sexta-feira, 3 de fevereiro de 2017

Mercúrio total em solos de manguezais da Baixada Santista e Ilha do Cardoso, estado de São Paulo

Mercúrio total em solos de manguezais 
da Baixada Santista e Ilha do Cardoso, estado de São Paulo

Mara Lucia Jacinto Oliveira 
Pablo Vidal-Torrado
Departamento de Solos e Nutrição de Plantas, Escola Superior de Agricultura "Luiz de Queiroz", Universidade de São Paulo, CP 9, 13418-900 Piracicaba SP, Brasil 
Xosé Luis Otero
Departamento de Edafologia e Química Agrícola, Faculdade de Biologia, Universidade de Santiago de Compostela, 15782 Santiago de Compostela, Espanha 
José Roberto Ferreira
Centro de Energia Nuclear na Agricultura, Universidade de São Paulo, 13400-970 Piracicaba SP, Brasil
  • O manguezal é um ecossistema dinâmico de grande importância ecológica e geomorfológica, porém o seu reconhecimento por parte das comunidades científico-sociais é relativamente recente. 
A localização dos manguezais em áreas protegidas dos litorais, como estuários, baías e lagoas, coincide com áreas de interesse para as comunidades humanas, uma vez que estas são as mais proveitosas para instalação de complexos industriais-portuários e a expansão turístico-imobiliária. 
  • Esta infeliz coincidência tem levado, ao longo do tempo, à instalação de distritos industriais, notadamente, pela quantidade de resíduos, efluentes e impactos que geram as atividades industriais e os pólos especializados (petroquímicos e cloroquímicos), degradando ou mesmo erradicando manguezais em grande parte dos litorais dos trópicos em todo o mundo 1.
O litoral do Estado de São Paulo apresenta áreas ambientalmente degradadas devido à intensa ocupação urbana e instalação de pólos industriais e petroquímicos, freqüentemente desprovidos de tratamento básico adequado. Ações de controle da poluição iniciadas em 1984, e analisadas no final da década de 90, apontam a persistência dos problemas de acumulação dos poluentes nos sedimentos dragados dos canais portuários e, portanto, potencialmente disponíveis à biota aquática, pondo em risco a saúde pública e o equilíbrio ecológico dos ecossistemas costeiros da Baixada Santista 2.
  • Dentre os poluentes associados a essas atividades, o mercúrio (Hg) é um metal pesado bastante utilizado no processo produtivo como matéria-prima, produto ou insumo manipulado ou armazenado, portanto presente em efluentes industriais que são despejados diretamente nos rios e manguezais. Neste sentido, são indicadas como principais fontes antropogênicas de contaminação ambiental as indústrias de processamento de metais, produção de cloro-soda, fabricação de pilhas, lâmpadas fluorescentes, aparelhos de medição e agroquímicos contendo Hg, além de lodo de esgoto 2.
É importante ressaltar ainda, a contribuição das fontes naturais na emissão e liberação de Hg para os sistemas ambientais, por meio da volatilização/evaporação do material que compõe a crosta e o manto terrestre, do intemperismo e erosões, sendo menos importante as emissões vulcânicas, degradação de minerais e incêndios florestais 3. 
  • Porém, atualmente, as liberações naturais de Hg a partir dos solos e da superfície da água são significativamente influenciadas pela deposição prévia proveniente de fontes antropogênicas. A ordem de importância das fontes pela quantidade emitida varia de região para região, dependendo, entre outros, de fatores sócio-econômicos e demográficos 4.
Após sua entrada nos sistemas ambientais, o Hg apresenta um ciclo complexo no meio natural, compondo as formas inorgânica e/ou orgânica. Na forma inorgânica, pode ser encontrado sob três diferentes estados de oxidação: o Hg elementar (Hg0), o íon Hg dimérico (Hg22+), forma pouco estável em sistemas naturais, e o íon mercúrico (Hg2+). 
