quinta-feira, 8 de dezembro de 2016

Qualidade de vida de pacientes portadores de insuficiência renal crônica em tratamento de hemodiálise

Qualidade de vida de pacientes portadores
de insuficiência renal crônica
em tratamento de hemodiálise

Karina Higa
Michele Tavares Kost
Enfermeira graduada pela Faculdade de Enfermagem do Centro de Ciências da Vida da Pontifícia Universidade Católica de Campinas - PUC - Campinas (SP), Brasil 
Dora Mian Soares
MS Professora da Faculdade de Enfermagem do Centro de Ciências da Vida da Pontifícia Universidade Católica de Campinas – PUC - Campinas (SP), Brasil 
Marcos César de Morais
Enfermeiro Técnico Responsável, Empresa: Parmigiani e Hachann Serviços de Hemodiálise LTDA (Centro de Diálise) - Campinas (SP), Brasil 
Bianca Regina Guarino Polins
Professora do Curso de Especialização de Enfermagem em Nefrologia do Centro Universitário Hermínio Ometto – UNIARARAS - Araras (SP), Brasil
  • A doença renal crônica é uma lesão do órgão com perda progressiva e irreversível da função dos rins. Em sua fase mais avançada é definida como Insuficiência Renal Crônica (IRC), quando os rins não conseguem manter a normalidade do meio interno do paciente. 
Se diagnosticada precocemente, e com condutas terapêuticas apropriadas, serão reduzidos os custos e o sofrimento dos pacientes. As principais causas da IRC são a hipertensão arterial e o diabetes mellitus(1).
  • A doença renal crônica traz consigo uma série de questões que marcam a vida do indivíduo, a partir do diagnóstico, sendo comuns as manifestações psíquicas acarretando alterações na interação social e desequilíbrios psicológicos, não somente do paciente como também da família que o acompanha(2).
A doença renal e as complicações decorrentes do tratamento afetam as habilidades funcionais do paciente, limitando suas atividades diárias, sendo que, freqüentemente, as alterações não são captadas nas avaliações clínicas e biológicas convencionais. Compreender como as limitações interferem no cotidiano dos pacientes tem sido o objetivo das avaliações da qualidade de vida relacionadas à saúde (3).
  • O paciente com IRC, em programa de hemodiálise, é conduzido a conviver diariamente com uma doença incurável que o obriga a uma forma de tratamento dolorosa, de longa duração e que provoca, juntamente com a evolução da doença e suas complicações, ainda maiores limitações e alterações de grande impacto, que repercutem tanto na sua própria qualidade de vida quanto na do grupo familiar(4).
Para organizarem-se física e mentalmente(2), ao absorverem e se adaptarem às novas informações, indicações e prescrições, os pacientes ficam em estado de alerta e tensão, o que desencadeia reações de ansiedade, devido à constante exposição a situações estressoras como a diálise, dietas, transplante e a permanência freqüente em ambiente hospitalar, alterando, portanto, a qualidade de vida.
  • A depressão é a complicação mais comum nos pacientes em diálise, e geralmente significa uma resposta a alguma perda real, ameaçada ou imaginada. Humor depressivo persistente, auto-imagem prejudicada e sentimentos pessimistas são algumas manifestações psicológicas. 
As queixas fisiológicas incluem distúrbio de sono, alterações de apetite e peso, ressecamento da mucosa oral e constipação e diminuição do interesse sexual. Os sintomas depressivos precisam ser analisados com muita atenção, pois podem ser confundidos com sintomas de uremia(5).
  • O termo Qualidade de Vida pode ser discutido sob vários pontos de vista, de forma individual ou coletiva, objetiva ou subjetiva, existindo ainda uma grande dúvida: quem melhor percebe a qualidade de vida? Cada indivíduo (de acordo com sua condição sócio-econômica, cultural, física e seus objetivos de vida) ou quem o observa?(6)
