e pesquisa, construir canais, pontes e barragens para facilitar a irrigação e o abastecimento de água. 
Na tarefa de arbitramento, o governo atua para dirimir divergências entre grupos capitalistas. Se não houvesse um organismo capaz de resolver os choques, essas questões poriam em risco o próprio sistema. Eis por que, em certos momentos, o governo pode ir de encontro aos interesses de certos grupos econômicos, mas nunca vai de encontro aos interesses do capital. 
  • Desse modo, fica evidente que vai haver deseconomias externas toda vez que a internalização das deseconomias puder acarretar uma redução da produção de um grupo econômico, julgado pelo governo como importante para a manutenção dos lucros e do crescimento do capital. 
O crescimento econômico, mesmo levando ao crescimento de bens materiais disponíveis, tem causado uma progressiva degradação do meio ambiente, particularmente o solo e a água. 
  • Como exemplo notável, a devastação das matas sul-riograndenses (redução de 40% para 2 % da cobertura do Estado, em menos de 50 anos), aliada a um manejo agressivo das zonas da lavoura, tem causado a erosão acelerada dos solos (na ordem de 40 tlha/ano), com imensas perdas de sementes e adubos, assoreamento de rios, açudes e barragens, além de poluição, por venenos agrícolas, de importantes cursos d' água. 
Como sempre, adubos, corretivos e venenos agrícolas têm um custo, e quem paga a reposição do material perdido é o consumidor. Além disso, houve uma perda irrecuperável da flora e fauna; está havendo importantes e irreversíveis efeitos maléficos na flora e fauna remanescentes e não se sabe a quem mandar a conta. 
  • Então, paga a sociedade como um conjunto, e nós já vimos que isto é ineficiente sob o ângulo da análise marginal. As fontes de captação de água estão cada vez mais comprometidas, exatamente pela não-internalização dos custos de tratamento. 
No entender de uma determinada corrente, controlar a degradação do meio natural pelo uso de processo produtivo menos poluidor ou pelo emprego de estações de tratamento de efluentes tomará o processo produtivo mais oneroso e restringirá a expansão econômica e de consumo de bens. Parece, então, haver uma contradição entre crescimento econômico e preservação do ambiente. 
  • Em outras palavras: poluição ou miséria. Mas fica uma questão: de onde sai tanta miséria? A água é um recurso natural essencial à subsistência da humanidade e a suas atividades sociais e econômicas. 

O papel do Estado na Gestão de Recursos Hídricos

Teoricamente, qualquer projeto de utilização de recursos hídricos, para ser aprovado, deveria passar por seis testes, a saber: 
  • Técnico: que processos e equipamentos devemos usar? 
  • Econômico: receberemos de volta um valor maior do que o investido? 
  • Financeiro: podemos pagar o investimento? 
  • Social: é o que as pessoas estão necessitando e querendo? 
  • Político: por que aqui e agora? 
  • Ambiental: poderá comprometer a qualidade e quantidade dos recursos hídricos e do ecossistema? 
Com exceção dos projetos de irrigação, é praticamente impossível enquadrar os projetos de recursos hídricos numa análise econômica de desenvolvimento capitalista, por uma razão muito simples: a água entra sempre como um custo. 
  • Quem vende o produto não o faz para obtenção de lucro e o faz num mercado monopolista, sem concorrência. Alguns produtos do mercado "recursos hídricos" nem possuem valor de mercado, como, por exemplo, um litro de esgoto bem tratado. 
Cobra-se por quilowatt de energia elétrica, por esgotos instalados, por metro cúbico de água de abastecimento doméstico, mas a taxação e a tarifagem são um exercício de pura ficção científica, já que no final do processo do cálculo prevalece um valor político de taxa ou tarifa. 
  • O fato de o Estado ser o vendedor monopolista deste produto viola a mais elementar regra capitalista, a da oferta e da procura. Por outro lado, não dá para imaginar a venda do rio Tietê ou o arrendamento da bacia do rio Guaíba com direito à exploração do aqüífero. Rios, aqüíferos e nuvens são bens públicos (ou um dom de Deus) e, portanto, não são transacionáveis. 