  • Na forma orgânica, o íon mercúrico apresenta-se ligado covalentemente a um radical orgânico, sendo o metilmercúrio (CH3Hg+) e o dimetilmercúrio ((CH3)2Hg) os mais comuns. Pode ainda combinar-se a ligantes orgânicos naturais, como ácidos fúlvicos e ácidos húmicos. A conversão entre estas diferentes formas de Hg é a base do complexo padrão de distribuição do elemento em seu ciclo biogeoquímico e de sua magnificação biológica 5.
A importância de se estudar o Hg em solos de manguezais é justificada pela elevada toxicidade e potencial de bioacumulação e biomagnificação que este metal apresenta, em associação a um ecossistema naturalmente dinâmico, característica intensificada pelas atividades antropogênicas. As espécies químicas mais tóxicas de Hg são as orgânicas: metilmercúrio (CH3Hg+) e dimetilmercúrio ((CH3)2Hg). A assimilação destas formas metiladas de Hg pelo homem pode alcançar 90% por meio da ingestão de alimentos contaminados, especialmente peixes, que concentram o metal até 103 – 104 vezes em relação à água 6. 
  • O efeito tóxico do metilmercúrio advém da ligação do mesmo a proteínas, bloqueando as atividades enzimáticas, devido à elevada solubilidade em ambientes lipídicos e à sua afinidade pelos átomos de enxofre dos grupos sulfidrila, abundantes no protoplasma 7.
À frente do problema exposto, é necessário salientar que, apesar de manguezais estuarinos atuarem como filtros para a contaminação com metais pesados, a persistência destes na forma de precipitados constitui uma fonte potencial secundária de contaminação, a partir da redisponibilização promovida por alterações químicas do meio, como pH e potencial de oxidação-redução, ou mesmo alterações físicas, como retrabalhamento da fauna, desmatamento e erosão. Na geoquímica dos sistemas de manguezais, a cada perturbação há perda de elementos do solo, tornando-o menos apto à ação de novos tensores e, por conseqüência, mais vulnerável e com menor capacidade de suporte 8.
  • A fim de contribuir para a avaliação do quadro de contaminação ambiental na Baixada Santista e Ilha do Cardoso, e assim possibilitar estudos sistemáticos sobre a potencial toxicidade do Hg, o presente estudo constitui um trabalho preliminar que teve por objetivo identificar áreas altamente poluídas, denominadas internacionalmente como "hotspots"9, determinando os conteúdos totais deste poluente em solos de manguezais.
Parte Experimental:
  • A definição das áreas partiu de uma revisão sobre o histórico da contaminação com Hg, baseada em relatórios de monitoramento publicados pela Companhia de Tecnologia e Saneamento Ambiental (CETESB) e pesquisas afins, nos quais foram relacionados o contaminante, no caso o metal pesado Hg, e a possível fonte do contaminante. Neste contexto, foram amostrados 5 perfis de solos de diferentes manguezais da Baixada Santista, além de uma área livre de atividades antrópicas expressivas, o manguezal da Ilha do Cardoso.
Área de estudo:
  • Os sistemas estuarinos de Santos e São Vicente inserem-se na região metropolitana da Baixada Santista, Estado de São Paulo, caracterizada pelos mais importantes exemplos brasileiros de degradação ambiental por poluição hídrica e atmosférica de origem industrial em ambientes costeiros 10. Localizada entre as coordenadas 23°40'S e 24°06'S e 45°45'W e 46°45'W, compreende a planície da Praia Grande, o Estuário de Santos, a Ilha de Santo Amaro, a Planície de Bertioga e as escarpas da Serra do Mar, totalizando uma área de 51.500 ha, com 10.800 ha cobertos pela vegetação de manguezais 11.
O sistema estuarino-lagunar de Cananéia-Iguape está localizado no extremo sul do Estado de São Paulo, entre as coordenadas 24°35'S e 25°10'S e 47°30'W e 48°05'W. Este ambiente apresenta 75 km de extensão e é composto por um complexo sistema de corpos d'água que circundam quatro ilhas: Iguape, Comprida, Cananéia e do Cardoso. Esta região tem importância ecológica bastante relevante, sendo um dos trechos mais estudados do litoral brasileiro, e classificada atualmente como Área de Preservação Ambiental (APA)12.

