quarta-feira, 2 de novembro de 2016

Cidadania e Sustentabilidade Social: A Concepção das Unidades Familiares em diferentes classes sociais

Cidadania e Sustentabilidade Social:
A Concepção das Unidades Familiares em diferentes classes sociais

Daniele Ruela de Carvalho
Rua Virgílio Val 280. Centro, Viçosa-MG CEP: 36570-000 Telefone: 031 8624 6082. danirufv@yahoo.com.br 
Aline Constantino Rodrigues
André Luís Gomes
Maria das Dôres Saraiva de Loreto
  • Em um contexto de globalização que promete a abertura de mercado, igualdade de oportunidades para todos os indivíduos e uma sociedade livre, com igualdade de direitos e deveres, a democracia pressupõe uma realidade sem grandes desigualdades entre os cidadãos. 
Entretanto, com a mundialização da economia, o mercado tornou-se mais agressivo e abrangente, privilegiando determinados setores, com enxugamento e enfraquecimento dos trabalhadores, devido a precariedade do mercado de trabalho e o estado de desemprego (ATAÍDE, 2007). 
  • Assim, o exercício da cidadania em sua plenitude não é uma realidade na sociedade brasileira, uma vez que existem personagens que ocupam posições tão diferentes na sociedade, sendo que alguns deles têm acesso à quase todos os bens e direitos enquanto que outros não, em virtude do baixo salário e do não direito à expressão, à saúde, e à educação. 
Desta forma, é possível delinear concepções diferentes de cidadania e, até mesmo, opostas (MAYER, 1967). Segundo o referido autor, antes de definir o que é cidadania, torna-se necessário fazer uma primeira aproximação do que vem a ser um cidadão. 
  • Para muita gente, ser cidadão confunde-se com o direito de votar, no entanto, sabemos que o ato de votar; não garante nenhuma cidadania, se não vier acompanhado de determinadas condições de nível econômico, político, sócioambiental e cultural. Há algum tempo o tema cidadania passou a ser mais discutido no mundo contemporâneo; o fato é que, modernamente, uma vasta quantidade de direitos já está estabelecida pela legislação. 
Direitos esses que devem alcançar todos os indivíduos, sem restrições. Mas o que ocorre, na realidade, é que, embora garantidos pela Constituição Federal e pelas leis, o que se verifica, na prática, é uma reiterada e ostensiva inobservância desses direitos de cidadania contra a maioria da população excluída dos bens e serviços desfrutados pelas elites. 
  • Com isso, o grande desafio é, portanto, além de incorporar novos direitos aos já existentes, integrar cada vez um número maior de indivíduos ao gozo dos direitos reconhecidos (MAYER, 1967). Diante desta realidade a importância deste trabalho consiste em refletir sobre a relação cidadania e sustentabilidade social, baseando-se na concepção das unidades familiares, de diferentes classes sociais. 
Assim tem-se como objetivo geral analisar os principais problemas enfrentados pela sociedade local e suas implicações para o alcance da cidadania social. De forma específica pretende-se:
  • Observar quais os problemas vivenciados pelas famílias viçosenses, que limitam o alcance da cidadania social e quais estratégias tem sido adotadas para atenuá-los;
  • Verificar a percepção da sociedade local com respeito a este cenário e com relação a seus efeitos sobre o ecossistema familiar;
  • Avaliar a percepção da população local, de diferentes classes sociais, sobre o termo cidadania e suas implicações na sustentabilidade social. 
Revisão de Literatura:
  • A globalização é um fenômeno moderno que surgiu com a evolução dos novos meios de comunicação, cada vez mais rápidos e mais eficazes. Há, no entanto, aspectos tanto positivos quanto negativos na globalização. 
No que concerne aos aspectos negativos, a globalização serve para os mais fracos verificarem suas fragilidades com a inter-relação com os mais fortes. Outro aspecto negativo é a grande instabilidade econômica que se cria no mundo, pois qualquer fenômeno que acontece num determinado país atinge rapidamente outros países. 