No processo de adoecer, sabe-se que para algumas pessoas é mais confortável e menos comprometedor atribuir a outras pessoas (principalmente aos cuidadores profissionais) a capacidade de lhes promover a saúde. Nos casos de portadores da IRC, permitir que desenvolvam essa dinâmica psicológica faz com que o diagnóstico torne-se sinônimo de incapacidade, interrompendo a autonomia e a busca por melhores condições de qualidade de vida(7).
  • A qualidade de vida(8) é indicada a partir, por exemplo, "da capacidade de reconhecer a verdade sobre nós mesmos, compreender quem somos, como lidamos com os desafios da vida, como reagimos com as perdas e frustrações e especialmente, como lidamos com o sucesso". 
Ainda que para conquistá-la seja necessário o "comprometimento pessoal com a valorização da vida e do viver" , encarando a realidade sem camuflar crenças e opiniões, defendendo seu ponto de vista sem desistir do que se acredita. Não esperar pelo governo ou por padrões bondosos, que "poderão quando muito providenciar infra-estrutura para se viver com mais saúde".
  • Qualquer método avaliativo(9) de qualidade de vida sempre será reducionista, pois é um objeto de múltiplas facetas, não sendo possível agregá-las em uma construção coerente, lógica, consensual e explicativa do fenômeno da vida, da qualidade de vida. 
Essa dificuldade deslocaria a questão qualidade de vida para "condições de vida, estilo de vida ou situação de vida, uma vez que estas são em essência, descritivas, não trazem obrigatoriamente dentro de si conotações ideológicas ou de concepção de vida, prioridades, hierarquias ou julgamentos de valor".
  • Nos últimos anos, o tema qualidade de vida tem sido analisado com maior interesse devido à preocupação e divulgação da área de medicina preventiva e conhecimento da população em geral, relacionando, ainda, a expectativa de vida aos avanços tecnológicos em diagnósticos e tratamentos, além da preocupação com questões ambientais.
Objetivos:
Analisar a qualidade de vida de pacientes com insuficiência renal crônica, em tratamento de hemodiálise.
Métodos:
  • Estudo de natureza quantitativa, com coleta de dados primários, realizada no período de abril - maio de 2006, com 20 sujeitos maiores de 18 anos, que passavam semanalmente pelo tratamento de hemodiálise em uma clínica particular de diálise, com atendimento a pacientes do Sistema Único de Saúde e Convênios, localizada na cidade de Campinas - SP, com capacidade de atendimento para 206 pacientes; porém, atualmente são atendidos 194 pacientes, procedentes de Campinas e de outros municípios da região. 
O fluxo diário é de 100 pacientes, divididos em três turnos de atendimento. A coleta de dados foi obtida através de preenchimento de formulários após a autorização do Comitê de Ética em Pesquisa da Pontifícia Universidade Católica de Campinas, sob o protocolo n.º 103/06, e a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, por parte dos sujeitos.
  • Foram utilizados dois instrumentos de avaliação, sendo identificados como instrumentos A e B. O Instrumento A, composto por questões dirigidas, foi elaborado pelos autores do trabalho, com identificação anônima dos sujeitos, complementar ao B. O instrumento B, utilizado para analisar a qualidade de vida(10) ,consistiu no questionário WHOQOL-brief (World Health Organization Quality of Life- abreviado), composto por 26 questões, divididas em quatro domínios: Físico, Psicológico, Sociais e Meio Ambiente. 
O instrumento B não possui uma classificação numérica quanto à qualidade de vida, e sim uma escala analógica de 0 a 100, sendo o critério utilizado a comparação: quanto maior o escore, maior é a qualidade de vida, e quanto menor o escore, menor será a qualidade de vida.
  • A análise final do instrumento B foi efetuada através da utilização do software de recurso estatístico Statistical Package for the Social Sciences - pacote estatístico para as ciências sociais (SPSS), aplicando a sintaxe específica do instrumento, conforme instruções.