Clima:
  • O clima da região da Baixada Santista enquadra-se, segundo o sistema internacional de Köppen, nas classificações AF e CFA 13: AF = clima tropical úmido, sem estação seca, sendo a temperatura média do mês mais quente superior a 18 ºC. Esta classificação domina toda a região do Litoral Paulista; CFA = clima mesotérmico úmido sem estiagem, em que a temperatura média do mês mais quente é superior a 22 ºC, apresentando no mês mais seco precipitações pluviométricas superiores a 30 mm.
A circulação atmosférica é dominada pela brisa marítima local e pelas massas de ar tropical atlântica e polar. Nas escarpas da Serra do Mar e proximidades predominam dois fluxos de ventos: nordeste, no período noturno, e sudeste, no período diurno. As maiores velocidades de ventos ocorrem no inverno, atingindo valores máximos entre 13 e 15 h e decrescendo após as 19 h. Este comportamento tem grande importância na dispersão de poluentes atmosféricos provenientes das indústrias instaladas nas escarpas 14.

Relevo:
  • O termo baixada refere-se ao interespaço de planícies de marés com mangues existentes entre as duas principais ilhas da região, Santo Amaro e São Vicente, e os múltiplos esporões da Serra do Mar 15.
A Baixada Santista apresenta relevo de agradação, litorâneo e planície costeira, relacionado às planícies de restinga e às planícies marinha, fluvial e intertidal (mangues); são terrenos baixos, mais ou menos planos, próximos ao nível do mar, com baixa densidade de drenagem e padrão meandrante, onde ocorrem cordões (praias e dunas) 16.

Geologia e geomorfologia:
  • O relevo litorâneo do Estado de São Paulo até a Serra do Mar reflete os condicionamentos geológicos predominantes, caracterizando-se por compartimentos distintos definidos por uma região de planalto, com feições amorreadas, uma região de serras e escarpas abruptas e uma planície litorânea de sedimentação 16.
A região da Baixada Santista abrange parte do complexo cristalino do Planalto Atlântico, composto, sobretudo, por formações gnaissicas das escarpas, sustentadas pelos granitos do Pré-Cambriano. É descrita como um modelado revestido por formações superficiais pouco espessas recobertas pelas florestas tropicais, até os sedimentos costeiros quaternários da planície litorânea, de origem flúvio-marinha, com vegetação pioneira herbácea ou arbórea em solos que apresentam, em geral, hidromorfismo 16.
  • Os depósitos quaternários de baixadas são derivados da transgressão Cananéia e transgressão Santos holocênica e refletem as mudanças eustáticas e climáticas ocorridas no período 17. Os sedimentos derivam, além das variações do nível marinho e efeitos tectônicos recentes, de diferentes fontes de areia, de correntes de deriva litorânea e de sistemas ambientais que os retenham em forma de armadilha, como os sistemas estuarinos vegetados por manguezais 18.
Localização geográfica dos pontos de amostragem:
  • A delimitação da área de estudo seguiu critérios de distribuição das fontes potenciais de poluição. A localização dos pontos de amostragem 19 (Figuras 1 e 2) foi determinada de acordo com os principais condicionadores ecológicos do ecossistema de manguezal, sobretudo a influência do regime de marés, as bacias hidrográficas contribuintes e a vegetação característica de mangue.



Caracterização das fontes de poluição:
  • A CETESB sistematizou registros e dados históricos do lançamento de poluentes, identificando fontes atuais de poluição hídrica, cujos corpos receptores drenam para os ecossistemas marinhos e estuarinos. Também foram identificadas e caracterizadas as fontes potenciais de poluição existentes na região, incluindo terminais portuários, lixões, aterros sanitários, áreas contaminadas pela disposição inadequada de resíduos tóxicos, estações de tratamento de águas e esgotos, contribuições difusas e lançamentos in natura de esgotos em canais e rios 2.
Para definição dos locais de amostragem, foram consideradas as atividades industriais, portuárias, de saneamento básico e áreas contaminadas por resíduos que apresentavam Hg como produto ou manipulado pela fonte, ou presente como contaminante na matéria-prima, nos insumos ou no produto, ou, ainda, gerado pelo processo produtivo e sistemas de tratamento 2. Estas relações manguezal versus atividades contaminantes com Hg, são apontadas na Tabela 1.