  • Como aspectos positivos, temos a facilidade com que as inovações se propagam entre países e continentes, por meio do acesso fácil e rápido à informação e aos bens. Com a ressalva de que para as classes menos favorecidas economicamente, especialmente, nos países em desenvolvimento, esse acesso não é "fácil", porque seu custo é elevado e não será rápido (GONÇALVES, 2007). 
Em função da natureza assimétrica do processo de globalização, relacionada à dependência externa e ao desequilíbrio macroeconômico, as transformações ocorridas nos últimos vinte anos na política econômica do Brasil produziram profundas mudanças na vida econômica, social e cultural da população, gerando altos índices de desigualdade e situações de exclusão social. 
  • Como reflexo dessa estrutura de poder acentuaram-se as iniquidades sociais e de renda, afetando as condições de sobrevivência e minando as expectativas de superação desse estado de pobreza; além de reforçar sua submissão aos serviços públicos existentes. As desigualdades de renda impõem sacrifícios e renúncias para toda a família. 
A situação de vulnerabilidade social da família pobre se encontra diretamente ligada à miséria estrutural, agravada pela crise econômica; que lança o homem ou a mulher ao desemprego ou subemprego (GOMES e PEREIRA, 2005). Assim, um pequeno segmento da população tem acesso a uma parcela substancial da crescente produção de bens e serviços, enquanto uma proporção muito grande é forçada a sobreviver com o restante. 
  • Como mostram os autores, de 1992 a 1999, os 25% mais pobres perderam 20% da renda e os 5% mais ricos perderam 10%. Estes dados levam a constatar que a defasagem salarial é maior para os pobres, o que amplia, ainda mais, a concentração de renda no Brasil. 
Desta forma, a globalização tem demonstrado constituir-se em uma nova e surpreendente ameaça ao alcance da sustentabilidade social, exacerbar a desigualdade econômica e a exclusão social entre as nações e no interior delas mesmas. 
  • A mesma dinâmica uniformizadora que se supõe integrar os países, globaliza a miséria. Além disso, o aumento da modernização e do consumo exacerba os custos sociais e ambientais locais e globais (RAMALHO FILHO, 2003). Neste contexto, Demo (1995) afirma que, aqueles que detêm o poder cuidam de encaminhar tudo na direção que atenda basicamente aos seus interesses e não ao interesse da maioria da população, apesar da aparência contrária. 
Essa situação promove o aparecimento de uma cidadania hierarquizada, uma vez que a cidadania está embutida na profissão, e os direitos dos cidadãos restringem-se aos direitos do lugar que ocupa no processo produtivo, tal como reconhecido por lei (SANTOS apud MEDEIROS et al; 2002). Assim, aqueles trabalhadores cuja ocupação a lei “desconhece” são considerados pré-cidadãos pelo Estado, que passa a ter a função de discriminar os cidadãos em primeira, segunda e até terceira classe. 
  • Trata-se da construção de uma cidadania hierarquizada por segmentos sociais nos países de terceiro mundo (SPOSATI et al apud MEDEIROS et al; 2002). Para Santos, apud Medeiros et al (2002), nesse contexto a cidadania é gerada no Brasil como cidadania regulada, por discriminar, estratificar e controlar quem trabalha e em que trabalha. 
Nesse sentido, o conceito de cidadania encontra-se, não em um código de valores, mas num sistema de estratificação ocupacional, no qual, tal sistema é definido como norma legal (SANTOS apud MEDEIROS et al; 2002). Conforme essa lógica, são considerados cidadãos os trabalhadores que se encontram engajados na produção e cujas ocupações sejam reconhecidas e definidas por lei. 
  • Tal situação mostra que a constituição é uma arma na mão de todos os cidadãos, que devem saber usá-la para encaminhar e conquistar propostas mais igualitárias. Por esse motivo, mesmo que apresenta quais direitos e deveres são possíveis, sua aplicabilidade depende do enfrentamento político adotado por aqueles que detêm pouco poder. Só existe cidadania se houver a reivindicação, a apropriação de espaços, a luta para fazer valer os direitos dos cidadãos. 
Neste sentido, a cidadania pode ser a estratégia, por excelência, para a construção de uma sociedade melhor. Mas, o primeiro pressuposto é que esteja assegurada a prática de reivindicar os direitos, e que o conhecimento deste se estenda cada vez mais a toda população (DEMO, 1995). 