Qualidade de vida de pacientes portadores
de insuficiência renal crônica
em tratamento de hemodiálise

Resultados:
  • Pela análise geral identifica-se que, na população em estudo, a maior parte dos pacientes (75%) pertencia ao sexo masculino e 25%, ao feminino. A faixa etária de 40 a 60 anos incluiu um maior número de sujeitos no programa de hemodiálise, sendo que nas faixas etárias de 20 a 40 e mais que 60 anos houve um menor número, conforme mostra a Tabela 1.


  • Quanto aos sujeitos, quando questionados sobre o fator desencadeante da IRC, 20% desconheciam e 20% apontavam a glomerulonefrite como a causa. A nefrite foi relatada por 17,5% deles; a hipertensão, por 15% e o rim policístico, por 15%; diabetes e hipertensão associada a diabetes obtiveram índice de 5% cada uma, e as demais patologias: lúpus eritematoso, síndrome de Aport e atrofia renal corresponderam às menores percentagens.
Aponta–se que 50% dos sujeitos estão em programa de hemodiálise há mais de 5 anos; 35%, de 1 a 3 anos e os demais 15%, de 3 a 5 anos.
  • Em relação ao questionário WHOQOL-breve observa-se, de acordo com a escala de valores (0 – 100) que, quando analisado o resultado nos valores mínimos, o domínio físico recebeu o menor escore (25), quando comparado aos demais domínios; o psicológico obteve 37,5; o social, 41.67 e o meio ambiente, 40,63. Em contrapartida, quando foram analisadas os valores máximos, há predominância nos domínios psicológico (100) e social (100); físico, com 92,86, e o aspecto meio ambiente com resultado inferior (84,38). 
Portanto, na média entre domínios, no aspecto psicológico os pacientes vivenciam melhor as questões, quando comparadas aos outros domínios (físico, social e meio ambiente) como se observa na Tabela 2.