Amostragem e análises químicas:
  • Para coleta das amostras semi-deformadas foram utilizados amostrador para solos inundados e tubos de policarbonato, com 5 cm de d.i. e 50 cm de comprimento, totalizando três repetições por ponto. No transporte para o laboratório, os tubos foram acondicionados verticalmente em caixas de isopor com gelo, à temperatura de aproximadamente 4 ºC. No laboratório, as amostras foram estratificadas em camadas de diferentes espessuras.
O pH (potencial hidrogeniônico) e o Eh (potencial de redução-oxidação) foram determinados no campo com aparelhos portáteis, no momento da amostragem. Os valores de pH foram obtidos com um eletrodo de vidro calibrado com soluções padrão de pH 4,0 e 7,0, e os valores de Eh, obtidos com um eletrodo de platina, foram corrigidos pela adição do potencial do eletrodo de referência de calomelano (+244 mV). Os conteúdos de carbono orgânico total (COT) e de enxofre total (S total) foram determinados em analisadores elementares, sendo o Leco CNH-1000 para o COT e o Leco 100 S-C 144DR para o S total.
  • A concentração dos sulfetos voláteis em ácido (AVS: SFeS amorfo, HS-, mackinawita, greigita) foi determinada em triplicata 20. Os sulfetos da fração AVS foram liberados na forma de H2S em um frasco de reação tampado, a partir de ~ 1,000 g de solo úmido com 25 mL de HCl 1 mol L-1 (desoxigenado durante 40-50 min), homogeneizado e submetido a um fluxo de nitrogênio, borbulhado lentamente durante 40 min, sob agitação constante. 
Os sulfetos liberados foram arrastados através do fluxo de N2, até um segundo frasco que continha 25 mL de solução de acetato de zinco 3%, ficando retidos como ZnS. Transcorrido o tempo de espera, adicionou-se à solução de acetato de zinco, 1 mL de H2SO4 concentrado e 4 mL de reativo de diamida. Este reativo foi preparado adicionando-se 1,6 g de sulfato de 4-amino-N, N-dimetilanilina e 2,4 g de FeCl3.6H2O em 100 mL de HCl 50% (v/v)21. A curva padrão foi preparada a partir de um padrão de sulfeto de 1000 mg kg-1(7,51 g L-1 de Na2S.9H2O em água ultrapura desoxigenada por 40-50 min), obtendo-se as concentrações de 0,00; 0,10; 0,20; 0,40 e 1,00 mg kg-1 de S2- em solução de ZnOAc 3%. 
  • Uma alíquota de 25 mL de cada padrão foi transferida para tubos de ensaio e na seqüência foram adicionados 1 mL de H2SO4 concentrado e 4 mL de reativo de diamida B. Após 30 min, a concentração de sulfetos foi determinada por colorimetria, utilizando-se espectrofotômetro ultravioleta-visível (UV-VIS) a um comprimento de onda de 670 nm (FEMTO – 600 plus).
A concentração de Hg total das amostras foi extraída em duplicatas por digestão com HNO3:HF (3:5 v/v) em forno microondas 700 W22. As quantificações foram realizadas por espectrometria de absorção atômica com vapor frio (CVAAS - Perkin Elmer FIMS 400) com limite de detecção de 1 µg L-1 de Hg. A precisão analítica dos processos de extração e quantificação foi testada utilizando-se materiais certificados de referência tanto com elevada concentração de Hg (Montana Soil ref. 2711 Hg = 6,25 ± 0,19 mg kg-1), como com baixa concentração de Hg (Coal Fly Ash ref. 1333b, Hg = 0,141 ± 0,019 mg kg-1), sendo a porcentagem de recuperação para ambos superior a 93,5%.
  • Adicionalmente, as variações nas concentrações de Hg através dos perfis amostrados foram estimadas por meio do fator de enriquecimento (FE). O cálculo dos FE de elementos químicos em solos, sejam eles de procedência natural ou de atividades humanas, é obtido pela normalização das concentrações através de um elemento de referência, como por ex. o alumínio, elemento residual dos processos de intemperização do solo 23. Este cálculo reduz o efeito da granulometria do solo sobre o conteúdo total de metais pesados, possibilitando a comparação entre amostras de profundidades distintas 24,25. 
Além disto, permite estabelecer concentrações de Hg mais elevadas que a esperada, segundo a base geológica. O cálculo dos FE foi efetuado pela razão (Hg total)/(Al total) para as amostras, em cada profundidade, e dividida pela mesma relação obtida para a amostra mais profunda do perfil considerado 25. O teor de Al empregado no cálculo foi determinado em espectrofotômetro de chama, no mesmo extrato digerido por solução de HNO3:HF (3:5 v/v).