  • O desafio do fortalecimento da cidadania para a população como um todo e não para um grupo restrito, concretiza-se pela possibilidade de cada pessoa ser portadora de direitos e deveres, e de se converter, portanto, em ator co-responsável na defesa da qualidade de vida. 
Assim, a educação para a cidadania representa a possibilidade de motivar e sensibilizar as pessoas para transformar as diversas formas de participação em potenciais caminhos de dinamização da sociedade e de concretização de uma proposta de sociabilidade baseada na educação para a participação. 
  • Segundo Jacob (2003), a educação para a cidadania assume um papel cada vez mais desafiador, pois, a produção de conhecimento deve necessariamente contemplar as inter-relações do meio natural com o social, incluindo a análise dos determinantes do processo, o papel dos diversos atores envolvidos e as formas de organização social; que aumentam o poder das ações alternativas de um novo desenvolvimento, numa perspectiva que enfatiza a sustentabilidade sócio-ambiental. 
Continuando, o autor afirma que a educação ambiental como formação e exercício de cidadania refere-se a uma nova forma de analisar a relação entre o homem com a natureza, baseada numa nova ética, que pressupõe outros valores morais e uma forma diferente de ver o mundo e os homens. 
  • A educação para a cidadania é vista como um processo de permanente aprendizagem que valoriza as diversas formas de conhecimento e forma cidadãos, com consciência local e planetária. Neste contexto, a educação ambiental deve destacar os problemas ambientais, que decorrem da desordem e degradação da qualidade de vida nas cidades e regiões. 
À medida que se observa cada vez mais dificuldade de manter-se a qualidade de vida, é preciso fortalecer a importância de garantir padrões ambientais adequados e estimular uma crescente consciência ambiental, centrada no exercício da cidadania e na reformulação de valores éticos e morais, individuais e coletivos, numa perspectiva voltada para o desenvolvimento sustentável (JACOBI, 2003). 
  • A preocupação com o desenvolvimento sustentável representa a possibilidade de garantir mudanças sociopolíticas que não comprometam os sistemas econômico, ecológico e social, que sustentam as comunidades. Estas dimensões se referem tanto à viabilidade econômica como à ecológica, pois, expressam a necessidade de tornar compatível a melhoria da qualidade de vida com a preservação ambiental. 
Uma resposta à necessidade de harmonizar os processos ambientais com os socioeconômicos, surge para maximizar a produção dos ecossistemas, a fim de favorecer as demandas e aspirações das gerações humanas presentes e futuras. A maior virtude dessa abordagem é que, além de privilegiar os aspectos ecológicos no plano teórico, ela enfatiza a necessidade de inverter a tendência auto-destrutiva dos processos de desenvolvimento no seu abuso contra a natureza (JACOBI, 2003). 
  • Desta forma, de acordo com o mesmo autor, a sustentabilidade é um critério básico e integrador que precisa estimular permanentemente as responsabilidades éticas, a inter-relação baseada na justiça social, a qualidade de vida, o equilíbrio ambiental e a ruptura com o atual padrão de desenvolvimento.
Nesse contexto, exige-se que a sociedade esteja mais motivada e mobilizada para assumir um caráter propositivo, explicitando a escolha de temas e questões a serem enfrentadas em busca de objetivos comuns. 
  • Assim, como comenta Jacobi (2003), a sociedade deve poder questionar, de forma concreta, a falta de iniciativa dos governos para implementar políticas, pautadas pelo binômio sustentabilidade e desenvolvimento, num contexto de crescentes dificuldades para promover a inclusão social, principalmente, daqueles socialmente marginalizados; já que uma grande parcela da população brasileira é composta por desempregados, subempregados instáveis, ambulantes, biscateiros que, dentro dessa lógica discriminatória, não é considerada integrada ao sistema produtivo e, portanto, privada dos direitos de cidadania (MEDEIROS et al., 2002).