  • Quanto aos valores médios, o domínio psicológico obteve 76,46; o social, 70,83; o meio ambiente, 64,69 e, por último, o domínio físico, com 64,28, indicando, portanto, que o domínio físico, que obteve os menores escores e que compreende a dor, o desconforto, a energia, a fadiga, o sono e o repouso, o que mais influencia a qualidade de vida do sujeito submetido a hemodiálise.
Discussão:
  • O modo como cada paciente vive(2) e se relaciona com a IRC é sempre único e pessoal, dependente de vários fatores, como o perfil psicológico, as condições ambientais e sociais, o apoio familiar e as respostas das organizações de saúde.
O enfrentamento da doença é influenciado pelas percepções da qualidade de vida de cada indivíduo: as positivas estão mais relacionadas a estratégias racionais, como traçar uma meta ou conhecer mais sobre a doença, enquanto as negativas relacionam-se a estratégias evitativas, como negação da doença, agindo como se ela não existisse. 
  • Na mesma perspectiva, nota-se nos pacientes em hemodiálise a melhor ou pior qualidade de vida relacionada ao grau de dependência da máquina: alguns pacientes, apesar da dependência (provocada pelo tipo de tratamento), realizam suas atividades diárias normalmente, enquanto outros sofrem com o sentimento de pior qualidade de vida e autopiedade(11).
Em um estudo(12) no qual foi avaliada a qualidade de vida de pacientes no serviço de hemodiálise os pacientes relataram que esta representa um tratamento que lhes possibilita o bem-estar físico e o prolongamento da vida. Evidencia-se a existência de vários sentimentos relacionados à irreversibilidade da doença renal e a obrigatoriedade de submissão ao tratamento. 
  • Na análise dos resultados deste estudo observou-se que a hemodiálise tem diferentes significados para cada depoente. Cada um deles revelou a dificuldade em lidar com as restrições que afetam e influenciam a sua qualidade de vida, e articulam expectativas diversificadas em relação ao transplante renal. Os pacientes demonstraram suas esperanças na crença em um ser superior e na realização do transplante renal.
Conclusão:
  • Observou-se que os pacientes em hemodiálise apresentaram valores médios acima de 60 em todos os domínios do WHOQOL-brief. No entanto, os melhores resultados foram nos domínios psicológico e social (médias: 76,46 e 70,83, respectivamente).
A maioria dos sujeitos encara o tratamento como uma modalidade dolorosa, sofrida, angustiante, com limitações físicas, sociais e nutricionais, dificultando, muitas vezes, a interação paciente-sociedade-familia. Consideram-se vulneráveis à morte, diariamente, sendo os riscos numerosos, desde a periodicidade da condução aos centros de hemodiálise até o decorrer das sessões.
  • Os sujeitos em hemodiálise, de modo geral, apresentaram melhores resultados no domínio psicológico, devido ao fato relatado de acreditarem que o transplante renal seja a cura para a doença, sendo a crença baseada nas campanhas sobre a doação de órgãos, informação por parte da equipe de transplante, ou na própria convicção quanto à cura. Estimam que a qualidade de vida dos pacientes transplantados seja melhor, principalmente relacionada aos aspectos físicos e sociais.
Referências:
  1. Romão Júnior JE. Doença renal crônica: definição, epidemiologia e classificação. J Bras Nefrol. 2004; 26(3 Supl 1): 1-3. [ Links ]
  2. Associação dos Renais e Transplantados do Estado do Rio de Janeiro.. Qualidade de vida [texto na Internet]. Rio de Janeiro: ADRETERJ; 2005.[citado 2005 Nov 11]:Disponível em: http://www.adreterj.org.br/f_quali/quali.html [ Links ]
  3. Bittencourt ZZLC. Qualidade de vida e representações sociais em portadores de patologias crônicas: estudo de um grupo de renais crônicos transplantados. [Tese de Doutorado]. Campinas: Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas; 2003. 156p. [ Links ]
  4. Caiuby AVS, Lefêvre F, Pacheci-Silva A. Análise do discurso dos doadores renais - abordagem da psicologia docial. J Bras Nefrol. 2004; 26(3): 137-44. [ Links ]
  5. 5. Daugirdas JT, Blake PG, Ing TS. Manual de diálise. 3ª ed. Rio de Janeiro: Medsi; 2003. [ Links ]
  6. Siviero IMPS. Saúde mental e qualidade de vida de enfartados [tese]. São Paulo: Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo; 2003. [ Links ]
  7. Diniz DHMP, Schor N. Psiconefrologia: Humanização e qualidade de vida. In: Diniz DHMP, Schor N, organizadores. Guia de Medicina Ambulatorial e Hospitalar UNIFESP / Escola Paulista de Medicina em Qualidade de Vida. Barueri: Manole; 2005. v.1. p. 3554. [ Links ]
  8. Sucesso EB. Qualidade de Vida: sonho ou possibilidade? [texto na Internet]. São Paulo: ABQV – Associação Brasileira de Qualidade de Vida; 2005.[citado 2005 Set 19] Disponível em: http://www.abqv.org.br/artigos.php?id=42 [ Links ]
  9. Tamaki EM. Qualidade de vida: individual ou coletiva? Ciênc Saúde Coletiva. 2000; 5(1): 20-2. [ Links ]
  10. Fleck MPA, Leal OF, Louzada S, Xavier M, Chachamovich E, Vieira G, et al. Desenvolvimento da versão em português do instrumento de avaliação de qualidade de vida da OMS (WHOQOL-100). Rev Bras Psiquiatr. 1999; 21(1):19-28. [ Links ]
  11. Pereira LC, Chang J, Fadil-Romão MA, Abensur H, Araújo MRT, Noronha IL, et al. Qualidade de vida relacionada à saúde em paciente transplantado renal. J Bras Nefrol. 2003; 25(1):10-6. [ Links ]
  12. Lima AFC. O significado da hemodiálise para o paciente renal crônico: a busca por uma melhor qualidade de vida [tese]. São Paulo: Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo; 2000. [ Links ]

Qualidade de vida de pacientes portadores
de insuficiência renal crônica
em tratamento de hemodiálise