Mercúrio total em solos de manguezais 
da Baixada Santista e Ilha do Cardoso, estado de São Paulo

Resultados e discussão:
Caracterização dos solos:
  • Os dados de caracterização dos solos são apresentados na Tabela 2. Os conteúdos de carbono orgânico total oscilaram entre 25,7% (P4 - 2,0 cm) e 0,53 % (P6 - 0,5 cm). Os teores mais elevados foram encontrados nas camadas superficiais dos solos, com exceção ao perfil amostrado na Ilha do Cardoso. Em geral, existe uma tendência a diminuir o seu conteúdo com a profundidade ainda que este decréscimo se apresente de modo irregular, devido à variação na distribuição das raízes no solo, concentradas principalmente entre 20 - 25 cm 26. 
Outra possibilidade pode ser o aporte irregular de matéria orgânica nestes ambientes, devido à variação da taxa de sedimentação. A porcentagem tão reduzida obtida para a camada mais superficial do solo amostrado na Ilha do Cardoso é conseqüência da textura arenosa que o mesmo apresenta 26.
  • A oscilação dos valores de pH para o conjunto das amostras esteve compreendida entre 6,1 (P6 – 22,5 cm) e 7,6 (P2 - 50 cm), estabelecendo condições de pH moderadamente ácidos ou alcalinos. Estes resultados estão em concordância com trabalhos anteriores para solos submetidos a condições anaeróbias 26,27.
Os menores valores de pH estiveram sempre associados à parte superficial do solo. Trabalhos recentes relacionam a acidez das camadas superiores dos solos de manguezais com processos de oxidação dos sulfetos de ferro (FeS), principalmente das frações mais lábeis, como a fração AVS, favorecida pela alta densidade de raízes presentes no horizonte superior 26-28.
  • Em contraste, os valores mais elevados de Eh foram determinados nos 10 cm superficiais do solo. Atendendo às condições de redução-oxidação, os solos dos manguezais estudados apresentam em superfície predominantemente condições sub-óxicas (Eh entre 100-300 mV), transformando-se em anóxicas com a profundidade (Eh < 100 mV). Nestas condições, em superfície devem predominar os processos redutores dos óxidos e hidróxidos de manganês (Mn) e ferro (Fe) e em profundidade a sulfato-redução deve ser o principal processo de oxidação da matéria orgânica 29.
O incremento de S total determinado em camadas abaixo de 20 cm de profundidade, devido fundamentalmente à síntese de pirita (FeS2) sustenta esta avaliação 26-28. A fração AVS determinada foi altamente variável, tanto espacialmente como em profundidade, sendo esta variabilidade relacionada ao seu caráter lábil, podendo ser rapidamente oxidada, formando a pirita, segundo as reações (1) e (2) 30:
Concentrações de Hg total
As concentrações determinadas em algumas camadas dos solos do manguezal do rio Cascalho (5,65 mg kg-1 de Hg - 3,5 cm) e canal da COSIPA (1,64 mg kg-1 de Hg - 50 cm) (Tabela 2) foram particularmente altas, em comparação com aquelas presentes nas demais amostras analisadas, superando o Valor de Prevenção estabelecido pela CETESB 10 para o elemento Hg em solos (0,50 mg kg-1). 
  • Porém, excluindo-se as duas amostras referidas, os valores médios observados para Hg total em solos de manguezais da Baixada Santista foram de 0,33 ± 0,20 mg kg-1 (n = 18), similares aos obtidos para a Ilha do Cardoso (0,30 ± 0,21 mg kg-1, n = 5), local de referência para este estudo, e inferiores ao Valor de Prevenção citado. Em média, a concentração total de Hg na crosta terrestre é de 0,02 mg kg-1, variando entre 0,02 mg kg-1 para rochas graníticas e 0,45 mg kg-1 para folhelhos 31. 
Segundo estudos relacionados à saúde pública 32, os quais avaliam os efeitos da exposição humana à contaminação, o teor máximo de Hg recomendado para solos seria 0,15 mg kg-1. É importante salientar que os solos amostrados se encontram em áreas drenadas por canais receptores de fontes diversas de Hg, como efluentes industriais, portuários e domésticos, e são consideradas, portanto, áreas críticas do ponto de vista da exposição humana e ambiental.
  • A observação dos fatores de enriquecimento com a profundidade (Figura 3) indicam um padrão irregular de distribuição de Hg nos perfis dos solos amostrados. Exceção a isto encontra-se para o rio Mariana, onde foi verificado um enriquecimento de Hg nas camadas superficiais do solo. Neste local, a atividade contaminante identificada pela CETESB2 foi a disposição de resíduos, a qual pode constituir uma fonte permanente de contribuição das concentrações de Hg para o ambiente. 