Mas o seu produto, que é a água, quando utilizado para abastecimento urbano, geração de energia ou irrigação se toma uma mercadoria, um bem econômico. Tem um processo de produção, possui um mercado consumidor; deve, portanto, ser produzido e distribuído. 
  • E como bem público, será gerido pelo Estado. A questão central aqui é quem paga a conta da preservação ambiental. Precisamos, em cada região, tentar e usar critérios realistas para dar peso aos benefícios e custos sociais de cada projeto e realmente distribuir os benefícios e os custos.
A organização de órgãos gestores democráticos:
  • Ligada a esta questão, indissociada dela, temos a questão de o governo ser o agente fiscalizador e o organizador dos órgãos gestores dos recursos hídricos e dos órgãos de defesa e preservação do meio ambiente. 
E de novo se coloca a posição do governo como agente defensor do capital: mesmo reconhecendo e lamentando a distribuição desigual de renda e do poder político e a destruição da natureza, o governo tende a ver cada coisa isoladamente, acredita (ou quer fazer acreditar) que tais problemas são erros do passado, de incapacidade, inaptidão ou perversidade individuais. 
  • E, quando "moderno", é reformista. Tais reformas, porém, nunca atacam as duas características principais do capitalismo: a propriedade privada dos meios de produção e a livre concorrência. Entretanto, uma característica do sistema ainda não foi exposta: só são privados os meios de produção lucrativos e aqueles que não afetarão a existência do sistema como tal. 
Apesar da intransigente defesa da propriedade privada, vimos que o governo também funciona como árbitro e prestador de serviços auxiliares, quando não lucrativos. E, a cada instante, o governo balança entre continuar a prestar um serviço ou reintegrá-lo na propriedade privada. O enigma moderno da esfinge: privatiza-me ou te devoro. 
  • Aqui entra a questão do preço e do lucro. Se o empreendimento é lucrativo, não deve estar na gerência do Estado; mas se não é lucrativo passa à categoria de bem público e os custos, mesmo não interna lizados nos processos produtivos individuais, são rateados socialmente. Vemos que existem capitalismos e capitalismos: um capitalismo primeiro-mundista, onde não se nota uma dispersão tão grande de salários e um terceiro-mundista, de fome e miséria. 
Outro fator é a taxa de lucro: para manter taxas de lucro em crescimento e como os salários e serviços, no Primeiro Mundo, reduzem essas taxas, o mecanismo encontrado foi buscar lugares que suprissem sua falta. Isto foi feito no Terceiro Mundo, primeiro com a exploração pura e simples de matéria-prima e finalmente com o imperialismo, que canaliza os equipamentos obsoletos para cá e os lucros para lá, com sócios minoritários locais. 
  • Desse modo, os países desenvolvidos, pressionados pelos grupos civis e pela própria evidência de que a destruição do seu meio ambiente e dos recursos hídricos poderia levá-los ao caos, iniciaram um processo de limpeza local e despejo dos seus dejetos no quintal do Terceiro Mundo. 
Acreditar que venceremos esse quadro apenas com uma legislação bem feita ou com o modelo econômico dos manuais liberais ou neoliberais é, por um lado, ingenuidade e, por outro lado, colaborar para que seja perpetuado o quadro ora vigente de desrespeito, oportunismo, canalização da riqueza produzida pelo Terceiro Mundo para o Primeiro Mundo, enfim, de manutenção do estado de desequilíbrio ambiental e exploração social. 
  • Ocorre que a poluição hídrica, a destruição ambiental, a contaminação dos alimentos, a redução de fertilidade do solo e sua substituição por adubos químicos, o uso maciço de venenos agrícolas têm, como conseqüência, o aumento de custos para tratar a água de beber, purificar o ar que se respira e descontaminar os alimentos humanos, atingindo o capital e seus possuidores de forma cada vez mais acelerada e obrigando-os a investir para salvarem a própria pele. 