Cidadania e Sustentabilidade Social:
A Concepção das Unidades Familiares em diferentes classes sociais

Metodologia:

  • O presente trabalho foi realizado na cidade de Viçosa – MG, junto às unidades familiares, subdividido-as em diferentes classes sociais, a fim de comparar o exercício e alcance da cidadania social nas diferentes classes. Sendo assim, foram escolhidos três grupos compostos por oito pessoas, que foram estratificados por classes sociais. 

Desta forma, a classe baixa foi caracterizada por pessoas que recebem de 1 a 4 salários mínimos; a classe média foi representada por pessoas que recebem de 5 a 10 salários mínimos e, a classe alta composta por pessoas que recebem mais de 10 salários mínimos. Os indivíduos amostrados foram tipificados, em função das atividades profissionais exercidas.

  • A classe baixa era constituída por autônomos, porteiro, pintor, pedreiro, empregada doméstica e profissionais desempregados; a classe média era constituída por servidores públicos, contador e professores; enquanto que a classe alta era composta por funcionários públicos e professores universitários. 

As informações foram coletadas por meio de entrevistas semi-estruturadas, usando o método qualitativo. E, para melhor fundamentação da temática pesquisada, além das entrevistas foi utilizada a pesquisa bibliográfica pertinente ao assunto em pauta.

Resultados e Discussões:

  • Baseada nas entrevistas aplicadas, ao questionar-se a percepção nas diferentes classes sociais com relação ao significado do que vem a ser cidadania, a classe baixa demonstrou dificuldades em responder ou não soube; ao contrário, as classes média e alta se mostraram bastantes informadas e conscientes do que vem a ser cidadania, entendendo que o cidadão deve atuar em prol da sociedade e esta deve garantir-lhe os direitos básicos à vida. 

Com relação aos principais problemas vivenciados pelas famílias viçosenses, que limitam o alcance da cidadania social, foi relatado a falta de uma educação de qualidade, segurança, saúde pública, desemprego, violência e má distribuição da renda. Especialmente, na classe baixa, foram delimitados como problemas, o desemprego e a educação, já nas classes média e alta foram apontadas a violência e a educação.

  • No que se refere às estratégias adotadas pelas famílias para atenuar os problemas, as principais respostas estão relacionadas à importância do diálogo e da cooperação entre os membros, para a mitigação dos problemas familiares. Ressalta-se que o envolvimento e a interação entre os membros estão associados à especialização dos papéis, em termos de participação, consensos, conflitos e formas de poder. 

Também foi relatado, principalmente pela classe baixa, que o trabalho infantil é um dos agravantes que dificultam o alcance da cidadania, uma vez que impede as crianças de estudar e de conhecer o sentido do termo cidadania e sua prática.

 Conclusão:

  • Pode-se concluir, considerando as diferentes classes sociais, que a cidadania se refere aos direitos e deveres de todos os cidadãos visando à igualdade social independente da classe. No entanto, na prática, estes direitos são reservados àqueles que detêm o poder, ou seja, a minoria da população, enquanto, que a maioria é excluída dos processos de decisão política e alienada de seus direitos.

Ou seja, existe uma defasagem entre o que é previsto por lei e o exercício da prática, uma vez que uma expressiva parcela da população, principalmente de classe mais baixa, é privada de uma cidadania plena, com liberdade, igualdade e garantia dos direitos humanos. A cidadania aparece, assim, dividida nas diferentes classes, mostrando um desenvolvimento humano desigual nas distintas categorias ou grupos, com reflexos sobre a sustentabilidade social ou melhoria da qualidade de vida.

Referências:

ATAÍDE, Maria Elza Miranda. O Lado Perverso da Globalização na Sociedade da Informação. Disponível em< http://www.scielo.br/scielo.php> Acesso em 18/03/2007. 
DEMO, Pedro. Cidadania Tutelada e Cidadania Assistida. Campinas, SP, 1995. p.45-158. 
GONÇALVES, João Gomes - Globalização e Direitos Disponível em: Acesso em 20/03/2007 
GOMES Mônica Araújo; PEREIRA Maria Lúcia Duarte. Família em Situação de Vulnerabilidade Social: Uma Questão de Políticas Públicas. Disponível em < http://www.scielo.br/scielo.php> Acesso em 16/03/2007. 
JACOBI, Pedro. Educação Ambiental, Cidadania e Sustentabilidade. Disponível em Acesso em 20/03/2007. MAYER, Kurt B.Classe e Sociedade. Edições Bloch. RJ, 1997.122p. 
MEDEIROS, Soraya Maria de; GUIMARÃES, Jacileide. Cidadania e Saúde Mental No Brasil: Contribuição ao Debate. Disponível em< http://www.scielo.br/pdf/csc/v7n3/13033.pdf> Acesso em 15/03/2007. 
RAMALHO FILHO, Rodrigo. Globalização, Sustentabilidade E Patrimônio: Reflexos Sobre A Cidade Periférica. Disponível em< http://www.anppas.org.br/encontro_anual/ sustentabilidade_cidades> Acesso em 20/03/2007.

Cidadania e Sustentabilidade Social:
A Concepção das Unidades Familiares em diferentes classes sociais