A distribuição irregular do Hg nas áreas estuarinas pode estar relacionada às atividades impactantes distintas em cada local, como a dragagem no canal da COSIPA, ou mesmo à influência das marés, determinando uma dinâmica peculiar aos solos em estudo, que modificam as condições do meio e interferem na mobilidade das espécies químicas. 
  • Os processos de bioperturbação, desenvolvidos principalmente pela atividade de caranguejos 28-33, devem também ser considerados, dificultando o estabelecimento de valores de datação e taxas de sedimentação para esses ecossistemas. Essa tendência pode ser visualizada em trabalhos realizados com tal finalidade, que apresentam diferentes taxas de sedimentação para o mesmo perfil de solo e demonstram distorções dos valores de datação do perfil regular em ambientes alterados 34.


Os campos de estabilidade para as formas de Hg em função das variáveis pH-Eh, determinadas nos solos de manguezais amostrados, são apresentados na Figura 4, onde é possível observar que as condições das amostras superficiais favorecem a formação do Hg elementar nesses ecossistemas. A alta volatilidade desta forma de Hg à temperatura ambiente pode contribuir para sua emissão para a atmosfera 35 reduzindo, conseqüentemente, sua concentração no solo.


  • Neste compartimento, os principais componentes que contribuem para a retenção de metais são os óxidos e hidróxidos de Fe e Mn, em condições óxicas, e os sulfetos, em meios anóxicos, segundo a reação (3) 37:
Hg2+ + FeS ® HgS + Fe2+ (3)
Nos perfis amostrados neste trabalho, os quais apresentaram condições sub-óxicas predominantes em superfície, a concentração de óxidos e hidróxidos de Fe e Mn deve ser baixa, sobretudo as formas mais reativas, menos cristalinas, devido à sua redução pelos microorganismos dos solos. A concentração de Fe reativo (solúvel em HCl 1 mol L-1) encontrado nestes solos (em geral 55,31 ± 14,7 µmol g-1; n=160)26 foi bastante reduzida. 
  • Além disso, as baixas concentrações obtidas para a fração AVS na camada superficial dos solos de manguezais também parecem indicar que o processo de retenção de Hg, segundo a reação (3), terá pouca influência no comportamento do metal. Neste sentido, a redução do sulfato a sulfeto, que ocorre a valores de Eh < 0 mV, alcançando valores máximos a Eh ~ -150 mV 38, se reproduz de forma pouco significativa, desfavorecendo a retenção do Hg como precipitado (HgS).
Conclusões:
  • Com exceção dos dois pontos apresentados com elevadas concentrações de Hg, em camadas superficiais dos perfis amostrados nos pontos P1 (Cascalho) e P2 (Cosipa), os valores médios de concentração de Hg total obtidos para solos da Baixada Santista foram similares aos obtidos na Ilha do Cardoso e inferiores ao Valor de Prevenção estabelecido pelo órgão ambiental, CETESB.
Nos manguezais as condições de redução-oxidação das camadas superficiais dos solos parecem favorecer a saída deste elemento do sistema, seja por volatilização do Hg elementar ou porque em condições sub-óxicas a retenção do metal pelo solo é menos eficiente que em ambientes óxicos ou anóxicos.