Esses investimentos extras reduzem os lucros das firmas que buscam, então, alguma forma de aumentar as taxas de produtividade ou reduzir os custos operacionais. Quando a produtividade de um trabalhador aumenta, eleva-se também o valor pago por unidade produzida, que, se for vendida no mercado pelo mesmo preço, elevará a taxa de lucro. 
  • Esta fórmula é melhor e (aparentemente) não faz mal ao trabalhador, pois seu salário continua o mesmo (em termos absolutos). Quando não há modo razoável de aumentar a produtividade, pode-se aumentar os preços sem aumentar os salários. 
Na realidade, em ambos os casos houve um aumento da taxa de lucros e simultaneamente uma redução do valor dos salários, com conseqüente desequilíbrio sócio-econômico. Ao não internalizar os custos dos tratamentos e repassá-los à sociedade, as firmas estão fazendo exatamente isto: reduzindo os salários de todas as pessoas atingidas. 
  • Ao internalizar os custos, os produtos têm seus preços aumentados; e havendo mercado para isso, o preço do produto, de acordo com algumas teorias econômicas, se elevará até o ponto de atingir a satisfação do comprador. Além desse ponto haverá uma redução de demanda. Assim, o preço do produto se equilibrará no ponto ótimo de demanda, como reza a cartilha. 
Portanto, é uma regra econômica ca pi ta lista, óbvia e inescapável. Exigir que as firmas não repassem os custos e reduzam as taxas de lucro só é exequível se as taxas de lucro são realmente tão altas que, mesmo reduzidas, ainda permitem a expansão do capital. Algumas questões que caracterizam o grau de desenvolvimento sócio-econômico nunca foram respondidas objetivamente pelos economistas: 
  • Quão baixa deve ser, ética e moralmente, a taxa de lucro? 
  • Existe algum indicador que justifique qualquer taxa de lucro, sabendo que ela não reverte para obras sociais? 
  • É justo que seu Chico da Vila Maria Degolada pague o preço do tratamento dos efluentes da RIOCEL? 
  • Subjetivamente, é o ponto de equilíbrio do mercado que define as taxas de lucro. Mas quantas pessoas participam deste mercado? .alguém já fez um estudo de custos, em ternos de interrupção do fluxo da economia informal, tais como pesca artesanal, pequenas hortas ribeirinhas, comércio de bebidas e fastfood (sanduíches, pastéis, balas, pipocas) que proliferavam nos rios ora poluídos (Guaíba, Tietê, Negro)?
Ou este capital não interessa? Resumindo, um desenvolvimento social equilibrado deveria buscar, em qualquer sistema econômico, harmonizar a ocupação da terra e a utilização dos recursos naturais, a fim de assegurar a toda a população: 
  • Padrões mínimos de consumo; 
  • Educação, saúde, alimentação, vestuário e moradia em níveis internacionais; • respeito ao ecossistema; e 
  • Controle rígido da qualidade dos recursos hídricos. Na prática, temos uma tarefa bastante complexa na organização dos órgãos gestores. 
A simples desmobilização de uma série de entidades que, bem ou mal, vêm operando as políticas setoriais de recursos hídricos (abastecimento, hidroeletricidade, saneamento), o controle ambiental e a coleta de dados provocaria o caos no setor. 
  • A composição de conselhos para a troca de experiência é um bom começo, desde que acompanhada pela gradual reestruturação desses órgãos setoriais. Essas são tarefas que exigem a participação da população em geral, de grupos ecológicos e de pressão civil na composição de órgãos gestores, para que eles não sejam apenas um pano de fundo para a perpetuação das atuais políticas. 
Vamos aqui apenas esboçar uma estrutura da organização que visaria, em última instância, a democratização da gestão com a preservação da qualidade de vida. Neste cenário, um órgão gestor, em nível nacional, estadual ou de bacia hidrográfica, deveria apresentar a seguinte composição orgânica: 
  • Um conselho deliberativo; 
  • Um conselho consultivo; 
  • Um órgão executivo. 