Agradecimentos:
  • À Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), pelo financiamento do projeto de pesquisa e bolsa concedida.
Referências:
  1. Lacerda, L. D.; Ciência Hoje 1984, 3, 63. [ Links ]
  2. http://www.cetesb.sp.gov.br/Agua/praias/relatorios.asp, acessada em Outubro 2005.
  3. http://www.chem.unep.ch/mercury/Report/GMA-report-TOC.htm, acessada em Agosto 2005.
  4. Schroeder, W. H.; Munthe, J.; Atmos. Environ. 1998, 32, 809. [ Links ]
  5. Micaroni, R. C. C. M.; Bueno, M. I. M. S.; Jardim, W. F.; Quim. Nova 2000, 23, 487. [ Links ]
  6. Figueiredo, B. R.; Minérios e ambiente, Unicamp: Campinas, 2000. [ Links ]
  7. Baird, C.; Química ambiental, 2ª ed., Bookman: Porto Alegre, 2002. [ Links ]
  8. http://www.bdt.fat.org.br/workshop/costa/mangue/, acessada em Novembro 2005.
  9. Myers, N.; Mittermeier, R. A.; Mittermeier, C. G.; Fonseca, G. A. B.; Kent, J.; Nature (London U.K.) 2000, 403, 853; [ Links ]Capobianco, J. P. R.; Ciência Hoje 2000, 27, 11. [ Links ]
  10. http://www.cetesb.sp.gov.br/Solo/relatorios.asp, acessada em Junho 2006.
  11. Silva, I. X.; Moraes, R. P.; Santos, R. P.; Martins, S. E.; Pompéia, S. L.; Resumos do Simpósio de Ecossistemas da Costa Brasileira, Serra Negra, Brasil, 1994. [ Links ]
  12. Bernardes, M. E. C.; Dissertação de Mestrado, Universidade de São Paulo, Brasil, 2001. [ Links ]
  13. Lamparelli, C. C.; Mapeamento dos ecossistemas costeiros do Estado de São Paulo, CETESB: São Paulo, 1998. [ Links ]
  14. Menezes, G. V.; Poffo, I. R. F.; Eisynk, G. G. J.; Schaeffer-Novelli, Y.; Resumos do Simpósio Sul-Americano de Recuperação de Áreas Degradadas, Foz do Iguaçu, Brasil, 1994. [ Links ]
  15. Ab'Sáber, A. N.; Litoral do Brasil, Metalivros: São Paulo, 2003. [ Links ]
  16. Rossi, M.; Tese de Doutorado, Universidade de São Paulo, Brasil, 1999. [ Links ]
  17. Suguio, K.; Martin, L.; Resumos do International Symposium on Coastal Evolution in the Quaternary, São Paulo, Brasil, 1987. [ Links ]
  18. Suguio, K.; Tessler, M. G. Em Restingas: Origem, Estrutura e Processos; Lacerda, L. D.; Araújo, D. S. D.; Cerqueira, R.; Turcq, B., eds.; CEUFF: Niterói, 1984, p. 15. [ Links ]
  19. Landsat 7 ETM; INPE: São José dos Campos, 2002. Escala 1:100.000. [ Links ]
  20. Kostka, J. E.; Luther III, G. W.; Geochim. Cosmochim. Acta 1994, 58, 1701. [ Links ]
  21. Cline, J. E.; Limnol. Oceanogr. 1969, 14, 454. [ Links ]