O Conselho Deliberativo, que seria o organismo da política de recursos hídricos, poderia ser composto por um representante do Poder Executivo, um representante da iniciativa privada, um representante do Poder Legislativo e, majoritariamente, pelos grupos de pressão civil. Esse tipo de composição faria com que:
  • A população tivesse um conhecimento real dos problemas, programas e planos de gestão dos recursos hídricos que democratizasse o conhecimento e a atuação; 
  • O governo, por sua composição minoritária, procurasse indicar um representante com a competência e a habilidade adequadas para um real entendimento e compromisso com a coisa pública; 
  • A iniciativa privada não forçasse soluções de externalização de custos que iriam beneficiar apenas o capital, em detrimento da qualidade de vida e da renda da sociedade; 
  • O Legislativo tivesse o conhecimento sempre atualizado das questões dos recursos hídricos, podendo, assim, implementar rapidamente leis eficientes; e 
  • Houvesse a necessidade de programas de educação para a conservação da natureza, para que as pessoas pudessem decidir objetivamente a solução de problemas atuais e a prevenção de riscos futuros. 
O Conselho Consultivo seria um organismo técnico, que formularia projetos, soluções técnicas e avaliações econômicas, subordinado ao Conselho Deliberativo. Poderia ser composto de alguns técnicos-hidrólogos, sociólogos, economistas, bem como poderia contratar peritos para a execução dos projetos e seria também composto por representantes de todos os órgãos setoriais que ora operam a geração de energia hidroelétrica, a distribuição de água potável, os serviços de tratamento de águas servidas. A reunião desses órgãos num único organismo teria como objetivos:  A reunião desses órgãos num único organismo teria como objetivos: 
  • A coordenação efetiva dos planos e programas; 
  • A reestruturação e simplificação desses órgãos; 
  • A melhor escolha do representante do governo no Conselho Deliberativo; 
  • A concentração de atribuição para o órgão competente; 
  • A eliminação ou redução de conflitos no uso dos recursos hídricos; 
  • A possibilidade real do uso múltiplo de projetos de recursos hídricos; e 
  • A articulação com órgãos executivos
O órgão executivo, que poderia ser uma agência da bacia, teria o caráter de arrecadador de taxas ou tarifas, de outorga do uso da água e de fiscalizador da qualidade das águas servidas. Nessas condições, deveria ser uma instituição autônoma com receitas e poder efetivo. 
  • Como executor, deveria ter uma administração pequena e ágil, sendo subordinado administrativamente aos governos federal, estadual ou municipal, conforme o caso; politicamente, se subordinaria ao Conselho Deliberativo e, tecnicamente, ao Conselho Consultivo.
Conclusões:
  • Note-se que não tenho muita preocupação com a forma de organização do sistema, mas sim com sua legitimidade social. Creio ter provado que o problema central não é o caráter técnico, pois temos profissionais da melhor qualidade que sabem como controlar a qualidade e regular a quantidade. 
Não há a menor dúvida de que o problema central reside na forma desequilibrada de distribuição de renda, na concentração do poder por grupos oligopólicos ou monopolistas - em outras palavras, no atual modelo econômico brasileiro. 
  • Traduzido para a gestão dos recursos hídricos, como taxar o uso, como regular a outorga, como internalizar os custos da poluição e como preservar o ambiente e qualidade da água. Não há o dilema "poluição ou miséria". 
A poluição é a miséria em si mesma. Só teremos uma boa gestão dos recursos hídricos uma vez estabelecidos os paradigmas de uma sociedade de desenvolvimento sócio-econômico equilibrado, o que só se consegue na prática democrática. É a motivação e não a instrumentalização que condiciona o papel do Estado na gestão dos recursos hídricos. 

O papel do Estado na Gestão de Recursos Hídricos