  22. Carral, E.; Puente, X.; Villares, R.; Carballeira, A.; Sci. Total Environ. 1995, 172, 175. [ Links ]
  23. Bidone, E. D.; Fernandes, H. M.; Silva Filho, E. V.; dos Santos, L. F. T.; Environ. Technol. 1993, 14, 271; [ Links ]Salminen, R.; Gregorauskiene, V.; Appl. Geochem. 2000, 15, 647. [ Links ]
  24. Luoma, S. N. Em Heavy Metals in the Marine Environment; Furness, R. W.; Rainbow, R. S., eds.; CRC Press: Boca Raton, 1990, p. 51. [ Links ]
  25. Otero, X. L.; Huerta-Diaz, M. A.; Macías, F.; Environ. Pollut. 2000, 110, 285. [ Links ]
  26. Silva, M. L. S.; Tese de Doutorado, Universidade de São Paulo, Brasil, 2005. [ Links ]
  27. Ponnamperuma, F. N.; Adv. Agron. 1972, 24, 29. [ Links ]
  28. Ferreira, T. O.; Tese de Doutorado, Universidade de São Paulo, Brasil, 2006. [ Links ]
  29. Essington, M. E.; Soil and Water Chemistry: An Integrative Approach, CRC Press: Boca Raton, 2004. [ Links ]
  30. Rickard, D.; Luther, G. W.; Geochim. Cosmochim. Acta 1997, 61, 135; [ Links ]Otero, X. L.; Calvo de Anta, R.; Macías, F.; Mar. Environ. Res. 2006, 61, 305. [ Links ]
  31. Wedepohl, K. H.; Geochim. Cosmochim. Acta 1995, 59, 1217. [ Links ]
  32. Hazardous Substances Data Bank; CD Room TOMES CPS TM SYSTEM. Toxicology, Occupatonal Medicine and Environmental Series, Englewwod, Estados Unidos, 2000. [ Links ]
  33. Litulo, C.; Estuarine, Coastal Shelf Sci. 2005, 62, 283. [ Links ]
  34. Marins, R. V.; Paula Filho, F. J.; Maia, S. R. R.; Lacerda, L. D.; Marques, W. S.; Quim. Nova 2004, 27, 763; [ Links ]Ferreira, J. R.; Tavares, G. A.; Magalhães, C. E.; Silva, N. C.; Taddei, M. H.; Ambio 2003, 32, 47. [ Links ]
  35. Martinez-Cortizas, A.; Pontevedra-Pombal, X.; García-Rodeja, E.; Nóvoa-Muñoz, J. C.; Shotyk, W.; Science1999, 284, 939. [ Links ]
  36. Brookins, D. G.; Eh-pH diagrams for geochemistry, Springer-Verlag: Berlin, 1988. [ Links ]
  37. Calmano, W.; Hong, J.; Förstner, U.; Water Sci. Technol. 1993, 28, 223; [ Links ]Di Toro, D. M.; Mahony, J. D.; Hansen, D. J.; Scott, K. J.; Hicks, M. B.; Mays, S. M.; Redmond, M. S.; Environ. Toxicol. Chem.1990, 9, 1489. [ Links ]
  38. Connell, W. E.; Patrick, W. H. Jr.; Science 1968, 159, 86; [ Links ]Patrick, W. H. Jr; Jugsujinda, A.; Soil. Sci. Soc. Am. J. 1992, 56, 1071. [ Links ]

Mercúrio total em solos de manguezais 
da Baixada Santista e Ilha do Cardoso, estado de São Paulo